EESP: representação discente e pressão acadêmica / Desafios e Recompensas

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GAZETA VARGAS

Vida na FGV

EESP: representação discente e presão acadêmica Brauner Cruz Vitor Barbosa

EESParta, né meu?

N

o ano de 2003, a antiga EAESP, com seu maduro curso de Administração de Empresas, ganhava uma irmã no prédio vizinho: a Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV). Hoje, em seu décimo aniversário, já figura como o melhor curso de Economia do país, segundo os resultados do ENADE recentemente publicados. No caderno de apresentação do curso, o objetivo é claramente definido: “Desenvolver um ambiente de aprendizagem (...) contribuindo para a formação de uma elite intelectual e dirigente do país”. A palavra elite expressa bem a concorrência dos vestibulares e o número de vagas abertas anualmente: apenas 60, sendo que até o ano passado eram 50. Já o número de formandos é bem menor, ficando próximo de 25 pessoas por turma. O número de bixos nos cursos de Administração Pública e Administração de Empresas da vizinha EAESP em um único ano (aproximadamente 500) supera com sobra o total de alunos que a graduação em economia contém em todas as salas. Desde sua criação, “o curso de graduação em Ciências Econômicas da FGV/ EESP adota, como principio básico, a busca da excelência e o reconhecimento do mérito acadêmico”. Na prática, isso resulta numa constante pressão por resultado sobre os alunos e no adensamento de conteúdos para incluir disciplinas que, em diversas outras instituições de ensino, são limitadas à pós-graduação.

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Essa pressão já herdou para a Escola apelidos como EESParta, expressões como #EESPNéMeu e também fez da palavra jubilamento parte ativa do vocabulário dos alunos. Isso provém da rigorosidade tanto das avaliações e do conteúdo do curso, quanto das regras de jubilamento (vide quadro). Apesar de já ter uma estrutura considerada rígida, várias mudanças que intensificaram tal quadro foram aprovadas pelo CEPE (conselho de coordenadores que detêm o poder decisório na escola) durante os últimos anos. Essas mudanças desagradaram ainda mais ao aluno, como a obrigatoriedade da realização da ANPEC - uma prova usada na seleção para Mestrado em Economia - como forma de avaliação do curso, sendo que o ENADE já era

aplicado; e a obrigatoriedade de realizar a DP assim que a matéria for oferecida. Além disso, a implementação do PBL implicou a ausência de REAVAL e o aumento no preço de algumas dependências de matérias consideradas core, que tiveram a quantidade de créditos aumentada e chegam a custar R$ 7.200,00 no semestre. Em meio às inúmeras regras de jubilamento postas, à densa carga horária, às mudanças dos últimos anos e à enorme demanda de estudos exigida pelo curso, os alunos muitas vezes reclamam do excesso de pressão e argumentam que ela é prejudicial para o aprendizado dos conteúdos. Chega-se a um ponto onde mais pressão e mais cobrança de resultados sobre o desempenho acadêmico não resultam em maior esforço dos alunos, pois o tempo é insuficiente. Resultam apenas na priorização de determinadas disciplinas, em mais cópia de listas e na busca por um aprendizado mais prático e menos aprofundado. Em suma, geram o que os próprios economistas gostam de chamar de “incentivos tortos”.


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Coordenação Numa intenção de ouvir o que é posto pela coordenação frente a tais reivindicações, através de uma conversa da GAZETA com a própria coordenação foi lembrado que o curso já está com a carga horária no limite inferior ditado pelo MEC - de 240 créditos (3600 horas) - e que essa exigência de carga horária é muito superior à de diversas outras faculdades de economia na Europa e nos EUA, e inclusive de outras universidades brasileiras como a USP. Argumenta também que existe um trade-off entre a pressão durante os três primeiros anos na faculdade e a liberdade para fazer um estágio no último ano: de fato, o penúltimo semestre da grade curricular dos ingressantes em 2012 prevê 28 créditos, sendo 8 à distância, 8 de monografia e 12 de eletivas - uma carga muito mais suavizada do que qualquer outro ano (vide quadro). Já o último semestre tem apenas 8 créditos, todos de eletiva. Dessa forma, permite-se que o aluno estagie, o que é facilitado pelo fato da EESP receber diversas ofertas de vagas de estágio por aluno. Além disso, a coordenação ressaltou que o curso seguiria um perfil determinado e seria direcionado aos alunos que se encaixariam neste perfil - exatamente aqueles que gostam de estudar e buscam o mesmo rigor acadêmico que os diretores. Não é uma intenção do curso atrair todos os tipos de aluno, e não deveria ser uma intenção do aluno adaptar-se forçosamente ao curso. Existe também a possibilidade de o aluno trancar matérias de maneira individual, aumentando a duração do curso. Isso não é feito sem custos acadêmicos, como a maneira com que as disciplinas serão oferecidas no futuro, mas serve como último recurso para o estudante que não está dando conta da pressão. Dessa forma, a coordenação compreende que a pressão acadêmica existe, mas que ela é saudável e necessária para a busca da excelência que sempre foi o

objetivo da Escola. É um dos fatores que a tornam diferenciada das outras, mesmo que isso implique um número reduzido de formandos todos os anos.

Representação Discente Esse confronto de opiniões sobre a pressão acadêmica que a faculdade exerce sobre os alunos por diversas vezes gera conflitos entre a coordenação/ direção e os estudantes. O principal órgão de representação discente da EESP é o Conselho de Representação Discente (CRD), que reúne cinco representantes de cada classe de todos os anos, além de representantes da coordenação e da direção. Nas pesquisas realizadas ao final dos semestres pelo Conselho, a avaliação quanto à direção da escola é sempre predominantemente negativa. O CRD é, contudo, um órgão meramente consultivo. No CEPE, não há qualquer poder ou representação direta dos docentes, discentes ou funcionários. Não quer dizer que suas ideias não estejam presentes através de algum coordenador, mas a decisão final não tem diretamente esses votos, cabendo apenas aos coordenadores indicados diretamente pelo diretor Yoshiaki Nakano. Dessa forma, é comum entre os alunos a crítica de que eles estão completamente excluídos do processo decisório. Esta percepção é ampliada por algumas medidas impostas de cima para baixo na faculdade, como citado anteriormente. Todas essas recentes decisões polêmicas por parte do CEPE dos últimos anos entraram em vigor com pouca ou nenhuma alteração, mesmo as questões sendo sempre levadas às reuniões do CRD e extensamente deba No entanto, a Escola busca argumentos e exemplos de que a voz dos alunos é, sim, muitas vezes escutada. Seja pelo CRD ou por outros meios de representação indireta, importantes mudanças já foram feitas: o trancamento individual de disciplinas, a redução na nota exigida no exame da ANPEC, a inclusão

da disciplina de finanças e a valorização do tempo de estudo fora das salas de aula por parte do PBL são exemplos destas mudanças. Inclusive, a partir dos ingressantes de 2013, é possível optar por realizar o curso em 5 anos, o que suavizaria muito a pressão. Ainda assim, resulta dentre os alunos, não de maneira generalizada mas de maneira recorrente, a impressão de que a direção da escola age sempre de modo vertical e dificultando cada vez mais o aprendizado e o desempenho acadêmico. Parece ignorar a pressão já existente e intensificá-la, sem perceber como ela afeta de maneira negativa o ambiente EESPiano. Os alunos são obrigados a se adaptar a tudo aquilo que os coordenadores acreditam ser melhor para a escola, enquanto a opinião deles é dificilmente levada em conta. Surge, dessa forma, uma descrença dos estudantes com o CRD e o seu poder de realizar mudanças concretas. A impressão é que, por ser um órgão meramente consultivo, levar as questões para serem debatidas nele não adianta nada, já que apenas um ou dois coordenadores (ou diretor) com poder de voto no CEPE estão presentes nas reuniões do CRD para avaliar as demandas. A descrença enfraquece ainda mais o conselho. Em diversas classes, há grande dificuldade para preencher as 5 vagas disponíveis por falta de candidatos. Em uma das tarefas mais importantes do CRD no ano - a avaliação feita junto aos alunos dos professores de maneira individual - o número de respostas é bem inferior ao de alunos, o que acaba não constituindo uma representação fiel. Acontece, também, de representantes não comparecerem às reuniões ou não cumprirem seus outros deveres enquanto membros. Além disso, os canais de comunicação entre o CRD e os alunos se estreitam, resumindo-se a posts ocasionais dentro de grupos no facebook com levantamento de pautas para as próximas reuniões ou divulgação de atas. Para a coordenação, o esvaziamento

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do CRD prejudica muito a comunicação entre os coordenadores e os alunos, e deveria ser melhor aproveitado. Trata-se de um espaço essencial onde as opiniões dos estudantes são ouvidas e, posteriormente, repassadas para o CEPE por meio da coordenadora do curso. O reduzido número de alunos da escola deveria facilitar essa comunicação. Ao esvaziar o CRD, os alunos acabam se prejudicando, pois perdem o espaço de representação que é oferecido pela própria escola, e que tem o potencial de influenciar decisões.

Conclusão A EESP é uma faculdade privada. Enquanto tal, tem liberdade para ter os próprios valores e princípios. Se a constante pressão é um caminho escolhido por ela para levar à tão objetivada excelência acadêmica, ninguém pode obrigá-la a mudar esse cenário. Até certo nível, cabe o argumento da coordenação: a faculdade é feita para um perfil específico de aluno disposto ao esforço constante em busca do desempenho acadêmico. Até então os argumentos parecem lógicos e consistentes: acredita-se em determinados valores e se estrutura o curso para atrair os estudantes que se aproximam dos princípios exigidos. Entretanto, é necessário compreender que a crítica dos alunos não é necessária ou exclusivamente sobre esses

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Vida na FGV argumentos. Até porque é comum que a grande parte dos ingressantes com um perfil diferente do exigido pela escola desistam do curso ainda no primeiro semestre. A classe dos ingressantes 2012 começou com cerca de 42 alunos, muitos saíram ainda nas primeira semanas e hoje em dia restam apenas 19. A classe dos ingressantes 2013 começou com cerca de 60, e já se aproxima dos 40 alunos, com alguma expectativa que esse número possa diminuir com os vestibulares para o próximo ano. Se admitirmos que a grande maioria dos alunos que continua no curso segue o perfil desejado pela faculdade, podemos perceber que o problema não está na incompatibilidade de pensamentos entre a direção e os estudantes. O que talvez falte aos integrantes do CEPE perceberem é que muitas vezes os alunos não contestam o objetivo da Escola, e sim os caminhos e os meios pelos quais busca-se tal objetivo. O problema não está na vontade de a EESP ser uma escola de excelência - desejo que é compartilhado por vários estudantes. O questionamento mais correto talvez seja outro: até que ponto os incentivos punitivos e a falta de segundas chances servem para selecionar os alunos com perfil desejado e obrigá-los a dedicar-se até o limite? Talvez por ter falhas nos canais de diálogo e não ter representação direta dos alunos e professores, os coordenadores não consigam perceber o que os alunos

percebem no cotidiano: existe um limite para a pressão e a demanda acadêmica que, uma vez ultrapassado, traz mais distorções do que resultados. Em outras palavras, a demanda do curso por carga horária é tão grande que a ideia de seguir à risca todas as obrigações torna-se irreal. O aluno, para seguir rigorosamente cada uma das disciplinas, como prevêem os docentes em seus programas, não poderia exercer qualquer outra atividade durante a semana. Dessa forma, a pressão deixa de alcançar resultado nos alunos e de aumentar o esforço empregado - que já é alto - e passa a incentivá-los a encontrar outras maneiras de conseguir a nota mínima para passar: seja copiando listas de exercício, estudando o conteúdo de forma mecânica e mais propícia para a prova, abandonando matérias em que já se tem uma nota razoável, sacrificando o estudo de matérias consideradas mais fáceis e coisas do gênero. Talvez com cargas horárias menos densas, os alunos passassem, por exemplo, a ler as bibliografias básicas de cada aula, a copiar menos listas, a aprofundarem-se e compreender cada vez mais cada um dos conteúdos de cada uma das disciplinas. Manter a rigorosidade de avaliação e diminuir a pressão poderia reduzir as distorções e os incentivos tortos recebidos pelos alunos, melhorando a aprendizagem. Existem mudanças pontuais feitas pela direção e proveniente das vontades dos alunos que de fato representam uma melhora - os exemplos citados pela coordenação ilustram isto. Contudo, os canais de representação ainda são insuficientes e a escola continua se baseando no princípio de que a pressão acadêmica exagerada traz somente benefícios, sem enxergar que também causa distorções. Enquanto a Escola continuar a demandar dedicação de 14 horas diárias para estudos, como faz com as turmas que ingressaram até 2012, continuará difícil para os alunos acreditar que é possível realizar o curso da maneira desejada. ¤


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Desafios e Recompensas Rafael Rossi

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empre que tive contato com as gestões da Gazeta que se seguiram à minha, perguntava aos recém-eleitos qual o maior desafio que eles achavam que enfrentariam. As respostas mais comuns se referiam a cumprir prazos, aumentar a periodicidade da publicação, aprimorar o conteúdo online, expandir a base de patrocinadores, entre outras, que expressavam preocupação com a manutenção das conquistas alcançadas e com o aprimoramento operacional da entidade. Em resposta, eu sempre prometia: “Nada disso. O maior desafio será o de gerir pessoas”. Tiro e queda: ao fim do mandato, vinham me reafirmar essa conclusão a que eu mesmo só cheguei após passar por todas as áreas da entidade, tendo começado na arte, contribuído na redação, participado do institucional e cumprido mandatos como Editor-Chefe e Presidente. Entrei na entidade com um objetivo bem restrito: queria elaborar as capas da revista e só. Contudo, uma vez que você passa a se inteirar dos debates, nas reuniões de pauta, e saber detalhes dos bastidores, começa a ficar difícil permanecer inerte. E assim começou minha imersão nessa entidade que é realmente uma empresa gerida pelos alunos, produzindo periódicos, eventos e informação em vez de consultoria, e onde temos concretas oportunidades de colocar em prática o que estudamos em sala de aula. Neste percurso, a EAESP, principalmente, passou por momentos conturbados, a começar pelas polêmicas demissões de professores, por motivos administrativos que iam da baixa apro-

vação dos alunos à autoria de manifestações desfavoráveis à gestão da fundação (vide edições 61 e seguintes, bem recapituladas nas edições 72 e 73), passando pela alteração ilegal do regimento da escola (edição 66) e até a proibição do consumo de cerveja no DA (edição 78) enquanto o espaço dos professores continuava a oferecer a mercadoria, inclusive se chamando Espaço Bohemia. Não faltou pauta para edição e com certeza essas edições trazem matérias que são leitura obrigatória para quem quer conhecer a história da FGV. De fato, as equipes de Redação e Arte tiveram um prato cheio para não só apresentar os fatos que ocorriam, mas também dar voz aos leitores nos debates que se sucediam. Ao mesmo tempo, a entidade lutava para se estabelecer de forma independente e, sobretudo, se profissionalizar. Neste esforço de garantir a profissionalização da Gazeta, a equipe Institucional também teve grandes desafios com a elaboração de treinamentos, manuais, diretrizes para processos seletivos, além de batalhar pela viabilidade econômica do periódico, por vezes em momentos de crise econômica, e alcançar seu registro formal como associação para obtenção de sua personalidade jurídica. Ainda assim, frente a tantos desafios, quer à frente da redação, como Editor-chefe, quer à frente do Institucional, como Presidente, lidar com pessoas e considerar o fator humano nas atividades desempenhadas foram os maiores desafios que encontrei. Não entenda aqui o leitor que, por ser desafiadora, a experiência não deixou de ser extremamente prazerosa! Ao final, tive a felicidade de trabalhar com

pessoas incríveis, que me ensinaram muito e muitas das quais ainda mantenho grande amizade. Contudo, lidar com disponibilidades distintas, prioridades distintas, personalidades excêntricas e gente muito inteligente dá bem mais trabalho do que havia antecipado. Aliás, a minha grande surpresa com essa conclusão foi constatar como damos pouca ênfase ao aspecto humano da organização em nossa grade acadêmica. Infelizmente, parte dos alunos só entenderá este aspecto quando ingressarem nos estágios e empregos, já longe do ambiente seguro da Universidade. Quando se passa tanto tempo colaborando com uma entidade como eu o fiz, é fácil colecionar uma infinidade de histórias e casos curiosos, mas igualmente por conta deste tempo todo, fica difícil fazer alusão rápida sem que o relato se torne uma lista enfadonha de conquistas e “tragédias” que não teriam a mesma significação para o leitor, mas que conto com todo prazer se algum dia o caro leitor quiser me perguntar (de preferência tomando um cafezinho). Então, deixo aqui apenas registrada a promessa que sempre fiz às futuras gestões para reflexão e um convite para que os alunos, professores e funcionários que ainda não passaram por essa experiência incrível, que é a contribuir com a Gazeta Vargas, usem e abusem do espaço que lhes é ofertado, mesmo que de forma pontual ou por curto período, para que deixem sua voz marcada na história da comunidade geveniana. ¤ Rafael Rossi foi membro das três áreas da Gazeta Vargas entre os anos de 2006 e 2009, além de Editor-Chefe e Presidente nesse período.

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