Discurso posse cadeira nº 13 da academia paraense de jornalismo

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Senhoras e Senhores, A Academia Paraense de Jornalismo me elegeu para a Cadeira nº 13, cuja patrona é Helena Cardoso, na vaga deixada pelo saudoso jornalista Manoel Bulcão. Agradeço, muito honrada, a todos os acadêmicos que tão generosamente me acolheram, em votação expressiva. De modo especial, aos que, impossibilitados de comparecer, enviaram seus votos. Ao Álvaro Jorge que, mesmo fisicamente debilitado, fez questão de ir pessoalmente votar. Ao Bernardino Santos que, viajando e envolto na dor imensa da perda de seu querido irmão, declarou seu voto. Gestos emocionantes que guardarei eternamente em meu coração. É uma responsabilidade muito grande ocupar a vaga do jornalista Manoel Bulcão, que se foi de nosso convívio em 28 de setembro de 2015, aos 82 anos. Manoel Bulcão começou a carreira na Folha do Norte em 1953, e lá permaneceu até 1968, quando passou a integrar a lista de inimigos do regime militar. Foram dez anos de silêncio até que ele retornasse à imprensa, em 1978, na extinta 'A Província do Pará'. Bulcão foi alvo preferencial da ditadura no nosso Estado. Considerado subversivo, foi preso seis vezes e respondeu a três processos. Nem sabia o porquê, mas era só um general presidente da República vir ao Pará, lá ele ia preso.


A primeira vez, ele passou do dia 1º ao dia 13 de abril de 1964. Depois de novo, ficou no quartel da 5ª Companhia (atual Casa das 11 Janelas) até meados de maio. Não foram poucas as humilhações. Um dia, por falta de viatura para levá-lo ao QG, ele teve que ir a pé, com a patrulha do Exército de metralhadora nas suas costas, às 11 horas da manhã. Na altura da Praça da República, sua mulher testemunhou a cena, evidentemente, muito sofrida, de seu desfile na via pública, preso, a caminho do quartel. Como presidente da Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará, tive a oportunidade de tomar o seu depoimento, e esse episódio ele nos contou com vívida emoção e os olhos marejados de lágrimas. O relato de Bulcão à Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará incluiu momentos surreais. Houve uma época em que ele, Raimundo Jinkings, Rui Barata e Pedro Galvão, entre outros, precisavam ir todo mês a Fortaleza(CE), para se defender em um dos processos, tendo que pagar todas as despesas de locomoção dos próprios bolsos. Por outro lado, rememorou o dia em que, com o quartel cheio de jornalistas presos numa sala, começaram uma seresta que só acabou quando o comandante, incomodado com o barulho, quis saber que esbórnia era aquela e mandou acabar na hora. Especializado em política e economia, Manoel Bulcão conquistou a confiança de poderosos, aos quais tinha acesso em qualquer hora do dia, sem a necessidade de intermediários.


Entrevistou Juscelino Kubistchek, Carlos Lacerda, Jânio Quadros, João Goulart e ainda personalidades internacionais, como Sartre e Simone de Beauvoir. Uma rotina que mudaria radicalmente a partir do AI-5, quando foi proibido até de sair da redação. Para quem estava acostumado a frequentar o Palácio do Governo, foi uma experiência terrível. Por isso, a partir dos anos 80, quando começou a atuar em 'A Província', ainda marcado pelos militares, precisou evitar o viés político, concentrando-se mais em temas econômicos e sociais, o que não o impediu de produzir textos críticos. São dessa época as entrevistas que constam em sua obra 'Ponto de Vista'. Estão no livro o famoso policial Lili Cartucheira; o escritor, advogado, jornalista e político Benedicto Monteiro; o empresário libanês Nabih El Hosn; o comerciante Carlos Santos (que anos depois se tornaria governador do Pará); e muitas outras personalidades, além de artigos sobre Magalhães Barata, Aurélio do Carmo, comunismo, sindicalismo e eleições diretas. Bulcão nos disse – a mim, e aos jornalistas Emanuel Villaça, José Maria Piteira, Priscilla Amaral e Luciana Kellen, meus companheiros na Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará, que sentia saudade do idealismo dos jornalistas, 'que queriam mudar o mundo'.


Constituída por 39 cadeiras perpétuas, a Academia Paraense de Jornalismo foi fundada em 26 de outubro de 1994, pelo jornalista Donato Cardoso, com o objetivo de contribuir com a disseminação do conhecimento e o fortalecimento da atividade jornalística na região. Compõem a academia profissionais que desempenham ou desempenharam atividades jornalísticas e autores de trabalhos publicados regularmente na imprensa. O jornalista Walbert Monteiro a preside, com muita competência. Tenho por certo que a pauta jornalística há de ser determinada pelo interesse público. É uma questão de compromisso com a sociedade. A mídia tem entre sua missão afirmar a dignidade da pessoa humana. Em um mundo desigual, a sociedade não pode prescindir de meios de comunicação – e jornalistas - que reconheçam a necessidade de afirmar que todo ser humano merece ser respeitado, seja qual for sua condição social, econômica, étnica, de gênero e etária. E o radical respeito ao ser humano ainda parece ser um desafio a ser superado por parte dos veículos jornalísticos. Os dilemas sociais e existenciais (muitas vezes trágicos) de ser jornalista haveremos de superar. Uma visão romântica? Diria que é um compromisso ético e histórico, inquebrantável, jamais perder a capacidade de indignação. Somos caboclos e a história da nossa região ainda está para ser contada.


Nosso País atravessa gravíssima crise moral, política e econômica. A Academia Paraense de Jornalismo tem que estar sintonizada com a sociedade, senão sua existência não fará sentido. Para todos nós que abraçamos essa profissão, é pegada e caminho; sonho e horizonte. Que Deus nos ilumine para que enxerguemos e cumpramos o nosso papel, como operários da comunicação que somos! Muito obrigada.


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