1.ª ed. - O Conto da Ilha Desconhecida - Leitura Encenada

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O C O N T O D A I L H A D E S C O N H E C I D A

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O Conto da Ilha Desconhecida - Leitura Encenada

Formato - 50 páginas

Data de publicação – maio de 2022

Editora – Imprensa Nacional de Timor-Leste, I P

Edição – Projeto FOCO UNTL

Local – Díli, Timor-Leste

© UNTL | Camões, I.P. 2022

Todos os direitos reservados

" ... homem da terra sou eu, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcarmos nelas."
JOSÉ SARAMAGO
"O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA"

UMALEITURA ENCENADA

porPauloM.Faria

A leitura encenada de O Conto da Ilha

Desconhecida, de José Saramago, surgiu como uma atividade coletiva no âmbito da celebração do Dia Mundial da Língua Portuguesa. Nos últimos quatro meses, os professores do projeto FOCO UNTL leram individualmente, discutiram em conjunto e adaptaram este conto do Nobel da Literatura com o intuito de produzir uma leitura encenada próxima de um espetáculo dramático. Ao longo deste tempo, procurou-se aprofundar a leitura da obra na sua dimensão simbólica, tendo em conta que estamos perante uma parábola, ou mesmo uma alegoria em que, no plano do discurso, a busca pela ilha representa uma viagem interior.

Propõe-se

a descoberta do espaço - para além do cenário; da ação - para além da intriga; de ambientes sociais

e atmosferas psicológicas - para além de um tempo definido.

Naadaptaçãodotexto,manteve-seem cenaastrêspersonagens:orei,ohomeme amulhereacrescentou-seumelemento novo–ocoro–quedesempenhaaqui,à semelhançadocoronatragédiagrega,um grupo homogéneo, não-individualizado, quecomentaeaconselhacomumavoz coletivaaaçãodramáticaqueestáa decorrer

Aleituraencenadaqueagorasepropõeé, porconseguinte,umareinterpretaçãodo textonaperspetivadeotransformarnum diálogo-síntesedeformaentendívelnos várioscontextosondeserárepresentado emitinerânciaporTimor-LestePropõe-se aredescobertadoespaço–paraalémdo cenário;daação–paraalémdalinearidade da intriga; de ambientes sociais e atmosferaspsicológicas–paraalémdeum tempodefinido.

Aliteraturae,particularmenteesteconto, temporfunçãoprojetaraspersonagensde umtempoindefinidoparaoambiente político,socialeculturalàescalauniversal. Dailhaparaomar,encontramosum espaço de forte simbologia, enquanto espaçoderenascimento,detransformação dosonhoalimentadopeloamordeum homemeumamulher.Representaráesse homemsemnomeaHumanidadeque, atravésdasuaexperiência,buscadentro desirespostasaosconstrangimentose privações.

Cumpre-me terminar com um agradecimentoparticularaosprofessores doprojetoFOCO.UNTLpelasuadedicação naconceçãoeexecuçãodestaatividade.

Ao mesmo tempo, agradecemos à Embaixada de Portugal e à Fundação Orienteportodooapoioconcedido.

"Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti, (...) tu, sem eles, és nada, e (...) eles, sem ti, poderão sempre navegar. "

"O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA"

5DEMAIOEM TIMOR-LESTE

Éinegávelopapeldesempenhadopela línguaportuguesanaedificaçãodanossa naçãoedanossaidentidade.Talfactoé tãoverdadequealínguaportuguesaéum dos idiomas oficiais da República Democrática de Timor-Leste. Simultaneamente, o português é, não apenasoidiomaoficialdenovepaíses,mas tambémoquintoidiomamaisfaladono mundo e o idioma mais falado no hemisfério sul, cuja importância foi reconhecidapormeiodainstituiçãododia 5deMaio,comooDiaMundialdaLíngua Portuguesa

Commaisde280milhõesdefalantesao redordomundo,podemosafirmarquea línguaportuguesanosabreportasnos cincocontinentesdoplaneta.Sendouma daslínguasmaisfaladasdomundo,o portuguêséumidiomaestratégico,um idiomageradordeoportunidades.Todavia, énecessárioqueexistaumapolíticade línguacoerenteeajustada,materializada eminvestimentospúblicosedisseminação consistente,paraquehajaumefetivo florescimentoeconsolidaçãodousoda línguaportuguesaemTimor-Leste,não apenasnosambientesdetrabalho,masnas ruas,naspraças,nasnossascasas. Étambémimportantereconhecerqueo ensino da língua portuguesa deve ser sempre

sempre feito numa lógica de reconhecimentodasvariaçõeslinguísticas edoscontextosemqueseinsereAfinal,o portuguêspodeserconsideradoumidioma multiculturalEsseéocaminhoparaquea línguaportuguesaseenraízeentrenós comoumdoselementosvitaisdanossa identidade nacional, reconhecendo que Timor-Leste abriga uma sociedade dinâmicaemultifacetada.Comoafirmou José Saramago, cujo centenário do nascimentocomemoramos:“Nãoháuma língua portuguesa. Há línguas em português”.

Como afirmou José Saramago, cujo centenário de nascimento comemoramos: "Não há uma língua portuguesa. Há línguas em português"

Neste contexto, e desde o seu estabelecimento,aUniversidadeNacional Timor Lorosa’e (UNTL) tem vindo a apostar,deformainequívoca,noensinoe naproduçãodeconhecimentocientífico emlínguaportuguesa,sendováriosos programasdeapoioaodesenvolvimento científicoepedagógicodaUNTLede reforçodautilizaçãodoportuguês,de entreosquaissalientooestabelecimento, em2016,doCentrodeLínguaPortuguesa (CLP)daUNTL.

OCLPsucedeuaoInstitutodaLíngua Portuguesa(ILP),criadoem2014,depois de extinto o Leitorado de Língua Portuguesa

PortuguesadoCamões–Institutoda CooperaçãoedaLíngua,I.P.(Camões,I.P.), emresultadodeumaparceriacomaUNTL, atravésdo“ProjetodeCapacitaçãoda UNTL em Língua Portuguesa”, implementadoentre2015e2018.

Em 2019, iniciou-se o “Projeto FOCO.UNTL(Formar,Orientar,Certificare OtimizarcomaUNTL)”comoobjetivode darcontinuidadeeconferirumanova dinâmicaaofuncionamentodoCLPda UNTL,tendoemvistacontribuirparaa melhoriadaqualidadedoensinoemTimorLesteeconsolidaçãodalínguaportuguesa comoveículoparaaquisiçãoeacessoao conhecimento,numesforçocontinuadoda UNTLemfazermaisemelhoremlíngua portuguesa.

.... e consolidação da língua portuguesa como veículo para aquisição e acesso ao conhecimento

Além da lecionação, o Projeto tem realizadodiversasatividades,relevandoa dimensãoculturalesocialdalínguajunto deumpúblicoquesepretendemaisvasto, alémdouniversitário.Todaaprogramação desenvolvidanesteâmbitoéreflexodisso mesmo, sejam atividades de iniciativa individual,sejamatividadesrealizadasem sinergia com outras instituições. A brochuraqueagoraseapresentaéumbom exemplodaaçãoculturalquetemsido levadaacabo.

CENTENÁRIO DESARAMAGO

porManuelaBairos

NoanoemquesecomemoraoCentenário deJoséSaramago,tambémemTimorLestequisemosassociar-nosàcelebração dasuaobraedoseulegado.Autorde estilo singular, distinguiu-se pelo inconformismo com que observou questõessociaisepolíticasdoseutempoe do seu país em particular. Revisita escritores e pensadores portugueses, eruditosoupopulares,numaobraqueele próprioconsideraumveículodereflexão sobreacondiçãohumananummundo minado pelas desigualdades e pelas angústiasdasociedadecontemporânea. ComaatribuiçãodoPrémioNobelda Literatura em 1998, José Saramago colocoualiteraturadelínguaportuguesa numpatamardereconhecimentohámuito devido.

Acríticasocialepolíticaimplícitanosseus romanceséintemporaletransformaasua obra num valioso património de sensibilização e de intervenção que porventuraterásidoasuamaisinsistente preocupação.Porocasiãodaaceitaçãodo prémioNobeldaLiteraturaemEstocolmo, JoséSaramagolançouumapelo: “Tomemosentão,nós,cidadãoscomuns,a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicamos os nossos direitos, reinvindiquemos

reivindiquemos também o dever dos nossosdeveres.Talvezomundopossa começaratornar-seumpoucomelhor”. Esteapelodeuorigemaumprocessoem cursojuntodasNaçõesUnidasparaa elaboraçãodeumaCartaUniversaldos DevereseObrigaçõesdosSeresHumanos, complementaràDeclaraçãoUniversaldos DireitosHumanos.

Este espírito de compromisso perante o dever de cada um na construção de um mundo melhor é um imperativo (...) para o qual Saramago emprestou o seu empenho e o seu talento

Esteespíritodecompromissoperanteo deverdecadaumnaconstruçãodeum mundo melhor é um imperativo que remontaaoiníciodostemposeparaoqual Saramagoemprestouoseuempenhoeo seutalento.Hojeprestamoshomenagem aocidadãoeaoescritorpeloseulegado inspiradoreuniversal.

5DEMAIO: UMAREFLEXÃO

500 Anos da Língua Portuguesa em TimorLeste: De Frei Tavares, Luiz de Camões a José Saramago até a Assembleia Constituinte de Timor-Leste

A partir do século XVI, quando frotas de lusas naus abrandam nas águas de Timor, a língua portuguesa estreia a sua conquista na ilha Com os comerciantes e missionários, ela pairava nas costas dessa Ilha do Crocodilo; e, por aliciamento das especiarias e pelo ímpeto evangelizador, se atreve a, pouco a pouco, fertilizar as gentes e terras adentro. Nas gerações subsequentes, ao implantar-se uma administração colonial, o português tornase veículo oficial, pois o tempo permitiu à língua permear-se na vida e na cultura das comunidades locais. Moroso e multissecular, esse intercâmbio cultural acabou forjando a remota causa de um esboço configurativo coletivo para os divididos reinos tribais de Timor, um corpo irreprimível. e culturalmente afastar a Língua

... o português torna-se veículo oficial, pois o tempo permitiu à língua permearse na vida e na cultura das comunidades

simbiótico que veio a provar-se irreprimível. Derradeira consequência é que o estatuto oficial, constante e ininterrupto da língua portuguesa, em território timorense, é reconhecido e validado pelo Direito Internacional: nenhumaocupaçãoestrangeira,noséculo XX,conseguiuganharalegalidadeea legitimidadenecessáriasparapoderjurídica eculturalmenteafastaralínguaportuguesa doseuprestigiadohabitatnaInsulíndia.

Em1975,aproclamaçãounilateralpela FRETILINconsagrouoportuguêscomo única Língua Oficial da República DemocráticadeTimor-Leste,avisadaque estavaaelitepolíticadainaptidãodo tétumparafunçõesoficiaisdeEstado, devendo este ser promovido e desenvolvido. Deu-se, no entanto, a invasãomilitarde7dedezembroque iniciou uma ocupação de 24 anos, implantandoalínguaindonésiaportodoo território;contudo,nemtãoimponente ingerência conseguiu premiar definitivamenteapretendidaintegrasi.Por forçadateimosaResistênciaTimorenseda lutadelibertaçãonacionaledostrâmites doDireitoInternacional,nuncaaONUse convenceudosargumentosdaocupação. Assim,a5demaiode1999,emNova Iorque,acordamaspartesemconfrontona realizaçãodoreferendo,conhecidocomo “Consulta Popular”: Portugal, enquanto Potência Administrante (de reconhecimentointernacional),aIndonésia, doladodaingerênciailegal–enquanto PotênciaOcupantePortanto,oconjunto distintivo, que nos torna singulares irreprimível

Diretor do Centro de Língua Portuguesa da UNTL e Diretor-Geral

naregiãoenomundo,condizenteao inalienáveldireitoàautodeterminaçãoe independênciadospovos,recusao raciocíniode“comumancestralidade”ou de“colateralidadegeográfica”para justificações antinacionalistas e antipatrióticas.

Naretafinalparaanossaindependência, váriosforamosmomentosdevisibilidade internacionalemrelaçãoànossa singularidade:acriaçãodaCPLPa17de julhode1996,aatribuiçãodoPrémio NobeldaPazadoistimorensesa10de dezembrode1996,eaatribuiçãodo PrémioNobeldeLiteratura,aoescritor portuguêsJoséSaramago,emsetembrode 1998.Emmomentosaltosdenossa autoacepção,ressaltamnalinhadefrentea línguaportuguesaeafécatólica,que integramoargumentoreivindicativo, contribuindoparaplantarmosospésfirmes nalutadelibertaçãonacionale,hoje,na consolidaçãodaindependênciaeda soberaniadoEstado.Nessecomplexo definidordeconsciêncianacional,alíngua portuguesaeavivênciadafécristã tambémalicerçamanossamoderna timoridade!

.... a língua portuguesa e a vivência da fé cristã também alicerçam a nossa moderna timoridade

VivaJoséSaramago!Vivaalíngua portuguesa!VivaTimor-Leste!Vivaa CPLP!Vivao5deMaio!

"Pensou ela que (...) tinha chegado a hora de mudar de ofício, que lavar e limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos, a água nunca lhe faltaria."

"O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA"

UMLIVRO PREFERIDO

porCristinaFaustino

Em miúda, quis ser professora de português.Tudo,nanossalíngua,me fascina. A sonoridade, a gramática, a utilizaçãorebuscadadosváriostempos verbais(agoraemdesuso),asintaxe,a semânticae,porúltimo,masnãomenos importante,apontuação…

Avidalevou-meparaoutroscaminhos, emboraparaumcursoecarreiraondeo domínio da escrita é também um instrumentodetrabalho,quernocursode Direito, quer em qualquer uma das profissõesaqueestedáacesso.Nos muitosanosemquefuijurista,usei-a semprecommuitorigor.Naminhavida pessoal,commaiscriatividadeeliberdade literária,massemnunca,nuncaprescindir das vírgulas, das reticências, dos dois pontos,dospontosfinais,dospontosde interrogaçãoedospontosdeexclamação!

ComeceialerJoséSaramagocomo ManualdePinturaeCaligrafia,umaobra aindabastanteconservadoranoestilo.

FoioMemorialdoConventoomeuprimeiro livrodesafioComoleraqueletexto,para mim,tãomalpontuado?!Nãofoisem algumalutainteriorqueavancei,livroapós livro, pela obra de Saramago, que, entretanto, se tornou num dos meus autorespreferidos.Asagacidade,clareza, dd

imaginação,eumretrato,porvezes,tão crudanossasociedadeesuaspersonagens sãodeumbrilhantismoexcecional,sempre cativante.

Omeulivropreferido,detodaasuaobra?

Nãoconsigoescolher.Todostêmasua particularidade e excecionalidade. Mas, talvez porque sou funcionária pública, refirosempre,pormostraroridículoda burocraciaemquetantasvezesnosvemos enredados,oTodososNomes.Seaindanão oleram,recomendo.

O meu livro preferido, de toda a sua obra? (...) talvez porque sou funcionária pública, refiro sempre, por mostrar o ridículo da burocracia em que tantas vezes nos vemos enredados, o Todos os Nomes.

JOSÉ SARAMAGO

Foinaadolescência,porvoltadostreze anos,quelipelaprimeiravezumlivro inteirodeJoséSaramagoFoiumaleitura intensa, permeada por sentimentos, questionamentosereflexões.Experimentei umcertoestranhamentocomasubversão da gramática, a falta de vírgulas, as sentençaslongasquedeixavamsemfôlego oleitor.Paranãofalardahistóriadeum Jesushumano,demasiadohumano.

Depoisvieramoutrase,comelas,um maiorentendimentodanarrativaedavida destehomem,nascidonumafamíliade agricultores. Saramago foi serralheiro, tradutor,ativistapolítico,etornou-seuma das principais referências da literatura mundial. Apesar da sua escrita inconfundível,éumautorqueresisteaos rótulos A narrativa assemelha-se à oralidadeenosconduz,pormeiodo realismosocial,daintertextualidade,da alegoriaedofantástico,apensarmossobre ascontradiçõessociais,aumapostura analíticaeativadiantedosfatoshistóricos, dos desafios políticos e das crenças religiosas. Uma exegese, mesmo que rápida, dos romances e contos de Saramagodeixaclaroqueocontadorde histórias,ointelectualeorevolucionário sãoinseparáveis.

Delegada

MEMORIALDO CONVENTO porSabinaFonseca

Comoopróprionomeindica,Memorial,éo relatodefactosquesepretendemguardar namemóriaSãofactossobreoconvento deMafra,mandadoconstruirpeloreiD João V, entre 1717 e 1744, sob a supervisãodoarquitectoJoãoLudovice.A construção(dopalácioeconvento)na altura, um dos maiores da Europa, é marcadapelobarrocoedestinava-sea cumprirumapromessafeitapelorei,por estar preocupado com a falta de descendentes Embora o rei tivesse bastardos, o que comprova a sua infidelidadeparacomarainha,aideiaera terumherdeirolegítimoqueassegurassea sucessãonotrono.

Apósmuitasrezasenovenas,finalmente nasceuaprincesaMariaBárbara.D.João queriaumrapaz,masomaisimportantefoi queaprincesa,baptizadacomonomede MariaXavierFranciscaLeonorBárbara, nasceu saudável, facto considerado também milagre entre vários milagres tradicionalmente relacionados com a OrdemdeSãoFrancisco.Oconventofoi construído com o preço do ouro e diamantevindosdoBrasile,juntamente com a sumptuosidade da construção, escondemuitosuoretrabalhoforçadodos escravosdaépoca.

NESSECHÃO ESCOLHIDO

porVicentePaulino

Conheci pessoalmente José Saramago numa feira de livro em junho de 2007 no Parque Eduardo VII de Lisboa, próximo da praça de Marquês de Pombal. Recebi a assinatura dele no livro As Pequenas Memórias, que comprei naquela feira. Quando li esse livro, comecei a perceber que a nossa vida é constituída por pequenas memórias e essas falam de nós quando já nos ausentarmos neste nosso chão escolhido A mim parece-me que a obra As Pequenas Memórias surgiu como uma descrição geral que Saramago fez sobre o seu percurso de vida e percurso literário como serralheiro e homem de letras. Certo é que tudo isso começou no chão escolhido, por isso é que seria bom falar de um homem como Saramago a partir de “era uma vez no chão escolhido, terra de cereais e meia-uvas, chamada Azinhaga do Ribatejo” - é mesmo ao lado do rio Almonda que desagua nas correntes do rio Tejo. É nesse chão escolhido que surgiu um nome, nome de um ser do povo, nome de cereais da terra e videiras da serra Golegã que deixa as pequenas memórias do seu povo em escrita. Um nome que desenhava a história de uma terra, a história de um povo, a história da humanidade, em obras diversas. Quem ele é? José Saramago é o seu nome. De facto, tudo começou no chão escolhido. Lembrome agora que esse José era serralheiro mecâni

mecânico, nasceu para a leitura no quintal dos seus avós e ficou na biblioteca municipal em cada noite-adentro para ler o mundo nos livros preferidos. No seu chão escolhido, esse Saramago formulou o seu querer em escritas, revelou a miséria de um tempo que estava governado por homens de ferro; Portugal estava na miséria de vida, de norte a sul, particularmente no Alentejo que começou o Levantado do Chão, lutando pela liberdade. Claro que Saramago era um dos homens de época que fez avisos, convidou alentejanos a levantar-se e suas vozes foram escritas nas pequenas folhas, e assim o chão alentejano ficava memorizado. Portanto, naquele Levantado do Chão, apelava um Saramago ao seu povo, dizendo que é a nossa vez para fazer a marcha pela liberdade Claro que esse José não deixou parar as suas mãos de brincar com as letras, cobertas pelas memórias várias, desde a escrita do Memorial do Convento, desde a sua conversa com o Caim sobre as brigas entre irmãos no chão escolhido por Deus, que no fim todos eles ficam cegos na era da Cegueira, matando-se uns aos outros Finalmente, todo o ser humano fica a deitar-se na cama do seu refúgio para aguardar o fim do último sopro da sua Intermitência da Morte, e que tudo fica registado nas Pequenas Memórias escritas em letras fraseadas. O homem pode ausentar-se no seu mundo escolhido, mas o seu nome permanece registado na memória daqueles que se enamoram e se casam com suas obras deixadas Digo-vos que o meu corpo voltará a ser pó do chão que me escolheu para viver, mas as minhas pequenas memórias permanecem nos vossos cantos.

ESPAÇOSDE DIÁLOGO

A obra de Saramago, extensa e diferenciada,ofereceatodooleitorvários discursosquesecolocamcomoespaçosde diálogocomoautor

Aminhaprimeiraexperiênciadeleiturafoi comaobraMemorialdoConvento.Movida pelacuriosidade,queenvolvesempreuma obravencedoradoNobeldeLiteratura (1998), adquiri o livro, embora, pela ausênciadepontuação,nãopasseidas primeiraspáginas.Revisitei-oporvárias vezes,emépocasdistintas,movidapelo compromissoquedevemosterparacoma nossacultura,massemgrandesucesso. EnquantoestudanteErasmusemEspanha, reencontroSaramagonasbancasdeuma feiradelivro.Aproveitandoaspromoções, compreimaislivrosdeSaramagodoque acrediteiconseguirler

... o sentido crítico contundente de Saramago, adornado com ironias que nem sempre provocam o riso mas incitam sempre a reflexão

ACavernafoiaminhaprimeiraexperiência deleituraefetivaAnarrativafluídaelinear doconto,osentidocríticocontundentede Saramago,adornadocomironiasquenem sempre provocam o riso mas incitam sempreareflexão,prendeu-meàhistória dafamíliadeoleirosquevêasuavida transformadapelaaberturadeumcentro comercial.Afinalizaralicenciaturade filosofia,reconheciananarrativaomitoda cavernadePlatãoSaramagoeraumcrítico docapitalismoe,naquelaépocadaminha vida,eupactuavadasuaideologia.Tinhamedespedidodaempresacomaqual colaboreiporcatorzeanosparapartirpara ocalordeEspanha.Estava,porisso,em condiçõesdeperceberoquãocavernosa podeseravidadeumapessoaque trabalhatodososdiasparasobreviver. Cativanasuaescrita,li,empoucomaisde umasemana,oEnsaiodaCegueiraeo EvangelhosegundoJesusCristo.

As Intermitências da Morte marcauma mudançaderegistodeescrita-leiturapara asquestõesexistenciaisquenãotiveramo mesmoecoemmim

Otempodediálogoestendeu-se,nem sempre conseguindo consenso com o autor,e,dosdoisoutroslivrosadquiridos, TodososnomeseoEnsaiosobreaLucidez, ficouapenasavontadedeosler.Veioa épocadosexames,aqueseseguiuado estágioecedopercebiqueaexperiência de pensamento que o Saramago nos facultaexigeumaserenidadequenãomais encontrei.Rapidamentecompreendique nãonosmantemosforadacavernapor muitotempo.

OSOLHOSDE BLIMUNDA

“Verásavontadedentrodaspessoas”[i]

Sefossepossíveldarumcorpofísicoàs personagensdosromances,talveznão fosse má ideia levantar Blimunda das páginasondeJoséSaramagoaconcebeue trazê-laaestemundo,afimderesgataras vontadesdesseadormecimentocoletivo quefazcomqueoshomenssedeixem dominarpornacionalismosexacerbadose irracionais.Maspormuitoque,àsvezes,a vidasigaaslinhasdaficção,olhoscomoos deBlimundasãoimpossíveisdeimitar.E porissoaHistóriaparecenãosermaisdo queumasucessãodeloucurasrepetidas, atravésdasquaissevaiabrindoaindamais ofossoqueseparaacondiçãohumanados valoreshumanistas.

OquediriaagoraJoséSaramago,sevisse asnotícias?Nãoprecisamosdeimaginar, porque já o disse publicamente, ao recordar, em 1988, o Ensaio Sobre a Cegueira,“queadignidadedoserhumanoé todososdiasinsultadapelospoderososdo nossomundo,queamentirauniversal tomouolugardasverdadesplurais,queo homemdeixouderespeitar-seasimesmo quandoperdeuorespeitoquedeviaaoseu semelhante.”[ii]Comefeito,oserhumano tem-setornadoexímio,noquedizrespeito aoprogressotecnológico,maspareceterse

seesquecidodeolharparadentrodesie paraosoutros.ESaramagoacertacomas palavrasnachagahumana,quandoafirma: “Amesmaesquizofrénicahumanidadeque écapazdeenviarinstrumentosaum planetaparaestudaracomposiçãodas suasrochas,assisteindiferenteàmortede milhõesdepessoaspelafome.”[iii]Eé precisamente essa alucinação, característicadamarchacivilizacionaldo chamado primeiro mundo, que tem permitidoaoserhumanosubjugaroseu semelhante,condenando-oà“miséria”,ao “luto”eà“fome”,enquantoenalteceo “astronauta”[iv]–símbolodetodosos sonhosdoshomens.

Comumavisãoprofundamentehumanista àqualnãofaltaumapitadadehumor mordaz, a escrita de José Saramago entrelaçaorealeaficção,interrogandoo sentidodasaçõeshumanasnopassadoe nopresente.Econtraadesintegraçãodo quehádehumanoemnós,oautorsonha com uma revolução mental da Humanidade:“aquelaquetransformariao homemtreinadoparaaguerraemhomem educado para a paz”[v] Só assim, totalmenterenascido,talvezoserhumano pudesse,defacto,criarumnovomundo, emvezdeodestruir

[i]Saramago,José,MemorialdoConvento,24ªediçãoCaminhoSA, Lisboa,1984,p.126.

[ii]Discursopronunciadoa7deDezembrode1998naAcademia Sueca, Estocolmo, in: https://wwwjosesaramagoorg/wpcontent/uploads/2021/06/discursosestocolmoportuguespdf (consultadoa20/03/2022)

[iii]DiscursopronunciadonoBanqueteNobel,em10deDezembrode 1998,idem

[iv]Cf:“FaladoVelhodoResteloaoAstronauta”,inPoemasPossíveis, ediçãoCaminho,Lisboa,1966.

[v] Saramago, José, O Caderno, 7 de maio de 2009, in: https://wwwpensarcontemporaneocom/(consultadoa20/03/2022)

Professora do Departamento de Línguas da Escola Portuguesa de Díli

HISTÓRIADO CERCO

Iniciamosestebreveencómiocomuma simplespalavra:GENIAL.Genialaperfeita fusão, no universo romanesco de Saramago,entreaficçãoeahistória.Uma ficçãoqueressaltapelasingularidadede uma prosa ‘falada’, todavia ricamente conceptual,epelomanuseamentodos factos históricos assentes numa investigaçãorigorosadasfontes

BastarecordaroNÃOdaHistóriadoCerco deLisboa:umNÃOqueRaimundoSilva,um apagadoeinsignificantecorretordetexto, decideadicionarnumafrase,movidopor uminexplicávelimpulsoderevolta.Este meroincidentevem,contudo,alterartoda asequêncianarrativadoromance:Os Cruzados NÃO ajudaram D. Afonso HenriquesatomarLisboaaosMouros.São figurasqueatédificultam,porvezes,a empresadoreiportuguês.

No entanto, apesar das diferentes motivaçõesdosgruposcombatentes Portugueses,CruzadoseMouros ,os antagonismos vão-se gradualmente desvanecendo,nãonasequênciahistórica, massimnomundointeriordonarrador, que acaba por nos transmitir uma mensagemdehumanidadeeigualdade universal. São lindíssimos os últimos capítulosdaobra:sentimospiedadepelos el Professores do CAFE de Díli

Mouros,cercadospeloterror,pelafomee pelaviolência,protagonistasdeumdeclínio lentoeagonizante Eestessentimentos sãotransmitidosaoleitorempáginasde rarabelezaedramatismo.

... sentimos piedade pelos Mouros, cercados pelo terror, pela fome e pela violência, protagonistas de um declínio lento e agonizante

Éestauniversalidadeintemporaldoser humano,nobemenomal,aquievocada porJoséSaramagoque,anossover, tornouesteescritorumafiguradasletras igualmenteuniversaledignadeumprémio Nobel

" ... o sonho é um prestidigitador hábil, muda

as proporções das coisas e as suas distâncias, separa as pessoas, e

elas

es

o

juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra... "
JOSÉ SARAMAGO
"O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA"

ASIMBOLOGIA DOBARCO

porToméMartins

DepoisdeterfeitoaleituraencenadadeO

Conto da Ilha Desconhecida de José Saramago,asimbologiadobarcoparamim representaodesejodosonho,avontade deconheceroutrasrealidadesFoiobarco quefezcomqueodesejodohomemse tornasserealidade,istoé,conheceroutros lugareseterumavidadiferente.

Neste sentido, o barco representa a importânciadefazerviagenscomoaúnica formadeconhecerarealidadedeoutros mundosOpedidodohomem“Dá-meum barco”demonstraqueohomemestáa desafiaroreiparadescobriromundo.

Estarealidadecorrespondeàvidaatual,em queninguéméodonodomundo,épreciso quehajaliberdadeeoportunidadesafim dequeelepossaserexplorado.

Esta realidade corresponde à vida atual, em que ninguém é dono do mundo, é preciso que haja liberdade e oportunidades a fim de que ele possa ser explorado

SAIRDAZONA DECONFORTO

porHelderAleixo

OContodaIlhaDesconhecida,deJosé Saramago,édoscontosmaisinteressantes quejáli.Digoistodevidoàhistóriaeà moral que posso retirar deste conto, sobretudoaideiadequeéprecisoiratrás dos nossos sonhos e lutar contra os obstáculosparapodermosobtê-los.

Paramim,aafirmaçãodohomem,“é necessáriosairdailhaparaverailha”,é muitosignificativaporque,naverdade, temosmesmodesairdanossazonade confortoparaconheceroutrasrealidades.

Paraalémdisto,ocontotambémnos apresenta alguns símbolos importantíssimoscomoobarco,omarea ilha;nomeupontodevista,obarco significaomeioquenostransportapara ultrapassaromar(quesãoosdesafios enfrentados na nossa vida) para que possamos chegar a uma ilha (para concretizarosnossossonhos)

Relativamenteàspersonagensdoconto, achoquemeidentificomaiscomohomem porquetambémandosempreatrásdoque quero.

Noquetangeàleituraencenada,estoua adorarotrabalhoquefazemos,vistoque possoaprenderesaberamaneiradeatuar comoumadaspersonagensprincipaise possoconhecermelhoroconto

INTERPRETAR OPOVO

porCrisólogoBaptista

Aoler O Conto da Ilha Desconhecida, apetece-melereassimconhecermuito bemtodaaobradeJoséSaramagoOmeu prazerdeleituraveiodapalavra"ilha",pois faz-melembraraminhailha,Timor-Leste. Conheciocontoaofazerpartedaequipa paraintegraraleituraencenadadeste conto.Partindodoensaiorealizadopara esteefeito,comeceiaentrarnahistóriaea conheceraspersonagens.Consideroquea personagemprincipaldestecontoéo Homem,poiseraelequemqueriaconhecer ailhadesconhecidaeinsistiacomoreique lhedesseumbarcoparairprocurarailha. Fizpartedocoro.Interpretámosavozdo povo,quenumadaspassagensdoconto, grita:“Dá-lheobarco,dá-lheobarco” Adoreiaexperiênciavividaenquantoleitor eatorn’OContodaIlhaDesconhecida.

Interpretámos a voz do povo, que numa das passagens do conto, grita "Dá-lhe o barco, dá-lhe o barco"

REALISMO MÁGICO

GostoparticularmentedeJoséSaramago pela forma como trabalha o realismo mágico. Na ficção do autor será, na verdade, mais adequado falar de um recursoaomaravilhosocomintençõesde carácter alegórico, com o intuito de dissecarasociedadecontemporânea,os seus principais problemas e perda de valores,noâmbitodeumaintervenção socialoumoral.

EmobrascomoMemorialdoConvento (1982)ouAJangadadePedra(1986)o maravilhosoenvolvetudo,transfigurao natural do quotidiano, e o real e o sobrenaturalpassamaconviver.

Éexclusivamentegraçasaodommágicode

Blimunda(queelareclamacomoalgode natural)queseconseguiráfazercomquea passarolalevantevoo Aconstruçãoda passarola(queseráconfundidacomo EspíritoSantopelaspessoasqueassistirão aoseuvoo)simbolizaosonhoeas realizaçõesdoinconsciente,emoposição aoconventodeMafracomosímbolodo poderedahistóriaoficial.Blimundaéaliás umapersonagemmarcantenaliteratura portuguesa, cujos dons mágicos influenciaramdiversasautoras-mulheresda contemporaneidade,comoLídiaJorgee HéliaCorreia.

OESTILODE SARAMAGO

Saramago,comomuitasvezesouvidizer aosprópriosportugueses,mastambéma pessoasdeoutrasnacionalidades,temum estilo de difícil entendimento. Este comprova-seatravésdarecusadopróprio escritoremseguirasregrasdesinaisde pontuação,comoverifiqueiaolerOConto daIlhaDesconhecida.

LerSaramagoexigeumcertonívelde proficiênciaemlínguaportuguesa,refiromeaocasodosleitoresquetêmportuguês comolínguanãomaterna.

Ler Saramago
exige um certo nível de proficiência em língua portuguesa

Contudo,participarnoteatropermitiu-me percebermelhoraobraeidentificaras ideias principais no conto. A nossa encenaçãofuncionacomoumaespéciede resumo,aofocarasideiasprincipais.

Opróprioestilodoautorrepresentabemo conceitodeliteraturapelaformacomousa alinguagem Alémdisso,oseuestilo representaoatodeliberdadeemse expressar.

OHOMEMEO

AUTOR

porFilipaFilipe

Tinhaonzeanosquandoouvionome“José Saramago”pelaprimeiravez.Veiosoba formadeumconvite:iràLivrariaEscriba, em Almada, ver o Prémio Nobel da Literatura,quelámarcarapresença.Omeu paisabiaoquantoeugostavadehistórias. Naaltura,eunãosabiaoquantoele admiravaaquelehomem Umanodepois,nosétimoano,linaaulade LínguaPortuguesaomeuprimeirotextode JoséSaramago,acrónica“umazulpara marte”.Essetextofez-mepensaremcomo oshospitais,asuniversidadeseosmuseus sãonecessários.Descobritambémque podemosacabarumafrasecomaspalavras “eportanto”.

Maisdevinteanosdepois,pensonesses doismomentos–nadescobertadeJosé Saramago,ohomem,enadescobertado autorChegoàconclusãodeque talvez nãohajaoutroescritorquedemonstreo quãoligadaspodemestaravidaeaobra. Enquantoviveu,elenuncadeixouórfãosos seustextos.

Atando as duas pontas da vida no centenário do seu nascimento, parece evidenteque,apósasuamorte,José Saramagodeixoudepertencerasipróprio Oseunomeintegraagoraumaculturaque, emtempos,orejeitou,maséumalento pensarqueasuaobraéimpossívelde neutralizar.Celebremo-la,porisso!

UMCONTO EXCECIONAL

Apraz-me relatar a minha experiência sobre a leitura de O Conto da Ilha DesconhecidadeJoséSaramago.Gosteide o ler apesar de ter tido dificuldade inicialmenteemperceberahistórianasua totalidade.Tivedelererelerotextopara conseguir entender e interpretar a mensagemtransmitida.

Penso que é um conto excecional e desafiante,poistrata-sedeumtextocom personagensanónimas,istoé,expressa literalmente as profissões e algumas características evidentes. Não está identificadaalocalizaçãogeográficaao longodotexto.Hápoucospontosfinaise as sentenças são curtas e separadas maioritariamenteporvírgulas.

Estecontopodeaindaserrelevantena situaçãoatualemTimor-Leste:porum lado,demonstraootimismodaspessoasna buscademelhorarconstantementeasua vida académica ou profissional ou a situaçãoeconómicafamiliar,apesarde todasasadversidadese,poroutrolado, estepoderiaservircomoumacríticasocial. ApersonagemdoRei,porexemplo,estava sempredispostaareceberospresentes, masnãoatendiaasnecessidadesdoseu povo.Muitosgovernantesfalamepouco fazemparamelhoraravidadoseupovo.

ENSAIOSOBRE ALUCIDEZ

porMarianadoRosário

AobraEnsaiosobreaLucidezapresentaum paísindeterminadoonde,numaeleição autárquica,háumvotoembrancoque atingeos70%.Nuncatendoacontecido emnenhumgoverno,enãoconseguindo enfrentarasituação,asautoridadesalegam quesedeveaofactodeterchovidomuito easpessoassemanteremrelutantesem sairdecasa,noentanto,nasegundavolta, aumentampara83%osvotosembranco.

Naobra,ogovernotentaexplicaresta situaçãoresguardando-senaepidemiae cercodacidadequeoautordescrevena obraEnsaiosobreaCegueira,impedindo queaepidemiaseespalhepelorestodo paíseiniciamainvestigaçãodaspessoas queviveramacegueirabranca.

faz o leitor refletir e questionar sobre o poder

ApremissadeEnsaiosobreaLucidezfazo leitorrefletirequestionarsobreopoder democráticoatual,recorrendoàcrítica socialeaohumordisfarçado.Defacto,a obraEnsaiosobreaLucidezmantém-seuma obraatual,poisadescrençanapolíticaeo descréditonospolíticosapresenta-secomo umfenómenocrescenteemundial.

UMAMULHER SIMPLES

porLivóniaLuz

GosteidelerOContodaIlhaDesconhecida deJoséSaramagoporqueéumtextoque tratasobreoautodescobrimentodosseres humanos

Noconto,pensoqueomaisimportanteé refletirsobreadecisãodamulherda limpeza,porquemesmoqueelasejauma mulher simples, tem a coragem de descobrirasuaprópriafelicidade.Édifícil paraelasairdopaláciodoRei,então apareceohomemapedirumbarcoaoreie amulherdalimpezaaproveitaomomento parasairdopalácioembuscadeumanova vida.

tem a coragem de descobrir a sua própria felicidade
...

Aolongodoconto,amulherdalimpezadiz aohomem:"Nuncameririadequemme fezsairpelaportadasdecisões".Isto significaquedevemostercoragemde assumiranossaprópriavontadeetomaras decisõesquejulgamosseremimportantes. Porúltimo,estahistóriafez-mepensarnas pessoasquemedãoamãoparameapoiar emquaisquersituações

APORTADAS DECISÕES

porGetrudesCosta

GosteidelerOContodaIlhaDesconhecida porqueéumcontoquerefletesobreo autodescobrimentodossereshumanos.

Tendoestetema,otextoserve-mecomo um espelho, ajuda-me a fazer uma autorreflexão.

Nestaobra,apersonagemcomaqualme identificomaiséamulherdalimpezapois elaécorajosa.Eladecidiusairdopalácio, umlugargarantidonãosóanívelde alimentação,comodeabrigo,paraoutro desconhecido.Hátrêsportasnopalácio, maseladecidiusairpelaportadasdecisões enãopelasoutrasduasportas(dosfavores edaspetições).Esteatomostraquena vidahámuitasportas,noentanto,cabenosanósdecidirqualusar.

Consideroquealeituradestecontoé fundamental para refletir sobre a importânciadesairdanossazonade conforto. Também eu, se não tivesse decididoviverforadomeupaíseirestudar emPortugal,nuncachegariaasaberos meus limites. No momento em que descobriasminhasdificuldades,nãotinha coragemdereconhecê-las.Noentanto,fui refletindosobreelas,ealeituradeste conto,quefoisugeridoporumamigoque tambémestavaemPortugalnaaltura, ajudou-meamergulharemmimmesma.

APRESENÇA DOSOUTROS

Após a leitura encenada, comecei a perceberqueestecontofalasobrea relaçãoquepossotercomigoecomos outros.Nesteconto,oautordestacaa importânciadapresençadosoutrosna vida

Poroutrolado,dá-seênfaseaopapeldo rei,cujopoderécentradoemsi.Esta atitudepodeserreveladatambémno mundo profissional, onde a voz das pessoaspoderosasémaisvalorizadado queadeoutros.

... o relacionamento com os outros e o desafio de ir contra a corrente para nos podermos conhecer melhor

Emrelaçãoàsmensagensdoconto,uma das que mais se destaca é o relacionamentocomosoutroseodesafio deircontraacorrenteparanospodermos conhecermelhor,reconhecerosnossos defeitos,fazendocaminhocomosoutros. ComoescreveSaramago,“Sónosvemos quandosaímosdenós”.

OPÚBLICO TIMORENSE

porElísioExposto

Foiumaexperiênciaincrívelparticiparna leitura encenada de O Conto da Ilha Desconhecida,deJoséSaramago.Oque fazemoséofereceraopúblicotimorense umaoutrapossibilidadedeleituradeste pequenograndetexto.

Detodasaspersonagensdoconto,tenho orgulhodedizerqueficoencantadopelas característicasdohomem.Eleeraum pobrehomem,masnãotinhamedode entraremcontactocomoreienãodesistiu depedirobarcoparaviajaràprocurada ilhadesconhecida.Emváriosmomentosdo conto,ohomem,paraterobarco,com todaacoragem,matoutodasasideiasdo reicomasuaargumentação(erazão)sobre ailhadesconhecida.

Assim, podemos ver que ser rei não significaquesesabetudoeumbomrei temdesaberouviroseupovo.

Asaçõesrealizadaspelohomemepelorei podemservircomoumareflexãoparao povoeoslíderesdeTimor-Leste.Porque muitostimorensescontinuamapensarque oslíderessãoanjosquesófazemobem porquesesacrificaramnopassado.Evários líderescontinuamanãoouvirosgritosdo povo

REVISITAR SARAMAGO

porSofiaSantos

Omeuprimeirocontactocomaobrade Saramagotevelugarquandoeraestudante dosecundárioOMemorialdoConventofoinosapresentadocomoleituraobrigatóriae estavaeulongedepensarnochoqueque iriasofrerAescritadeSaramagochocoume.Tudoeranovoelevou-meàrejeição. Foinauniversidadequeorevisiteielhe reconheciobrilhantismoimpregnadoem tantospontosdistintos,destacando-seo usodapontuação,amisturadoregisto históricocomoficcionaleaindaasua genialidadeemtocarointocável,comoo sagradoeoreligioso.

... levou-me a refletir

sobre as normas de escrita

Confessoqueasuainovaçãonapontuação melevouarefletirsobreasnormasde escrita.Parágrafosinteirossempontos finais,diálogosnãointroduzidospelotípico travessão, sendo o início das falas destacadoapenaspelacapitularameiodas linhas, e ainda a cadência das frases assinaladapelasvírgulas,ouseja,estenovo ritmocriadoporSaramagoofereceu-me umaexperiênciacompletamenteinovadora enquantoleitora.

OOLHARDO OUTRO

porMónicaAraújo

NãoconheciaOContodaIlhaDesconhecida doautorJoséSaramago.Tinhalidooutras obrasdesteautor,taiscomoAMaiorFlordo MundoeoMemorialdoConvento.Descobri ocontoquandoocoordenadordoprojeto FOCOUNTLpropôscriarumgrupode teatroeadaptaresteconto.Elereferiuum trecho,“énecessáriosairdailhaparavera ilha,nãonosvemossenãosaímosdenós” Estetrechofezcomqueeuquisesse conhecermelhorahistória.Fiqueimuito felizaoleresteconto,especialmentepelas frasesmotivadorasqueencontrei.

Estetextotrazumareflexãosobreopoder doautoconhecimentoquenospropõea conhecerospontosfracosefortes,que servem como uma chave para propor planosparaanossavida.Alémdisso, contémumacríticaaosistemaburocrático.

Ameuver,comoleitora,entendoqueeles não iniciaram uma viagem nem encontraram uma ilha nova, mas começaram uma viagem para o desconhecido, ou seja, para conhecer melhor as suas características pessoais atravésdoolhardooutro

Deste modo, considero que a ilha desconhecidadestecontoé conhecero desconhecido,queestápresenteemcada umdelesedentrodenós.

AVERDADEIRA VOCAÇÃO

ConheçopoucoSaramago.Jálialgumas partesdoEnsaiosobreaCegueira.Gostei muitodestetrabalhodeadaptaçãoateatro deOContodaIlhaDesconhecida.Marcoumemuito,especialmenteporcertasfrases como“Énecessáriosairdailhaparavera ilha”.

Em2014trabalhavanumaempresade telecomunicaçõescomosecretária.Nessa empresa,osalárioqueeuganhavaera suficienteparamesustentar.Masomeu paiinsistiacomigoparaestudarnaUNTL Elequeriaqueeucontinuasseaestudar, poistinhaaexpectativadequeeu,umdia, fosseprofessoradeLínguaPortuguesa.Na verdade,eutambém,emalgummomento, imagineiissoparamim.Porisso,decidisair daquelaempresa,continueiafrequentaros meusestudosnaUNTLefoimesmouma boaexperiência,poisaprendiaveroutro ladodemimUmapartequeeunãoqueria descobrir.Umladoqueeuignorava.Deumeaoportunidadedeconhecer-me.

Essafrasedizmuitosobrenós,sobrea nossavida.Temosdequebraranossa rotinaenãotermedodeexplorarnovos caminhos,comoamulherdalimpezaque decidiusairpelaportadasdecisõesporque elacompreendequeserapenasamulher dalimpezanãoéasuaverdadeiravocação.

UMAVIAGEM INTERIOR

porLúciaLopes

OprimeirotextodeJoséSaramagocomo qual me cruzei foi O Conto da Ilha Desconhecida

Na leitura encenada, apaixonei-me, à primeiravista,pelopapeldoCoro,comas suasintervençõesaolongodaencenação, sobretudo quando pergunta “Que rei temosnósquenãoatende?”.Ocoropossui umagrandeimportância,poistemopapel derepresentaravozdopovo.

o primeiro passo para explorar o meu " eu desconhecido"

Ameuver,umaboagovernaçãoreflete-se nobem-estardeumpovoe,comotal,a coletividadedocoroespelhaocontexto timorense,ondeavozdopovodeveránão apenassermaisouvidacomotambém respondida.

Alémdisso,ocontoprovocouemmimum espíritorevolucionárioquemeobrigaa olhar os horizontes da minha prática profissional.Acreditoqueviajardentrode mimsejaoprimeiropassoparaexploraro meu "eu desconhecido” enquanto professora.

DIFÍCIL,MAS FUNDAMENTAL

Saramago…nomequemefoimencionado, por altura dos meus estudos no Secundário,pelomeupainumaconversa acerca dos melhores escritores da literatura portuguesa contemporânea. Recordoque,nassuaspalavrasrepletasde sabedoria,duasmeprovocaramprofunda estranheza: “jangada” e “pedra” Não entendiaoporquêdotítulo.Acuriosidade, talqualfeitiço,metinhasidolançada.

Contudo,demoreiunsdoisoutrêsanosa tocarnesselivro…Bum,bum,bum,bum… eisoruídoqueescutei,duranteosminutos emquepegava,finalmente,noconjuntode páginas,envoltonumacapaamarelada, comotítuloescritoemletraspretas,a indicação “Romance” e a referência à editoraquejáconhecia,aCaminho.As batidas do coração aumentavam loucamente, um formigueiro de impaciêncianosdedos.Iniciarestanova leitura… autêntica confusão, cheia de vírgulas, reticências e pontos de interrogação… afinal, a escrita saramaguiana… verdadeiro desafio. A península…ajangada,motivodolivro;de tantosemexerede,finalmente,ficar imóvel,prenuncia(va)questõesbasilares: quefuturoparaosportugueses?Eparaa línguaportuguesa?Quefuturotambém paraasliteraturas,culturasesociedadesa nívelmundial?

Saramago…Leituraporvezesdifícil,mas fundamentalparaaHumanidade

AMAIORFLOR DOMUNDO

OuvifalardeJoséSaramagopelaprimeira vezenquantoestudantedoDepartamento deLínguaPortuguesanaUNTL.Nessa altura,liAMaiorFlordoMundoetive oportunidadedeparticipar,noâmbitodo projetoPortuguêsnoBairro,naencenação dahistória.

Ouvi falar de José Saramago pela primeira

vez enquanto estudante do Departamento de Língua

Portuguesa da UNTL

Aoserconvidadaparaparticiparnaleitura encenadadeOContodaIlhaDesconhecida, tiveoportunidadedeaprofundaromeu conhecimentosobreoúnicoNobelda literaturaportuguesa.Logonosprimeiros ensaios, a personagem da mulher da limpezafascinou-me.Talvezporissome tenhasidoatribuídoessepapel.Eaqui estou a representar essa figura que preferiusairdopaláciodoreieencontrara sua liberdade à procura da ilha desconhecida,oquequerdizeràprocura dadescobertadesimesma.

Professora no Colégio de Santo Inácio de Loiola, Kasait

RECENSÃO CRÍTICA

OContodaIlhaDesconhecida(2016)éum dospoucoscontosdeJoséSaramago (NobeldaLiteraturaem1998),quese revestedecontornosdeparábolaeutopia. Édifícilcomeçararefletirsobreesteconto sempensarmosimediatamentenailha comomotivoliterárioenaviagemcomo tema,tãocentraisàliteraturaportuguesa, masigualmentenaliteraturatimorense, comoaconteceemCrónicadeuma Travessia,deLuísCardoso,quecomeça justamentecomumatravessiaentreilhase terminanovamentecomumatravessia marítima…

Anarrativalembrainicialmenteumconto defadas,remetendo-nosparaotempodos reis,eodiscursoaparentementecomumé eivadodeumadimensãosimbólicaede umalinguagempoéticaUmconto,como sesabe,éumrelatopoucoextenso,que tendeàconcentraçãodeeventose personagens,numanarrativamaislinear, semdesviosdetempoeespaço.

Ocontocomeçacomumacríticaaopoder, poistemosumreiqueapenasfinge agradaraosseussúbditos,sentadoà “portadaspetições”,apenasparamantera aparência,poisnaverdadepreferea“porta dosobséquios”:istoé,dosfavorese presentesqueoutroslheconcedam,enão eleaosseusconcidadãosHáigualmente umacríticaàburocracia(nãoadeoutros tempos)e

tempos, mas a de tempos bem mais recentes) Veja-se como, quando a insistênciaeramuita,“Então,oprimeirosecretáriochamavaosegundo-secretário, estechamavaoterceiro,quemandavao primeiro-ajudante, que por sua vez mandavaosegundo,eassimporaíforaaté chegaràmulherdalimpeza,aqual,não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntavapelafrincha,Queéquetu queres”Note-se,noentanto,comoa mulher da limpeza, que naturalmente pertenceaopovoenãofazparteda máquinaburocráticadestepalácio,parece sernaverdadequemmaisdecide,quando sedignaabriraportaeverquembateMas sobreaimportânciadamulherfalaremos adiante.

Ohomemquepedeumbarcorepresentao inconformismo existencial. Da mesma formaquepretendedesafiarosmares desconhecidos, sem possuir quaisquer artesdenavegação,desafiaoprópriorei.O diálogoentreohomemeoreiestáaliás cheiodeironiaesátira,nesseconfronto comopoder,massobretudonumaclara ruturacomasconvençõesquenoslimitam aexistência,omarasmodeumavidafeita decoisaspequenaserotineirasNote-se comoohomemusarecorrentementeo modoverbaldoimperativoparafalarcom o rei (“Dá-me um barco”, “Darás”) e semprequeoreiresponde,eledesmonta asréplicasdorei,comfrasesinterrogativas edeclarativas(“Etuquemés,paraquenão modês”).Quandooreifinalmenteconcede obarcoéporinsistênciadocoro/povo.O homem,porfim,nemagradeceaorei… Situando-seaprimeirapartedocontoà portadopalácio,nasegundametadedo cont

contoaaçãolocaliza-senocais.Tambémo caiséumespaçosimbólico,cheiode significado, associado às partidas e chegadas,portodeinícioedefimde viagem.Nofundo,ocaiséaportadomar.

Saramagodá-nossempreexemplosde personagensfemininaspoderosas(nopaís semnomedeEnsaiosobreaCegueira apenasamulherdomédicomantéma visão;aBlimundadeMemorialdoConvento quesetornouinesquecíveleinfluenciou diversasescritoras-mulheres,comoHélia Correia).Amulherdalimpeza,quemovida pelodesejodohomem,acabaportambém rompercomasuavida(“asportasqueeu realmentequeriajáforamabertas”)e torna-se,maisdoqueumsuporte,uma forçaimpulsionadoranocontoAlémdeter sidoelaaabrirfinalmenteaportaesera primeirafalarcomohomem,amulher rapidamenteassumedetalhesimportantes naorganizaçãoenalimpezadobarcoe tenta que o homem não desmotive, chamando-oàrazão.Étambémamulhera primeirapessoaaconhecereexploraro barco.

No final desta parábola, que parece decorreraolongodeumúnicodia(um arcoexistencialdeumavida),regressadoo homem à embarcação, sem encontrar tripulação,amulhermantém-sefielaoseu propósitodepartircomele.Começaaser notória uma complementaridade entre ambos,umasincroniadepensamentos alémdapartilhadessavontadedeirem buscadeumailhaincógnita.Amulher preocupa-se com o jantar, ele trouxe comida;elatemvelas,eletemosfósforos; eletemosonhodailha,elamantéma determinaçãoeprocuraqueelenãose deixeabater;quandodescemparadormir, umsegueparabombordoeoutropara estibordo.Nãosabemosbemqualvaipara

umladoequalvaiparaoutro.Quandoele acorda,descobre-se“abraçadoàmulherda limpeza,eelaaele,confundidosos corpos”.Porfim,aonascerdonovodia,em derradeiracomunhão,“ohomemea mulherforampintarnaproadobarco,de umladoedooutro,emletrasbrancas,o nomequeaindafaltavadaràcaravela.Pela horadomeio-dia,comamaré,AIlha Desconhecidafez-seenfimaomar,à procuradesimesma.”

Acaravela,faltadizer,aparece-nos tambémsubtilmentehumanizada:“Asvelas sãoosmúsculosdobarco,bastavercomo inchamquandoseesforçam,mas,eisso mesmosucedeaosmúsculos,senãose lhesdáusoregularmente,abrandam, amolecem,perdemnervosdasvelas”.

Note-sequeparaestacaravela,comopara oserhumano,eéessaaideiacentraldo conto,maisimportantedoquemapearo destino,éaprópriaviagem,apartidapara odesconhecido,semgrandescertezasdo quesepodeencontrar.Quandoseafirma “énecessáriosairdailhaparaverailha, quenãonosvemossenãonossaímosde nós”,oquepodemosleréqueaviagem permite o autoconhecimento, o descentramentodoeu,aomover-seno espaço(enotempo)permiteumrecentrarseemsi;umpoucocomoacontecenalguns contoselendas,trabalhadosemobras comoOAlquimista,emqueabuscadeum tesouroatravésdomundoterminano regressoacasa,enadescobertado tesouronosítioondeestávamosantesde partir,sendoqueaviagem,eo conhecimentoqueadquirimosaoviajar, representaoverdadeirotesouro.Ailha desconhecidaé,afinal,apáginaembranco danossahistória,àesperaquedemoso primeiropasso.E,claro,aviagemtemmais prazerseestivermosacompanhados.

PORTUGUÊSNO BAIRRO

porMárciaPinto

Oprojetodeintervençãosocialpelalíngua, PortuguêsnoBairro(PnB),enquadra-se nasaçõesdesenvolvidaspeloCentrode LínguaPortuguesa(CLP),noâmbitodo ProjetoFOCO.UNTL(Formar,Orientar, CertificareOtimizarcomaUNTL).

Enquantoprojetodecooperaçãodo Camões,I.P.,edaUniversidadeNacional deTimorLorosa’e(UNTL)enquadra-seno eixo2,deDesenvolvimentoHumano,e insere-senalinhadealgunsObjetivosde DesenvolvimentoSustentável(ODS4EducaçãodeQualidade;ODS5-Igualdade deGénero;ODS8-TrabalhoDignoe CrescimentoEconómico).

OprojetoPnBvisaaintervençãosocialno contextodeTimor-Lesteepartedo princípiodequeamediaçãointerculturalé compostaporgruposheterogéneos,em quesevalorizamambasaspartes envolvidas, reforçando que os representantesdocontextotêmumpapel fundamentalemtodaadinâmicainstituída.

Atravésdeatividadesomaisdiversificadas possível,procuramosestabeleceraligação deestudantesdaUNTLeprofessoresdo CLPnacomunidade,constituindo-os, primeiramente, como mediadores interculturaise,emsegundo,levandoaque elesproporcionemexperiênciasde enriqueciment

enriquecimento artístico e cultural, colmatandoessacarênciadiagnosticadae tentando,emtermossociais,minimizar problemas futuros que a comunidade enfrenta.Educarpelaarte,intervindoe crescendoemambientesquepromovamo autoconhecimento, a autoestima, a comunicaçãoassertiva,acooperação,o respeitomútuo,agestãoemocionalea empatiapeloOutrosãoasprioridadesdo PnB.

O projeto PnB visa a intervenção social

Nesteâmbito,muitonostemincentivado autorescomooquenesteanocelebramos ocentenáriodoseunascimento,José SaramagoAobraAMaiorFlordoMundo foidramatizadaeapresentadaemvários espaçosdacidadedeDíli,comooArquivo &MuseudaResistênciaTimorense,no âmbitodasJornadasPedagógicas(2018), naFundaçãoOriente,nascelebraçõesda FeiradoLivro(2020),naEmbaixadade PortugalemDíli,noâmbitodaatividade CaféLiterário.Esteano,muitonoshonraa participaçãonaleituraencenadadeO ContodaIlhaDesconhecida.Nestaatividade participam, mais uma vez, como mediadores,estudanteseprofessoresda UNTL,numprocessodeformaçãopor partedosistema-interventor,paraque, numafaseposterior,hajacontinuidadedo projeto, multiplicando-o pelos vários municípios e que, a longo prazo, as melhorias sociais no campo educativo sejamumarealidade.

" ... uma floresta onde, sem saber-se como, começaram a cantar pássaros, deviam estar escondidos por aí e de repente decidiram sair à luz, talvez porque a seara já esteja madura e é preciso ceifá-la."
JOSÉ

"O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA"
Fotografia: FundaçãoJoséSaramago
Ilustração FatinhaRamos

BIOBIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

16 de novembro de 1922 – Nasce José Saramago, filho de camponeses, em Azinhaga de Ribatejo, no concelho de Golegã, distrito de Santarém.

1924 – Aos dois anos de idade muda-se com a família para Lisboa.

1932 – Matricula-se no Liceu Gil Vicente, onde inicia os estudos secundários.

1935 – Devido às dificuldades económicas da família, ingressa numa Escola Industrial, onde estuda durante os cinco anos seguintes.

1940 – Começa a trabalhar como serralheiro mecânico. De noite, frequenta a biblioteca municipal do Palácio de Galveias (Lisboa) onde desenvolve o gosto pela leitura

1947 – Trabalhando como empregado administrativo, publica o seu primeiro romance, Terra do Pecado. Nasce a sua filha, Violante.

1955 – Começa a sua atividade como tradutor (com mais de 60 traduções até aos anos 80).

1959 – Desempenha funções como responsável pela produção na Editora Estúdios Cor.

1966 – Publica o seu primeiro livro de poesia, Os Poemas Possíveis 1967/68 – Colabora como crítico literário na revista Seara Nova.

1975 – É nomeado diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias.

José Saramago com 10 anos Fundação José Saramago
Palácio Galveias Fotografia de A Portugal (1945)
José Saramago na década de 90 Fundação José Saramago

Fundação

1980 – Publica Levantado do Chão, que marca o início do estilo saramaguiano.

1982 – Publica Memorial do Convento, que o consagra internacionalmente.

1984 – Publica O Ano da Morte de Ricardo Reis.

1985 – Desempenha funções como presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores, cargo que assume até 1994

1991 – Publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro que causa polémica, mas lhe vale diversos prémios.

1993 – Descontente com o seu país, muda-se para Lanzarote, onde viverá até ao fim dos seus dias.

1994 – Publica Cadernos de Lanzarote, o primeiro volume de uma série de diários.

1995 – Publica Ensaio sobre a Cegueira, livro aclamado internacionalmente, depois adaptado ao cinema no filme Blindness. Recebe o Prémio Camões.

1997 – É nomeado Filho Adoptivo de Lanzarote. Publica O Conto da Ilha Desconhecida, texto para a inauguração do Pavilhão de Portugal na Expo 98, realizada em Lisboa.

1998 – É laureado com o Prémio Nobel de Literatura.

2001 – Publica o seu primeiro título na literatura infanto-juvenil, A Maior Flor do Mundo.

2007 – Cria a Fundação José Saramago. 18 de julho 2010 – Morre na sua casa em Lanzarote, acompanhado pela família e amigos. Em novembro estreia o documentário José e Pilar, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Saramago a discursar na cerimónia de entrega do Nobel
Fundação José Saramago
José Saramago e Pilar del Río, em José e Pilar
Fundação José Saramago

DECOMOAPERSONAGEMFOI MESTREEOAUTORSEUAPRENDIZ

O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantavase da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, a pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia, Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro No inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que acionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado E algumas vezes, em noites quentes de verão, depois da ceia, meu avô me disse: «José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira.» Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para todas as pessoas da casa, a figueira. Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz noturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a resposta à pergunta que adormecido

invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: «E depois?» Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer quer fosse para as enriquecer com peripécias novas Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranquilizava: «Não faças caso, em sonhos não há firmeza.» Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer.» Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver

Muitos anos depois, escrevendo pela primeira vez sobre este meu avô Jerónimo e esta minha avó Josefa (...), tive consciência de que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer (...). Ao pintar os meus pais e os meus avós com tintas de literatura, transformando-os, de simples pessoas de carne e osso que haviam sido, em personagens novamente e de outro modo construtoras da minha vida, estava, sem o perceber, a traçar o caminho por onde as personagens que viesse a inventar, as outras, as efetivamente literárias, iriam fabricar e trazerme os materiais e as ferramentas que, finalmente, no bom e no menos bom, no bastante e no insuficiente, no ganho e no perdido, naquilo que é defeito mas também naquilo que é excesso, acabariam por fazer de mim a pessoa em que hoje me reconheço: criador dessas personagens, mas, ao mesmo tempo, criatura delas.

Discurso pronunciado na Academia Sueca – 7 de dezembro de 1998 (com supressões)

FICHA TÉCNICA

Texto original O Conto da Ilha Desconhecida de José Saramago Adaptação Getrudes Costa, Helder Aleixo, Mónica Araújo, Márcia Pinto, Paulo M. Faria, Paulo Serra Encenação Paulo M. Faria Interpretação Ana Guterres (coro), Crisólogo Baptista (coro), Elísio Exposto (coro), Getrudes Costa (rei), Helder Aleixo (homem), Isabel Silva (coro), Livónia Luz (coro), Lúcia Lopes (coro), Luísa

Fernandes da Silva (coro), Madalena Roben (coro), Paulo Henriques (coro), Sabina Felicidade Soares (mulher), Tomé Martins (coro) Figurinos e adereços Márcia Pinto, Mariana do Rosário Música "KoleleMai", "Canção do Mar" (Interpretação: Dulce Pontes; Composição: Ferrer Trindade, Frederico de Brito).

Antestreia

4 de maio de 2022

Auditório da Faculdade de Educação da UNTL

Estreia

5 de maio de 2022

Centro Cultural Português – Embaixada de Portugal em Díli

Organização

Projeto FOCO UNTL (2019-22)

Projeto de Cooperação Camões, I.P. e Universidade Nacional Timor Lorosa’e

Coordenador-Geral: Samuel Venâncio Freitas

Coordenador Científico-Pedagógico: Paulo M. Faria

Produção

Projeto FOCO UNTL

Português no Bairro Embaixada de Portugal

Apoio

Fundação Oriente

Brochura

Design gráfico Filipa Filipe

Fotografia Filipa Filipe

Seleção e organização dos textos Filipa Filipe, Paulo M. Faria, Paulo Serra

Participantes (nomes por ordem alfabética)

Ana Guterres, Benjamim de Araújo e Corte-Real, Crisólogo Baptista, Cristina Faustino, Elísio Exposto, Filipa Filipe, Getrudes Costa, Helena Barrinha, Helder Aleixo, Isabel Silva, Isidoro Amaral, Joana Saraiva, João Soares Martins, Livónia Luz, Lúcia Lopes, Madalena Roben, Manuela Bairos, Márcia Pinto, Maria José Barbosa, Mariana do Rosário, Mariana Gois Neves, Mónica Araújo, Paulo Henriques, Paulo M. Faria, Paulo Serra, Sabina Felicidade Soares, Sabina Fonseca, Sofia Santos, Tomé Martins, Vanessa Petrov, Vicente Paulino.

"Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha

Desconhecida

fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma. " JOSÉ

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1.ª ed. - O Conto da Ilha Desconhecida - Leitura Encenada by FOCO.UNTL - Issuu