Revista Livro Zero numero 4 - Forum do Campo Lacaniano SP

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5 - DO IMPOSSÍVEL À PORNO-GRAFIA “Não há relação sexual” não é a última palavra da história, do sexo, do erotismo, é apenas o começo. O começo da maldição sobre o sexo mal dito/ maldito, continua para cada um com essa dimensão ética do erotismo que Lacan chamou “a responsabilidade sexual” (LACAN, 1975-76/2007), ou seja, a resposta erótica singular de cada Um ante a impossibilidade, a desproporção, o malogro estrutural do encontro entre os sexos. Podemos presumir aí uma conversa infinita de Lacan com seu amigo Georges Bataille, que intitulou um conjunto de textos eróticos, L’IMPOSSIBLE. Podemos ler nesse texto sem-vergonha que, ante o impossível (“Eu sei minha ferida incurável” – BATAILLE, 1947, p. 29)6 é preciso “se fazer uma conduta”, (LACAN, 1972/2003, p. 489) coerente com a liberdade “que não é nada além da liberdade de viver à beira dos limites em que toda compreensão se decompõe” (BATAILLE, 1947, p. 48).7 Se fazer uma conduta, como explicita Bataille a propósito do Padre A., é responder pelo impossível: “suas discretas blasfêmias e sua conduta respondiam – com uma severidade moral inapreensível – ao sentimento que ele tem do impossível” (Ibid., p. 23).8 Por incrível que pareça, o nó do erotismo – a responsabilidade sexual, o seu princípio motor – é o impossível, o “não há relação sexual”. Diz ainda Bataille: “O que me une a B. é, diante dela e de mim, o impossível como um vazio, em vez de uma vida comum assegurada” (Ibid., p. 22).9

6 - PRAZER E GOZO DO TEXTO SEM-VERGONHA Mas, então, o que seria um texto sem-vergonha? Um texto equívoco, sem dúvida. Com efeito, já que o sexo é o que não convém para a relação e que ele está fadado à maldição, o que pode fazer laço entre o texto e o sexo, só pode ser um texto no qual os efeitos da alíngua rompem, estilhaçam a linguagem. Como um texto faz sexo? “Como um texto, que é linguagem, pode estar fora das linguagens?” (BARTHES, 1964/2000, p. 103),10 pergunta 6 “[...] Je sais ma plaie inguérissable [...].” 7 “[...] qui n’est rien si ce n’est celle de vivre au bord des limites où toute compréhension se décompose.” 8 “[...] ses discrets blasphèmes et sa conduite répondaient – avec une sévérité morale insaisissable – au sentiment qu’il a de l’impossible.” 9 “[...] Ce qui m’unit à B. est, devant elle et moi, l’impossible comme un vide, au lieu d’une vie commune assurée...” 10 “Comment un texte qui est du langage peut-il être hors des langages?”

Texto sem-vergonha: a responsabilidade sexual de Marguerite Duras

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