Actas I Colóquio de Olisipografia

Page 11

Origem e evolução do conceito de Olisipografia. A auto-defesa da Cidade e a resposta dos eruditos. O conceito como parte integrante do trabalho da Cidade e sua transformação em Olisipologia. O neologismo aqui criado como um ramo de saber imprescindível e inerente ao trabalho do funcionário municipal.

1. A primeira vez que me defrontei com as palavras Olisipografia e Olisipógrafo foi em 1961, quando comecei a trabalhar na Câmara Municipal de Lisboa, na Secção de Propaganda e Turismo, para cujas actividades contribuíam como estável fonte documental as obras dos principais olisipógrafos, começando por Júlio de Castilho. Para mim, durante largos anos, aquela geração magnífica de estudiosos de Lisboa constituía uma plêiade de divindades olímpicas cujas opiniões e conclusões jamais se punham em causa. É evidente que esta minha atitude se alterou com o passar do tempo no sentido da discordância, mas continuei a considerar estes olisipógrafos uns seres à parte, com inultrapassável valor, constituindo a Olisipografia, tal como a cultivavam, o registo escrito e pictórico de tudo o que podia constituir a memória histórica da Cidade. Quando se finalizou a segunda fase da 11 intervenção no Teatro Romano de Lisboa, que culminou com a inauguração do Museu e espaços conexos, a Drª Ana Cristina Leite telefonou-me dizendo que estavam a recolher depoimentos de pessoas ligadas às intervenções da CML naquele espaço; e enviei-lhe um modesto texto que assinei. Voltou a ligar-me dizendo que eu não tinha dito o que era; respondi-lhe prontamente: “Sou funcionária da Câmara”. “Não – disse ela. Não pode ser. É olisipógrafa.” E eu respondi: “Não, não! Não sou.” Ela insistiu: “É sim! É, é! Tem de ser!” Acabei por dizer: “Está bem.” E assim ficou, embora eu não concordasse. Ao longo da minha carreira ao serviço da Câmara, com tarefas diferentes e responsabilidades distintas, vi-me na necessidade de “aprender” Lisboa. Embora o gosto pela Cidade nunca estivesse ausente, as matérias em que trabalhara correspondiam a necessidades de serviço extremamente diferenciadas. É evidente que fui produzindo pequenos trabalhos olisipográficos, o que faz de mim não um olisipógrafo de pleno estatuto, mas antes um… olisipógrafo acidental. Torna-se claro que uma coisa é ter um bom conhecimento do “devir” da Cidade, imprescindível para um correcto desempenho de funções na CML; outra coisa é o estudo da Cidade de forma volitiva para produção de um trabalho intencionalmente científico e destinado a publicação. Este segundo caso corresponde ao conceito de olisipógrafo, não devendo nós esquecer que nos anos 40 do séc. XX o termo Olisipografia era ainda um neologismo; e talvez seja tempo

de criar um outro neologismo, Olisipologia, significando a ciência do conhecimento de Lisboa e sendo os seus cultores Olisipólogos, cuja formação deveria ser assegurada pela CML. Seria desejável, se não imprescindível, que uns e outros fossem Olisipófilos, os que amam Lisboa, por muito conturbado que esse amor possa ser. Creio que todas estas matérias mereceriam uma mais profunda reflexão já que, entre outras coisas, nenhum dicionário regista a palavra Olisipologia, nem jamais a vi ser sugerida a não ser agora. Uma breve busca em alguns dicionários deu-me definições de Olisipografia que, obviamente, evoluem ao longo do tempo. A palavra é considerada um cultismo por manter a prática latina do “s” intervocálico, presente na forma romana do nome pré-romano da Cidade, que aos ouvidos romanos soou Olisipo. A forma com dois “ss” é considerada menos correcta porque, para manter o som o “s”, altera a grafia original. É uma cedência do rigor para evitar erros de fonética. Essa mesma pequena busca permitiu-me seguir uma certa evolução do âmbito desta nova ciência, começando com a história, belas artes e literatura até que, actualmente, posso dizer que abrange todas as facetas da vida da Cidade, como organismo vivo, no passado, no presente e no futuro. Comecei então pelos grandes clássicos: a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1940) e o Dicionário de Língua Portuguesa de José Pedro Machado (1965), que dizem quase a mesma coisa quando definem Olisipografia como “um conjunto de escritos eruditos ou simplesmente literários com estreita ligação com a história, as belezas, as sugestões da Lisboa antiga (Olisipo) ou moderna”. A Enciclopédia considera-a um neologismo, o mesmo se aplicando a Olisipógrafo, que define como “o que escreve ou realiza publicações escritas sobre Lisboa”. O Dicionário da Língua Portuguesa, dito da Academia (2001), é mais explícito e completo, começando pela origem da palavra: “De Olisipo + gr. γραφος, escrever + sufixo –ia”; e diz: “Estudo cientificamente orientado acerca da cidade de Lisboa, versando as vertentes histórica, artística e urbanística, com vista à compreensão e reconstituição da sua vivência ao longo de diversas épocas”. E diz ainda, em itálico: “A olisipografia é um ramo da história que muito tem contribuído para o conhecimento do passado da cidade.” Além de admitir grafias com dois “ss”, regista a forma Olisipófilo (de Olisipo + φιλóς) significando “pessoa que demonstra afeição ou preferência por Lisboa ou pelos lisboetas, pelos seus usos, costumes ou práticas. É substantivo e também adjectivo.” Não admite, no entanto, Olisipofilia. O Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2005) refere em relação ao assunto: “Olisipo(n) – elemento de composição antepositivo, do lat. Olisippo ou Olisippo,ónis, ´Olísipo, cidade da Lusitânia (actual Lisboa)´; ocorre nos cultismos olisipofilia, olisipófilo, olisipografia, olisipográfico, olisipógrafo, olisiponiano; no port. europeu é muito frequente a pronúncia alatinada de todos estes cultismos, do s intermédio como fricativa dental surda, para a qual a grafia mais adequada seria Olissipo(n)”. Para Olisiponense refere a forma publicada, em 1881, por Francisco Rodrigues dos Santos Saraiva no seu Dicionário. Regista ainda a forma Olisiponiano, invulgar entre nós. Pedro Brou, no seu Lexikon Latino-Português (1905), regista as duas grafias do substantivo e traduz o


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Actas I Colóquio de Olisipografia by GEO Gabinete de Estudos Olisiponenses - Issuu