Revista Livro Zero numero 3 - Forum do Campo Lacaniano SP

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a causa de seu horror (...) horror de saber” (Ibid.). Diria: deixar-se causar. Inventar. E, para utilizar uma referência recente do cinema: ultrapassar Melancolia. Quanto ao saber, ele já havia advertido em 1967: “Isso não autoriza o psicanalista, de modo algum, a se dar por satisfeito com saber que nada sabe, pois o que se trata é do que ele tem de saber (...) o que ele tem de saber (...) se articula numa cadeia de letras tão rigorosas, que o não sabido ordena-se como o quadro do saber” (LACAN, 1967/2003, p. 254). Lacan fazia suas apostas, apostas que, a cada vez, apontaram o Real: Oco do saber. Saber no real. Saber sobre a castração. Saber no lugar da verdade (não-toda). O não-sabido-que-sabe de um-equívoco... Se Rosa, por suas travessias, nos mostrou a diferença que há entre a solidão enquanto isolamento e a solistência própria à ex-sistência, Lacan nos acrescenta: isso, que ex-siste, pode fazer laço, com alguns outros. Que as cartas\letras\mulheres se contem uma a uma, parece ser essa a dica para que em uma Escola o laço não produza colas. Lacan descolou/ decolou por perseverar e colocar-se na contramão da verdadeira religião, daquilo que, por ser uma determinada função, produz sentido para tudo. Aquele sentido inequívoco, que é sempre religioso. Se por um lado pode haver uma dimensão de refúgio em uma Escola de Psicanálise, de um refúgio que se configura êxtimo, por assim dizer, por outro, poderíamos levar em conta a asserção lacaniana, demasiadamente clínica, acerca do cingir o horror da causa de saber. Caso não o façamos, a dimensão de horror do real, tão bem retratada por Lars Von Trier em seu Melancolia, assim se abriria. O discurso da ciência, a histérica pedindo ao mestre (S1) que esse produza saber (S2), os cerimoniais neuróticos, a via da felicidade, as ilusões infantis, em Melancolia, nada barra a certeza de que não há Outro que garanta a verdade sobre o saber. Do saber sobre a castração. Acontece que ali não se atravessa qualquer riachinho. E o real, ao retornar, é o próprio horror ou a expressão da angústia. Um pequeno recurso, há a cabana mágica. Mas, de que adianta? Como dizia a parlenda de domínio público: o buraco é fundo, acabou-se o mundo. De fato, Lars Von Trier não se acumplicia com o evitamento do real. Ele, inclusive, mostra-se bastante sarcástico com o ridículo dos gestos que vão nesta direção. Não obstante, ele também não oferece a travessia. Ficamos na impotência. Não seria este o caso de uma psicanálise. Caso possamos com três gravetos-retas tecer algo como um triskel e dali uma trança de nós, isso exige certas travessias e heresias, RSI. Vejamos o que Lacan havia nos

De uma solistência, com alguns outros...

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