ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA FAZENDA PÚBLICA E DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DE PORTO ALEGRE
Procedimento nº 00843.046.481/2022 — Ação Civil Pública
Processo Judicial 5076379-63.2022.8.21.0001
Comarca de Porto Alegre
1º Juízo da 7ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre
Polo ativo: Centro dos Profs do Est do Rs Sind dos Trab em Educacao, CNPJ nº 92.908.144/0040-75
Polo ativo: Intersindical - Central da Classe Trabalhadora, CNPJ nº 20.937.429 /0001-17
Polo passivo: Estado do Rio Grande do Sul, CNPJ nº 87.934.675/0001-96
Terceiro Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, CNPJ nº 93.802.833 /0001-57
PARECER PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

MM. Juiz(a) de Direito:
Trata-se de ação civil pública ajuizada por Intersindical - Central da Classe
Trabalhadora e Trigésimo Nono Núcleo do Centro dos Profs do Est do Rs Sind dos Trab em Educacao-CPERS, em face do Estado do Rio Grande do Sul - ERGS, que pretende antecipação de tutela com o fim de suspender novas adesões ao Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM) no âmbito das escolas públicas no Estado do Rio Grande do Sul; e, no mérito, postula a declaração de ilegalidade da aplicação do Decreto Federal nº 10.004/2019 às escolas do Rio Grande do Sul, em face da Lei Estadual nº 10.576/1995, que dispõe sobre a gestão democrática do ensino público; sucessivamente, requer seja declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade do
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Procedimento nº 00843.046.481/2022 — Ação Civil Pública
Decreto nº 10.004/2019, em observância às diretrizes instituídas pela Constituição
Estadual. Requer, ainda, seja determinada a sustação e a revogação da implementação do PECIM nas escolas públicas no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul. Inicial instruída com documentos (Evento 1).
Indeferido o pedido liminar (Evento 18), sob o argumento de que o PECIM é complementar a outras políticas educacionais dos Estados e Municípios. Ademais, não vislumbrou o Juízo ilegalidade expressa a ponto de sustar o andamento do referido plano em âmbito estadual, visto que os entes federativos que aderirem ao PECIM regulamentarão em seus âmbitos de competência, por instrumento específico, não havendo informação clara da ausência da participação democrática. Diante disso, e considerando que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, entendeu o Juízo não estarem presentes os requisitos ensejadores para a concessão da tutela provisória de urgência.
Na sequência, o ERGS foi citado e ofereceu contestação no Evento 24, asseverando que há incompetência da Justiça Comum, dada a existência de litisconsórcio passivo necessário com a União Federal. Alega, outrossim, que é descabida a utilização da ação civil pública como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. No mérito, sustenta que inexiste vício formal do Decreto nº 10.004/19, havendo observância do limite regulamentar e assumindo o PECIM caráter meramente colaborativo e auxiliar nas instituições de ensino.
Opostos embargos de declaração pela parte autora, foram oferecidas contrarrazões pelo demandado, no Evento 30.
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Desacolhidos os aclaratórios (Evento 32), seguiu-se apresentação de réplica pela parte autora, em que repisados os termos da exordial e rebatidos os argumentos defensivos (Evento 40).
Interposto agravo de instrumento, quanto à decisão que indeferiu o pedido liminar, foi concedida tutela antecipada recursal de urgência, pelo Des. Ricardo Pippi Schmidt (Evento 43), para determinar a suspensão de novas adesões ao Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, no âmbito das escolas públicas do Estado do Rio Grande do Sul (Agravo de Instrumento nº 5225009-16.2022.8.21.7000 /RS).
Manifestou-se o Ministério Público pelo afastamento das preliminares (Evento 52), o que foi acolhido pelo Juízo no Evento 54.
Diante do desinteresse das partes na dilação probatória (Eventos 59/61), vieram os autos ao Ministério Público para elaboração de parecer de mérito.
É o sucinto relatório.
A parte autora pretende, com a presente demanda, seja declarada a ilegalidade da aplicação do Decreto Federal nº 10.004/2019 às escolas estaduais, em face da Lei
Estadual nº 10.576/1995, que dispõe sobre a gestão democrática do ensino público. Sucessivamente, postula a declaração incidental de inconstitucionalidade do Decreto nº 10.004/2019, em observância às diretrizes instituídas pela Constituição Estadual.
Pretende, ainda, seja determinada a sustação e revogação da implementação do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares - PECIM nas escolas públicas no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul.
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Inicialmente, insta consignar que o Decreto nº 10.004/2019 instituiu o Programa
Nacional das Escolas Cívico-Militares, tendo estabelecido, em seu art. 5º, as diretrizes do PECIM:
Art. 5º São diretrizes do Pecim:
I - elevação dos índices de desenvolvimento da educação básica, por meio de integração transversal com os programas do Ministério da Educação;
II - utilização de modelo para as Ecim baseado nas práticas pedagógicas e nos padrões de ensino dos colégios militares do Comando Exército, das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares;
III - implementação do modelo das Ecim de forma gradual, nas modalidades fomento e fortalecimento, nos Estados, nos Municípios e no Distrito Federal;
IV - celebração de acordos de cooperação no âmbito da administração pública;
V - estabelecimento de parcerias entre as Secretarias de Educação estaduais, municipais e distrital e as Secretarias de Estado de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal;
VI - estabelecimento de parcerias entre os entes federativos;
VII - aplicação dos recursos disponibilizados pelo Ministério da Educação para a implementação do Programa;
VIII - viabilização da contratação pelas Forças Armadas de militares inativos como prestadores de tarefa por tempo certo para atuarem nas áreas de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa;
IX - avaliação contínua das escolas que aderirem ao Programa;
X - certificação das escolas que implementarem o modelo das Ecim; e
XI - emprego de oficiais e praças das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares, para atuarem nas áreas de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa.

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Verifica-se, assim, que dentre as diretrizes estabelecidas pelo Decreto hostilizado constam a utilização de modelo baseado nas práticas pedagógicas e nos padrões de ensino dos colégios militares, a contratação pelas Forças Armadas de militares inativos para prestarem tarefas nas áreas de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa, assim como o emprego de oficiais e praças das polícias militares e corpos de bombeiros militares para atuarem nessas mesmas áreas.
Com base nessas diretrizes, observa-se que a gestão administrativa e de conduta das escolas cívico-militares fica atribuída a militares ou profissionais de segurança indicados por outros órgãos, o que contraria, s.m.j., a previsão contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, quanto à gestão democrática do ensino público, além de infringir a regra constitucional de exigência de concurso público. Senão, vejamos.
A respeito da gestão democrática do ensino público, a Lei Estadual RS nº 10.576 /95 dispõe:
Capítulo I
Da Autonomia na Gestão Administrativa
Seção I

Disposições Gerais
Art. 4º - A administração dos estabelecimentos de ensino será exercida pelos seguintes órgãos:
I - Diretor
II - Vice-Diretor ou Vice-Diretores;
III - Conselho Escolar.
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Art. 5º - A autonomia da gestão administrativa dos estabelecimentos de ensino será assegurada:
I - pela indicação do Diretor, mediante votação direta da comunidade escolar;
II - pela escolha de representantes de segmentos da comunidade no Conselho Escolar;
III - pela garantia de participação dos segmentos da comunidade nas deliberações do Conselho Escolar;
IV - pela atribuição de mandato ao Diretor indicado, mediante votação direta da comunidade escolar;
V - pela destituição do Diretor, na forma regulada nesta lei.
Seção II
Dos Diretores e Vice-Diretores
Art. 6º - A administração do estabelecimento de ensino será exercida pelo Diretor e pelo(s) Vice-Diretor(es), em consonância com as deliberações do Conselho Escolar, respeitadas as disposições legais.
Art. 7º - Os Diretores das escolas públicas estaduais poderão ser indicados pela comunidade escolar de cada estabelecimento de ensino mediante votação direta.
Parágrafo único - Entende-se por comunidade escolar, para efeito desta lei, o conjunto de alunos, pais ou responsáveis por alunos, membros do Magistério e demais servidores públicos, em efetivo exercício no estabelecimento de ensino.
Pela leitura do diploma legal acima colacionado, constata-se que a legislação estadual prestigia o princípio da autonomia na gestão administrativa escolar, visto que
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compete à equipe diretiva a administração do estabelecimento de ensino, composta pelo Diretor, Vice-Diretor e Coordenador pedagógico, a partir das deliberações emanadas pelo Conselho Escolar.
Cediço que o art. 24 do Decreto Federal nº10.004/2019 prevê que "os militares que atuarem nas Ecim não serão considerados, para todos os fins, como profissionais da educação básica, nos termos do disposto no art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996".
No entanto, considerando o disposto no art. 5º do mesmo Decreto Federal, onde prevista a expressa utilização dos militares nas áreas de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa, entende-se, com a devida vênia, que restou violada a norma estadual que contempla a gestão democrática do ensino público.
De outra banda, a Constituição Federal, no art. 214, reza expressamente que incumbirá à lei estabelecer o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas.
Nessa linha, foi aprovada a Lei Federal nº 9.394/96 (LDB), que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional, que no art. 1º, §1º, assim dispõe:
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
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Desta forma, conclui-se que a criação de modalidade diversa de educação escolar que não esteja contemplada na LDB reclama criação por lei e não por decreto, sob pena de violação do princípio da legalidade.
Cumpre notar, também, que a Constituição Federal, no art. 206, insculpiu como um dos princípios do ensino público a gestão democrática, na forma da lei. E a LDB, em seu art. 3º, inc. VIII, reprisou a previsão de que o ensino público será ministrado com base no princípio da gestão democrática, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino. Quanto a essa participação democrática, está prevista expressamente no art. 14 da LDB, que contempla, no inciso I, a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, e no inciso II, a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
A gestão democrática do ensino público também está prevista como princípio na Constituição Estadual do RS:
Art. 197. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
V - valorização dos profissionais do ensino;
VI - gestão democrática do ensino público;
A Lei Estadual RS nº 10.576/1995, por sua vez, já no art. 1º, introduz como norte do ensino público estadual, o princípio da gestão democrática:
Título I
Da Gestão Democrática do Ensino Público
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Art. 1º - A gestão democrática do ensino público, princípio inscrito no artigo 206, inciso VI da Constituição Federal e no artigo 197, inciso VI da Constituição do Estado, será exercida na forma desta lei, com vista à observância dos seguintes preceitos:
I - autonomia dos estabelecimentos de ensino na gestão administrativa, financeira e pedagógica;
II - livre organização dos segmentos da comunidade escolar;
III - participação dos segmentos da comunidade escolar nos processos decisórios e em órgãos colegiados;
IV - transparência dos mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos;
V - garantia da descentralização do processo educacional;
VI - valorização dos profissionais da educação;
VII - eficiência no uso dos recursos.
Conclui-se, assim, que prospera a pretensão deduzida na inicial, considerando que a utilização, no ensino público estadual, de modelo baseado em práticas pedagógicas e padrões e ensino dos colégios militares, bem como o emprego de militares inativos e oficiais e praças militares e dos corpos de bombeiros militares nas áreas de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa infringe o princípio da autonomia na gestão administrativa escolar, consagrado na Constituição Estadual do RS e na Lei Estadual nº 10.576/1995.
Ante o exposto, opina o Ministério Público pela da ação, nos procedência termos acima delineados.
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, Porto Alegre 27 de junho de 2023
, José Francisco Seabra Mendes Júnior
. Promotor de Justiça
Nome:
Lotação:
Data:
José Francisco Seabra Mendes Júnior
Promotor de Justiça — 3429172
Promotoria de Justiça da Fazenda Pública e dos Juizados Especiais Cíveis de Porto Alegre 27/06/2023 18h34min
Documento eletrônico assinado por login e senha (Provimento nº 63/2016-PGJ).