Edição 93, páginas 10-11

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Gazeta Vargas

Entrevistas e Debates

Cotas Raciais na FGV. É possível? Michael Cerqueira Priscilla Corrêa Reginaldo Gonçalves

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ovimentos sociais na FGV vêm questionando a possibilidade da FGV criar mecanismos de reservas de vaga para negros na nossa fundação. Por que não? O debate sobre políticas afirmativas de acesso à universidade no Brasil está posto há algum tempo. Com experiências em universidades pioneiras como a UERJ e a UnB, o assunto foi referendado a partir da decisão do STF de julgar constitucional a política de cotas raciais. No entanto, a discussão ainda reverbera. Diversos grupos questionam a legitimidade dessas ações e lutam para que essa decisão seja revertida. Baseados na ideia de igualdade e de manutenção da excelência das universidades, muitos especialistas se mostram contrários à adoção das reservas de vagas para grupos específicos da população. Não é o que pensam alguns alunos da Fundação Getulio Vargas que vêm se mobilizando para começar a fazer pressão para que a FGV assuma o compromisso de pluralizar seu alunato. O grupo chamado ‘Cotas na FGV’ reúne alunos de graduação e pós e conta com encontros regulares para a discussão sobre a situação nas universidades brasileiras. O que se reivindica é que a FGV, mesmo como instituição privada, assuma esse protagonismo e mostre que quanto maior a pluralidade de uma faculdade, melhor para seus alunos e para a sociedade.

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Uma questão de justiça Os números assustam. Segundo o Censo Demográfico de 2010, 47,7% da população brasileira se declara branca, enquanto a maioria, 50,7%, se declara preta ou parda. Porém, quando se trata da população com ensino superior, o mesmo Censo indica que 3 em cada 4 pessoas são brancas. Quando estendemos o debate a outras áreas novamente, observamos diferentes desigualdades em relação à população negra. A partir de relatórios do IPEA, é possível observar que o rendimento das famílias negras é equivalente a 60% das famílias

Somente 25,6% dos cargos de supervisão, 13,2% dos cargos de gerência e 5,3% dos cargos de diretoria são ocupados por negros. DIEESE, 2009 brancas, que a taxa de analfabetismo é maior entre negros e mesmo que a taxa de homicídios entre jovens incide mais sobre eles. Todas essas estatísticas refletem decisões de nossa sociedade e dizem respeito sobre nosso racismo. A exclusão do negro é clara nos mais diferentes espaços da nossa sociedade. Apesar da existência dos números é só observar a proporção de negros que você encontra

em cargos de gerência e naqueles que você encontra nas profissões menos qualificadas (25,6% dos cargos de supervisão, 13,2% dos cargos de gerência e 5,3% dos cargos de diretoria são ocupados por negros DIEESE, 2009). Isso diz respeito, no Brasil, a um racismo camuflado. Em nossa história excluímos do negro qualquer possibilidade de ascensão pelas chamadas vias meritocráticas. A Lei de Terras de 1850 é um exemplo. Passou a cobrar em dinheiro a aquisição de terras, o que excluía os escravos recém-libertos da possibilidade de ter propriedade e iniciar um pequeno empreendimento. Dessa forma se relegou a esse estrato da população às regiões das encostas dos morros e às atividades que não exigissem formação. Tudo isso resultou numa sociedade bastante dividida. Sem acesso a posições privilegiadas e, com a ideia de superioridade branca, naturalizou-se essas diferenças, formando assim uma elite dominante branca e uma população pobre majoritariamente negra. Com isso, os acessos à educação formal, a melhores salários e o empreendedorismo desse estrato tornaram-se extremamente dificultados. Dessa forma, dizer que as cotas não são meritocráticas, quando os vestibulares também não o são, é falacioso. Os pontos de partida são bastante distintos. Devido à configuração da nossa sociedade, somente os formados em boas escolas tem chances reais no vestibular, e esses espaços são dominados pelos brancos. Os negros que chegam ao ensino médio já são privilegiados e ainda assim estão em situação de desigualdade a dos brancos. O acesso à universidade se torna desigual e, se partimos da ideia de que uma sociedade melhor é uma sociedade mais diversa, plural e que garante oportunidades para todos explorarem suas capacidades, é preciso criar mecanismos para que isso aconteça. Dessa necessidade nasce a questão das cotas.


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Cotas Raciais ou Cotas Sociais? As cotas raciais são um mecanismo temporário criado para garantir o acesso de negros á universidade. Utilizada durante anos nos EUA, ela foi resposta ao apartheid que o país viveu durante décadas. O que justifica sua utilização no Brasil são os dados pífios de acesso à universidade por parte dos negros, urgindo do governo uma atitude – somente 8% dos estudantes das universidades brasileiras são negros. Muito se fala que as cotas sociais responderiam a essa necessidade, uma vez que ao abranger os negros, incluiria-os naturalmente e evitaria que negros com recursos acessassem a universidade por cotas. No entanto é importante analisar os dados. Ao se observar o Ensino Médio, alunos negros tem pior rendimento e maior fracasso escolar do que alunos brancos, mesmo com a mesma trajetória escolar. O que pode ser verificado no PNAD, no qual 43% de alunos negros já tiveram algum fracasso escolar, enquanto esse número cai para 27% entre os brancos. Ou mesmo no mercado de trabalho onde brancos e negros com a mesma qualificação não tem o mesmo rendimento, chegando à diferença de 42% no rendimento na Pesquisa de Emprego e Desemprego de 2009. De onde se explicaria essas diferenças? Além do racismo incutido e a inserção incompleta desse grupo no mercado de trabalho, há uma clara ausência de referência. Enquanto uma pessoa branca se vê representada constantemente na mídia em posições dominantes, o negro é sempre retratado em uma posição subalterna. Além de grandes figuras públicas negras serem poucas quando se exclui as áreas relacionadas ao entretenimento. Cria-se um lugar subjetivo do negro para a população, e a cultura se reabastece a partir dessas diferenças. São nesses pequenos símbolos que se reafirmam o preconceito

e se passa a ideia de que vivemos em um país racialmente justo, uma vez que essas imagens são construídas a partir de um ideário e não de normas e leis escritas e normatizadas. No entanto, seus efeitos são perversos e continuam a excluir o negro mesmo em situações precárias. Dessa maneira as cotas sociais são pouco efetivas quanto à inclusão do negro.

E a FGV com isso?

A FGV é certamente uma das maiores referências universitárias no Brasil e no mundo. E ela reflete pouco a realidade da nossa população. Entre os alunos, são muito poucos os que são negros e quando encontramos algum

Ela (a FGV) tem um dever moral de inserir os negros na faculdade” diz Henrique Pimentel, um dos criadores do movimento Cotas na FGV é constante questionamento se ele é “gringo”. Que não se caia na falácia que a FGV não tem negros. Tem bastante. Mas eles estão na limpeza. “A questão da Fundação Getulio Vargas ter cotas raciais em seus processos seletivos condiz com a diretiva da faculdade, sobretudo no curso de Administração Pública, de pluralizar a faculdade” diz Henrique Pimentel, um dos criadores do grupo de Cotas da FGV. “Ela tem um dever moral de inserir os negros na faculdade” completa. Sabendo da resistência que há no ambiente geveniano no corpo discente e docente a ideia é criar intervenções, debates e formações

para poder inserir a temática e a partir daí demonstrar a importância de se assumir essa bandeira dentro da Fundação. E os resultados têm se mostrado positivos. Pesquisas recentes de universidade que adotaram cotas mostram que os resultados entre os alunos cotistas e não cotistas são bastante próximos, sendo inclusive maiores e com maior presença no curso no caso da UERJ. Isso serve para demonstrar que o argumento que as faculdades perdem qualidade ao aderirem às cotas é falso. Só se tem a ganhar com a convivência do diferente e a redução da desigualdade oriunda de questões raciais. Conhecemos bem o esforço da FGV em dar todo o suporte para os alunos e o cumprimento da máxima de que condição socioeconômica não será impedimento de um aluno estudar na FGV. No entanto, isso não garante a presença de alunos negros na Fundação. Se queremos uma sociedade mais justa e inclusiva é preciso reparar os erros feitos pela nossa sociedade no passado. Mesmo com suas limitações e dificuldades, as cotas ainda são um meio eficiente de inserção do negro no meio universitário. Sabemos dos desafios e do racismo presente no mercado de trabalho para os que se formam. Mas conforme tivermos mais negros formandos nas nossas universidades, com mais pressão e mais empregadores, pouco a pouco vamos acabando com essa lógica perversa. Que a FGV mostre que ela pode ser vanguarda também nesse assunto. ¤

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