Padrões espaciais e criminalidade na UFSC - Campus Trindade

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA PET ARQUITETURA E URBANISMO MARIANA SOARES / RENATO T. DE SABOYA / GABRIEL G. GROSSKOPF / JULIA R. ELI

PADRÕES ESPACIAIS E CRIMINALIDADE EM ESTACIONAMENTOS DA UFSC CAMPUS TRINDADE

FLORIANÓPOLIS 2018


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Mariana Soares Renato Tibiriçá de Saboya Gabriel George Grosskopf Júlia Roberta Eli

PADRÕES ESPACIAIS E CRIMINALIDADE EM ESTACIONAMENTOS DA UFSC - CAMPUS TRINDADE

Relatório de pesquisa viabilizado pelo Programa de Educação Tutorial do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina

1ª edição

Florianópolis Universidade Federal de Santa Catarina

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INFORMAÇÕES

A pesquisa intitulada “Padrões espaciais e criminalidade em estacionamentos da UFSC - Campus

Trindade” foi viabilizada pela Universidade Federal de Santa Catarina através das seguintes entidades: Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Arquitetura e Urbanismo; Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo; Grupo de Pesquisa Urbanidades: Forma Urbana e Processos Socioespaciais.

Autores Dra. Arq. Mariana Soares (pesquisadora do Pós-Arq UFSC) Dr. Arq. Renato Tibiriçá de Saboya (professor orientador) Gabriel George Grosskopf (Bolsista PET) Julia Roberta Eli (Bolsista PET)

Florianópolis 2018 4


Sumário Resumo............................................................................................................................................................................................. 7 1. Introdução................................................................................................................................................................................. 8 2. Registro Criminal na UFSC.............................................................................................................................................. 10 3. Vigilância Natural na Criminologia Ambiental.................................................................................................... 12 4. Objetivos.................................................................................................................................................................................. 15 5. Hipóteses................................................................................................................................................................................. 16 6. Método..................................................................................................................................................................................... 17

Seleção dos Locais de Análise............................................................................................................................... 18

Determinação das Variáveis para Análise......................................................................................................... 22

Variáveis de Interesse............................................................................................................................... 22

Visibilidade................................................................................................................................... 22 Permeabilidade........................................................................................................................... 23 Apropriação do Espaço........................................................................................................... 23

Variedade de Uso do Solo..................................................................................................... 24

Variáveis de Controle................................................................................................................................ 25

Iluminação.................................................................................................................................... 25

Vigilância Mecânica e Organizada...................................................................................... 25

Visitas Exploratórias................................................................................................................................................... 27

Digitalização das Informações............................................................................................................................... 27

Coleta de Dados da Plataforma Virtual............................................................................................................. 28

7. Resultados............................................................................................................................................................................... 29 Visibilidade.................................................................................................................................................................... 30

Permeabilidade / análise global............................................................................................................................ 34

Permeabilidade / análises locais........................................................................................................................... 36

Variedade de uso do solo........................................................................................................................................ 38

Apropriação do espaço............................................................................................................................................ 42

Iluminação..................................................................................................................................................................... 48

Vigilância Mecânica e Organizada....................................................................................................................... 50

Sobreposição das Variáveis.................................................................................................................................... 52

Plataforma Virtual Georreferenciada.................................................................................................................. 54

8. Conclusão................................................................................................................................................................................ 56 Referências................................................................................................................................................................................... 58 Anexo - Questionário Online.............................................................................................................................................. 60 Publicações.................................................................................................................................................................................. 66

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Resumo

Embora haja um grande número de estudos que analisam a relação entre a forma urbana e a

ocorrência de crimes, estudos específicos em espaços universitários ainda são raros. Neste trabalho, são analisados dois pares de estacionamentos no campus principal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, para verificar se os conceitos de visibilidade, permeabilidade, nível de apropriação do espaço e diversidade de uso do solo podem ser fatores explicativos de uma maior ou menor ocorrência de crimes nesses locais. Dois pares de estacionamentos foram escolhidos por apresentarem, em cada par, quantidades semelhantes de vagas e quantidades contrastantes de crimes. A análise comparativa foi feita com base em levantamentos em campo, observação e elaboração de mapas, incorporando conceitos da Teoria da Sintaxe Espacial como as medidas de área de isovista e integração espacial. Os resultados indicam que a visibilidade e permeabilidade são efetivamente importantes para diminuir a ocorrência de crimes. Por outro lado, a quantidade de pessoas em cada local, por si só, não foi capaz de explicar as diferenças nas taxas de crimes, a não ser quando foi considerada sua distribuição ao longo do dia e a visibilidade a partir dos principais caminhos para os estacionamentos. Quanto aos usos do solo, os resultados mostraram-se contrários à crença disseminada entre arquitetos e urbanistas de que maior diversidade estaria relacionada a menor número de ocorrências criminais. Complementando a análise dos estacionamentos, foi elaborado um questionário virtual georreferenciado como ferramenta de coleta de dados criminais, incluindo nesse registro a componente espacial.

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1. Introdução

O medo de ser vítima de um crime tem afetado cada vez mais a qualidade de vida da população

brasileira, alterando o modo de se perceber e pensar a cidade. O sentimento de insegurança provocado pela criminalidade gera nas pessoas uma tendência ao isolamento social, provocando uma alteração na configuração tradicional das cidades. Gradualmente aumenta a preferência por moradia em condomínios fechados, isolados da rua por barreiras físicas e/ou visuais, reforçando a formação de vizinhanças monofuncionais (CALDEIRA, 2000). Tal postura se reflete, portanto, em projetos arquitetônicos que negam as relações dialéticas entre a construção e a cidade, afetando diretamente a relação das pessoas com os espaços públicos. Desse modo, a segurança pública passa a ser delegada a entidades de fiscalização e equipamentos de vigilância.

No início da década de 1960, Jane Jacobs (2001) analisou o comportamento social da população

urbana, especialmente o papel e o cuidado dos moradores com o espaço comum. Argumentou que aspectos da configuração dos espaços urbanos, como o uso diversificado, a existência de atrativos para as pessoas circularem nas ruas e a promoção da vigilância natural nos espaços públicos – aquela exercida pelos próprios usuários do local, denominados de “olhos da rua” – seriam condições fundantes para a segurança de um espaço (JACOBS, 2001). Nesse sentido, a obra de Jacobs foi fundamental para a compreensão da segurança pública também associada a variáveis humanas, as quais estariam intimamente relacionadas a condicionantes do ambiente construído.

Dando continuidade às reflexões de Jacobs, uma série de outros estudos buscaram estabelecer

relações entre a criminalidade e o espaço construído, constituindo uma área do conhecimento denominada de Criminologia Ambiental. Nessa linha do tempo, Oscar Newman (1976) inaugurou na década de 1970 o conceito de espaço defensável, reforçando a relação associativa entre desenho espacial e empoderamento de habitantes no exercício da vigilância natural e segurança pública. Timothy Crowe (1991), na década de 1990, disseminou o conceito de “CPTED” (Crime Prevention Through Environmental Design - “Prevenção de crimes pelo arranjo espacial”, em tradução livre), apontando práticas e estratégias de projeto arquitetônico e arranjo espacial que poderiam contribuir com a segurança pública. Apoiados nesses estudos inaugurais, outros autores contribuiram para a construção desse conhecimento, buscando identificar padrões de comportamento e possíveis relações com o ambiente construído.

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Embora tenha-se uma quantidade significativa de estudos sobre Criminologia Ambiental, gran-

de parte deles tratam prioritariamente da relação entre configuração espacial e criminalidade nas cidades em geral, não abordando locais que possuem configurações específicas e características próprias, como os campi universitários. A estrutura desses lugares, em geral composta por espaços públicos abertos contendo áreas de lazer (praças, quadras de desporto e outros) e edificações (salas, laboratórios, bibliotecas, auditórios, centros culturais, cafeterias, entre outros), estimula diferentes tipos de interações sociais entre as pessoas que circulam em seu interior. Considerando-se que os problemas que ocorrem nas cidades, como é o caso da criminalidade, também podem ocorrer nos campi, é importante conhecer melhor a relação entre a configuração espacial de campi universitários e as ocorrências criminais neles registradas.

Considerando-se que se, por um lado, a estrutura universitária conta com uma comunidade de

usuários menos heterogênea que os espaços urbanos em geral e, normalmente, vigias e câmeras de vigilância, por outro possuem: a) alto poder de atração de pessoas, gerando padrões intensos de movimento, especialmente em horários de entrada e saída dos turnos escolares, o que pode gerar certo anonimato; b) alvos atrativos, especialmente no que diz respeito a equipamentos eletrônicos portáteis, tais como aparelhos celulares e notebooks; c) no caso de campi de universidades federais, dificuldade de monitoramento e atuação por parte das polícias estaduais.

Sabendo-se disso, destacamos que o debate sobre a relação entre ocorrências criminais nos

campi e o espaço da instituição têm privilegiado somente questões como a dificuldade de circulação pelo campus, falta de iluminação adequada, terceirização da segurança e precariedade do trabalho da Guarda Universitária, sem abordar com maior profundidade a configuração espacial desses locais. Entender se a espacialidade pode interferir na ocorrência de crimes - e também como se dá esse processo - pode contribuir na elaboração e reformulação de planos de desenvolvimento institucional e respectivos planos diretores que englobem aspectos de segurança. Sendo assim, adotamos como objeto de estudo desta pesquisa o Campus Central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), localizado no bairro Trindade, em Florianópolis (SC).

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2. Registro Criminal na UFSC

Santa Catarina

Florianópolis

Figura 1 - Mapa de localização da Universidade Federal de Santa Catarina. Fonte: Autores, elaborado sobre imagem do Geoprocessamento Corporatrivo da Prefeitura Municipal de Florianópolis, 2017.

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Localizado na região central da ilha de Florianópolis, o campus João David Ferreira Lima (conhe-

cido também como Campus Trindade ou Campus Central) da Universidade Federal de Santa Catarina é circundado pelos bairros Trindade, Córrego Grande, Carvoeira e Pantanal, tendo sido o principal pólo atrativo responsável pela consolidação desses bairros. Na administração interna do campus, a Secretaria de Segurança Institucional (SSI-UFSC) é o órgão responsável pela gestão dos mecanismos de segurança do campus, atuando como instrumento de registro das ocorrências criminais denunciadas no espaço compreendido como o campus da universidade e seu entorno imediato. Compete ao órgão garantir segurança física, estratégica e especial aos usuários, equipamentos e instalações da universidade.

Atualmente, o registro de ocorrências é realizado pela SSI-UFSC sem uma componente espacial,

isto é, a referência à localização é feita apenas com base em uma descrição verbal genérica do local em que aconteceu o crime, diferenciado geralmente por centro ou estacionamento; por exemplo: CTC (Centro Tecnológico); Estacionamento do CCE (Centro de Comunicação e Expressão). Contudo, pela vasta dimensão e diversidade de edifícios em cada setor da universidade, saber apenas o centro em que o crime ocorreu não é um dado suficiente para uma análise espacial mais precisa, tornando-se impossível realizar um estudo apurado dos padrões de distribuição das ocorrências criminais.

Figura 2 - Fotografia aérea da Universidade Federal de Santa Catarina. Fonte: Agecom UFSC, 2017.

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3. Vigilância Natural na Criminologia Ambiental

No início da década de 1960, Jane Jacobs (2001) criticou o pensamento urbanístico vigente

na América do Norte. Jacobs analisou o comportamento social da população urbana, especialmente o papel e o cuidado dos moradores com o espaço comum. Argumentou que aspectos da configuração dos espaços urbanos, como o uso diversificado, a existência de atrativos para as pessoas circularem nas ruas e a promoção da vigilância natural nos espaços públicos – aquela exercida pelos próprios usuários do local, denominados de “olhos da rua” – são condições fundantes para a segurança de um espaço, enfatizando o papel da variável humana na segurança pública (JACOBS, 2001).

Dando continuidade às reflexões de Jacobs, uma série de outros estudos buscaram estabelecer

relações entre a criminalidade e o espaço construído. Oscar Newman, na década de 1970, buscou identificar possíveis relações entre padrões de arranjo espacial e quantidade de ocorrências criminais em habitações coletivas, inaugurando o conceito de espaço defensável (NEWMAN, 1976). Com isso, Newman buscou defender o papel exercido por moradores na segurança de uma determinada espacialidade, argumentando que o êxito se daria pela adequada configurações do espaço.

Newman argumentou que, para que a vigilância natural e a possibilidade de intervenção em

uma cena de crime seja possível, o observador deve se sentir apto e confiante a tomar essa atitude. Tais sentimentos, para Newman, seriam proporcionados com uma combinação de fatores essencialmente relacionados ao desenho espacial. Para demonstrar seu argumento, o autor realizou um estudo de edifícios de habitação coletiva nos Estados Unidos, apontando alguns princípios de desenho que seriam facilitadores ou inibidores das variáveis territorialidade, vigilância natural e apropriação do espaço, com ênfase significativa na relação entre espaços públicos, semi-públicos e privados (NEWMAN, 1976).

A forma dos edifícios e seus arranjos podem ambos desencorajar ou encorajar

as pessoas a tomarem parte ativa no policiamento enquanto saem para sua rotina de trabalho. ‘Policiamento’ não pretende evocar uma visão de paranóia mas se refere ao mais antigo conceito na tradição política do Ocidente: a responsabilidade de cada cidadão em garantir o funcionamento da polis. ‘Espaço defensável’ é um termo equivalente ao conjunto de mecanismos - barreiras reais e simbólicas, áreas de influência fortemente definidas, e melhores oportunidades para vigilância - que combinados colocam um ambiente sob o controle de seus residentes. NEWMAN, 1976, pg. 3. Tradução própria.

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Timothy Crowe, na década de 1990, disseminou o conceito de “CPTED” (Crime Prevention

Through Environmental Design - “Prevenção de crimes pelo arranjo espacial”, em tradução livre), apontando práticas e estratégias de projeto arquitetônico e arranjo espacial que poderiam contribuir com a segurança pública (CROWE, 1991). De maneira análoga a Jacobs e Newman, Crowe também defendeu estratégias que priorizassem a vigilância natural e abordou a segurança pública sob o viés de considerar papéis mais ativos aos moradores e usuários do espaço comum na promoção da segurança pública.

O programa de Crowe definiu o controle de acesso como o dispositivo-chave para inibir as

ocorrências criminais. Nesse sentido, o autor dividiu o controle de acesso em duas variáveis: reforço territorial e vigilância. As estratégias de vigilância e reforço territorial são ambas subdivididas em três variantes: organizada, mecânica e natural. Tratando-se do reforço territorial, guardas representam a forma organizada, fechaduras a mecânica e a definição espacial a natural. Tratando-se da vigilância, a patrulha policial representa a forma organizada, a iluminação no espaço a mecânica e a vigilância através de janelas a forma natural (CROWE, 1991).

Admitindo a relevância do papel de moradores e usuários de um espaço na segurança pública,

Crowe apresentou estratégias que favorecessem o controle de acesso natural, composto pela vigilância natural (através de janelas e aberturas) associada ao reforço territorial natural (compreendido como a definição/arranjo/desenho espacial). A vigilância natural facilitaria a observação, enquanto o reforço territorial natural se utilizaria do desenho espacial para desenvolver o senso de territorialidade e propriedade nos usuários recorrentes do local, empoderando-os de tal forma que possíveis infratores percebessem tal presença e sua área de influência sobre o espaço (CROWE, 1991).

Uma longa tradição de estudos, que pode ser agrupada sob a denominação de Criminologia

Ambiental, desenvolveu-se a partir desses e outros estudos seminais, apoiando-se em alguns princípios básicos que são, também, adotados por este trabalho. Dentre eles, destacamos a teoria da escolha racional e as atividades rotineiras. A primeira entende que ofensores são agentes que usam dados espaciais para tomar decisões sobre se – e como – engajar-se em um crime (CLARKE; CORNISH, 1986; WILCOX; LAND; HUNT, 2003; WORTLEY; MAZEROLLE, 2008). Assim, a teoria da escolha racional enfatiza o papel da percepção do criminoso sobre o local, analisando os custos e benefícios que este oferece à possibilidade de se cometer um crime. A abordagem da atividade rotineira, por sua vez, argumenta que o evento criminal resulta da conjunção, no tempo e no espaço, de três fatores (COHEN; FELSON, 1979): a) um indivíduo ou grupo de indivíduos motivados; b) um alvo que desperte o interesse e esteja acessível; e c) a ausência de guardiões capazes de impedir o crime. 13


Mais recentemente, pesquisas brasileiras no campo da Arquitetura e da Segurança Pública têm

destacado que a forma urbana deve ser tratada como uma variável ativa capaz de oportunizar comportamento (QUINTANA, 2013; BONDARUK, 2007; SABOYA; BANKI; SANTANA, 2016), alertando que o Planejamento Urbano deve incorporar em seus projetos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos, estratégias espaciais visando à segurança, uma vez que as condições locais do espaço e a sua relação com as edificações poderiam influenciar nos níveis de criminalidade no espaço urbano.

Estudos de caso com diferentes abordagens e procedimentos metodológicos (NEWMAN, 1976;

ZANOTTO, 2002; VIVAN, 2012; QUINTANA, 2013) têm indicado que o uso do solo, o movimento de pessoas e a forma dos edifícios podem gerar impacto na vitalidade e, consequentemente, na segurança dos espaços públicos. Mais especificamente, esses aspectos podem mudar a percepção de um possível infrator quanto ao balanço de recompensas ou punições envolvidas em suas decisões, atuando de maneira em que as consequências percebidas pelo agente em se cometer um crime sejam mais desvantajosas, dolorosas ou perigosas do que o valor atribuído às motivações, ganhos pessoais e/ou prazeres obtidos em cometê-lo (WILCOX, LAND e HUNT, 2003).

Nos estudos apresentados sobre espaço e criminalidade, a possibilidade ou expectativa de vi-

gilância natural pelo infrator se mostrou um dos aspectos mais recorrentes defendido pelos autores. O destaque à vigilância natural tem sustentado fortemente premissas que estão associadas com a permeabilidade, com o uso misto e com a elevada densidade (NEWMAN, 1976; JACOBS, 2001; COZENS; SAVILLE; HILLIER, 2005, entre outros), todos supostamente elevando a quantidade de usuários e, em consequência, os níveis de vigilância natural. No entanto, alguns estudos têm demonstrado que a quantidade de espectadores em uma cena urbana não está diretamente relacionada com a probabilidade de intervenção desses espectadores sobre uma eventual ocorrência criminal, incluindo-se nesse caso aspectos de territorialidade (CROWE, 1991; NEWMAN, 1976; SORENSEN, 2003). Contudo, nesses casos, a probabilidade de ser identificado e/ ou detido ainda é um fator a ser considerado pelo infrator. Nesse sentido, foi possível identificar alguns aspectos em comum abordados pelos estudos que poderiam favorecer as oportunidades de vigilância natural:

- Visibilidade; - Permeabilidade;

- Variedade de uso do solo;

- Apropriação do espaço (presença de pessoas). 14


4. Objetivos

Tendo-se como foco a relação entre o espaço construído e a criminalidade em um campus uni-

versitário, considerando-se a falta de precisão no sistema de registro de ocorrências do departamento de segurança da UFSC, temos como objetivos deste estudo analisar estacionamentos do campus principal da UFSC sob a ótica da criminalidade. Partindo-se da bibliografia de referência, buscamos comparar os estacionamentos selecionados entre si, em dois grupos de pares, para identificar quais aspectos do ambiente construído são mais relevantes na promoção ou na inibição da segurança pública pelo viés da vigilância natural. Baseando-se nos parâmetros de visibilidade; permeabilidade; apropriação do espaço e variedade de usos do solo, buscamos compreender a influência dessas variáveis na ocorrência de crimes de furto e roubo de/em veículos nesses estacionamentos.

Complementando esse estudo, elaboramos uma proposta de plataforma virtual online georre-

ferenciada de registro de ocorrências na UFSC para coletar dados sobre a realidade criminológica do campus. Desse modo, seria possível identificar locais com maior número de ocorrências dentro da universidade, tornando possível a identificação de aspectos espaciais que possam explicar o maior número de ocorrências em alguns pontos em detrimento de outros. Esse tipo de ferramenta poderia contribuir na elaboração e reformulação de planos de desenvolvimento institucional e respectivos planos diretores, fornecendo material de subsídio para melhorias no espaço universitário sob a perspectiva da segurança pública. Tem-se como objetivos específicos: - Comparar locais com alta e baixa ocorrência de crimes a fim de identificar possíveis padrões espaciais que favoreçam ou dificultem a ocorrência de crimes sob a perspectiva da vigilância natural; - Mapear a distribuição de ocorrências criminais no campus, localizando-as o mais exatamente possível; - Desenvolver modelo de plataforma virtual online para registro de ocorrências criminais associado a informações espaciais; - Relacionar as áreas de maior ocorrência com a bibliografia estudada (análise do espaço construído e possível relação com criminalidade). 15


5. Hipóteses

Partindo-se da revisão da literatura e dos documentos selecionados para esta pesquisa, esta-

belecemos algumas hipóteses sobre a relação entre configuração espacial e ocorrência de crimes em espaços urbanos. Essas hipóteses representam uma síntese dos estudos criminológicos abordados, tendo-se em foco conceitos como vigilância natural e espaço defensável (JACOBS, 2001; NEWMAN, 1976; CROWE, 1991). As seguintes hipóteses demarcam eixos de referência do estudo:

- Ocorrências de crimes são mais frequentes em áreas que apresentam uma configuração espacial com menor campo de visão, ou seja, com maior número de barreiras visuais, o que acarretaria em menor intervisibilidade entre pessoas nesses espaços;

- Locais com maior permeabilidade e com maior número de pessoas transitando tendem a ter menos ocorrências criminais, por ampliarem as possibilidades de vigilância natural;

- Crimes geralmente tendem a acontecer em locais com menor diversidade de uso do solo, pois esses locais seriam menos utilizados e com público mais homogeneizado, portanto, possuiriam menor vigilância natural.

Desse modo, os resultados das análises dos estacionamentos selecionados serão confrontados

com as hipóteses estabelecidas, buscando verificar a veracidade ou não das suposições.

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6. Método

Para o desenvolvimento do estudo, adotamos um processo baseado em métodos de coleta

de dados sobre o objeto de estudo (campus universitário da UFSC) para posterior compilação dessas informações e cruzamento de dados na forma de mapas e gráficos. Inicialmente, definimos critérios para a seleção dos locais a serem analisados. Com os estudos de caso definidos, foi realizada a coleta de dados com visitas exploratórias aos locais selecionados, usando-se como ferramentas mapas impressos, anotações, desenhos, fotografias e registros escritos. Simultaneamente, foram coletados dados pela plataforma virtual georreferenciada, encarada aqui como uma possível ferramente em teste. Sendo assim, adotamos os seguintes procedimentos:

- Seleção dos locais de análise

- Determinação das variáveis de análise

- Visitas exploratórias para coleta de dados

- Elaboração de plataforma virtual para coleta de dados

- Compilação das informações em mapas e gráficos

A construção do processo metodológico desenvolveu-se balizada pelo conceito de segurança

pública promovida pela vigilância natural, abordando características e dinâmicas socioespaciais que pudessem esclarecer o quão influentes variáveis espaciais seriam sobre o estímulo ou a inibição à vigilância natural. Dessa maneira, é imprescindível também analisar essas informações associadas a componentes espaciais, fazendo-se uso de mapas e de conceitos como a Teoria da Sintaxe Espacial, abordando ferramentas como mapas de visibilidade, permeabilidade e construção de isovistas (HILLIER et al, 1993; BENEDIKT, 1979). Na sequência são detalhados os procedimentos e métodos adotados para a realização das etapas que compõem a pesquisa.

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Seleção dos Locais de Análise

Analisando-se os registros de ocorrências criminais obtidos junto à Secretaria de Segurança

Institucional da UFSC (SSI-UFSC), constatamos uma ausência de precisão na localização de algumas ocorrências, sendo que a referência espacial de grande parte dos registros identifica apenas o centro em que o crime ocorreu (“em frente ao CCE”; “BU”; “entre o RU e o CCE” etc). Identificamos, porém, a recorrente especificação de estacionamentos e bicicletários quando o crime envolvia veículos e bens materiais.

A seleção dos locais de análise resultou dessa especificação: adotamos como objetos de estudo

quatro estacionamentos do campus principal da UFSC, agrupados em dois pares, com cada par possuindo número semelhante de vagas entre si e quantidades inversamente proporcionais de registros de ocorrências criminais. Adotamos pares com números semelhantes de vagas entre si para evitar distorções de dados decorrentes de diferentes quantidades de alvos. Cada par possuía:

a) Um estacionamento com mais registros de furto, roubo, danos, arrombamento

de/em veículos (6 a 11 ocorrências, ou mais);

b) Um estacionamento com menos registros de furto, roubo, danos, arrombamento

de/em veículos (0 a 5 ocorrências).

Atendendo aos requisitos estabelecidos, selecionamos os seguintes locais de análise: estacio-

namento do Centro de Ciências da Educação (CED); estacionamento da Biblioteca Universitária (BU); estacionamento do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ); estacionamento da Reitoria. Contabilizamos a quantidade dos crimes de furto, roubo, danos, arrombamento de/em veículos registrados nesses quatro estacionamentosdo entre os anos de 2010 e 2015, obtendo os seguintes dados:

- Estacionamento 1A (CED): 7 ocorrências

- Estacionamento 1B (BU): 3 ocorrências

- Estacionamento 2A (CCJ): 11 ocorrências

- Estacionamento 2B (Reitoria): 1 ocorrência

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2010 26/02/2010

Furto em veículo

Estacionamento do FÓRUM

21:15

Furto em veículo

Estacionamento do CCJ/Fórum

20:39

24/03/10

Furto de bicicleta

Fundos da Reitoria

25/03/10 Comunicado em 29/03/10

Entre 14:50 e 15:30

FURTO EM VEÍCULO (CD)

Estacionamento CCJ/Fórum

Entre 18:00 e 21:00

07/06/10

Danos

Estacionamento da BU

15:00

Furto em veículo

Estacionamento do CCJ/FÓRUM

19h05min

Furto em veículo

Estacionamento do CCJ/Fórum

22h48min

Furto em veículo

Estacionamento do CCJ/FÓRUM

21h11min

Arrombamento de veículo

Estacionamento da BU/Próximo da FAPEU

Entre 18:00 e 22:00

Furto em veículo

Estacionamento do CED

Matutino

Furto em veículo

Estacionamento do CCJ/Volantes

21h06min

Furto em veículo

Estacionamento do CCJ/Volantes

22h05

Danos em veículo

Estacionamento da BU

Entre 07:00 e 17:00

Danos

Estacionamento do Fórum/CCJ

09h06min

17/03/10 Comunicado em 18/03/10

20/07/10 10/08/10 Comunicado em 11/08/10 25/08/10 25/08/10 21/10/10 11/11/10

26/07/11 30/08/11 Comunicado em 02/09/11 27/10/11 29/12/11

01/02/12 06/03/12 13/04/12

29/05/13 31/08/13 Comunicado em 02/09/13

Furto de bicicleta

Em frente ao CED

2011

2012 Furto em veículo

Estacionamento do Fórum/CCJ

20h42min

Danos em veículo

Estacionamento do CCJ/FÓRUM

11h43min

ROUBO DE MOTO Recuperada pela PM

CED

10h00min

Furto de bicicleta

CED

Entre 13:30 e 17:30

Furto em veículo

Estacionamento do CED

Entre 21:00 e 23:00

2013

2014 09/06/14 26/08/14

Incerto

Furto em veículo

Estacionamento do CED

Danos em veículo

Estacionamento do CED 2015

Entre 13:30 e 21:00 Entre 15:00 e 17:00

Não houve registro de nenhuma ocorrência de furto, roubo, danos e arrombamento de/em veículo.

Tabela 1 - Compilado dos registros de ocorrências criminais de furto, roubo, danos, arrombamento de/em veículos nos estacionamentos selecionados, no período entre 2010 e 2015. Os códigos de registro das ocorrênciaa foram emitidos. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados fornecidos pela SSI-UFSC, 2017.

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As figuras 3 e 4 mostram os pares selecionados. Aqueles com índices maiores de crime de furto

de/em veículos estão identificados pela letra A (referente a “Alto índice de ocorrências criminais”); os dois com índices menores desse tipo de crime estão identificados pela letra B (referente a “Baixo índice de ocorrências criminais”). Dentre os estacionamentos representados pelos tons de cor azulados, o 1A (Estacionamento do CED) apresenta alto índice de crime de furto de/em veículos e o 1B (Estacionamento da BU) apresenta baixo índice de crime de furto de/em veículos, embora ambos possuam número semelhante de vagas. Os outros dois estacionamentos que foram comparados seguiram a mesma representação: 2A (Estacionamento do CCJ) com alto índice de crime de furto de/em veículos e 2B (Estacionamento da Reitoria) com baixo índice de crime de furto de/em veículos, ambos identificados com tons de cor laranja.

2A

1B

2B

1A

Figura 3 - Localização dos dois pares de estacionamentos sobre fotografia aérea da Universidade Federal de Santa Catarina. Fonte: Autores sobre fotografia fornecida pela Agecom UFSC, 2017.

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CCJ BU

REITORIA

CED

Figura 4 - Mapa de localização dos dois pares de estacionamentos selecionados para análise, dentro do conjunto

compreendido como a área da Universidade Federal de Santa Catarina. Fonte: Autores, sobre dados do DEPAE-UFSC, 2017.

Figura 5 - Imagens aéreas geradas pelo Google Earth mostrando a localização dos dois pares de estacionamentos selecionados para análise, dentro do conjunto compreendido como a área da Universidade Federal de Santa Catarina. Fonte: Autores, sobre dados do Google Earth, 2017.

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Determinação das Variáveis para Análise

Partindo-se do estudo comparativo das obras de Jane Jacobs (2001), Oscar Newman (1976)

e Timothy Crowe (1991), identificamos que o controle de acesso natural, em especial os processos de vigilância natural, são defendidos pelos três autores como os mais eficazes mecanismos de segurança. Nesse sentido, determinamos seis variáveis como parâmetros de análise: quatro variáveis de interesse e duas variáveis de controle. Como variáveis de interesse temos: visibilidade; permeabilidade; apropriação do espaço (subdividida em quantidade de pessoas transitando pelo local e porcentagem da área do estacionamento ocupada por essas pessoas) e variedade de uso do solo, variáveis que oportunizam a vigilância natural de acordo com os autores estudados. Como variáveis de controle, estudamos os dispositivos socialmente atribuídos a maiores níveis de segurança, sendo eles a iluminação desses locais e a existência de recursos de vigilância (guaritas, cancelas, câmeras de vigilância etc), classificados como de naturezas mecânica e organizada (CROWE, 1991).

A coleta de dados para a análise de cada variável foi realizada por meio de visitas exploratórias

aos estacionamentos e pela posterior elaboração de mapas, tabelas e gráficos que possibilitaram a quantificação e espacialização desses aspectos.

Variáveis de Interesse Visibilidade

A variável visibilidade foi quantificada pela área média das isovistas (BENEDIKT, 1979; SA-

BOYA, 2016). A isovista pode ser definida como um polígono que representa a área visível a partir de um ponto, estimando quantitativamente o quanto esse ponto pode ser visto a partir de outros pontos no sistema analisado, isto é, do quão exposto ao escrutínio de outras pessoas ele estaria. O cálculo das isovistas foi realizado com base em uma malha reticular uniforme, na qual a área da isovista a partir do centro de cada célula foi calculada. No caso deste trabalho, adotamos uma célula de 3 x 3m para a análise global do campus e de 1 x 1m para as análises locais dos estacionamentos. Desse modo, cada célula apresenta uma cor correspondente a seu nível de maior ou menor visibilidade em relação a todo o sistema analisado. Para realizar esse cálculo e a elaboração dos mapas foi utilizado o software DepthMap e o resultado transportado para o software QGIS. 22


Uma isovista é o conjunto de todos os pontos visíveis de um ponto

dado no espaço e em respeito ao ambiente. A forma e o tamanho de uma

isovista é suscetível a mudar com a posição. Medidas numéricas são propostas para quantificar algumas características salientes de tamanho e forma. Essas

medidas, por sua vez, criam um conjunto de campos de isovistas. Conjuntos

de isovistas e campos de isovistas formam uma alternativa de descrição de ambientes.

BENEDIKT, 1979, pg. 47. Tradução própria.

Permeabilidade

A permeabilidade foi representada pela medida de integração (HILLIER et al, 1993; SABOYA,

2016). No caso da análise global, o cálculo foi feito com linhas axiais, que são uma representação simplificada das maiores linhas de movimento e visão de um sistema de espaços abertos. A integração mede o quão próxima uma linha está de todas as outras, em média, em termos de mudanças de direção. Linhas mais próximas das outras são ditas rasas e de alta integração; linhas mais distantes, normalmente aquelas que ficam na periferia do sistema, são ditas profundas e segregadas. No caso das análises locais, o mesmo cálculo de profundidade é feito para as células de uma malha reticular cujo lado mede 1 metro. Desse modo, cada célula apresenta uma cor correspondente a seu nível de maior ou menor integração em relação a todo o sistema analisado. Os cálculos e representações da permeabilidade em mapas também foram realizados nos softwares DepthMap e QGIS.

Apropriação do Espaço

Para determinar a quantidade de pessoas presentes em cada local de análise, foram tiradas fo-

tografias simultâneas de cada estacionamento, em diferentes posições, de forma a cobrir toda a área do local de análise, considerando também seu entorno imediato. As fotografias foram tiradas durante uma semana, em diferentes períodos: matutino, vespertino e noturno, alternando-se entre horários letivos e horários de pico. Para isso, três membros da equipe se posicionaram em diferentes pontos de visão e combinaram um horário fixo em que os três fariam o registro fotográfico simultaneamente. Com as fotografias foi possível contar a quantidade de usuários presentes em cada estacionamento no momento do registro, além de mapear suas localizações no espaço. Além disso, foi calculada também a proporção, em porcentagem, da área dos estacionamentos que efetivamente era ocupada pela presença de pessoas. 23


Variedade de Uso do Solo

Para determinar a variedade de usos do solo, foram consideradas as edificações adjacentes aos

estacionamentos, contabilizando apenas as que possuíssem acessos relacionados às áreas de estudo. Desse modo, elaboramos categorias de classificação dos usos associadas a cores respectivas, resultando como produto os Mapas de Uso do Solo de cada estacionamento. Como classificação de usos, foram estabelecidas as seguintes categorias:

- UA (uso administrativo);

- UAV (praças e parque);

- UB (uso biblioteca);

- UC (uso comercial);

- UCC (uso escolar: colégio aplicação e creches);

- UCV (uso convivência: centro de cultura e eventos, centro de convivência, entre outros);

- UE (uso área esportiva);

- UF (uso farmácia escola);

- UFJ (uso fórum);

- UH (usos hospital universitário);

- UL (uso laboratorial);

- UM (uso misto);

- UMO (uso moradia);

- UR (uso restaurante universitário);

- US (uso de sala de aula, sala de professores e auditório).

24


Variáveis de Controle

Para verificar a hipótese de que a vigilância natural seria um fator promotor de segurança em

espaços universitários, adotamos as variáveis promotoras de vigilância natural como variáveis de interesse e estabelecemos como variáveis de controle os mecanismos tradicionalmente atribuidos a uma sensação de maior segurança: a iluminação e os recursos de vigilância (guaritas, cancelas, câmeras de vigilância etc), classificados como de natureza mecânica e organizada (CROWE, 1991).

Iluminação

Para compreensão da variável iluminação foram obtidas a densidade de pontos de iluminação

para a área de cada estacionamento, considerando postes de iluminação e luminárias externas. Também foi calculada a porcentagem aproximada de área iluminada por esses equipamentos em cada estacionamento. Os pontos de luz foram identificados em visitas a campo, mapeados e digitalizados em Mapas de Iluminação, diferenciando-os conforme seu tipo e representando seu modo de iluminar o espaço.

Vigilância Mecânica e Organizada

Para compreensão da variável de vigilância mecâica e organizada (câmeras de segurança e

pontos de vigia), foi obtida a densidade de recursos de vigilância mecânica e organizada para a área de cada estacionamento. Também foi calculada a porcentagem aproximada de área visível por recursos de vigilância em cada estacionamento. Os recursos foram identificados em visitas a campo, mapeados e digitalizados em Mapas de Recursos de Segurança, diferenciando-os conforme seu tipo e modo de ação. As câmeras foram diferenciadas conforme sua abrangência (180 ou 360 graus), posicionadas conforme sua localização e alvo aparente. Também foram representados no mapa os pontos de vigia (guaritas) e a existência de cancelas.

25


6

7

8

9

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10

Figuras 6, 7, 8, 9, 10 e 11. Compilação de registros fotográficos das visitas exploratórias a campo, exemplificando

métodos de coleta de dados como: anotações em plantas baixas; rascunhos e desenhos explicativos; medição de distâncias com trena; registros fotográficos; determinação de dimensões a partir de comparação, dentre outros. Fonte: Autores, 2017.

26


Visitas Exploratórias

Tendo-se o campus Trindade da UFSC como objeto de estudo espacial acessível para observa-

ção e pesquisa, foram realizadas visitas exploratórias aos locais de análise para coleta de dados incluindo, dessa forma, a possibilidade de vivência do espaço em questão. Realizamos saídas de campo para se compreender a complexidade espacial de cada estacionamento, utilizando-se tabelas com as variáveis de análise adotadas, fotografias, anotações e desenhos. As tabelas continham os parâmetros determinados a partir da bibliografia de referência (JACOBS, 2001; NEWMAN, 1976 ; CROWE, 2000), analisando-se e contabilizando os seguintes aspectos:

- Barreiras visuais e intervisibilidade (mapeamento de elementos cuja altura fosse maior do que 1,50 m, considerada ainda uma cota que não impede a visibilidade para a maioria das pessoas); - Iluminação (mapeamento de postes e lâmpadas, bem como a altura dos pontos de luz para determinação de área aproximada de iluminação); - Recursos de vigilância (mapeamento de guaritas, cancelas e câmeras de segurança, bem como a investigação sobre a existência de rondas e/ou vigias); - Apropriação do espaço / contagem de pessoas (realizado por registro fotográfico durante uma semana e posterior mapeamento do posicionamento das pessoas fotografadas no horário em questão)

Digitalização das Informações

Buscando-se reunir todas as informações em mapas digitais, realizamos a transferência das

anotações manuais para um arquivo CAD disponibilizado pelo Departamento de Projetos de Arquitetura e Engenharia (DPAE-UFSC). Após reunidas em CAD, as informações foram transferidas para o Sistema de Informações Georreferenciadas (SIG), elaborando-se, por fim, os mapas comparativos dos pares de estacionamentos com o uso do software livre QGIS.

27


Coleta de Dados da Plataforma Virtual

Como proposta à ausência de dados espaciais mais específicos no regsitro de ocorrências cri-

minais realizado pela SSI-UFSC atualmente, elaboramos uma plataforma virtual online georreferenciada, na qual seria possível ao usuário apontar no mapa do campus da UFSC o local exato da ocorrência do crime por ele sofrido ou presenciado. A proposta consistiu em divulgar essa plataforma para estudantes, professores, servidores e usuários da universidade em geral com o intuito de se estudar a aceitação ou não da ferramenta e também de se investigar a existência e a localização de locais com mais ocorrências de crimes dentro do campus. A plataforma virtual foi divulgada em redes sociais e também por cartazes colados pelo campus.

O link disponível na divulgação levava à página do questionário, elaborado de modo a identifi-

car algumas variáveis básicas como o tipo de crime e, principalmente, onde ocorreu. Para essa segunda variável, foi disponibilizado na página um mapa interativo do campus UFSC vinculado ao Google, no qual seria possível utilizar um marcador na identificação do local de ocorrência. Todos os dados foram tratados de forma confidencial, não se exigindo qualquer tipo de identificação por parte dos participantes do questionário. O conteúdo do questionário elaborado para a proposta de plataforma virtual online georreferenciada está anexado ao final do caderno, no Apêndice.

PESQUISA

ESPAÇO E CRIMINALIDADE NA UFSC CAMPUS TRINDADE

CONTRIBUA

http://infoarq.arq.ufsc.br/?page_id=439

http://infoarq.arq.ufsc.br/?page_id=439

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http://infoarq.arq.ufsc.br/?page_id=439

http://infoarq.arq.ufsc.br/?page_id=439

com nossa pesquisa respondendo ao questionário no link: http://infoarq.arq.ufsc.br/?page_id=439

Figuras 12 e 13. Imagens de divulgação do questionário elabora-

do para a proposta de plataforma virtual online georreferenciada. O cartaz à esquerda foi impresso e colado em diferentes locali-

zações no campus; a imagem à direita foi divulgada em redes sociais, como o Facebook. Fonte: Autores, 2017.


7. Resultados

29


Visibilidade

Para representar as condições de visibilidade nos espaços estudados, elaboramos um mapa ge-

ral do campus central da UFSC (figura 19), criado com auxílio do software DepthMap, destacando a visibilidade e a proeminência visual no espaço universitário. São consideradas como barreiras à visibilidade: edificações, vegetação densa, muros ou cercamentos visualmente impermeáveis, taludes, árvores e arbustos que impedem a visão. Na figura 19 é possível identificar áreas com maior e menor intervisibilidade dentro do campus por meio de coloração, cuja escala cromática varia do vermelho (maior intervisibilidade) ao azul (menor intervisibilidade), como também o valor da área média de isovista.

Figura 19. Mapa do campus central da UFSC com as medidas de visibilidade. Fonte: Autores, 2017.

Observando a figura 21, nota-se que o estacionamento 1A - indicado como tendo maior ocor-

rência de furto e roubo de/em veículos em relação ao 1B - apresenta coloração mais próxima do verde e valor da área de isovista de 28.865 m², indicando que há pouca intervisibilidade em toda a área do estacionamento. O entorno e os acessos próximos a esse estacionamento possuem pouca intervisibilidade também, o que poderia ser um fator relevante no momento de fuga do infrator, que encontraria, em uma distância relativamente curta, muitas oportunidades para se esconder da visão de outras pessoas. Já o estacionamento 1B - identificado com menos registros de furto e roubo de/em veículos em relação ao 1A - está em uma área que apresenta maior visibilidade do que seu par, correspondendo a 30


Figura 20. Mapa do par de estacionamentos 1A e 1B com barreiras Ă visibilidade em destaque. Fonte: Autores, 2017.

Figura 21. Mapa do par de estacionamentos 1A e 1B com visibilidade (ĂĄrea mĂŠdia das isovistas) em destaque. Fonte: Autores, 2017.

31


uma coloração mais próxima do vermelho e apresentando valor da área de isovista de 56.768 m², indicando que sua espacialidade, incluindo entorno e acessos próximos, possui boa intervisibilidade quando comparada às demais.

Com relação aos estacionamentos mostrados na figura 23, nota-se que o estacionamento 2A -

indicado com maior ocorrência de furto e roubo de/em veículos entre o par - apresenta coloração mais próxima do azul no mapa de intervisibilidade e valor da área de isovista de 1.592 m², indicando pouca intervisibilidade se comparado aos demais. O entorno desse estacionamento possui muitas barreiras visuais e pouca intervisibilidade se comparado ao estacionamento 2B. Como mencionado anteriormente em relação ao estacionamento 1A, isso pode ser um fator importante no momento de fuga do infrator.

Quanto ao estacionamento 2B - identificado com menor ocorrência de furto e roubo de/em

veículos no par 2 - vê-se que está em uma área que apresenta maior visibilidade em relação ao estacionamento 2A, sendo representado por coloração entre o verde e o azul claro e apresentando valor da área de isovista de 16.874 m², correspondendo a uma intervisibilidade regular. Também na figura 23 é possível perceber que os acessos ao estacionamento 2B possuem boa intervisibilidade.

O gráfico 1 mostra essa regularidade: nos dois pares, os estacionamentos 1B e 2B – que pos-

suem ambos menores índices de ocorrências de furto e roubo de/em veículos – apresentaram maiores valores de visibilidade do que os estacionamentos 1A e 2A. Essa constatação pode indicar que a visibilidade exerce influen

Gráfico 1. Gráfico de barra da visibilidade/área média da isovista, atribuindo-se índices entre 0 e 1. Fonte: Autores, 2017.

32


Figura 22. Mapa do par de estacionamentos 2A e 2B com barreiras Ă visibilidade em destaque. Fonte: Autores, 2017.

Figura 23. Mapa do par de estacionamentos 2A e 2B com visibilidade (ĂĄrea mĂŠdia das isovistas) em destaque. Fonte: Autores, 2017.

33


Permeabilidade / análise global

Buscando representar visualmente a permeabilidade física no campus da UFSC, identificamos

as barreiras físicas existentes (edificações, canteiros e elementos que barrem o deslocamento direto). Com o uso de recursos da Sintaxe Espacial, elaboramos um mapa de linhas axiais (BENEDIKT, 1979) do campus para uma análise global (figura 24), considerando as vias e caminhos que definem e constituem o espaço universitário. No mapa é possível notar que as linhas mais integradas estão localizadas nas áreas mais centrais do campus.

Figura 24 - Mapa de linhas axiais do campus central da UFSC, indicando-se os índices de integração das linhas.

34

Fonte: Autores, 2017.


Nota-se que as linhas axiais que passam pelos estacionamentos 1A e 1B são relativamente bem

integradas ao restante do campus: o estacionamento 1A apresenta uma média de valor de integração de 0,705, representada com tons mais quentes; o estacionamento 1B apresenta uma média de valor de integração de suas linhas de 0,785, representada também com tons mais quentes. Quanto ao par de estacionamentos 2A e 2B, na figura 5, é possível observar que as linhas axiais que passam pelo estacionamento 2A são mais segregadas do restante do campus do que as linhas que passam pelo estacionamento 2B, possuindo uma média e valor de integração de 0,471, representada por tons mais frios. Na figura 24 também é possível observar que as linhas axiais que passam pelo estacionamento 2B são mais integradas ao restante do campus e possuem valor de integração média de 0,812, representada por tons mais quentes.

No gráfico 2 é possível notar que os estacionamentos 1B e 2B, ambos com menores índices de

ocorrências de crime de furto e roubo de/em veículos, apresentaram maiores valores de integração do que os estacionamentos 1A e 2A, com maiores índices de ocorrências. Portanto, é possível identificar nesses dois estacionamentos uma relação inversamente proporcional entre os valores de integração espacial e os índices de ocorrências criminais: quanto menos integrado o estacionamento, maior o número de ocorrências de furto e roubo de/em veículos no local. Essa constatação pode indicar que a integração entre os espaços circuláveis possui influência direta na promoção da vigilância natural e, consequentemente, na segurança desses espaços.

Gráfico 2 - Gráfico de barra da permeabilidade/integração média, atribuindo-se índices entre 0 e 1. Fonte: Autores, 2017.

35


Permeabilidade / análises locais

Com a elaboração dos mapas de integração nas escalas locais de cada estacionamento foi

possível realizar uma análise morfológico-sintática complementar à análise global, compreendendo o entorno imediado ao estacionamento e a relação dos espaços estudados com seus acessos e arredores. Elaborados os mapas, constatamos o índice de 6.6 como o máximo atingido nas análises de integração locais, estabelecendo-o como máximo na escala, iniciando-se em zero. Para rodar a análise no software DepthMap, delimitamos um recorte e criamos uma malha reticulada de 1x1m para cada estacionamento, configurando um sistema de células. A escala de cores, do vermelho ao azul, representa o quão próxima a quantas outras células aquela está, sendo que a cor vermelha representa as células (porções do espaço) mais integradas às células do entorno e a cor azulada representa as células menos integradas, com menor número de conexões.

Diferentemente da análise de permeabilidade global, que fornece informações sobre qual o

nível de integração de cada estacionamento em relação a todo o campus, podendo-se estabelecer comparações entre eles, a análise de permeabilidade local possui um foco maior na morfologia do próprio espaço que abriga cada estacionamento. Nesse sentido, é possível notar que os estacionamentos 1A e 2B estão relativamente bem integrados aos entornos imediados, embora essa constatação seja contraditóra à hipótese de que locais mais integrados possuiriam menores índices de ocorrências criminais. Seguindo a mesma sequência, os estacionamentos 1B e 2A possuem menores índices de integração quando comparados aos estacionamentos 1A e 2B, o que também se mostra contraditório às hipóteses estabelecidas.

Considerando-se as duas análises - a global e a local - percebemos que a relação que o estacio-

namento estabelece com as diferentes partes do complexo universitário se mostrou mais significativa para a caracterização desses espaços como mais ou menos seguros do que apenas suas relações de entorno imediato (análises locais). Embora também tenham papel fundamental, as relações locais sofrem influência direta das relações globais e, dessa maneira, estas realizam impacto mais determinante na dinâmica espacial de um espaço do que sua configuração local, considerando-se a dinâmica de um campus universitário.

36


Figura 25 - Mapa do par de estacionamentos 1A e 1B com índices de integração local em destaque. Fonte: Autores, 2017.

Figura 26 - Mapa do par de estacionamentos 2A e 2B com índices de integração local em destaque. Fonte: Autores, 2017.

37


Variedade de uso do solo

Na figura 27 são apresentadas as edificações do entorno dos estacionamentos 1A e 1B que

possuem acesso direto a eles, sendo definidos seus usos com cores. Nota-se que o estacionamento 1A possui quatro edificações no seu entorno com categorias de uso do solo distintas: Centro de Ciências da Educação (CED UFSC) , com salas de aula e salas administrativas; o Centro de Convivência, com uso diversificado como Correios, aulas de dança etc; uma pequena cabine utilizada como ponto comercial informal e o Restaurante Universitário (RU) da UFSC, local muito utilizado durante o seu horário de funcionamento, formando grandes filas nesses horários.

De acordo com a figura 27, nota-se que há apenas duas edificações com categorias de uso do

solo distintas voltadas para o estacionamento 1B, sendo elas: a Biblioteca Universitária - BU, local muito utilizado durante todo o dia, proporcionando intenso e constante fluxo de pessoas; a FAPEU, edifício administrativo um pouco mais distante do estacionamento, separados por um córrego.

Nos estacionamentos 2A e 2B, mostrados na figura 28, percebe-se que o estacionamento 2A

possui quatro edificações com categorias de uso do solo distintas no seu entorno, enquanto o estacionamento 2B tem no seu entorno três edificações com usos distintos. No estacionamento 2A, as edificações fisicamente conectadas ao estacionamento e seus respectivos usos são: o Fórum, que por atender toda a região central e norte da ilha, é responsável por uma significativa circulação de pessoas pelo local; o Centro de Ciências Jurídidas (CCJ), atraindo um significativo número de alunos que muitas vezes acessam o prédio pelo estacionamento e a Associação dos Servidores da UFSC (ASUFSC), que conta com restaurante, dentista, quadra esportiva e áreas de convivência. No estacionamento 2B, as edificações fisicamente conectadas ao estacionamento e seus respectivos usos são: o prédio da antiga Reitoria, de uso majoritariamente administrativo mas que conta com um espaço de exposições e um auditório e a Central de Estágios, também de uso administrativo. As demais edificações não possuem conexão física direta e/ou próxima ao estacionamento.

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Rua Eng. Agr.

Andrei C. Ferre

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Figura 27 - Mapa de uso do solo do par de estacionamentos 1A e 1B. Fonte: Autores, 2017.

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Rua Eng. Agr.

Andrei C. Ferre

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Figura 28 - Mapa de uso do solo do par de estacionamentos 2A e 2B. Fonte: Autores, 2017.

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Comparando-se os dois pares de estacionamentos, nota-se no gráfico 4 que os estacionamen-

tos 1B e 2B - ambos com menor número de ocorrências de roubo e furto de/em veículos dentre seus respectivos pares - apresentam menor variedade de uso do solo no entorno dos estacionamentos do que os estacionamentos 1A e 2A. Essa informação sugere uma relação diretamente proporcional entre a menor variedade de usos do solo e menores índices de ocorrências de roubo e furto de/em veículos nos estacionamentos analisados dentro do contexto de um campus universitário, aparentemente contrariando os estudos de Jacobs sobre a influência da diversidade de usos na promoção da vigilância natural (JACOBS, 2001). Pode-se presumir que o uso do solo diversificado, apesar de tender a atrair mais pessoas e, com isso, gerar maior vigilância natural, pode também aumentar o anonimato dos espaços, anulando a sensação de territorialidade que poderia conferir um certo sentimento de legitimidade aos usuários no exercício da vigilância natural. Contudo, apesar dessa hipótese, é fundamental destacar que os estacionamentos 1B e 2B possuem em seu entorno usos que atraem grande quantidade de pessoas, como a Biblioteca Universitária e a Reitoria. Assim, mesmo tendo menor diversidade de usos do solo, esses estacionamentos recebem uma quantidade de pessoas muito próximas das registradas nos estacionamentos 1A e 2A, que possuem maior diversidade de usos nos seus entornos imediatos.

Gráfico 3 - Gráfico de barra da diversidade de usos, atribuindo-se índices entre 0 e 1 para menor ou maior quantidade de diferentes usos do solo. Fonte: Autores, 2017.

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Figura 29 - Fotografia do estacionamento do CED. Fonte: Autores, 2017.

Figura 30 - Fotografia do estacionamento da BU. Fonte: Autores, 2017.

Figura 31 - Fotografia do estacionamento do CCJ. Fonte: Autores, 2017.

Figura 32 - Fotografia do estacionamento da Reitoria. Fonte: Autores, 2017.

41


Apropriação do espaço

Embora a análise da quantidade de pessoas que passam por um local forneça uma base de da-

dos sólida e realista para o desenvolvimento de estudos sobre a apropriação do espaço, ficou evidente também a necessidade de se diferenciar essa quantidade por período do dia. Assim, buscamos representar pessoas que transitaram pelo local no período letivo da UFSC, que compreende os horários entre 07:30 e 22:00, contando com uma diferenciação de pessoas circulando pelo local no período definido pelo grupo como “noturno”, compreendido entre 19:00 e 23:00. Sentimos a necessidade de também especificar as pessoas circulando pelo local nos horários de pico da universidade, que são 12:00 e 18:00, conforme explicação melhor detalhada na Metodologia.

Uma análise mais detida sobre os padrões de ocupação do espaço em cada par (figuras 33 e

34) revela que, em ambos os casos, há uma maior quantidade de pessoas transitando por dentro do estacionamento naqueles com menor quantidade de crimes (1B e 2B). No caso do estacionamento 1A, as pessoas se concentram nos dois eixos de circulação principais, um deles junto à Rua Engenheiro Agronômico Andrei Cristian Ferreira e o outro em direção ao RU. Por sua vez, no estacionamento da BU (1B), além de haver grande concentração de pessoas nos caminhos adjacentes, há também uma quantidade significativa de pessoas passando pelo seu interior, na direção de uma das conexões do campus com a Rua Delfino Conti. A existência de dois pontos de ônibus de uso recorrente justifica a circulação constante.

Os estacionamentos 2A e 2B possuem elevada quantidade de pessoas circulando no seu inte-

rior, mas o desenho espacial do estacionamento 2A faz com que uma parcela dos transeuntes circule na parte de trás do Fórum e, portanto, distante dos principais fluxos de passagem. Chama a atenção também a considerável ocupação do caminho adjacente ao estacionamento 2B, que conecta a área central do campus ao Centro Tecnológico, o que provavelmente oportuniza uma maior vigilância natural daqueles que não trafegam por dentro do estacionamento, em conssonância com o estacionamento 1B e em contraste com o estacionamento 1A, pertencente ao outro par, onde os principais trajetos de pedestre estão mais distantes do estacionamento do que no caso 2B.

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Rua Eng. Agr.

Andrei C. Ferre

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Figura 33 - Mapa do par de estacionamentos 1A e 1B com a quantidade de pessoas e respectivo horário de registro em destaque. Fonte: Autores, 2017.

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Rua Eng. Agr.

Andrei C. Ferre

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Figura 34 - Mapa do par de estacionamentos 2A e 2B com a quantidade de pessoas e respectivo horário de registro em destaque. Fonte: Autores, 2017.

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Nas tabelas 2 e 3 é apresentada a quantidade de pessoas nos estacionamentos 1A e 1B e 2A e

2B., contabilizadas em diferentes horários do dia durante uma semana, como já explanado na Metodologia. Estas tabelas contêm a quantidade de pessoas registradas durante cada horário e dia e a porcentagem do espaço ocupada por elas. Na tabela 2 nota-se que o estacionamento 1A apresentou maior concentração de pessoas e maior área de estacionamento ocupada por pessoas nos horários das 12:00 e das 18:00. Tal situação se deve à proximidade desse estacionamento com o Restaurante Universitário, aberto para almoço das 11:00 às 13:30 e para jantar das 17:00 às 19:00, momentos em que há filas significativas aguardando entrar no restaurante. Contudo, no restante do período letivo a presença de pessoas nesse espaço não é tão intensa, mas mantém certa regularidade. No período noturno, a quantidade de transeuntes reduz significativamente.

Analisando o estacionamento 1B na tabela 2, percebemos que existe uma movimentação mais

constante de pessoas pelo local de análise se comparado ao seu par. A proximidade do estacionamento 1B da Biblioteca Universitária é certamente um fato determinante nessa situação, pois o local é utilizado durante todo o dia por uma grande quantidade de pessoas, haja vista o horário de funcionamento da biblioteca que é das 08:00 às 22:00. Destaca-se também a presença de dois pontos de ônibus de grande atratividade localizados nas adjacências da biblioteca, sendo um deles voltado para a Rua Delfino Conti e o outro voltado para a Rua Roberto Sampaio Gonzaga. Reconhecemos nas visitas ao local que há um considerável trajeto entre os pontos de ônibus e o restante do campus, o que explica a existência de um fluxo constante por essa área.

Na tabela 3, nota-se que o estacionamento 2A não apresentou em nenhum momento um gran-

de número de pessoas circulando pelo local. No estacionamento 2B é possível perceber que existe uma movimentação constante de pessoas pelo local de análise, sendo maior a concentração de pessoas nos horários das 12:00 e 18:00 horas. A constante movimentação de pessoas pode estar associada à proximidade do estacionamento 2B da Reitoria, estando num local central do campus.

Apresentam-se nos gráficos 4 e 5 as barras correspondentes aos valores percentuais de apro-

priação do espaço, tendo-se como parâmetros tanto a quantidade de transeuntes no local (gráfico 4) quanto a porcentagem da área do estacionamento ocupada pela presença de pedestres (gráfico 5). Desse modo, torna-se possível relativizar a presença de pessoas quanto a dois mecanismos de atuação: quantidade total e passagem pelo local de estudo. Nota-se que, apesar de os índices de quantidade total de pessoas serem divergentes entre os quatro estacionamentos, a porcentagem de área que recebe pedestres é semelhante entre os quatro casos. 44


Tabela 2 - Tabela de registro detalhado de apropriação do par de estacionamentos 1. Fonte: Autores, 2017.

Tabela 3 - Tabela de registro detalhado de apropriação do par de estacionamentos 2. Fonte: Autores, 2017.

Gráficos 4 e 5 (esq. para dir.): Gráfico de barras à esquerda mostrando os índices de apropriação do espaço por quantidade de pessoas na cena; gráfico de barras à direita mostrando os índices referente à porcentagem da área do estacionamento ocupada por pessoas. Fonte: Autores, 2017.

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Buscando-se complementar a análise de apropriação do espaço, intercruzamos tais informa-

ções com o campo visual resultante nos principais trajetos das pessoas em cada estacionamento. A figura 9 mostra uma sobreposição das isovistas dos principais trajetos nos estacionamentos 2A e 2B. Os trajetos foram definidos com base nas observações em campo e nos mapas de apropriação do espaço (figuras 33 e 34). Os mapas de isovistas a partir de trajetos, portanto, foram elaborados com base em uma distância arbitrária de 10 metros para cada ponto gerador de isovista ao longo dos percursos estabelecidos. Atribuindo-se transparência a cada polígono de isovista, foi possível representar os locais em que há maior sobreposição de isovistas com cores mais escuras, e locais com pouca ou nenhuma sobreposição de isovistas em cores claras. Sendo assim, as porções do espaço com coloração mais escura (relativa à sobreposição de mais isovistas) apresentam maior intervisibilidade espacial do que as porções mais claras, tendo-se como parâmetro os trajetos mais realizados.

Evidencia-se na figura 36 a diferença da intervisibilidade nos trajetos principais dos estaciona-

mentos 2A e 2B. Nota-se que no estacionamento 2A há porções significativas do espaço que permanecem pouco visíveis a partir dos trajetos, resultado de fatores como o local de implantação das edificações, por exemplo. Por sua vez, o estacionamento 2B apresenta quase a totalidade de sua área visível a partir dos trajetos adjacentes nos sentidos longitudinal e transversal ao estacionamento.

De acordo com os gráficos 4 e 5, os dois pares apresentaram, em cada estacionamento, valores

inversos aos esperados no que se refere à quantidade de pessoas transitando pelo local e valores muito próximos referentes à proporção do espaço apropriado por elas. Tal fato sugere que a quantidade de pessoas em si não é o fator determinante na análise, mas sim o modo como essas pessoas estão distribuídas em relação ao estacionamento, ou seja, se estão passando por dentro ou junto dele ou se, ao contrário, passam por caminhos mais distantes. Sendo assim, pode-se afirmar que a localização dos trajetos, caminhos e acessos aos equipamentos circundantes são muito mais determinantes na dinâmica de circulação desses estacionamentos do que apenas a quantidade de transeuntes.

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Figura 35 - Mapa do par de estacionamentos 1A e 1B com isovistas geradas a partir de pontos dos trajetos mais percorridos em destaque. Fonte: Autores, 2017.

Figura 36 - Mapa do par de estacionamentos 2A e 2B com isovistas geradas a partir de pontos dos trajetos mais percorridos em destaque. Fonte: Autores, 2017.

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Iluminação

A figura 37 mostra o posicionamento dos pontos de iluminação dos estacionamentos 1A e 1B

e a área aproximada iluminada por esses pontos. A densidade de iluminação no primeiro é de 0,002 e, apenas 50% da área do estacionamento iluminada, enquanto que para o segundo esses valores são de 0,005 e 65% da área do estacionamento iluminada. Portanto, é maior a densidade de pontos de luz e área iluminada no estacionamento 1B do que no estacionamento 1A.

No par de estacionamentos 2A e 2B (figura 38), o primeiro possui densidade de iluminação

de 0,005 e área iluminada de 95% da área do estacionamento, enquanto que para o segundo esses valores correspondem a 0,010 e 85% da área do estacionamento. Embora o estacionamento 2A tenha apresentado uma porcentagem de área do estacionamento iluminada maior que a do 2B (95% e 85%, respectivamente), deve-se considerar também neste caso a forma e disposição do estacionamento. No exemplar 2A, o estacionamento possui conformação bastante orgânica e se molda à acentuada topografia do local, contornando o edifício do Fórum, diferentemente do estacionamento 2B, localizado em superfície plana. No estacionamento 2A, devido à sua irregularidade, é possível que o efeito dos pontos de iluminação não seja somatório, como ocorre no estacionamento 2A, em que os pontos de iluminação próximos e alinhados conformam um sistema associativo de iluminação do espaço.

Os resultados apresentados nos mapas de iluminação dos dois pares de estacionamentos su-

gerem a existência de uma relação diretamente proporcional entre a maior densidade de pontos de luz, a maior porcentagem de área do estacionamento iluminada e menores índices de ocorrências de crime de furto e roubo de/em veículos.

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Figura 37 - Mapa do par de estacionamentos 1A e 1B com isovistas geradas a partir de pontos dos trajetos mais percorridos em destaque. Fonte: Autores, 2017.

Figura 38 - Mapa do par de estacionamentos 2A e 2B com isovistas geradas a partir de pontos dos trajetos mais percorridos em destaque. Fonte: Autores, 2017.

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Vigilância Mecânica e Organizada

O estacionamento 1A possui apenas uma câmera de segurança e um vigia que faz ronda pelos

edifícios do entorno e pelo estacionamento. Apenas 3% da área do estacionamento é visível por meio da câmera instalada, cuja abrangência é de 180 graus. No estacionamento 1B, há duas câmeras de segurança que abrangem sua área, sendo uma delas de 180 graus, localizada no prédio da Biblioteca Universitária, e a outra, de 360 graus de abrangência, localizada no prédio da FAPEU. No estacionamento 1B duas pessoas realizam a vigilância.

No estacionamento 2A, apenas duas câmeras de segurança estão voltadas para a área do es-

tacionamento, sendo ambas de 180 graus de abrangência. A vigilância é realizada por duas pessoas. O estacionamento 2B possui um total de oito câmeras de segurança voltadas para seu espaço, cobrindo 88% da área do estacionamento. Dessas oito câmeras, três delas possuem abrangência de 360 graus e as outras cinco abrangência de 180 graus. Apenas os estacionamentos 1B e 2A possuem guaritas fixas de vigilância, não sendo possível estabelecer relações evidentes entre a presença de guarita e os índices criminais nesses espaços.

Nota-se que nos dois estacionamentos com maiores índices de ocorrências (1A e 2A), áreas

significativas dos estacionamentos estão fora do alcance dos recursos de vigilância. No estacionamento 1A, a única câmera identificada está voltada somente para o acesso do estacionamento, não cobrindo a maior parte de sua área. No estacionamento 2A, as câmeras e a vigilância estão claramente voltadas para uma parte do espaço, deixando a parte localizada atrás do edifício do Fórum fora do alcance das câmeras e da vigilância fixa.

Com base no levantamento dos recursos de vigilância mecânica e organizada dos dois pares de

estacionamentos, foi possível identificar a existência de uma relação diretamente proporcional entre a maior quantidade de recursos de segurança e porcentagem de área visível por câmeras e vigilância, e menores índices de ocorrências de crimes nesses locais.

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Figura 39 - Mapa do par de estacionamentos 1A e 1B com isovistas geradas a partir de pontos dos trajetos mais percorridos em destaque. Fonte: Autores, 2017.

Figura 40 - Mapa do par de estacionamentos 2A e 2B com isovistas geradas a partir de pontos dos trajetos mais percorridos em destaque. Fonte: Autores, 2017.

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Sobreposição das Variáveis

Buscando-se sintetizar os resultados obtidos de modo a comparar os pares de estacionamen-

tos, elaboramos os gráficos 6 e 7 em que as variáveis de interesse, dispostas de modo quantitativo em gráficos-radar, resultam em polígonos representando a influência de cada variável estudada nos estacionamentos. Para tornar a comparação mais evidente, sobrepuseram-se os polígonos de cada par de estacionamentos com o objetivo de identificar quais variáveis exerciam a maior influência sobre a dinâmica desses espaços, ou seja, as arestas mais longas indicariam uma maior proximidade do 100% e, portanto, uma maior relevância da variável de interesse nas dinâmicas socioespaciais do estacionamento sob o viés da segurança.

Nota-se que os locais de análise com maior ocorrências de furto e roubo de/em veículos pos-

suem baixas intervisibilidade e permeabilidade, ou seja, possuem campos de visão limitados e quantidade excessiva de barreiras tanto à visão quanto ao acesso. As relações de diversidade de uso do solo se mostraram contrárias às hipóteses estabelecidas de que a maior diversidade de usos proporcionaria maior segurança. Contudo, destaca-se que os usos adjacentes aos estacionamentos com menos ocorrências atraem um elevado número de pessoas por sua escala mais do que pela variedade de atividades.

Tratando-se da apropriação do espaço, os resultados se mostraram semelhantes entre si, o que

nos leva a considerar que o modo como as pessoas se apropriam e transitam por um espaço pode ser mais relevante na promoção da segurança pública do que apenas a quantidade de pessoas que transitam no local.

Desse modo, a partir deste estudo foi possível notar uma relevância significativa da intervi-

sibilidade e integração espacial na promoção da vigilância natural. A diversidade de usos do solo e a apropriação do espaço se mostraram variáveis mais relativas, condicionadas a fatores secundários como escala do uso, público frequentador e localização dos trajetos principais em relação ao estacionamento.

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Gráficos 6 e 7 - Gráficos-radar dos valores proporcionais obtidos em cada variável analisada dos pares de estacionamentos 1A e 1B e 2A e 2B. VIS: visibilidade; PER: permeabilidade (integração); APQ: quantidade de pessoas; APP: porcentagem da área ocupada por pessoas; USO: diversidade de usos. Fonte: Autores, 2017.

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Plataforma Virtual Georreferenciada

A plataforma virtual permaneceu em atividade durante um período de 7 meses, tendo sido ini-

ciada em março e finalizada em outubro de 2016. Registrou-se o total de 91 respostas ao questionário: 10 delas localizavam-se no entorno da universidade, sendo então desconsideradas na análise, já que o objetivo era investigar a existência e a localização dos crimes ocorridos nos espaços internos do campus. Foram utilizadas 4 classificações para o tipo de crime, sendo elas:

- Furto

- Roubo/assalto

- Violência física/ameaça de violência física

- Outros (a especificar a critério do usuário)

Desse modo, das 81 respostas consideradas, 58 (71,6%) caracterizavam crimes de roubo/assal-

to; 17 (21%) crimes de furto; 4 (4,9%) de violência física/ameaça de violência física e 2 (2,5%) de outros tipos de crimes. O mapa presente na figura 41 apresenta os resultados obtidos conforme sua localização, atribuindo-se cores às diferentes categorias de ocorrências com o intuito de se buscar a existência ou não de padrões. Tornou-se evidente a prevalência de crimes de roubo/assalto no campus da UFSC.

Embora não tenha sido possível identificar aglomerações bem definidas, notamos uma maior

concentração de ocorrências em duas áreas do campus. O primeiro local, denominado X, caracteriza um aglomerado entre o Centro Socioeconômico (CSE) e o Centro de Comunicação e Expressão (CCE), curiosamente em um dos maiores estacionamentos do campus, chamado usualmente de “Estacionamento do CCE”. O segundo local, denominado Y, traz um número considerável de ocorrências num caminho que liga o campus às vias do entorno, passando pelo Centro de Desportos (CDS), trajeto percorrido por pedestres e ciclistas.

Embora o número de resultados obtidos possa não ser representativo se comparado à área em

extensão do campus, acreditamos que a ferramenta cumpre com seu objetivo, podendo também ser utilizada para futuros estudos na área. Além disso, se adotada por órgãos oficiais, poderia facilitar o registro de mais ocorrências e consequentemente gerar um maior controle por parte de responsáveis pela segurança do campus, oferecendo um banco de dados sobre os locais com mais ocorrências de crimes. Essas informações poderiam fomentar outros estudos, inclusive incentivando intervenções em espaços universitários que possam apresentar ocorrências criminais com frequência. 54


X

Y

Figura 41 - Mapa do campus central da UFSC com as ocorrências criminais registradas na plataforma virtual em destaque, classificadas por cores em função do tipo de crime. Círculos pontilhados demarcam as duas áreas identificadas pelos autores como tendo uma maior concentração de ocorrências criminais. Fonte: Autores, 2017.

Local X - “Estacionamento do CCE”

Local Y - Caminho do CDS

Figura 42 (esquerda): Vista do estacionamento entre os centros de Comunicação e Expressão (CCE) e Socioeconô-

mico (CSE), denominado Local X. Figura 43 (direita): Vista do caminho no Centro de Desportos (CDS), denominado de Local Y. Fonte: Google Earth, 2017.

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8. Conclusão

A hipótese de que a ocorrência de crimes é mais frequente em áreas que apresentam configu-

ração espacial com menor campo de visão, com mais barreiras visuais e menor intervisibilidade entre as pessoas foi considerada válida, uma vez que os estacionamentos com menores índices de ocorrências de furto e roubo de/em veículos apresentam maiores áreas de isovista se comparados aos seus pares com maior número de ocorrências desses crimes. Sendo assim, mostra-se de notável relevância que o estacionamento possua boa intervisibilidade e que seu campo de visão esteja limpo de barreiras visuais que dificultem a apreensão espacial e a vigilância natural.

A hipótese de que locais com maior permeabilidade tendem a ter menos ocorrências de crime

encontrou suporte nos resultados obtidos, haja vista que os dois estacionamentos com menor ocorrência dos crimes de furto e roubo de em/veículos apresentam maior integração espacial com o entorno, estando localizados mais próximos da área central do campus, que se configura como a parte mais integrada do sistema universitário. Nesses dois casos, a permeabilidade também está associada à intervisibilidade, situação bastante favorável na apreensão do espaço e no exercício da vigilância natural.

Com relação à hipótese de que locais com maior número de pessoas transitando e maior apro-

priação do espaço por essas pessoas tendem a ter menos ocorrências, não foi possível estabelecer nenhuma relação significativa, uma vez que os estacionamentos com maiores e menores números de ocorrências apresentaram valores semelhantes em seus resultados. Entretanto, os casos analisados sugerem uma forte relação do estacionamento com os principais eixos de circulação do local. Uma recomendação preliminar derivada deste estudo, a ser testada em outros trabalhos e confrontada com outros requisitos e intenções de projeto, é que estacionamentos que realizam ligações importantes dentro da estrutura do campus, e, portanto, são usados como caminhos pelos pedestres, tendem a ser mais seguros. Por isso, essas soluções projetuais poderiam ser incentivadas, tornando-se recomendável que o estacionamento esteja posicionado próximo aos principais eixos de circulação do seu entorno.

É possível identificar também que, mesmo havendo grande quantidade de pessoas circulando

nos estacionamentos com maiores índices de ocorrências, tal trânsito se dá em horários mais específicos, relacionados aos turnos de aulas e aos picos de movimento do Restaurante Universitário. Nos estacionamentos com baixa ocorrência de crimes, o trânsito de pedestres que por eles passavam era mais constante e regular, o que pode contribuir para a construção de uma atmosfera de maior segurança. 56


A hipótese de que os crimes tendem a acontecer em áreas com menor variedade de uso do

solo não foi confirmada por este trabalho, pois os estacionamentos com maiores ocorrências de furto e roubo de/em veículos estão em áreas com maior variedade de uso do solo. Entretanto, o tipo de uso do solo parece ser relevante, uma vez que os dois estacionamentos com menor número de ocorrências estão próximos de edificações bastante utilizadas durante todo o período do dia: reitoria e biblioteca universitária. Portanto, uma distribuição mais uniforme e constante de fluxos de pessoas ao longo do dia parece ser mais significativa do que a quantidade absoluta de pessoas no local.

Os estudos dos usos sugerem também a necessidade de aprofundar a análise da diversidade

de pessoas que frequentam um determinado local do campus, e o quanto isso pode, supostamente, aumentar ou diminuir a capacidade e o senso de legitimidade dos usuários de reconhecer e exercer algum controle uns sobre os outros. Há que se ter o cuidado, no entanto, de não cair na alternativa fácil da defesa da segregação e do isolamento, uma vez que a diversidade de usuários pode ser um fator de incentivo à criatividade e ao intercâmbio de conhecimentos e experiências mais ricas e complexas.

Em relação às variáveis de controle, tanto a melhor iluminação do estacionamento, quanto o

maior controle por recursos de vigilância, parecem contribuir para um menor número de furto e roubo de/em veículos, reiterando também a relevância desses mecanismos na promoção de espaços mais seguros.

Dentre as variáveis de interesse analisadas, foi possível perceber uma prevalência da intervisi-

bilidade associada à permeabilidade - compreendidas aqui como uma clara apreensão do espaço pelo usuário, identificando caminhos e limites. O tipo de uso do solo também se mostrou relevante, tendo como possível efeito o constante fluxo de pessoas. Esses dois aspectos, pelos seus efeitos mencionados, mostraram-se relevantes na promoção da vigilância natural nesses estacionamentos.

Esperamos que esta pesquisa possa contribuir para o maior conhecimento dos impactos de as-

pectos da configuração física dos espaços na ocorrência de crimes em campi universitários, de tal modo que as construções e intervenções no espaço físico sejam realizados com um planejamento criterioso e com maior compreensão dos seus efeitos. Com base nisso, é possível vislumbrar cenários que abordem a segurança como elemento qualificador do ambiente construído, tema ainda pouco abordado nos campi universitários, mas de fundamental importância para a vitalidade desses espaços tão singularmente ocupados.

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Referências

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Anexo - Questionรกrio Online

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Figura 14. Questionรกrio elaborado para a proposta de plataforma virtual online georreferenciada (primeira parte). Fonte: Autores, 2017.

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Figura 15. Questionรกrio elaborado para a proposta de plataforma virtual online georreferenciada (segunda parte). Fonte: Autores, 2017.

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Figura 16. Questionรกrio elaborado para a proposta de plataforma virtual online georreferenciada (terceira parte). Fonte: Autores, 2017.

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Figura 17. Questionรกrio elaborado para a proposta de plataforma virtual online georreferenciada (quarta parte). Fonte: Autores, 2017.

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Figura 18. Questionรกrio elaborado para a proposta de plataforma virtual online georreferenciada (quinta parte). Fonte: Autores, 2017.

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Publicações http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/parc http://dx.doi.org/10.20396/ parc.v8i2.8649893

O AMBIENTE CONSTRUÍDO E A OCORRÊNCIA DE CRIMES: UMA ANÁLISE EM ESTACIONAMENTOS DE CAMPUS UNIVERSITÁRIO THE BUILT ENVIRONMENT AND THE OCCURRENCE OF CRIMES: AN ANALYSIS IN UNIVERSITY CAMPUS PARKING LOTS Mariana Soares 1

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil, mariana_soa@hotmail.com

Gabriel George Grosskopf 2

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil, gabreorge@gmail.com

Julia Roberta Eli 3

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil, julia.eli96@gmail.com

Renato Tibiriçá de Saboya 4

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil, rtsaboya@gmail.com

Fernando Barth 5

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil, fernando.barth@ufsc.br

Resumo Embora haja um grande número de estudos que analisam a relação entre a forma urbana e arquitetônica e a ocorrência de crimes, estudos específicos em ambientes universitários ainda são raros. Neste trabalho, são analisados dois pares de estacionamentos no campus principal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, para verificar se a visibilidade, permeabilidade, nível de apropriação e diversidade de uso do solo podem ser fatores explicativos de uma maior ou menor ocorrência de crimes nesses locais. Eles foram escolhidos por apresentar, em cada par, quantidades semelhantes de vagas e quantidades contrastantes de crimes, sendo um estacionamento com alta e o outro com baixa ocorrência. A análise comparativa foi feita com base em levantamentos in loco, observação e elaboração de mapas. Os resultados indicam que a visibilidade e permeabilidade são efetivamente importantes para diminuir a ocorrência de crimes. Por outro lado, a quantidade de pessoas em cada local, por si só, não foi capaz de explicar as diferenças nas taxas de crimes, a não ser quando foi considerada sua distribuição ao longo do dia e a visibilidade a partir dos principais caminhos para os estacionamentos. Quanto aos usos do solo, os resultados mostraram-se contrários à crença disseminada entre arquitetos e urbanistas de que maior diversidade estaria relacionada a menor número de ocorrências criminais. As conclusões trazem elementos para fomentar os debates, planos e intervenções em campi universitários sob a lógica da segurança. Palavras-chave: Campus universitário. Ocorrência de crimes. Visibilidade. Vigilância Natural. Usos do solo.

Abstract Although there are many studies about the relationship between urban and architectural form, and the occurrence of crimes, studies that deal specifically with university environments are still rare. In this work, we analyze two pairs of parking lots on the main campus of the Federal University of Santa Catarina (UFSC), in Florianópolis, to ascertain if visibility, permeability, number of users and land use diversity are relevant explanatory factors of higher or lower quantities of crime occurrences in these areas. Each pair comprised one parking lot with high and other with low crime rate, both with similar amounts of parking spots. Field surveys, observations, and maps supported a comparative analysis. The results indicate that visibility and permeability are effectively crucial in reducing the occurrence of crimes. On the other hand, the sheer number of people in each place was not able to explain the differences in crime rates, except when its distribution throughout the day and the visibility provided by the primary circulation paths to the parking lots were taken into account. As for land uses, the results were contrary to the widespread belief among architects and urbanists that greater diversity is related to a lower number of criminal occurrences. The conclusions bring forth essential aspects to be considered in debates, masterplans and spatial interventions on university campuses. Keywords: University campus. Crime occurrence. Visibility. Natural surveillance. Land use. How to cite this article: SOARES, Mariana et al.. O ambiente construído e a ocorrência de crimes: uma análise em estacionamentos de campus universitário. PARC Pesquisa em Arquitetura e Construção, Campinas, SP, v. 8, n. 2, p. 102-116, jun. 2017. ISSN 1980-6809. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/parc/article/view/8649893>. Acesso em: 14 dez. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.20396/parc.v8i2.8649893. Received in 14.07.2017 - accepted in 14.11.2017

102 | PARC Pesq. em Arquit. e Constr., Campinas, SP, v. 8, n. 2, p. 102-116, jun. 2017, ISSN 1980-6809

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Embora haja um grande número de estudos que analisam a relação entre a forma urbana e a

ocorrência de crimes, estudos específicos em espaços universitários ainda são raros. Neste trabalho, são analisados dois pares de estacionamentos no campus principal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, para verificar se os conceitos de visibilidade, permeabilidade, nível de apropriação do espaço e diversidade de uso do solo podem ser fatores explicativos de uma maior ou menor ocorrência de crimes nesses locais. Dois pares de estacionamentos foram escolhidos por apresentarem, em cada par, quantidades semelhantes de vagas e quantidades contrastantes de crimes. A análise comparativa foi feita com base em levantamentos em campo, observação e elaboração de mapas, incorporando conceitos da Teoria da Sintaxe Espacial como as medidas de área de isovista e integração espacial. Os resultados indicam que a visibilidade e permeabilidade são efetivamente importantes para diminuir a ocorrência de crimes. Por outro lado, a quantidade de pessoas em cada local, por si só, não foi capaz de explicar as diferenças nas taxas de crimes, a não ser quando foi considerada sua distribuição ao longo do dia e a visibilidade a partir dos principais caminhos para os estacionamentos. Quanto aos usos do solo, os resultados mostraram-se contrários à crença disseminada entre arquitetos e urbanistas de que maior diversidade estaria relacionada a menor número de ocorrências criminais. Complementando a análise dos estacionamentos, foi elaborado um questionário virtual georreferenciado como ferramenta de coleta de dados criminais, incluindo nesse registro a componente espacial.

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