MANDADO DE sEGURANÇA- Belém aije sesma liminar

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Pará Procuradoria Regional Eleitoral do Pará EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) RELATOR(A) DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARÁ

AUTOS Nº 201-37.2016.6.14.0000

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por meio do Procurador Regional Eleitoral signatário, vem, perante Vossa Excelência, nos autos do Mandado de Segurança em epígrafe, oferecer PARECER, consoante as razões abaixo delineadas. Cuidam os autos de MANDADO DE SEGURANÇA com pedido de liminar impetrado por ZENALDO RODRIGUES COUTINHO JÚNIOR e outros contra ato do JUÍZO DA 97ª ZONA ELEITORAL (Belém), consubstanciado em decisão interlocutória que, nos autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral por propaganda eleitoral irregular promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (autos nº 1003-35.2016.6.14.0097), deferiu a medida liminar lá pleiteada e determinou o afastamento, da função de Presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belém, do representado JOSÉ LUIZ PANTOJA MORAES, e a reintegração de vários funcionários temporários que foram afastados da Secretaria Municipal de Saúde. Na decisão dita ilegal, o Juízo da 97ª ZE entendeu, na linha da petição inicial, haver elementos suficientes indicando a utilização eleitoral na distribuição de cargos

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temporários no âmbito da SESMA, sob a coordenação do representado LUIZ MORAES. A prática consistiria no oferecimento dos cargos em troca de voto a apoio para a campanha eleitoral do prefeito e candidato ZENALDO COUTINHO, tendo sido necessário, para isso, o afastamento dos funcionários que até então ocupavam tais cargos e que não concordaram em fornecer tal contrapartida para garantir sua permanência. Distribuído o mandamus, fora exarada decisão monocrática (fls. 219/222) pela Relatoria deferindo em parte o pedido liminar de cessação dos efeitos da decisão impugnada no que concerne à reintegração dos funcionários afastados, mantendo, por outro lado, o afastamento do representado JOSÉ MORAES. Foram prestadas informações (folhas 241/243), nas quais se sustentou a ausência de lesão a direito líquido e certo dos impetrantes Eis aí o sucinto relatório. Sucede o parecer. Preliminar de ilegitimidade ativa. Em princípio mostra-se cabível o presente mandado de segurança, vez que se trata de decisão judicial interlocutória proferida em processo eleitoral, em relação à qual não há recurso previsto de legislação, sendo, portanto, esta a única forma de impugná-la. Contudo, no caso em questão não se mostra presente uma das condições necessárias ao processamento desta ação, qual seja, a legitimidade ativa dos impetrantes. Muito embora se tratem de quatro das seis pessoas que figuram no polo passivo da AIJE em que proferida a decisão que se pretende impugnar, verifica-se que esta não afetou sua esfera jurídica. Conforme já mencionado, foram duas as determinações contidas na decisão impugnada. No que tange ao afastamento de JOSÉ MORAES, a legitimidade ativa para buscar a suspensão da medida seria do próprio funcionário afastado, já que a decisão inegavelmente afeta sua esfera jurídica individual. Já em relação à reintegração dos funcionários afastados, observa-se que apenas o Município de Belém teve sua esfera jurídica afetada por ela, posto que é com ele que se estabelece o vínculo funcional que se buscou reconstituir, de modo que a decisão lhe gera ônus financeira, além de representar ingerência (que não necessariamente é ilícita) em sua atividade administrativa. O Código de Processo Civil, reiterando regra clássica da tradição processual brasileira, dispõe que, em princípio, uma pessoa apenas possui legitimidade para pleitear direito

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próprio (legitimidade ordinária), precisando de autorização legal para pleitear em nome próprio direito alheio (legitimidade extraordinária), que não se confunde com a defesa de direito alheio em nome alheio, que demanda apenas ato negocial (representação): Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

Os impetrantes, ao questionarem decisão judicial que não afetou qualquer direito próprio seu, não se mostram com legitimidade ativa para a presente causa, posto que tampouco contam com autorização legal para, na presente hipótese, promover, em nome próprio, a defesa de direito alheio. Não se diga que, no caso do Município de Belém, o fato dele não ser parte no processo em que proferido o processo lhe impossibilitaria de questionar a decisão. O Código de Processo Civil prevê expressamente a legitimidade recursal do terceiro prejudicado (art. 996). O caso em questão, que não consiste em recurso mas sim em impugnação de decisão judicial por ação autônoma, a questão se resolve a partir do próprio art. 18 acima transcrito, que garante ao Município de Belém a possibilidade de defender em Juízo direito próprio. Deve, portanto, haver a extinção do processo sem resolução do mérito, conforme disposto no art. 485, VI do Código de Processo Civil. Mérito. Caso a ultrapassada a preliminar, a análise do mérito será feita separadamente em relação a cada um dos efeitos da decisão objeto deste mandado de segurança. Os impetrantes alegam, em síntese, o seguinte para justificar seu pedido de suspensão da decisão: a) cerceamento de defesa, em razão de a notificação não ter sido acompanhada dos documentos que instruíram a petição inicial; b) ausência de contraditório, em razão de a decisão ter sido proferida sem sua prévia manifestação. Em relação especificamente à determinação de reintegração dos servidores, alegou-se ainda: a) impacto financeiro a ser suportado; b) o fato de o Município não ser parte no processo; c) contrariedade à coisa julgada formada em ação civil pública movida pelo próprio MPE. Afastamento de José Moraes. A petição inicial da AIJE imputa a JOSÉ MORAES o desempenho de papel central no esquema de distribuição de cargos públicos em troca de votos e apoio político que

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alega existir. Para tanto, vale-se dos seguintes elementos probatórios: a) depoimentos de funcionários afastados1; b) documentos apreendidos na sede da SESMA2. Os argumentos trazidos pelos impetrantes são insuficientes para demonstrar a incorreção da decisão recorrida. Muito embora o contraditório constitua-se em princípio central e de grande relevância no sistema processual, pode ser mitigado, com sua postergação, no caso de decisões concedidas em tutela de urgência (CPC, art. 300, § 2º), como se deu no presente caso. Ademais os elementos mencionados acima indicam razoabilidade na avaliação quanto à presença dos requisitos autorizadores da medida, quais sejam, a probabilidade do direito (evidenciada a partir dos documentos apreendidos e depoimentos prestados) e perigo de dano (presente, ante a proximidade que então havia da eleição municipal, e ainda existente, tendo em vista que haverá segundo turno). Por outro lado, é possível extrair da petição inicial da AIJE que existe uma grande quantidade de documentos que não se encontram reproduzidos no presente mandado de segurança, o que compromete a realização de uma análise mais completa para eventual afastamento dos requisitos. Além da aparente presença dos requisitos necessários à concessão de tutela de urgência, verifica-se que, no presente caso, ela é pertinente ao objeto do processo, já que o afastamento do servidor que vários elementos indicam ser o principal articulador das práticas ilícitas mostra-se como medida adequada para assegurar a interrupção de tal prática, o que representa claro liame instrumental (cautelar). Reintegração dos servidores afastados. O impacto financeiro alegado pelos impetrantes não se constitui em argumento apto a suspender a decisão liminar, visto que não se trata de situação que possa caracterizar qualquer ilegalidade na decisão questionada, tratando-se de argumento que não

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Por exemplo, os de Karina de Souza Gama Pantoja, Malena Pinheiro dos Santos, Kelreen Brelaz Machado, Naia de Jesus dos Remédios Santos, Sandro Wilma Campos Silva, mencionados e transcritos, em sua maior parte, na petição inicial da AIJE. 2 A petição inicial noticia que em cima da mesa do representado José Moraes havia vários currículos com observações manuscritas indicando o local onde cada um dos candidatos deveria ser lotado, os quais estavam acompanhados de títulos de eleitor e comprovantes de votação dos candidatos, e, ainda, memorandos de distratos dos funcionários afastados, além de fichas que indicaram que ele possuía um completo mapeamento e gerenciamento da distribuição de todos os funcionários temporários. Trav. Dom Romualdo de Seixas, 1476, Umarizal – Belém/PA CEP 66.055-200 – PABX: (91) 3299-0111 – www.mpf.mp.br/pa

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possui natureza jurídica, sendo passível de utilização apenas na específica (e controversa) via da suspensão de liminar. A alegação de que a reintegração representaria afronta a coisa julgada formada em outro processo mostra-se formulada em termos confusos, sem sequer se indicar qual seria o processo anterior, de modo que não tem condições de ser acolhida. Contudo, merece prosperar a alegação de que se trata de decisão judicial proferida em desfavor de pessoa (Município de Belém) que não é parte no processo. Ao assim proceder, a autoridade coatora agiu de forma ilegal, visto que se constitui consequência inafastável dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa a impossibilidade de ser proferida decisão judicial voltada a afetar diretamente3 a esfera jurídica de quem não é parte no processo. A este óbice oposto pelos impetrantes pode-se acrescentar outro, que lhe é conexo, qual seja, a falta de pertinência entre a medida em questão e o objeto principal do processo. Como já dito, trata-se de AIJE proposta contra diversos agentes públicos municipais que busca sua punição em razão da prática de atos que, em tese, se configuram como ilícitos eleitorais, em especial nas modalidades de conduta vedada, captação ilícita de sufrágio e abuso de poder. Sendo o objeto principal do processo voltado à punição de tal prática, mostrase adequado que sejam pleiteadas medidas acautelatórias aptas a assegurar o resultado útil do processo, o que, no caso, significa dizer medidas que, em tese, possam afastar ou evitar os ilícitos que ensejam a punição que se pretende ao final. Não é o caso, contudo, da medida ora analisada. A reintegração dos servidores afastados em tese pode se justificar em duas perspectivas: na defesa de direitos subjetivos seus que tenham eventualmente sido desrespeitados com os distratos ocorridos (seja pelo seu mérito ou pela forma com que ocorreram), ou na defesa de interesses públicos ligados à moralidade administrativa e boa prestação dos serviços de saúde, que possam ter eventualmente restado prejudicados pelas medidas implantadas. Todavia, não se vislumbra como esta reintegração possa, em tese, resguardar

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A possibilidade de terceiros sofrerem consequências reflexas ou indiretas advindas de processos dos quais não são parte é presente no nosso sistema processual, que prevê “válvulas de escape” para contemplar a situação destes terceiros, como sua legitimidade recursal e possibilidade de intervir como assistentes. Trav. Dom Romualdo de Seixas, 1476, Umarizal – Belém/PA CEP 66.055-200 – PABX: (91) 3299-0111 – www.mpf.mp.br/pa

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o atendimento das finalidades das regras eleitorais ligadas ao equilíbrio do pleito. O benefício eleitoral em tese pretendido pelos representados decorreria da contratação de funcionários temporários em troca de votos e apoio político, tendo os distratos ocorrido como etapa preliminar e necessária à obtenção do fim visado. Deste modo, seria o afastamento de pessoas que teoricamente obtiveram funções públicas sob a promessa de vantagens eleitorais indevidas que poderia, em tese, assegurar o resultado útil da AIJE, afastamento este que provavelmente (mas não necessariamente) acarretaria a reintegração dos funcionários distratados, para garantir a continuidade dos serviços públicos prestados. A reintegração dos funcionários que tiveram vínculo interrompido, por si só, não se mostra, portanto, como medida apta a afastar ou evitar a prática dos ilícitos eleitorais que a AIJE busca combater, não se mostrando pertinente ao objeto principal do processo em que proferida. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL manifesta pela EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO em razão de ilegitimidade ativa dos impetrantes, ou, subsidiariamente, pela CONCESSÃO EM PARTE DA SEGURANÇA, para suspender apenas os efeitos da decisão liminar aqui impugnada relativos à reintegração de servidores afastados da SESMA. Belém/PA, 14 de outubro de 2016.

BRUNO ARAÚJO SOARES VALENTE Procurador Regional Eleitoral

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