Prisão preventiva de pé de boto vira prisão domiciliar

Page 1

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU DADOS DO PROCESSO Nº Processo:

0000100-27.2015.8.14.0401

Comarca:

IGARAPÉ-MIRI

Instância:

1º GRAU

Vara:

VARA UNICA DE IGARAPE MIRI

Gabinete:

GABINETE DA VARA UNICA DE IGARAPE MIRI

Data da Distribuição: 08/01/2015

DADOS DO DOCUMENTO Nº do Documento:

2016.05151967-42

Assinatura Eletrônica:

CONTEÚDO Processo nº 0000100-27.2015.8.14.0401 – Ação Penal – Competência do Júri Autor: Ministério Público do Estado do Pará. 1º denunciado: Ailson Santa Maria do Amaral. Advogado: Arnaldo Lopes de Paula – OAB/PA 14042 – e outros. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, §§ 1º, 3º e 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º, e art. 14, II, e art. 339 (participação em organização criminosa; obstrução ou embaraço no curso de investigação - três vezes; homicídio tentado - oito vezes; homicídio consumado em atividade de extermínio - quinze vezes; denunciação caluniosa - uma vez). 2º denunciado: Amilton Nazareno Santa Maria do Amaral. Classificação: Arnaldo Lopes de Paula – OAB/PA 14042 – e outros. Tipos penais: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, §§ 1º e 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º (participação em organização criminosa; obstrução ou embaraço no curso de investigação - duas vezes; homicídio consumado em atividade de extermínio - duas vezes). AssinadoNeto. digitalmente por Lauro Alexandrino Santos. Para conferência, acesse www.tjpa.jus.br e na opção 3º denunciado: Ruzol Gonçalves Autenticar Assinatura Eletrônica informe o número do documento. Advogado: Amadeu Pinheiro Correa Filho – OAB/PA 9363. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º, e art. 14, II, e art. 339 (participação em organização criminosa; homicídio tentado - seis vezes; homicídio consumado em atividade de extermínio - uma vez; denunciação caluniosa - uma vez). 4º denunciado: Rafael da Silva Neto. Advogado: Amadeu Pinheiro Correa Filho – OAB/PA 9363. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º (participação em organização criminosa; homicídio consumado em atividade de extermínio - quatro vezes). 5º denunciado: Paulo Sérgio Fortes Fonseca. Advogado: José Roberto Alves Gomes – OAB/PA 18836 (fl. 13942). Advogado: Reginaldo Derze Ferreira – OAB/PA 5090. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, §§ 1º e 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º, (participação em organização criminosa; obstrução ou embaraço no curso de investigação – uma vez; homicídio consumado em atividade de extermínio - seis vezes). 6º denunciado: Marcelo Matias de Jesus. Advogada: Denilza de Souza Teixeira – OAB/PA 8020. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º, e art. 14, II (participação em organização criminosa; homicídio tentado – quatro vezes; homicídio consumado em atividade de extermínio – quatro vezes). 7º denunciado: Sílvio André Alves de Sousa. Advogada: Amadeu Pinheiro Correa Filho – OAB/PA 9363. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º, e art. 14, II (participação em organização criminosa; homicídio tentado – uma vez; homicídio consumado em atividade de extermínio – duas vezes). 8º denunciado: Marco Afonso Muniz Palheta. Advogado: Eliezer da Conceição Borges – OAB/PA 16102. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II (participação em organização criminosa). 9º denunciado: Rivadávia Alves dos Santos. Advogado: Rodrigo Tavares Godinho – OAB/PA 13983.

1


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 339 (participação em organização criminosa; denunciação caluniosa - uma vez). Obs.: desmembramento (decisão à fl. 14050). 10º denunciado: Dilson Harlem Nascimento Nunes. Advogado: Marcelo Rodrigues Bastos – OAB/PA 15022. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 339 (participação em organização criminosa; denunciação caluniosa - uma vez). Obs.: desmembramento (decisão à fl. 14050). 11º denunciado: Edson Carlos Souza. Advogado: Rodrigo Tavares Godinho – OAB/PA 13983. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 339 (participação em organização criminosa; denunciação caluniosa - uma vez). Obs.: desmembramento (decisão à fl. 14050). 12º denunciado: Everaldo Lobato Vinagre. Advogado: Amadeu Pinheiro Correa Filho – OAB/PA 9363. Classificação: Lei 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º, § 4º, II; Código Penal, art. 121, § 1º, I e II, e § 6º, (participação em organização criminosa; homicídio consumado em atividade de extermínio - três vezes). DECISÃO Relatório A presente ação penal, em que são relatados fatos delituosos ocorridos nos anos de 2012 a 2014, foi deflagrada por denúncia datada de 02/10/2014, protocolizada em 03/10/2014, redistribuída para esta Vara Única da Comarca de Igarapé-Miri em 25/02/2015 e o recebimento da denúncia se deu por decisão datada de 30/06/2015, quando também foi decretada a prisão preventiva dos denunciados. Conforme certidão nos autos, foi efetivada em 17 de julho de 2015 a prisão preventiva dos réus Ruzol Gonçalves Neto, Everaldo Lobato Vinagre, Marcelo Matias de Jesus, Marco Afonso Muniz Palheta, Rivadavia Alves dos Santos, Dilson Harlen Nascimento Nunes, Silvio André Alves de Sousa e Edson Carlos Souza. Em 10/12/2015 foi proferida decisão mantendo o decreto de prisão preventiva, determinando a citação por edital de Paulo Sergio Fortes Fonseca, Rafael da Silva Neto e Amilton Nazareno Santa Maria do Amaral, indeferindo preliminares e designando audiência de instrução preliminar. Consta nos autos certidão datada de 05/02/2016 no sentido de que todos os réus protocolizaram tempestivamente resposta à acusação. A instrução preliminar iniciou-se no dia 19/02/2016 e continuou nos dias 04/03/2016, 07/03/2016 e 08/03/2016, não se ultimando ainda nessa data em razão de movimentação de magistrados. Em 14/03/2016 foi proferida decisão mantendo o decreto de prisão preventiva dos denunciados, determinando realização de diligência e denegando pedido de desentranhamento de documentos. A instrução retomou sua marcha nos dias 08/08/2016 e 09/08/2016 em que foi assim deliberado: Após decisão sobre desmembramento, manifestem-se as Defesas no prazo de 05 dias sobre as diligências do art. 402 do CPP. Caso nada seja requerido, determino a abertura de vista ao M.P. e Defesa para, no prazo sucessivo de 10 dias, apresentarem alegações finais.

2


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

No dia 13/08/2016 foram cumpridos os alvarás de soltura dos réus Marco Afonso Muniz Palheta, Rivadavia Alves dos Santos, Dilson Harlen Nascimento Nunes e Edson Carlos Souza (conforme consulta no Sistema de Gestão do Processo Judicial – Libra). Por decisão datada de 11/10/2016, foi determinada a realização das seguintes diligências: a) seja requisitado à Superintendência da 4ª RISP Tocantins em Abaetetuba relatório circunstanciado sobre os inquéritos policiais instaurados por portaria e/ou flagrante delito, referente aos homicídios dolosos, consumados e tentados, que ocorreram na Comarca de Igarapé-Miri nos anos de 2012, 2013 até julho de 2014, no prazo máximo de 30 dias; b) seja oficiado o Comando da Polícia Militar nos termos do pedido III da fl. 14072 (prestar informações sobre as lotações do denunciado Sílvio André Alves de Sousa nos últimos cinco anos, bem como, período de férias, afastamentos e licenças da atividade policial); c) o prazo de 90 dias para que a defesa dos réus Ailson, Amilton e Paulo Sérgio providencie a perícia justificada na fl. 14096 (degravação e análise técnica dos áudios obtidos das interceptações telefônicas constantes nos autos, no sentido de se constatar a veracidade das transcrições). Nessa mesma decisão, acolhendo requerimento formulado pela defesa, foi designado o dia 10/11/2016 para interrogatório de Ailson Santa Maria do Amaral e dos demais réus que ainda não foram interrogados e que quisessem exercer o direito de ser ouvido (decisão às fls. 14144 a 14148, publicada no DJe de 14/10/2016). Por petição protocolizada em 25/10/2016, o denunciado Ailson Santa Maria do Amaral requereu a conversão da prisão preventiva para prisão domiciliar (fls. 14151 a 14165). Em 04/11/2016 foi juntada aos autos Decisão/Ofício nº 2777/2016-CJCI, datada de 12/09/2016, pela qual a Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior recomenda que este Juízo mantenha o curso regular do presente processo, considerando a gravidade dos fatos que estão sendo apurados, informando quando da prolação da sentença (fls. 14204 a 14208). Também na mesma data de 04/11/2016 foi juntado aos autos Ofício nº 228/2016-PJIM, de 12/07/2016, encaminhando termo de declarações que noticia o paradeiro de duas pessoas que respondem a processos criminais nesta comarca, tendo sido decretada a prisão preventiva dos mesmos (fls. 14209 a 14218). Por despacho de 04/11/2016 foi determinada vista dos autos ao Ministério Público (fl. 14219). Aos autos foi juntado Ofício nº 506/2016-4ª RISP-TOCANTINS, datado de 04/11/2016, encaminhando lista de procedimentos policiais instaurados referentes a crime de homicídios dolosos, tentados e consumados, que ocorreram na Comarca de Igarapé-Miri nos atos de 2012 e 2013 (fls. 14222 a 14228). No dia 10/11/2016 realizou-se a audiência designada à fl. 14148, cuja finalidade restou prejudicada, ante a ausência dos réus que não foram ouvidos. Naquela ocasião os advogados Amadeu Pinheiro Corrêa Filho e Denilza de Souza Teixeira ratificaram os requerimentos, ao passo em que o representante do Ministério Público também ratificou a sua manifestação constante às fls. 14140 a 14143, ou seja, pelo deferimento da revogação da prisão preventiva dos acusados Everaldo Lobato Vinagre e Sílvio André Alves de Sousa, e indeferimento em relação ao acusado foragido Rafael da Silva Neto e ao acusado Marcelo Matias de Jesus, requerendo vista dos autos quanto ao pedido de prisão domiciliar constante às fls. 14151 a 14165 (termo da audiência às fls. 14229 e 14229-Verso). O denunciado Ailson Santa Maria do Amaral, por petição protocolizada em 22/11/2016, trouxe aos autos cópia das notas taquigráficas referentes ao julgamento do Habeas Corpus 0010009-98.2016.8.14.0000 (fls. 14232 a 14236), bem como abaixoassinado contendo mais de 3.000 assinaturas manifestando solidariedade e apreço pela sua pessoa (fls. 14237 a 14333). Em manifestação datada de 30/11/2016, o representante do Ministério Público se manifestou pelo indeferimento do pedido de prisão domiciliar do acusado Ailson Santa Maria do Amaral, haja vista não se encontrar preso, em virtude do mesmo não ter apresentado prova idônea de que preenche algum dos requisitos legais para a obtenção do benefício processual na Prisão Domiciliar, elencados no art. 318 do Código de Processo Penal.

3


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

Sendo o que havia de relevante para relatar, passo a decidir e deliberar. Fundamentos Do relato acima, deduz-se restarem pendentes a ultimação das diligências deferidas anteriormente para encerramento da instrução preliminar, sem prejuízo de, para tanto, serem deliberadas diligências outras por parte do juízo. Remanescem, ainda, passíveis de apreciação, os pleitos deduzidos pela defesa dos réus Ailson Santa Maria do Amaral, Rafael da Silva Neto, Everaldo Lobato Vinagre, Sílvio André Alves de Sousa e Marcelo Matias de Jesus. Sobre as diligências Por decisão judicial anterior, após oitiva das testemunhas e interrogatório dos réus e antes dos debates orais, foi deferida às partes o prazo de 05 (cinco) dias para se manifestarem sobre as diligências de que trata o art. 402 do CPP. A despeito de o referido dispositivo legal versar sobre fase processual afeta a feitos de competência do juízo singular e o procedimento relativo a processos da competência do Tribunal do Júri prever momento distinto para requerimento de diligências (CPP, art. 422), não se pode negar que a medida adotada pelo magistrado antecedente se harmoniza com entendimentos atuais no sentido de que, após o interrogatório do acusado e antes dos debates, as partes podem, sim, postular novas diligências, que, se justificadas, deverão ser deferidas, isto porque, embora importante para a realização da justiça, a celeridade processual jamais poderá ser justificativa hábil para, por si só, autorizar o sacrifício de garantias constitucionais. Portanto, merece, sim, ser ratificada a decisão deferitória e deliberatória de diligências, aparentemente prematura. Entendo, outrossim, ser necessário acrescentar mais uma diligência, qual seja a solicitação de envio, pela Assembléia Legislativa do Estado do Pará, do relatório final datado de 30/01/2015, e respectivos documentos, da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI – instaurada em face do Requerimento nº 310/2014, proposto pelo Deputado Edmilson Rodrigues, para apuração da atuação de grupos de extermínio e milícias no Estado do Pará, sendo que os documentos a serem encaminhados devem ser apenas aqueles pertinentes aos fatos ocorridos no Município de Igarapé-Miri. A realização de diligências e o tempo de prisão cautelar Não se pode negar que a realização das diligências já deferidas e reconhecidas necessárias por este juízo imprime considerável delonga no encerramento desta primeira etapa do processo de competência do Tribunal do Júri, que, aliás, em demandas de menor complexidade, tem o prazo máximo legalmente fixado em 90 (noventa) dias, nos termos do art. 412 do Código de Processo Penal. Essa delonga no desfecho da primeira etapa, por decorrência lógica, ocasiona dilatação do já extenso tempo de prisão dos réus Everaldo Lobato Vinagre, Sílvio André Alves de Sousa e Marcelo Matias de Jesus, que foram presos preventivamente no dia 17 de julho de 2015 e estão completando, hoje, 523 (quinhentos e vinte e três) dias no cárcere. A situação se agrava ante a inexistência de previsão quanto ao momento em que será prolatada decisão de pronúncia e, muito menos ainda, quanto à realização, se for o caso, de sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri. Tais circunstâncias conduzem à conclusão de que o tempo de segregação cautelar dos referidos denunciados se distancia dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade que permitem a excepcionalidade da prisão sem condenação. Impõe-se, pois, o relaxamento da prisão, mas com aplicação de medidas cautelares outras, ante o substrato fático em que se apoiou o decreto prisional. Não se olvide do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça quando, reconhecendo a hipótese de relaxamento da prisão por excesso prazo, ressalva a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, caso efetivamente demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP (RHC 63.458/PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. em 16/06/2016, DJe 26/09/2016). Sobre os pedidos de revogação da prisão preventiva, ratificados em audiência do dia 10/11/2016

4


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

No que diz respeito aos pedidos de revogação de prisão preventiva em favor dos denunciados Everaldo Lobato Vinagre, Sílvio André Alves de Sousa e Marcelo Matias de Jesus, o exame de tal pretensão resta prejudicado ante o entendimento acima explicitado relativamente ao relaxamento da prisão. Quanto ao pedido reiterado de revogação da prisão preventiva de Rafael da Silva Neto, este não merece acolhida, pelas mesmas razões já expendidas na decisão de fls. 14144 a 14148, que reitera os fundamentos de decisões pretéritas. Sobre o pedido de conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar formulado pelo denunciado Ailson Santa Maria do Amaral Pleito que merece maior atenção é o de prisão domiciliar em favor do denunciado Ailson Santa Maria do Amaral (fls. 14151 a 14165). Os fundamentos fático-jurídicos apresentados pelo requerente se alinham da seguinte forma: - reconhecendo a gravidade dos delitos aos quais está sendo acusado, bem como sabendo da repugnância que existe pela população carcerária, além de temer pela violação de sua integridade física e por sua vida – caso seja submetido ao regime carcerário, ainda que preventivamente – precisou foragir-se, não como uma manobra para tumultuar o processo ou causar qualquer tipo de dano à instrução, mas sim como forma de exercer legítima defesa própria e por questão de estado de necessidade; - o caso ganhou repercussão por meio de jornais, revistas e outros meios de comunicação social de grande difusão; certamente também é de pleno conhecimento na população carcerária, motivo pelo qual não há dúvidas do ódio que tais pessoas tem contra o réu, o que levaria a sofrer todo tipo de violência e tortura, caso este seja custodiado em estabelecimento prisional comum, o que é impossível de ser evitado, uma vez que é notório que os estabelecimentos prisionais não tem estrutura para resguardar a integridade do autor, bem como de qualquer outra pessoa, conforme já foi reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal, na ADPF 347 MC/DF; - jamais causou qualquer prejuízo ao bom andamento da ação penal; sempre manifestou seu desejo de exercer sua autodefesa em audiência, contudo não podia o fazer, visto que poderia sair preso da sala de audiências; - tendo sido concedida liminar em habeas corpus, imediatamente apresentou-se a este juízo, colocando-se à disposição para a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão aplicadas pela relatora do writ; não utilizou de sua situação econômica para fugir, bem como não agiu de qualquer forma que pudesse desrespeitar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal; após um mês em liberdade liminarmente, esteve perante a Secretaria criminal deste juízo para assinar e informar suas atividades laborais; - embora o Tribunal tenha revogado a liminar, o mesmo reconhece a necessidade de proteção do acusado, deixando a cargo deste juízo que tome as providências necessárias para tal; - tomando por base os fatos acima narrados, não pode descartar a hipótese de aplicação da prisão domiciliar ao requerente, uma vez que a mesma atingirá todos os fins a que se destina a prisão do réu; isto é, o mesmo terá sua integridade resguardada, bem como a manutenção da dignidade da pessoa humana do acusado; e o Estado terá total acesso ao requerente, podendo realizar vistorias a qualquer momento na área reservada ao acautelamento domiciliar indicada – o requerente estará sob a tutela e o controle do Estado com sua dignidade humana preservada e, consequentemente, sua integridade física e a sua vida; - segundo Renato Brasileiro Lima (Manual de Processo Penal, 2016), a prisão domiciliar é considerada pelo legislador como uma forma de prisão preventiva domiciliar e não como medida cautelar alternativa à prisão (p. 995); - Nestor Távora (Curso de Direito processual penal, 2016) leciona que a prisão domiciliar é (...) medida cautelar cerceadora de liberdade prevista expressamente nos arts. 317 e 318 do Código, e tem lugar toda vez que a execução da prisão preventiva não seja recomendada em cadeia pública (para os presos provisórios) ou em prisão especial (para os acusados que detem essa prerrogativa por força de lei), em razão de condições especiais, especialmente relacionadas à idade e à saúde do agente (p. 940); o rol apresentado no art. 318 é meramente exemplificativo, de modo a buscar tutelar os casos excepcionais (p. 940), situação essa que amolda-se perfeitamente ao caso em comento, uma vez que há a necessidade de resguardar a integridade e a vida do acusado, que

5


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

correm graves riscos de violação, uma vez que pela natureza do crime que é imputado ao autor, causa ódio à população carcerária; ; - a medida não tem condão de substituir medidas cautelares de prisão, mas sim é uma forma de prisão preventiva que visa humanizar a pena, sendo a mesma submetida à supervisão estatal e aplicáveis às mesmas penalidades que são aplicadas em caso de violação às regras da prisão preventiva em cadeia comum; - a medida é plenamente compatível com o princípio basilar da República Federativa do Brasil, a Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 1º, III, da CF/88; - a medida é também eficaz para a contagem da detração; demonstra-se sua necessidade, em virtude da excepcionalidade do caso; - o sistema carcerário carece de condições, pessoal e estrutural, para conter a violência que ocorre dentro dos presídios, bem como não havendo como garantir a integridade de um cidadão que é, no mínimo, odiado dentre a população carcerária, em virtude do crime que está sendo acusado; - a medida, além de se mostrar mais proporcional ao presente caso, possibilitará ao acusado seu interrogatório, para exercer seu direito de defesa, sem ter que se submeter às mazelas que o esperam no regime penitenciário. O representante do Ministério Público, por seu turno, se manifestou pelo indeferimento do pedido, baseando-se nos seguintes argumentos: - o requerente não é preso, não junta ao presente pedido quaisquer documentos expedidos por profissionais da área médica, como prova de eventual debilidade por motivo de doença grave, pelo que não se reconhece, em princípio, a necessidade de tratamento médico do mesmo; de igual modo não demonstra sua imprescindibilidade aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade, ou com deficiência, ou ainda que seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; - considerando a ausência de prova da necessidade de garantir a saúde do preso, o requerente, que não se encontra preso, não apresenta provas idôneas a justificar uma manifestação favorável ao pedido de prisão domiciliar, e na hipótese de cumprimento do mandado de prisão preventiva, que se adote as medidas necessárias para proteger a incolumidade física do preso, durante a execução da custódia cautelar, conforme recomendação do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, ao julgar o mérito de Habeas Corpus Preventivo impetrado em favor do paciente, ora requerente. O representante do Ministério Público finaliza sua manifestação aduzindo que o requerente não se encontra preso e não apresentou prova idônea de que preenche algum dos requisitos elencados no art. 318 do Código de Processo Penal. Primeiramente, impende delimitar, no aspecto conceitual, o pleito formulado pelo denunciado Ailson Santa Maria do Amaral. Em seu fundamento jurídico, o pedido invoca o art. 318 do CPP, no qual o legislador utiliza a expressão substituir a prisão preventiva pela domiciliar. Ao final, formula seu pleito fazendo uso da expressão converter a prisão preventiva decretada em desfavor do requerente para PRISÃO DOMICILIAR. O representante do Ministério Público, ao se manifestar pelo indeferimento do pleito, prima por consignar que o requerente não se encontra preso (duas vezes), que não é preso (uma vez), que se encontra com mandado de prisão em aberto, ou seja, não cumprido pela autoridade policial. Tal ênfase conduz à ilação de que não há pertinência lógica em se substituir ou converter prisão que não foi efetivada. Realmente, o significado do verbete converter é, dentre outros, mudar (uma coisa) em outra de forma e/ou propriedade diferente; já o verbo substituir significa colocar (pessoa ou coisa) em lugar de. Portanto, para que seja substituída ou convertida a prisão, seria, em princípio, necessário que ela tivesse sido efetivada. A impertinência lógica é apenas aparente. Assim se conclui pela recorrente utilização da expressão revogar a prisão preventiva, tal como é utilizada no art. 316 do CPP. Aliás, não raros são os pedidos de revogação de prisão preventiva formulados antes mesmo de ser cumprido o respectivo mandado, como, aliás, se verificou nos presentes autos. Na realidade, o que se busca, nas hipóteses em

6


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

que não foi cumprido o mandado, é, ao meu sentir, a revogação do ato que decretou a prisão, de cuja procedência resulta a expedição de contramandado de prisão. Para melhor delimitação da natureza conceitual do pedido do réu Ailson Santa Maria do Amaral e sua pertinência procedimental, faço remissão ao voto proferido pelo Ministro Edson Fachin, na relatoria do Agravo Regimental na Prisão Preventiva Para Extradição 760DF, nos seguintes termos: Que prossiga ordinariamente a extradição e, de imediato, na data de hoje, se expeça o alvará no sentido de que se transforme o regime fechado em regime de prisão domiciliar, mediante monitoramento eletrônico; Apenas em hipóteses excepcionais o Supremo Tribunal Federal tem admitido a substituição do regime prisional fechado, típico da prisão preventiva, por outro menos grave, ou permite a concessão de liberdade provisória, atenuando o rigor da regra do art. 84, parágrafo único, da Lei nº 6.815/80, a qual dispõe: ‘a prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue’. (PPE 760 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Primeira Turma, julgado em 10/11/2015, Acórdão Eletrônico DJe-130 Divulg 22-06-2016 Public 23-06-2016). Diretriz essa aplicável ao caso vertente, mutatis mutandis. Diante de tais abordagens e em busca de se aproximar de uma melhor abordagem conceitual, recebo, pois, o pleito do denunciado Ailson Santa Maria do Amaral como pedido de substituição ou conversão do regime prisional fechado, típico da prisão preventiva já decretada, pelo ou em regime de prisão domiciliar, para fins de cumprimento da decisão que reconheceu a necessidade de prisão cautelar. Aliás, nesse mesmo julgamento, S. Exa. o Ministro Luís Roberto Barroso assim se pronunciou: Eu gostaria de dizer, como já fiz na Ação Penal nº 470, da qual sou Relator, que é prisão; é prisão domiciliar, mas é prisão. Portanto, o descumprimento das regras importará em voltar para o regime normal. E tenho certeza que o advogado advertirá o seu cliente disso, porque a prisão domiciliar é uma alternativa civilizatória, e, se for desrespeitada, ela se desmoraliza. Nesse diapasão o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a eventual desobediência das condições da custódia domiciliar tem o condão de ensejar o restabelecimento da constrição cautelar (HC 361.963/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 09/08/2016, DJe 24/08/2016). Como exemplo de entendimento jurisprudencial no mesmo sentido do voto do Ministro Luís Roberto Barroso (é domiciliar, mas é prisão), o Superior Tribunal de Justiça, tratando de uma das situações versadas no art. 318 do CPP, decidiu que a alegada deterioração da saúde do Paciente não enseja a revogação da prisão preventiva, colhendo tal situação, eventualmente, como supedâneo para substituição da preventiva pela prisão domiciliar, nos termos do art. 318, inciso II, do CPP. (HC 244.825/AM, Rel. Ministra Regina Helena Costa, 5ª Turma, j. 22/10/2013, DJe 28/10/2013). Não se afiguraria, pois, pertinente, nem coerente, exigir-se o prévio cumprimento da ordem de prisão preventiva, em seu regime fechado, como pressuposto de cognição do pedido em que se alega potencialidade lesiva (à integridade física e à vida do acusado) dessa própria prisão, sob pena, em se confirmando faticamente as alegações, se tornar inútil posterior decisão sobre o assunto. Superada, pois, essa questão lógico-semântica, passa-se ao exame da procedência ou não do pedido. O representante do Ministério Público se manifestou pelo indeferimento do pedido ao argumento de que o requerente não apresentou prova idônea de que preenche algum dos requisitos elencados no art. 318 do Código de Processo Penal, entendimento esse que se assenta, como ratio essendi, na taxatividade do rol das situações ali contempladas. Entretanto, o entendimento doutrinário invocado pelo requerente, no sentido de que o rol apresentado no art. 318 é meramente exemplificativo, de modo a buscar tutelar os casos excepcionais (Nestor Távora, in Curso de Direito processual penal, 2016, p. 940), se harmoniza com a diretriz emanada do Supremo Tribunal Federal. Como bem fez ver o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do HC 132469-SP, mesmo antes da Lei nº 12.403/2011, o Supremo admitia, excepcionalmente, a prisão cautelar domiciliar, em virtude de razões humanitárias, adotando, como parâmetro, o artigo 117 da Lei de Execução Penal. Aquela Corte Suprema já reconhecera que o rol normativo de situações viabilizadoras da prisão domiciliar não é exaustivo (HC

7


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

95334, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, j. 03/03/2009, DJe-157 Divulg 20-08-2009 Public 21-08-2009 Ement Vol-02370-03 PP-00661 RTJ Vol-00212-01 pp-00498 RMP n. 44, 2012, p. 221-224). Não poderia ser diferente, pois a excepcionalidade antevista em não raras decisões pretorianas se assenta na natureza humanitária da medida, na preponderância da dignidade da pessoa humana. O Ministro Carlos Ayres Britto, em seu voto proferido no julgamento do HC 83358-6/SP, assevera, com propriedade, que a dignidade da pessoa humana foi elevada pela Magna Carta de 1988 à condição de princípio fundamental da República. Assume, de consequência, o papel de inspirador não só do legislador ordinário, como também do aplicador do Direito, que nunca deve perder de vista seus parâmetros, sob pena de desrespeitar o próprio Ordenamento Jurídico que legitima sua atuação; sustenta, inclusive, que o fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo não enseja, por si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão da prisão domiciliar, pois a dignidade da pessoa humana sempre será preponderante (HC 83358, Rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, j. 04/05/2004, DJ 04-06-2004 pp-00047 Ement Vol-02154-02 pp-00312 RTJ Vol-00191-01 pp-00234 RMP n. 22, 2005, p. 441-444). Portanto, a ausência de prova de qualquer das situações elencadas no art. 318 do Código Processo Penal não conduz, por si só, à conclusão peremptória de improcedência de aplicação cautelar do regime de prisão domiciliar. Reconhecendo-se, pois, que as situações ensejadoras do regime de prisão domiciliar não estão legalmente definidas em rol numerus clausus, passa-se, agora, à análise da presença ou não de situação excepcional que legitime o deferimento do pedido. O requerente argumenta que, reconhecendo a gravidade dos delitos aos quais está sendo acusado, bem como sabendo da repugnância que existe pela população carcerária, teme pela violação de sua integridade física e por sua vida, caso seja submetido ao regime carcerário, ainda que preventivamente. Em relação a tais argumentos, o representante Ministério Público não opôs nenhum fato impeditivo de seu acolhimento, quedando-se silente neste ponto. Verifico que o magistrado que me antecedeu, em decisão proferida no dia 12/08/2016, reconheceu que, de fato, o sistema penal não possui condições para abrigar custodiados acusados de grupos de extermínio com segurança, uma vez que estes presos são perseguidos pelos demais detentos (fl. 14056). Note-se que em decisão liminarmente proferida nos autos do Habeas Corpus 0010009-98.2016.8.14.0064, a eminente Desembargadora Relatora, entendeu que, apesar de estarem presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva, analisando de forma sumária as alegações do impetrante sobretudo à de risco de vida do paciente, a imposição da segregação cautelar não se revela adequada no caso concreto (fl. 14171). Poder-se-ia argumentar que o receio do requerente se situa no campo das conjecturas, no mundo das suposições, na seara das abstrações, sem nenhum suporte fático. Entretanto, o temor apresentado pelo postulante infelizmente gravita na mesma órbita fenomênica em que padece o sistema carcerário brasileiro, como se vê do trabalho produzido por Rafael Custódio, Coordenador do Programa Justiça da Conectas Direitos Humanos, e Vivian Calderoni, Advogada do referido programa, veiculado em boletim da Rede Justiça Criminal, que traz as seguintes revelações: Os estados do Norte e Nordeste concentram os maiores índices de mortalidade prisional, destacando-se o estado do Maranhão, com 75 casos para cada dez mil pessoas privadas de liberdade. (...) O Infopen traz à tona com esses números uma verdade incômoda e, por isso, escondida: a incapacidade do Estado de zelar pela vida – bem mais básico e valioso – das pessoas que estão sob sua custódia é parte integrante do sistema carcerário nacional, o que evidencia a brutalidade e ineficiência de nossas instituições.

8


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

Segundo o relatório do próprio Ministério da Justiça, a taxa de mortes intencionais no sistema prisional é de 8,4 mortes para cada dez mil pessoas presas em um semestre, o que corresponderia a 167,5 mortes intencionais para cada cem mil pessoas privadas de liberdade em um ano. Esse valor é mais do que seis vezes maior do que a taxa de crimes letais intencionais verificada no Brasil em 2013. Sem a garantia da vida, não há que se falar na garantia dos demais direitos fundamentais. Esses dados vêm revelar que o Estado brasileiro tem falhado, e falhado de modo sensível, ao aplicar uma pena que deveria restringir apenas o direito à liberdade, mas que em tantos casos acaba por ceifar o direito à vida. Vale dizer que se a pessoa é presa no Brasil ela terá 6 vezes mais chances de morrer do que se não tivesse sido privada da sua liberdade. Por fim, cabe destacar que a omissão dos atores do sistema de justiça nesse tema salta aos olhos, e a naturalidade com que se debate a morte nas unidades prisionais demonstra o quão distante estamos de criarmos uma política que traga consigo um mínimo de preocupação com a efetivação da dignidade das pessoas presas. Cada morto a mais nas tabelas do Infopen significa um degrau abaixo na escada da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito. (Informativo Rede Justiça Criminal, nº 08, Janeiro de 2016, "Os números da Justiça Criminal no Brasil, http://redejusticacriminal.org/pt/portfolio/penas-e-mortesno-sistema-prisional-brasileiro/; acesso: 30/12/2016). A realidade retratada no estudo acima, somando-se aos fatos narrados nos presentes autos, especialmente a imputação ao requerente de conduta criminosa induvidosamente repudiada pela população carcerária, revestem, sim, de razoabilidade jurídica a sua pretensão, eis que evidencia situação excepcional que autoriza a aplicação de regime de prisão domiciliar na segregação cautelar do requerente, em consonância com a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que reconhece os seguintes direitos: Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano (4.1, 5.1 e 5.2). Assim é que se acolhe, por revestida de judicialidade, o argumento no sentido de que, tomando por base os fatos acima narrados, a aplicação da prisão domiciliar ao requerente atingirá todos os fins a que se destina a prisão do réu, isto é, o mesmo terá sua integridade resguardada, bem como a manutenção da dignidade da pessoa humana do acusado, e o Estado terá total acesso ao requerente, podendo realizar vistorias a qualquer momento na área reservada ao acautelamento domiciliar indicada – o requerente estará sob a tutela e o controle do Estado com sua dignidade humana preservada e, consequentemente, sua integridade física e a sua vida. Dessa forma, o Juízo de piso estará atendendo à recomendação emanada do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará no julgamento do Habeas Corpus nº 00100009-98.2016.8.14.0000, que é a de adotar medidas necessárias para proteger a incolumidade física do paciente durante a execução da custódia cautelar, preserve a segurança do paciente no cumprimento da decisão de custódia cautelar, com cuidado na proteção do acusado (notas taquigráficas às fls. 14234 a 14236). Aliás, o então Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Processo Administrativo Disciplinar (200910000007880) versando sobre a situação de adolescente mantida presa em cela masculina na Comarca de Abaetatuba, quando foi decidido pela aposentadoria compulsória da Juíza Clarice Maria de Andrade, assim enfatizou: "Este é um caso doloroso e emblemático, que chama atenção para a responsabilidade dos juízes sobre o que ocorre no sistema prisional". É de se notar que a repercussão nacional do caso apontou para a situação caótica verificada ao longo dos anos no sistema carcerário brasileiro.

9


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU

Estou, pois, convencido de que a solução apontada pelo requerente Ailson Santa Maria do Amaral, na petição de fls. 14151 a 14165, atende aos postulados convencionais, constitucionais e legais atinentes à ordem pública, à instrução penal, à aplicação da lei penal, à dignidade da pessoa humana, à sua integridade física, segurança e ao respeito dos seus direitos fundamentais do acusado, sobretudo o direito à vida. Conclusão Por todo o exposto, assim decido e delibero: I - relaxo, de ofício, a prisão dos acusados Everaldo Lobato Vinagre, Sílvio André Alves de Sousa e Marcelo Matias de Jesus (CF/88, art. 5º, LXV; CPP, art. 648, II), aplicando-lhes, porém, as seguintes medidas cautelares (CPP, art. 319): a) comparecer mensalmente em juízo, para informar e justificar atividades; b) não freqüentar bares, boates, casas de show, casas noturnas e de prostituição, ou similares; c) não manter contato, de forma direta ou indireta, com qualquer testemunha do processo; d) não se apresentar em público bêbado ou ingerindo bebida alcoólica; e) não mudar de residência sem prévia comunicação ao juízo; f) não se ausentar da Comarca, sem autorização judicial; g) recolhimento domiciliar noturno a partir das 20:00 horas e nos dias de folga; h) comparecimento a todos os atos do processo; i) monitoração eletrônica, na forma do art. 319, IX, do CPP, c/c a Lei nº 12.258/2010. II – julgo prejudicado os pedidos de revogação de prisão preventiva formulados pela defesa dos denunciados ora beneficiados pelo relaxamento da prisão; III – julgo improcedente o pedido de revogação de prisão preventiva formulado em favor do denunciado Rafael da Silva Neto, qualificado nos autos; IV – defiro o pedido formulado pelo denunciado Ailson Santa Maria do Amaral, no sentido de determinar que a sua custódia cautelar seja cumprida em regime de prisão domiciliar, nos seguintes termos e mediante as seguintes medidas cautelares: a) permanecer recolhido em sua residência, somente dela podendo se ausentar para tratamento médico e para comparecimento mensal em Juízo a fim de justificar as atividades, e, nas demais situações, com autorização do Juízo; b) não mudar de residência sem prévia comunicação a este juízo, bem como, na hipótese de transferência para outra comarca, de autorização do Juízo; c) apresentar-se ao Juízo mensalmente, enquanto perdurar o processo, comunicando suas atividades e prestando declarações; d) não andar, em hipótese alguma, armado, qualquer que seja a espécie de arma; e) não manter contato, de forma direta ou indireta, com qualquer testemunha do processo; f) comparecimento a todos os atos do processo; g) monitoração eletrônica, na forma do art. 319, IX, do CPP, c/c a Lei nº 12.258/2010. V – determino o cumprimento integral das diligências já deferidas anteriormente; VI – determino seja oficiado à Assembleia Legislativa do Estado do Pará, solicitando o envio de cópia do relatório final datado de 30/01/2015, e respectivos documentos, da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI – instaurada em face do Requerimento nº 310/2014, proposto pelo Deputado Edmilson Rodrigues, para apuração da atuação de grupos de extermínio e milícias no Estado do Pará, sendo que os documentos a serem encaminhados devem ser apenas aqueles pertinentes aos fatos ocorridos no Município de Igarapé-Miri; VII – determino a expedição de alvará de soltura para que os denunciados Everaldo Lobato Vinagre, brasileiro, natural de IgarapéMiri-PA, nascido em 05/05/1985, filho de Maria de Fátima Lobato Vinagre, CPF 925.733.042-72, RG 4769865, residente na Rua

10


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU Lauro Sodré, nº 45, Bairro da Matinha, Igarapé-Miri-PA, Sílvio André Alves de Sousa, brasileiro, policial militar, natural de Marabá-PA, nascido em 09/02/1974, filho de Silvestre Rodrigues de Sousa e de Maria das Graças Alves de Sousa, CPF 449.165.662-20, RG 2310277, residente na Cidade Nova VIII, WE 50, Casa 92, Bairro Coqueiro, Ananindeua-PA, e Marcelo Matias de Jesus, brasileiro, policial militar, natural de Abaetetuba-PA, nascido em 09/01/1983, filho de Ruth Matias de Jesus, CPF 775.684.272-34, RG 4153042, residente na Rodovia Dr. João Miranda, Km 12, nº 6454, Colônia Velha, Abaetetuba-PA, sejam postos, in continenti, em liberdade, se por outro motivo não devam permanecer presos, servindo, a ciência das medidas impsotas, como termo de compromisso de fielmente cumpri-las, ficando, cada um, advertido de que deverá adotar todos os cuidados com o equipamento eletrônico, devendo receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações, bem como abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça, sob pena de nova decretação de prisão preventiva; VIII – determino a expedição de contramandado de prisão preventiva e de mandado de prisão cautelar em regime de prisão domiciliar, com monitoração eletrônica e medidas cautelares acima impostas, em face de Ailson Santa Maria do Amaral, brasileiro, natural de Igarapé-Miri-PA, nascido em 16/12/1973, filho de Antonio Quaresma do Amaral e de Maria da Conceição Santa Maria Amaral, CPF 628.497.942-87, RG 3120648-SSP-PA, residente na Rua Gil Braz Alves, s/n, Vila Maiauata, próximo à Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, Igarapé-Miri-PA, servindo, a sua ciência, como termo de compromisso para fielmente cumprir as medidas que lhe foram impostas, ficando advertido de que deverá adotar todos os cuidados com o equipamento eletrônico, devendo receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações, bem como abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça, sob pena de restabelecimento do regime de prisão preventiva. Desta decisão dê-se ciência ao Ministério Público. Dê-se ciência à autoridade policial, solicitando as providências necessárias, no âmbito de suas funções institucionais, para o integral cumprimento da presente decisão. Oficie-se à Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará, dando-lhe ciência do inteiro teor desta decisão e da petição de fls. 14151 a 14165, solicitando as providências necessárias, no âmbito de suas atribuições institucionais, para integral cumprimento desta decisão, bem como a explanação, a este juízo, acerca de todas as medidas, providências, procedimentos, recursos e cuidados necessários, indispensáveis e aplicáveis à segurança e à proteção da integridade física, psíquica e psicológica do denunciado Ailson Santa Maria do Amaral, na hipótese de descumprimento das cautelares acima impostas e consequente restabelecimento de regime carcerário próprio de prisão preventiva. Intimem-se as partes, na pessoa de seus advogados. Realizadas todas as diligências e após juntada da documentação pertinente, certifique-se nos autos e cumpra-se a deliberação de fl. 14049, abrindo-se vista ao Ministério Público e à Defesa para, no prazo sucessivo de 10 (dez) dias, apresentarem alegações finais por escrito. Expedientes necessários, com a urgência que o caso requer. Igarapé-Miri, PA, 31 de dezembro de 2016.

Lauro Alexandrino Santos Juiz de Direito

11


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.