Redescrições, Ano 8, número 1, 2018

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disseminou a concepção de que todos os bons atos morais devem ser feitos nesta única vida (SLOTERDIJK, 2014, p.86). Sloterdijk fala da época medieval escolástica. Ele entende que neste período houve desdobramentos da cultura helênica e apropriações das teorias platônicas e aristotélicas. Havia no intelectual medieval de vida monástica a busca por integrar-se, ainda em vida, o grupo das santidades. O autor diz que há um novo desdobramento do morto aparente na modernidade do século XVI (SLOTERDIJK, 2014, p.87). Sloterdijk recorda que a Modernidade é lembrada nos textos de história das ideias por ser a época do domínio da natureza. Mas, as narrativas convencionais das ideias deram pouca atenção ao fato de nesta época os intelectuais, associados à burguesia em ascensão, queriam se destacar dos demais criando o que ele chama de aristocracia artificial (SLOTERDIJK, 2014, p.89). Também é importante lembrar que a Renascença é marcada pelo culto da genialidade, um substituto da santidade cristã. Tanto a genialidade neopagã quanto a santidade cristã são reinterpretações típicas da morte aparente. Os intelectuais, tanto da Idade Média quanto na alta Idade Moderna, tinham de depor o eu mortal em vista de um ego intelectual e espiritual indestrutível. Este homem de teoria séria o santo do tempo medieval ou o homem da nobreza artificial da Renascença (SLOTERDIJK, 2014, p.89). Há na Renascença a passagem do modelo do teórico meditativo para o élan criativo (SLOTERDIJK, 2014, p.90). Como exemplo dessa defesa da nobreza intelectual temos o escrito de Giordano Bruno, Das Paixões Heroicas, onde o sábio italiano interpreta o mito de Acteon, transmitido por Ovídio. A história narra a caçada do jovem Acteon pelo bosque. Ao se aproximar do lago, surpreendeu Diana nua no banho. A deusa tomada pela fúria jogou água no caçador e transformou-o num veado que foi devorado por seus cães. Giordano Bruno interpreta o mito dizendo: “Assim Acteon com seus pensamentos, seus cães que buscavam fora de si o bem, a sabedoria, a beleza, a besta selvagem, por este meio veio a sua presença; fora de si por tanta beleza arrebatado, converteu-se em presa, se viu convertido naquilo que buscava e percebeu-se transformado em presa de seus cães, de seus pensamentos, pois em si mesmo encontrava a divindade, já não era necessário buscá-la fora de si.” “[...] de homem vulgar e comum como era, torna-se raro e heroico, tem costumes e conceitos raros e leva uma vida extraordinária” (BRUNO, 1987, p.74-75 tradução nossa).

Na tradição neoplatônica o mito era lido como a passagem do olhar profano - do que observa vulgarmente as coisas divinas - para aquele que apreende a verdade divina

REDESCRIÇÕES – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VIII, nº 1, 2018.


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