Antes e Depois

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Carlos Alberto de Souza; Angela de Aguiar Araujo; Paulo Rogério de Almeida e Rafael Kondlatsch (orgs.)

Antes & Depois volume I

Projeto de Extensão Foca Foto Grupo de Pesquisa Foto&Tec Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais Programa INTERARC/ARTES


Coleção (antes & depois) Volume I Carlos Alberto de Souza; Angela de Aguiar Araujo; Paulo Rogério de Almeida e Rafael Kondlatsch (orgs.)

REALIZAÇÃO Imagens na relação Arte e Ciência; Processos Jornalísticos, Representações e Práticas Socioculturais

APOIO

A627

Antes & Depois [publicação eletrônica] / Carlos Alberto de Souza; Angela de Aguiar Araújo; Paulo Rogério de Almeida; Rafael Kondlatsch (Org.). Ponta Grossa: UEPG/PROEX, 2020. 101 p.: il. E-book. ISBN: 978-65-86967-14-2 1. Fotografia. 2. Foto e Arte. 3. Ponta Grossa - transformações. 4. Ponta Grossa – história. I. Souza, Carlos Alberto de (Org.). II. Araújo, Angela de Aguiar. III. Almeida, Paulo Rogério de. IV. Kondlatsch, Rafael (Org.). IV. T. CDD: 770.28

Ficha Catalográfica Elaborada por Maria Luzia F. Bertholino dos Santos CRB9/986


Antes & Depois volume I

ISBN: 978-65-86967-14-2 Organizadores: Carlos Alberto de Souza; Angela de Aguiar Araujo; Paulo Rogério de Almeida; Rafael Kondlatsch; Editora: PROEX - UEPG Prefácio: Ben-Hur Demeneck; Edição de fotografia: Éder Carlos Wehrholdt (editor geral); Larissa Onório e Tais Maria Ferreira; Revisão: Ma. Angela de Aguiar Araujo, Dr. Carlos Alberto de Souza, Éder Carlos Wehrholdt e Ms. Paulo Rogério de Almeida; Projeto Gráfico: Larissa Hofbauer; Diagramação: Larissa Hofbauer, Larissa Onório e Ingrid Petroski; Capa: Éder Carlos Wehrholdt (foto atual);


Antes & Depois volume I


CONSELHO EDITORIAL Angela de Aguiar Araujo, Ma. - UEPG/PR Ben-Hur Demeneck, Dr. - USP/SP Carlos Alberto de Souza, Dr. - UEPG/PR Fábio Augusto Steyer, Dr. - UEPG/PR Helton Costa, Dr. - UNISECAL/PR Jeferson Bertolini, Dr. - UEPG/PR José Isaias Venera, Dr. - Univali/SC Josie Aghata Parrilha da Silva, Dr. - UEPG/PR Karina Janz Woitowicz, Dr. - UEPG/PR Maria Lúcia Becker, Dr. - UEPG/PR Niltonci Batista Chaves, Dr. - UEPG/PR Paulo Rogério de Almeida, Me. - UEPG/PR Rafael Kondlatsch, Dr. - UEPG/PR Vinicius José Biazotti, Me. - UEPG/PR


SUMÁRIO 09

Prefácio: Jogo dos sete erros

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Fotografia de rua: Onde se revelam cenas e acontecimentos do cotidano

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Apresentação

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Para pensar um cenário de pluralidade e tensões: Ponta Grossa expressa em imagens

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O arquivo está vivo e não é “sem eira e nem beira”...

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A aventura do “Antes & Depois”

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Passado e presente: Ponta Grossa e suas nuances históricas


APRESENTAÇÃO A fotografia e as transformações de uma cidade

Rafael Kondlatsch Carlos Alberto de Souza Paulo Rogério de Almeida Angela Aguiar

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onta Grossa é uma cidade em plena mudança. Quem viveu por aqui há uma ou duas décadas e hoje retorna, corre o risco de não encontrar aquele cenário conhecido, ora bucólico, ora urbano, que estava estampado nas janelas das casas e nos veículos, como um cartão postal princesino. Atualmente há ares cosmopolitas na Princesa dos Campos Gerais, com prédios cada vez mais altos e envidraçados, semelhantes a tantas metrópoles. No século XXI, a cidade se revela diferente, uma outra anfitriã de culturas, que se reinventa nas ruas por meio de sua população ainda mais plural. Nestes novos tempos, os sotaques também são outros. O “ponta-grossês”, forjado na mistura de tantos povos, com caboclos, tropeiros, europeus e árabes de outrora, ganha agora tons chineses e haitianos, frutos de novos arranjos internacionais. Porque uma coisa não muda: passam os anos e Ponta Grossa segue sendo um destino de esperança para aqueles que procuram por uma vida melhor. Sejam estrangeiros, fugindo da guerra

e da catástrofe, profissionais atrás de oportunidades ou jovens estudantes vindos de diferentes cantos em busca de uma formação de boa qualidade. E as transformações desta cidade são a razão deste livro, retratado pelas mãos e pelos olhares do Foca Foto, um produtivo projeto de extensão do curso de jornalismo da UEPG, projeto que envolve estudantes, acadêmicos egressos, funcionários e professores da instituição. Todos os autores da obra são filhos desta terra, seja por nascimento, seja por adoção. E por isso há um trabalho profundo, de muito carinho e apreço pelas imagens de uma Ponta Grossa que não existe mais senão pelas fotografias e pela memória daqueles a conheceram em passados pouco ou muito distantes. Para esta primeira edição do livro (esperamos que outras mais aconteçam) foi feita uma seleção criteriosa de fotografias gentilmente cedidas pelos acervos do Foto Carlos, Foto Elite e Casa da Memória. O acervo do Foto Elite foi adquirido

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em 2019, com recursos próprios, pelo Museu Campos Gerais/UEPG e tem se constituído em importante fonte de pesquisa para a comunidade, estudante e professores. A partir de mais de uma centena de imagens históricas, os integrantes do projeto se dividiram para tentar refazer as fotos do casario, prédios e espaços públicos do mesmo ângulo, ou mais próximo dele possível, uma vez que as alterações na paisagem mexeram também nos espaços de contemplação da cidade e algumas fotos ficaram simplesmente impossíveis de serem refeitas tal qual a cena original. A curadoria das imagens a serem fotografadas foi feita pelo aluno de jornalismo (mas experiente fotógrafo e cronista) Éder Carlos Wehrholdt, que é também o editor geral das imagens que fazem parte deste primeiro volume. O trabalho contou, ainda, com a ajuda de outros profissionais do curso como, por exemplo, da Técnica Multimídia do Departamento de Jornalismo, Taís Maria Ferreira.

Para a realização do novo e-book, os fotógrafos, alunos e professores do Foca Foto se dedicaram a retratar pontos históricos de Ponta Grossa, registrando o resultado da passagem dos anos e das modificações impostas à arquitetura da cidade. Todas as fotos atuais da obra levam a assinatura dos respectivos autores, sob a coordenação de Carlos Alberto de Souza (professor coordenador do projeto de extensão Foca Foto), Paulo Rogério de Almeida, Ângela de Aguiar Araújo e Rafael Kondlatsch (professores supervisores). Assim, nas próximas páginas estão impressas releituras de uma expressão artística maravilhosa que é a fotografia. Com sua interdisciplinaridade, que vai da história à matemática, ela nos possibilita perpetuar as lembranças e gerar sensações nostálgicas até naqueles que não viveram a época retratada. Esperamos que você goste do resultado do trabalho tanto quanto nós gostamos de tê-lo realizado.

Cabe acrescentar que o primeiro volume de Antes&Depois soma-se a outras séries de produção e análise de imagens do Grupo Foca Foto. Com esta obra, o projeto chega ao seu 12° e-book, organizados em outras quatro coleções: Mídias Contemporâneas, Produções do Foca Foto, Coleção Imagética e Foto&Poema, esta última realizada em parceria com os Departamento de Artes e de Estudos da Linguagem. Todas essas obras, editadas pela Proex, são resultado da ação do grupo ao longo dos últimos dez anos. Por isso, torna-se importante agradecer à atual Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Culturais, Cloris Regina Blanski Grden, e às ex-Pró-Reitoras, Gisele Alves de Sá Quimelli e Marilisa do Roccio Oliveira, que não mediram esforços para apoiar a iniciativa de se colocar aos ponta-grossenses e ao povo do Paraná aspectos da história, cultura e do cotidiano paranaense ainda pouco conhecidos.

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Prefácio Jogo dos sete erros

Ben-Hur Demeneck Ben-Hur Demeneck nasceu em 1981 e desde então cultiva dúvidas e pratica o nomadismo. Escreveu o livro-alfabeto PG de A a Z & outras crônicas, onde inventou histórias sobre Ponta Grossa e as ilustrou com fotografias de Alceu Bortolanza. É idealizador e editor do Prensa, selo dedicado ao jornalismo na editora Veneta. É também jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Colaborou com a UEPG por quatro anos como professor do curso de Jornalismo. Na produção cultural, idealizou e coordenou os projetos Samba do Trilho, Sarau do Tijolo e dois clubes de leitura, um associado à editora Companhia das Letras (2016-) e outro à Veneta (20182019). Mora atualmente em São Paulo.

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projeto Foca Foto inicia com “Antes & Depois” uma estimulante viagem no tempo e no espaço. Só posso imaginar que prefacio o início de uma série. Neste “primeiro número” o prezado leitor irá comparar “fotos antigas” e “fotos recentes” considerando a âncora chamada 2020. Mais que um ano, um enigma que desbancou certezas consagradas lá no século 20.

Tal como num jogo de sete erros presentes em almanaques e suplementos de entretenimento exercitamos o olhar na medida que avançamos as páginas. O efeito lúdico de tais comparações habilita este e-book a uma enorme popularização da produção universitária. E antes que me perguntem – foca é como se chama o aspirante a jornalista. Ao cotejar dezenas de fotografias, o leitor irá aguçar sua crítica. Irá conjugar ponto de vista ora como opinião, ora como posição espacial. Apesar de o passado não ter sido a foto antiga e o presente

não ser a foto nova, tais representações nos oferecem pistas de como Ponta Grossa combinou 196 anos de história com os problemas das 80 cidades mais populosas do Brasil. Caminhar para pensar O e-book explora um jogo muito bonito de nossa imaginação. Infelizmente, um esporte que a aceleração da tecnologia e dos meios de transporte nos desacostumaram a praticar por conta própria – o de caminhar pela cidade e imaginar aquele local no passado: – Como era esta avenida há 30 anos? Esta praça já era cortada por uma rua há 50 anos? Como era este boulevard antes ser ocupado por tantas rádios e um teatro com colunas de mármore? Alguma preguiça-gigante terá espalhado sua graça mamífera pelo terreno onde fica o Campus Central da UEPG? Onde estão os trilhos das locomotivas que apitam às três da madrugada? – Derivamos. Em corpo e mente. “Caminhar é uma maneira de garantir um baluarte contra essa

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erosão da mente, do corpo, da paisagem e da cidade, e todo andarilho é um guarda fazendo a ronda para proteger o inefável”, filosofa a escritora Rebecca Solnit em seu “História do Caminhar” (Martins Fontes, 2016). Ela também observa que caminhar tem a ver com “estar do lado de fora”, com “espaço público”. “Antes & Depois” explora a fotografia como produto e instrumento da urbanização. Ao selecionar imagens de acervos do Foto Carlos, Foto Elite e da Casa da Memória, a equipe passou em revista as caraterísticas que a foto documental acumulou ao longo do século XX – informar, ilustrar, ordenar, arquivar e modernizar os saberes. Qualquer membro da equipe poderia estabelecer longo debate com francês André Rouillé para debater “A fotografia: entre documento e arte contemporânea” (Senac, 2009). O tempo erguido em espiral Em 1978, Juca Martins fotografou a Manifestação do Custo de Vida, em São Paulo, na escadaria da

Catedral da Sé. Tal como no e-book, as fotos mostram um “antes” seguido do “depois”. A partir de uma lente teleobjetiva fez as últimas fotos reencenando as anteriores. Sempre se posicionando atrás de um cordão policial deslocado à praça para dispersar o protesto.

adquirem mesmo sentido na cabeça de cada observador – responsável por avaliar aquilo que as fotos não mostram. O “velho Barthes” já contava que, mais que o olho, é a mão que produz a foto. Teorias à parte, seja com Farkas ou focas é impossível ficar indiferente a fotografias.

Nas primeiras imagens, Martins registra uma multidão de manifestantes empoleirados nos degraus da igreja. Ao final da série, os populares dão lugar ao vazio e signos de – vapores, papéis e cartazes ao chão. Na encenação de um antes e um depois, somos lançados a muitas ideias. Uma delas pode ser que causas sociais costumam ser tratadas como caso de polícia no Brasil. Cada leitor toma suas conclusões.

A cidade vista de outro espectro

Em 1958, Thomaz Farkas registrou a construção de Brasília. Entre andaimes, lajes, ferragens e trabalhadores revisitamos, em preto e branco, o Palácio da Alvorada e a Esplanada dos Ministérios. Embora elas carreguem muito do idealismo daqueles “anos dourados”, elas só

Quando bolei meu livro de crônicas ambientadas em PG, eu quis mesclar a ficção escrita com uma poética das imagens. Ao lado de Alceu Bortolanza, varejei PG em busca de paisagens que colocassem natureza, arquitetura, população e textos em diálogo. Lembro de também querer brincar com tempo e espaço – revisitar antiga rodoviária mediante arquivos, congelar a BR-376 quando ausente de carros, flagrar uma vaca lambendo um registro d’água lá em Uvaranas. Tudo por que a fotografia e a escrita são tecnologias da imaginação. Por serem funções e filosofias sujeitas aos locais em que se pisa.

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Cada fotografia tem algo de fantasmagórico. No livro “A câmara clara” (Nova Fronteira, 1984), Roland Barthes usa o termo spectrum para assinalar o prenúncio de morte, de congelamento de vida após a captura de um instantâneo. Em alguns casos de “Antes & Depois”, ao lado das almas penadas de cada foto emerge um espectro mais robusto e com semelhanças àquele de “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens. Uma espécie Fantasma dos Natais Passados vem assombrar o ser sovina e escroque em que nos tornamos. Vem assombrar a cidade de 2020. A fantasmagoria arrasta correntes e recorda em voz cavernosa que nossa visão do Hospital 26 de Outubro ficou bloqueada por uma caixa de concreto e logotipos, que uma casa de madeira ornada por lambrequins deu lugar a um modismo arquitetônico que ostenta um quadro de Romero Britto na recepção. Somos aterrorizados por uma sequência de imagens de menos áreas verdes, de prédios históricos indo ao chão, de publicidade saturando

a vista, de terrenos trocando nomes por cifras e de automóveis confinando pedestres a baias chamadas de calçadas. Por sorte era só um pesadelo. A/o figura do professor Nos quatro anos em que colaborei como professor da UEPG no curso de Jornalismo, via o grupo do Foca Foto em suas reuniões de pauta e avaliação. Também os enxergava em movimento pela cidade e, enquanto preenchia o quadro negro, ouvia conversas paralelas entre membros do projeto de extensão narrando as incursões fotográficas de véspera. O professor Carlos, fundador do Foca Foto, costuma ser querido pelos alunos pelo modo lúdico e próximo com que estabelece a relação de ensino-aprendizagem. Dá para o incluir na categoria das figuras humanas que seguem desaparecendo das redações e departamentos em favor dos tecnocratas e coletores de dados e cargos. No mundo da Comunicação ter o coração maior que o ego

é como ser um ímã, principalmente para focas e quem vive a montanha-russa da juventude. No seu “A prática da reportagem” (Ática, 1986), o veterano Ricardo Kotscho observa que jornalismo é “informar para transformar”. Para tal experimentar uma profissão que exige responsabilidade e cuidado com pessoas e textos, mais que técnica deve-se cultivar o humor e a curiosidade – segundo o israelense Amós Oz, os grandes antídotos para o fanatismo. Como falar em transformação sem pensar na relação humana mais básica? Não tem como. Antes de explodir o Maio de 1968, o situacionista Raoul Vaneigem cravou em “A arte de viver para as novas gerações” (Veneta, 2016) – “aqueles que falam de revolução e luta de classes sem se referirem explicitamente à luta cotidiana, sem compreenderem o que há de subversivo no amor e de positivo na recusa das coações, esses têm na boca um cadáver”. Afinal, o mundo não precisa só de bibliografias e interpretação de texto, mas de gentileza também.

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Pensamento nômade A universidade ganha o mundo quando tira o conhecimento das salas de aula e vai às ruas. Particularmente, eu sou um ativista do pensamento nômade, e tendo a confrontar o “pensamento sentado” – feliz expressão de Norval Baitello Junior. Um livro como “Antes & Depois” inspira quem aprende e ensina. Seja formalmente, seja num parâmetro de Educação Social. Como obra digital, a simples existência de um e-book com fotos urbanas estimula professores, programadores e legisladores a aplicar tecnologias em favor da cultura e do conhecimento. Em 2020, uma cidade não mais precisa ser reconhecida como Patrimônio da Humanidade para usar e abusar de recursos de web 2.0, realidade aumentada e QR Codes para criar guias de turismo e livros didáticos interativos. Tecnologia há, agora é preciso querer fazer. Este livro já nasce destinado a ser primeiro. Dele o projeto Foca Foto pode seguir em múltiplas combinações –profissões, bairros, objetos, moda. Um livro que nos joga no colo um exercício de contrastes serve para afiar qualquer inteligência. Do pensamento social às engenharias, da ecologia às artes, das humanidades à saúde, ele mobiliza quem olha para as fotos. Quem visualizar das páginas às duplas poderá brincar de senhor dos magos e caminhar pela espiral do tempo. E descobrirá quanto é possível o futuro mudar o passado. O quanto a observação muda aquilo que se observa.

Foto: Cássio Murilo 12


Para pensar um cenário de pluralidades e tensões: Ponta Grossa expressa em imagens

Niltonci Batista Chaves Professor do Departamento de História da UEPG. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Diretor do Museu Campos Gerais. Pesquisador da História Local.

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m 1913 o intelectual paranaense Nestor Vítor publicou um dos seus livros mais conhecidos: “A Terra do Futuro: Impressões sobre o Paraná”1. Mesmo concordando com as críticas sobre a narrativa do ensaísta parnanguara a respeito de sua visão laudatória de um Paraná hegemonicamente europeu, a obra tem um valor inquestionável, na medida em que dá visibilidade para as mudanças em curso no jovem estado do sul do país naquele começo de século. Nessa obra, Nestor Vítor deu um destaque especial para a “Nova Ponta Grossa”, então o maior e mais dominante centro urbano do hinterland paranaense. Em um determinado momento do texto, Vítor, que já havia visitado a cidade nos Oitocentos – antes da chegada da Estrada de Ferro do Paraná e da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande – registrou, com espanto, as mudanças físicas, visuais e comportamentais em solo ponta-grossense: “Tem-se construído muito em Ponta Grossa!”,

assevera o escritor, reforçando ainda que a cidade encontrada por ele em 1913, nada mais possuía da “alma meio dorminhoca e pesadona do antigo vilarejo” que fora um dia. Escreveu: - É extraordinário! A metade do que se fez em Curitiba! - A cidade aumentou de mais do dobro. Contam-se atualmente 1.500 casas no quadro urbano. Para prova disso, há uma boa quantidade de ruas novas... -Dezoito ruas e uma avenida, contei. Efetivamente é uma nova cidade: há mais de uma aqui no Paraná que não tem tanto... Na administração municipal tem o pontagrossense ocasião de revelar as suas excelentes qualidades de homem honesto e progressista a um tempo: aplica os dinheiros públicos com verdadeiro escrúpulo, mas sem que este se confunda com a timidez dos espíritos estreitos ou inconfiantes.2

Mas antes que os ponta-grossenses se encham de orgulho apenas por ler a obra de Nestor Vítor e imaginar que as mudanças e o progresso são prerrogativas exclusivas da cidade e de sua gente, é fundamental dizer que esses processos de transformações urbanísticas e

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comportamentais são inerentes às nuances históricas e é dentro desse campo que pretendo refletir a partir de agora. O nascimento, bem como as transformações pelas quais passam uma cidade, inevitavelmente ocorrem a partir da presença e da ação humanas. Sendo assim, toda cidade é múltipla, expressa olhares, concepções e princípios variados. Expressam também as tensões, as lutas, as disputas e os enfrentamentos – físicos e imaginários – entre diferentes grupos sociais, étnicos e políticos. Há uma permanente disputa pela construção de uma identidade e de uma memória. Há uma luta constante na elaboração de concepções a respeito do que pode ser compreendido como um patrimônio (material ou imaterial). Há um enfrentamento diário pelo direito do uso de espaços e lugares (privilegiados ou periféricos). As mudanças visuais, físicas e/ou arquitetônicas em uma cidade vão muito além da mera substituição de uma antiga edificação de taipa

por um “novo” e “moderno” prédio, elas passam por uma concepção de espaço, de estética, de memória, de história – de qual história se quer e se vai contar! Como diz Pesavento, a cidade é, por excelência, “o ‘lugar do homem’, ela se presta à multiplicidade de olhares entrecruzados que, de forma transdisciplinar, abordam o real na busca de cadeias de significados.”3 Ao longo do século XX até os dias atuais, Ponta Grossa – por sua dinâmica histórica – foi uma cidade que se reconstruiu e se ressignificou permanentemente. Do pequeno vilarejo que se transformou na mais vibrante cidade do interior paranaense da primeira metade dos Novecentos; da “Capital Mundial da Soja” na cidade com altas taxas de ocupação irregular dos fundos de vale e de favelização nas últimas décadas do século passado; da cidade que avançou demográfica e fisicamente à cidade que passou a ser foco de investimentos de grandes conglomerados industriais nacionais e internacionais no presente.

Esse conjunto de mudanças se expressa de várias formas: pelos indicativos socioeconômicos; pelas dificuldades do poder público em atender demandas crescentes atreladas aos serviços essenciais; pela capacidade de representação política local; pela organização de diferentes setores da cadeia produtiva; pelas transformações físicas e visuais de suas vilas, ruas, praças e edificações. As imagens históricas contidas nesta publicação nos revelam também a longa tradição e a intensa relação entre Ponta Grossa, os fotógrafos e a fotografia. Weiss, Lange, Bianchi, Koch, Jendreieck, Silva Souza, são alguns dos sobrenomes que representam o campo da produção de imagens na cidade. Porém, mais do que registrar um momento ou esquadrinhar um cenário, esses fotógrafos contribuíram para a construção de uma narrativa a respeito da cidade e das pessoas que fizeram a sua história. A partir das imagens, todos produziram suas representações sobre Ponta

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Grossa, atribuindo sentidos para os lugares, espaços e pessoas que formaram a cidade. O jogo temporal passado x presente, possibilitado nesta publicação pela comparação entre as imagens do ontem e do hoje, nos dá condições de estabelecer alguns nexos. Um olhar apressado ou preso apenas às questões estéticas talvez perceba as mudanças como naturais, necessárias ou sinônimo de progresso (compreendido aqui como um conceito carregado apenas de positividade). Não se observa no que está explícito nas imagens nenhuma cena de protesto individual ou coletivo, nenhum enfrentamento social ou até mesmo nenhuma contradição! Como se as mudanças fossem fenômenos “naturais”. Isso não significa, contudo, que as transformações ora verificadas foram harmônicas, desprovidas de interesses econômicos ou comerciais, motivadas apenas por lógicas pautadas em uma harmonia social. Como bem registrou Lefebvre em um de seus textos mais

conhecidos, a cidade é “o local dos confrontos e das relações – conflitantes – entre desejo e necessidade, entre satisfação e insatisfação”, se constituindo na arena das lutas sociais espontâneas ou organizadas.4 Diferente da visão ufanista de Nestor Vítor, que vislumbrou apenas o “progresso” promovido pelas transformações do começo do século XX, cabe, ao leitor desta obra perceber que as mudanças expressas nas imagens aqui contidas, resultaram de um processo histórico e, portanto, não são “naturais”, mas produzidas e mediadas pelas ações e disputas humanas. Ou seja, existem razões históricas carregadas de lógicas e sentidos que nos ajudam a compreender as transformações visuais presentes nas imagens. Com isso concluímos que uma cidade nunca pode ser vista e compreendida apenas a partir de um conceito físico-urbanístico, mas necessariamente deve ser entendida como um espaço marcado pela pluralidade, tensões e diferenças. E é por essa razão, como registra a

historiadora Déa Fenelon que é essencial “valorizar a memória, que não está apenas nas lembranças das pessoas, mas tanto quanto no resultado e nas marcas que a história deixou ao longo do tempo em seus monumentos, ruas e avenidas ou nos seus espaços de convivência...”5 tão bem explicitados nas imagens que compõem esta obra! NOTAS: 1. SANTOS, Nestor Vítor dos. A Terra do Futuro. Impressões sobre o Paraná. Coleção Farol do Saber. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba, 1996. 2. Op. Cit., pp. 214-215. 3. PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Imaginário da Cidade. Visões Literárias do Urbano. Paris, Rio de Janeiro. Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002. p, 9. 4. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. p. 63. 6. FENELON, Déa Ribeiro (Org.) Cidades. V. 1. Programa de Pós-Graduação em História – Pontifícia Universidade Católica – São Paulo. São Paulo: Olho d´Água, 2000. p. 7.

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A aventura do “Antes e Depois”

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ara dar sentido a este livro eletrônico, a equipe do Foca Foto foi às ruas, literalmente, com fotos antigas salvas no celular, para fotografar do mesmo ângulo - procurando manter as mesmas perspectivas -, prédios e a área central de Ponta Grossa, onde se concentram os espaços públicos, o casario antigo e o patrimônio artístico, cultural e histórico da cidade princesina. Nesta parte da obra, o leitor vivenciará uma experiência nova que retrata as transformações de uma cidade importante do Paraná e que tem se destacado no cenário nacional por sua pujança econômica e industrial. Nas páginas que vêm na sequência, descortinam-se cenários que o tempo modificou, transformações que afetaram o cotidiano e as características arquitetônicas de uma região marcada pela urbanização da vida, mas que ainda convive com suas características rurais e produtivas.

Carlos Alberto de Souza Professor do Departamento de Jornalismo da UEPG. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, fotografia, comunicação, imagem e reportagem

Vamos a esta nova passagem que revela, pela fotografia, o “Antes” e o “Depois” de Ponta Grossa. Que seja uma boa experiência; este primeiro volume.

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Avenida Vicente Machado, próximo à esquina com a Rua Augusto Ribas.

Avenida Vicente Machado, a partir das proximidades com a Rua Engenheiro Schamber

Foto: João Gabriel 17


Prédio da Prefeitura de Ponta Grossa. Localizava-se na esquina da Avenida Vicente Machado com Rua Augusto Ribas. No final dos anos 1930 foi demolida e deu lugar ao prédio dos Correios. À esquerda está o prédio que serviu às lojas Hermes Macedo. À direita, ao fundo, aparece o Colégio Santana/ São Luiz, atual CEEBJA Paschoal Salles Rosa. Junto ao meio fio, diante da Prefeitura, é possível observar uma das poucas bombas de gasolina existente à época. Foto: João Gabriel 18


Vistas do antigo prédio da Prefeitura de Ponta Grossa, na esquina da Avenida Vicente Machado com Augusto Ribas.

Na década de 1940, foi construído o prédio que abrigou os Correios e Telégrafos até a década de 1980, quando também foi demolido para dar lugar ao atual.

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Foto: JoĂŁo Gabriel

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Avenida Vicente Machado, esquina com Sete de Setembro em foto dos anos 1960. Ao fundo está o Edifício Vila Velha, ainda em construção e o Edifício Marieta. O trânsito, tranquilo, fluía em duas mãos. 21


Foto: Rafael Bahls

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Foto: Rafael Bahls Avenida Vicente Machado, vista a partir da esquina com a Engenheiro Schamber nos anos 1970. O Edifício Vila Velha ainda está em construção. O trânsito mais intenso flui em mão única. 23


Fotos: Larissa Onório Rua Benjamim Constant em foto do início do século XX, com carroções parados diante do armazém da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande aguardando cargas. O armazém de madeira foi substutuído, mais tarde, pelo atual prédio hoje ocupado pela Estação Arte. No outro lado da rua vemos a Ervateira Pontagrossense, onde nos anos 1980 funcionou a danceteria Magic e o casarão ainda existente na esquina com a Avenida Vicente Machado. 24


A Rua Benjamim Constant, vista da esquina com a Coronel Cláudio (Calçadão). O muro delimitava o pátio da ferrovia. Árvores ocupavam o canteiro central e faziam sombra para os carroceiros e seus animais. 25


Foto: Larissa Hofbauer 26


Em 1894 foi inaugurada a Estação Paraná, primeira estação ferroviária de Ponta Grossa. O prédio hoje abriga a Casa da Memória. 27


Foto: Larissa Onรณrio

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Em 1904, Guilherme Naumann construiu este prédio para sua casa comercial e moradia. Mais tarde foi a sede dos “Telegraphos”. Hoje pertence à UEPG e abriga a PROEX – Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais.

Foto: Carlos Alberto de Souza 29


Rua Santana. No lado esquerdo a Praça Marechal Floriano Peixoto. À direita o Grande Hotel Martins – hoje sede do comando da 5ª BIB e o prédio dos “Telegraphos” – hoje PROEX. Mais ao fundo, à direita, o Hotel Palermo no local onde hoje está a Rádio Santana. 30


Foto: Carlos Alberto de Souza 31


Antiga Catedral de Sant’Ana, junto à Praça Marechal Floriano Peixoto. Construída no início do século XX, foi a segunda capela a ocupar o lugar. Em 1978 foi demolida para a construção do prédio atual. 32


Foto: Carlos Alberto de Souza

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Casarão localizado na esquina das ruas Coronel Dulcídio e Marechal Floriano. Construído no início do século XX, foi residência da família Pinheiro Machado. Mais recentemente foi transformado em prédio comercial e abrigou de restaurante a escola. 34


Foto: Éder Carlos Wehrholdt 35


Avenida Carlos Cavalcanti, no final dos anos 1960. No lado esquerdo as casas dos oficiais do 13º BIB, com um soldado de sentinela junto à rua.

Foto: Éder Carlos Wehrholdt 36


Hotel Vila Velha, construído nos anos 1970 junto à Rua Balduíno Taques que, à época, ainda tinha trânsito em mão dupla.

Foto: Éder Carlos Wehrholdt 37


Avenida Fernandes Pinheiro. No lado esquerdo o muro que delimita a entrada para a Praça João Pessoa e Estação Saudades. No lado direito o Hotel Franze e, ao fundo, o início da Rua Coronel Cláudio (Calçadão). Nenhum dos prédios desta foto foi preservado. 38


Foto: Larissa Hofbauer

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Rua Augusto Ribas, esquina com Avenida Vicente Machado. No lado esquerdo, estas casas deram lugar ao Edifício Vila Velha. No alto, à esquerda, a Santa Casa de Misericórdia. No lado direito, o prédio da Prefeitura de Ponta Grossa seguido do edifício ocupado pelas Lojas Hermes Macedo e que ainda hoje está no local. No centro da foto, no lado direito da rua, o Largo do Rosário, hoje Praça Barão do Rio Branco. Os canteiros centrais da Rua Augusto Ribas com seus postes de ferro foram retirados no final dos anos 1980. 40


Foto: JoĂŁo Gabriel 41


Rua Balduíno Taques, esquina com Theodoro Rosas. O terreno à direita hoje abriga a Justiça Federal. Também à direita, mais ao centro, o casarão que abrigou a Comercial Justos, hoje ocupado por uma farmácia. 42


Foto: Tais Maria Ferreira 43


Avenida Vicente Machado, esquina com Santos Dumont. O casarão ainda existente abrigou moradia e comércios de vários tipos. Interessante a presença de um guarda de trânsito para ordenar o tráfego de veículos. 44


Foto: Rhamonn Rangel Cottar

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Rua Santana, próximo à Rua XV de Novembro. A foto é do início do século XX, pouco depois da passagem de um temporal que destelhou inúmeras casas. O pátio aberto ao centro da foto é o Largo do Rosário, hoje Praça Barão de Guaraúna. Também visível a antiga capela da Igreja do Rosário. 46


Foto: Rafael Bahls 47


Foto: Éder Carlos Wehrholdt

Estação Roxo de Rodrigues – Estação Saudades em diferentes anos do início do século XX. Inaugurada em 1900, foi de grande importância para o transporte de passageiros. Em 2019 passou por grande restauração e hoje está aberta ao público. 48


Foto: Éder Carlos Wehrholdt

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Capela do Rosário, hoje sede da Paróquia Nossa Senhora do Rosário. De linhas simples, foi a capela dos escravos e pobres. Originalmente tinha duas torres, que ruíram com o tempo. Foi demolida na década de 1940 para dar lugar à atual Igreja do Rosário. Ao fundo está o prédio inicial do Colégio Santana. 50


Foto: Cรกssio Murilo

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Igreja São José, localizada à Rua Princesa Isabel, no Bairro São José. A Paróquia de São José foi a segunda de Ponta Grossa (a primeira foi a de Santana). Junto a ela funcionou um convento e seminário. Ao lado ficava a Escola São José, hoje Sagrada Família. 52


Foto: Rhamonn Rangel Cottar

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Comunidade Luterana Bom Pastor, localizada à Avenida Francisco Búrzio, ao lado da Santa Casa de Misericórdia. É a igreja luterana mais antiga de Ponta Grossa. O templo da foto foi demolido nos anos 1970 para dar lugar ao atual. Junto a ela funcionou uma escola em língua alemã, depois Escola Bom Pastor e hoje Colégio Martinus. 54


Foto: Rhamonn Rangel Cottar

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Largo São João – Praça Barão de Guaraúna. No início do século XX era apenas um atalho para a Rua Balduíno Taques. No lado direito, a extinta Capela São João. No alto, a Catedral de Santana. A Capela São João foi demolida, a praça urbanizada e construída a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida como Igreja dos Polacos. 56


Foto: Rafael Kondlatsch

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Rua Francisco Ribas, esquina com Saldanha Marinho/Praça Barão de Guaraúna. Foto dos anos 1920-1930. O prédio da esquerda ainda existe, bem como o da esquina com a Avenida Vicente Machado. Interessante observar a bomba de gasolina instalada junto à praça (lado direito da foto).

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Foto: Rafael Kondlatsch

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A foto dos anos 1930 nos mostra o Largo do Rosário – hoje Praça Barão do Rio Branco. Da esquerda para a direita vemos a Capela do Rosário, o recém-construído Colégio Regente Feijó e o Colégio São Luiz – hoje CEEBJA Paschoal Salles Rosa. 60


Foto: William Brasil

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Rua Bonifácio Vilela, trecho junto à Praça Barão do Rio Branco (à esquerda). Da direita para a esquerda vemos o espaço hoje ocupado pelo Edifício Princesa, o Colégio São Luiz e o Colégio Regente Feijó. 62


Foto: Cรกssio Murilo

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Rua Saldanha Marinho, junto à Praça Barão do Rio Branco (à esquerda). O triângulo visto na foto inferior foi ocupado pelo “Ponto Azul”, o primeiro terminal de ônibus de Ponta Grossa. A foto mostra também a Rua Coronel Cláudio (Calçadão) e a Cervejaria Adriática, hoje Shopping Antárctica.

Foto: Cássio Murilo 64


Praça Barão do Rio Branco vista a partir de uma das janelas do Colégio Regente Feijó. À esquerda vemos parte do Colégio São Luiz, o espaço onde hoje está o Edifício Princesa, e o Cine Império em fase de construção. 65


Foto: Cรกssio Murilo

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Praça Barão do Rio Branco vista da esquina da rua Augusto Ribas. Diferente do indicado na foto, a foto é dos anos 1950.

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Foto: William Brasil

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Construída como Casa de Câmara e Cadeia, já no início do século XX foi transformada em Cadeia Pública de Ponta Grossa. Localizada à Praça Roosevelt, foi demolida no final do século XX para ampliação do quartel do Corpo de Bombeiros. 69


Foto: Hygor Leonardo 70


Mansão Vila Hilda, construída na década de 1920 por Alberto Thielen. O nome é uma homenagem à esposa de Alberto. Além de residência, já foi sede da Biblioteca Pública Bruno Eney e hoje é sede da Fundação de Cultura de Ponta Grossa. 71


Foto: Tais Maria Ferreira

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Colégio Estadual Regente Feijó, em seu prédio original, antes das ampliações. 73


Foto: Cรกssio Murilo

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Santa Casa de Misericórdia, inaugurada em 1912. Nos anos 1970 o Instituto Pasteur, visto em primeiro plano, foi demolido para dar lugar à ampliação do hospital.

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Foto: Rhamonn Cottar

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Antiga residência episcopal de Ponta Grossa, localizada à Rua Francisco Ribas, entre a Rua Comendador Miró e a Júlia Vanderlei. Foi vendida na década de 1970 e hoje no local está a agência da Caixa Econômica Federal. 77


Foto: TaĂ­s Maria Ferreira

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Prefeitura de Ponta Grossa, localizada à Avenida Visconde de Taunay. Inaugurada na década de 1970 é, até hoje, a sede do governo municipal. 79


Foto: Éder Carlos Wehrholdt 80


Rua XV de Novembro, entre as ruas Coronel Dulcídio e Augusto Ribas. O prédio à esquerda é hoje o Botequim Original. 81


Foto: Allyson Santos

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Rua XV de Novembro, esquina com Augusto Ribas, ambas sem calçamento. O prédio da esquerda foi demolido e em seu lugar construído o prédio do Cine-Teatro Opera. 83


Foto: Allyson Santos

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O Grande Hotel Palermo localizado à esquina das ruas Sete de Setembro e XV de Novembro, em foto da década de 1920-1930. Foi destruído num incêndio e, após reconstruído, deu lugar ao Hotel Planalto. 85


Foto: Hygor Leonardo

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Cine Teatro Renascença, localizado à Rua Sete de Setembro esquina com XV de Novembro. Foi sede de grandes espetáculos teatrais e rivalizava com o Cine Teatro Opera. Com a popularização do cinema, foi demolido e em seu lugar construído o Cine Inajá. Hoje o local está fechado, aguardando pelo futuro. 87


Foto: Hygor Leonardo

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Fotografia de Rua:

onde se revelam cenas e acontecimentos do cotidiano

Carlos Alberto de Souza1 Paulo Rogério de Almeida2

Rafael Kondlatsch3 1

Professor doutor do Departamento de Jornalismo;

2

Professor mestre do Departamento de Estudos da Linguagem; 3

Professor colaborador e doutor do Departamento de Jornalismo;

R

icardo Kotscho já dizia em A prática da reportagem (2010) que lugar de repórter é na rua, no sentido mais amplo da palavra. A frase verdadeira é aplicável igualmente ao fotógrafo, ao documentarista, ao... As coisas acontecem na rua das grandes e pequenas cidades, nos vilarejos, bairros, favelas. E o que acontece deixa rastro, memória; revela facetas da vida. Ao caminhar pelas “ruas”, selecionam-se cenas, detectam-se mudanças de hábitos e ritmo que são mais facilmente percebidos com o passar dos anos. À medida que nos distanciamos no tempo, mais notamos que as coisas mudaram e o viajante, que ficou fora de sua cidade por décadas, quando retorna, percebe tais mudanças mais facilmente. Ele procura pontos de referência que o liguem àquele espaço, àquela realidade. Assim, para ele que volta, a velha casa na esquina, localizada próxima à praça central, é um marco importante em sua trajetória cultural e social. Como é impor-

tante o prédio da escola municipal, onde estudou e brincou, os bancos coloridos da praça, as árvores centenárias do centro, o prédio da prefeitura, da rodoviária e do hospital. Tudo lhe traz recordações. Faz relembrar a infância, os amigos, as festas, os sonhos. Tudo isso que se revela nele; faz parte de sua história. O passado e as coisas antigas têm poder sobre as pessoas, sobre nossa constituição. Mas, muito daquilo que marcou nossa vida na cidade pode não mais existir. As casas de madeira cederam lugar às construções modernas. As ruas de terra, por onde transitavam carroças, ganharam asfalto e prédios altos, como também se transformaram os meios de locomoção: da charrete à bicicleta, do trem aos automóveis, caminhões e ônibus coletivos. Até a roupa mudou. Pouca gente hoje usa chapéu, terno e sapatos lustrosos. O ritmo e as pessoas também mudaram, como as suas preocupações. Para tudo a que se olha, há vínculos entre passado e presente. E, para lembrar o

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tempo passado, muitas vezes é preciso recorrer à fotografia, pois nela podem estar impressas coisas que já não mais existem. A fotografia permitiu fixar aquele momento “presente” que pode revelar um passado longínquo. Desde o século XIX, por volta de 1830, o homem conseguiu, por meio de equipamentos mecânicos, fixar paisagens, o cotidiano das cidades, as construções e os equipamentos públicos que até hoje marcam nossas vidas.

relativizado por Kossoy (2013). Para o autor, “a realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos sociais, políticos, culturais, que circunscrevem no tempo e no espaço o ato da tomada do registro.” (KOSSOY, 2013, p. 2).

Revelam sociedades, modos de vida e de se relacionar em sociedade. A fotografia, mesmo com as transformações que vem sofrendo, continuou sua missão de destaque, especialmente com o surgimento da imprensa e dos Meios de Comunicação de Massa. Vários autores têm se debruçado no estudo da imagem no mundo, especialmente agora com a era digital e a internet. Dentre eles, destacam-se Sousa (2000) e Dubois (1993). E a arte de fotografar continua se reinventando e demonstrando seu fundamental papel histórico e social. Embora isso seja

Fotografar é registrar momentos, situações, estados. É congelar o tempo; é separar o que é importante de um contexto. Cenas que poderão ser garimpadas por algum estudioso que busca no passado entender melhor o presente e imaginar o futuro. A descoberta na câmera fotográfica no século retrasado, por volta de 1830, por Louis Daguerre (na França) e Hércules Florence (no Brasil), segundo levantamentos feitos por Oliveira e Vicentini (2010), ajudou a mudar o mundo. Com a fotografia, passa-se a aprender mais sobre o Outro, sobre as outras

culturas. Desde cedo, ela ajudou a conectar as pessoas com o desconhecido, a permitir ver, a distância, cenários que nem se imaginava existir. Mas, também, a ficar informados sobre “tudo” que acontece no mundo de maneira quase que instantânea, graças aos avanços da tecnologia e dos MCM. E o Jornalismo tem um papel preponderante nesse processo de revelação do mundo, da natureza humana, dos conflitos bélicos, sociais e, também, do “progresso”. E, por isso, todos os dias milhares de repórteres, fotojornalistas e cinegrafistas estão nas ruas. É na “rua”, na expressão mais ampla da palavra, que as coisas acontecem: o ato para derrubar um presidente, a manifestação de estudantes por melhoria no ensino, a ação policial para coibir o comércio ilegal em um grande centro urbano; a assinatura de um tratado de paz em algum salão presidencial, a assinatura de acordo coletivo envolvendo sindicatos e patrões. Tudo acontece nessa “rua”, ou melhor,

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nesses espaços públicos e privados que marcam tanto o cotidiano de nossas cidades. Fotografar tem esse caráter sociológico e a fotografia possibilita ver a sociedade, suas classes sociais, desigualdades, lutas e conquistas. Por meio das imagens, sejam estáticas ou móveis, vamos aprendendo sobre a realidade, tendo por base um repositório de imagens que, muitas vezes, parecem desconexas, mas que, juntas, concentram uma narrativa forte sobre o mundo, sobre o passado. Muito do que sabemos sobre o nazismo, por exemplo, tem relação com a imagem fotográfica: campos de concentração, mortes de judeus, fuzilamentos em paredões, assinatura de tratados de paz e a rendição alemã. Tudo devidamente registrado por experientes fotógrafos de guerra. Tais imagens representam, hoje, um importante acervo histórico que revela muitas coisas desse tempo não tão distante. Esse é só um exemplo da força da imagem fotográfica para a

história, para a Sociologia e para o campo do Jornalismo. Sem essas imagens do passado, seria muito difícil compreender determinados fenômenos sociais. Quando fotografamos Ponta Grossa, sua gente, costumes, cultura, suas edificações e espaços de lazer, na verdade criamos arquivos históricos que mais adiante terão relevo social. Mas, quando fotografamos e comparamos, com o uso de imagens antigas, as mudanças que marcaram a cidade e a região, estamos dando uma contribuição muito maior. Pois estamos fazendo história, estamos mostrando como se deram as transformações, revelando mudanças no modo de vida, os avanços técnicos na área do transporte, arquitetura, economia, bem como destacando alterações no cotidiano, na vida das pessoas. Em qualquer cidade, onde coexistem o velho e o novo, os dois se revestem de importância e por isso necessitam ser interpretados a todo momento.

REFERÊNCIAS DUBOIS, Philippe. O ato Fotográfico. Campinas: Papirus. 1993. KOSSOY, Boris. Fotografia e memória. In: O estadão (Uniblog). 5 out. 2013. KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 2010. SOUSA, Jorge Pedro de. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. São Paulo: Letras Contemporâneas, 2000. VICENTINI, Ari; OLIVEIRA, Erivan Morais de. Fotojornalismo: uma viagem entre o analógico e o digital. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

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O arquivo está vivo. E não é “sem eira, nem beira”...

Angela Aguiar 1 Tais Maria Ferreira2 1

Professora colaboradora e mestre do Departamento de Jornalismo;

2

Jornalista e Técnica de Multimídia do Departamento de Jornalismo;

Jornalismo, fotografia e arquitetura: para que não nos

esqueçamos em algum “lugar de memória”...

Quadros furados, molduras lascadas; manchas e mofos...”. Vistas pela perspectiva do pó que se amontoa e se mistura à matéria em decomposição em arquivos mortos, as fotografias antigas – sobre o papel, vidro e outros suportes - podem soar a um panteão de “fantasmas da memória: sem passado e sem futuro” (KOSSOY, 2009, p. 129). Face aos impasses à conservação do patrimônio composto pela produção fotográfica analógica, o digital oferece novas possibilidades de se trabalhar as interpretações sobre o urbano a partir dos espaços de memória. Sob o risco de se dissiparem como “uma imagem perdida, sem identificação, sem identidade... sem história”, os registros fotográficos suscitam um questionamento: a que servem as imagens e os arquivos? A pergunta, lançada por Boris Kossoy (2009) no livro “Realidades e Ficções na Trama Fotográfica”, é

precipitada pela reflexão acerca da importância da luta pela preservação do patrimônio fotográfico. Fotógrafo, pesquisador e historiador, Kossoy (2009), ao relembrar o “grande desapreço pelos arquivos”, alerta para o “holocausto da representação, ruptura da memória”. Uma vez “desreferencializadas”, fotografias que habitam “arquivos mortos” estão, muitas vezes, condenadas à destruição pela própria ação humana. E, assim, personagens, autores e processos podem sucumbir ao tempo... Como algo pouco atraente para a maioria das pessoas, o ato de “arquivar” e aquilo que é “arquivado” estariam, muitas vezes, associados, como aponta Kossoy, à ideia de “coisa morta, desprezível, desdenhada”, à qual não escapariam nem mesmo os documentos que compõem os acervos fotográficos.

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O trabalho desenvolvido por alunos do Curso de Jornalismo ligados ao Projeto de Extensão Foca Foto, ao recortar a fotografia como documento, mostra que, ao contrário, o arquivo está vivo. Como testemunho e registro da história, a memória fotográfica permite um trânsito pelo “espetáculo da cidade”, através da “arquitetura das edificações, traçado das ruas, a vegetação ornamental; particularidades das atividades do comércio através das placas nas fachadas” (KOSSOY, 2009, p. 130). O embrião deste livro surge, em 2013, em uma parceria com o Foto Elite e com o Foto Carlos. No ano seguinte, a iniciativa se estende à Casa da Memória. Com o acesso a acervos fotográficos sobre a cidade de Ponta Grossa, materializa-se a proposta da coluna “Antes e Depois”, inicialmente publicada no blog (https://uepgfocafoto.wordpress.com/) e no perfil do Facebook do Foca Foto. Posteriormente, houve a transferência para o novo site do Projeto de Extensão (https://focafoto.sites. uepg.br/).

Na decalagem entre o analógico e o digital, o exercício acadêmico dos estudantes desperta o olhar para mudanças da paisagem urbana ponta-grossense, desde o início do século XX. E, ao tencionar a produção fotográfica por antigas e modernas técnicas, esse gesto ressalta traços da memória arquitetônica que sobrevivem, como vestígios, aos esquecimentos impostos pela deteriorização e pela transformação da representação e do referente. Os precursores da fotografia, em Ponta Grossa, assumem, nessa perspectiva, papel fundamental. É o caso do argentino Luiz Pedro Bianchi que, em 1909, funda o Foto Bianchi, cuja sede terá lugar na rua XV de Novembro e, depois, na rua Sete de Setembro. Com uma documentação sobre a cidade até os anos 1940, o acervo da família Bianchi é adquirido, no início dos anos 2000, pelo governo municipal de Ponta Grossa, ficando sob a guarda da Casa da Memória. Dois outros nomes se somam ao processo de documentação da

memória ponta-grossense. Em 1950, Carlos Jendreieck fundou o Foto Carlos e, em 1973, ele inaugura o Laboratório Fotográfico Multicolor, o primeiro laboratório a realizar revelações de fotos coloridas na região de Ponta Grossa. O filho, Roberto Jendreieck, em entrevista a Ferreira (2020), relembrou que, nas décadas anteriores, a revelação dos filmes coloridos do Brasil era realizada nos Estados Unidos e, posteriormente, começou a ser feita em São Paulo, no Laboratório Curt. Em 30 de setembro de 1994, o Laboratório Fotográfico Multicolor Ltda. foi incorporado pelo Foto Carlos. Outro personagem importante é Domingos Silva Souza que, embora tenha trabalhado como tintureiro, iniciou a carreira na fotografia aos 14 anos, nos anos 1950, no Foto Weiss. Inaugurado em 1954, o Foto Elite foi adquirido, em 1977, por Seu Domingos, como ficou conhecido. As atividades do fotógrafo, em Ponta Grossa, foram encerradas em 2019, quando ele decidiu se mudar, com a família, para o Pará, onde ainda se

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mantém ligado à fotografia. Agora, o Facebook é um dos espaços utilizados para fazer circular a própria produção. Todos os dias, ele publica fotos recentes, de onde mora, ou antigas, do período em que ainda residia nos Campos Gerais, fazendo valer uma de suas afirmações: “saio de Ponta Grossa, mas Ponta Grossa não sai do meu coração”. Os registros deixados por alguns desses precursores são provas de que a memória e a fotografia, como um abrigo para recordações, teriam algo em comum: “a capacidade de manter vivo aquilo que indivíduos ou coletividades não desejam esquecer” (FERREIRA; VIGLUS, 2016, p. 50). Os acervos deixados pelos fotógrafos são ainda indícios do que descreve Pierre Nora (1993): não há espontaneidade da memória, o que justificaria a promoção dos “lugares de memória”. Dessa forma, a criação de arquivos, como um “lugar de memória”, oferece, como restos, o testemunho – ou possibilidade de celebração – através da fixação de versões e de interpreta-

ções possíveis acerca da história. A fotografia, que no momento de seu registro pode ser um mero instrumento de fixar uma lembrança, um sentimento, se abre a um leque de interpretações. Com a preservação do patrimônio imagético, um ato do passado permite novos olhares no presente. Nessa perspectiva, a fotografia passa a ter um valor importante em pesquisas e publicações ao possibilitar a leitura de processos sócio-históricos. A fotografia, como descreve Boni (2016, p. 33), deixou de ser apenas um documento de verificação, comprovação e discernimento de dúvidas. Numa compreensão mais ampla de suas potencialidades, ela torna-se um ponto de partida para novas pesquisas, em diversos campos do conhecimento. O olhar dos fotógrafos eterniza, agregando materiais ao patrimônio histórico imagético, um acervo que se presta, de forma mais específica, à compreensão de aspectos relativos às regionalidades (SOUZA; MORALES, 2016, p. 15).

Nesse sentido, a fotografia, enquanto um processo técnico ligado à expansão dos meios de comunicação, é também um dos elementos de constituição de uma imagem urbana ponta-grossense desde o início do século XX. Como celebração, ela nos sugere nomes, como Rua Sete de Setembro, Rua XV de Novembro, Praça Floriano Peixoto etc. E ela vai, aos poucos, nos fazendo lembrar a narrativa da passagem à República e da incorporação da ficção de nação brasileira pelos traços de uma arquitetura monumental que cria uma paisagem urbana com ares de modernidade, esta afetada por um modelo copiado da Europa. Lembremos que, no início do século XX, “O Progresso” foi nome de jornal, hoje, o Diário dos Campos. Esse foi o primeiro jornal a ter regularidade e com circulação até os dias de hoje na cidade (SILVA JÚNIOR, 2008). O jornal teve como proprietário Jacob Holzmann, também dono de um dos primeiros cinemas da cidade, o Cine Renascença, curiosamente localizado na

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esquina das ruas Sete de Setembro e XV de Novembro, em torno das quais se ergue o núcleo centralizador da atividade econômica, administrativa e cultural (BUCHOLDZ, 2007).

“sociedade senhorial” vai sendo ressignificada por um “ethos burguês ‘individualista’ e ‘cosmopolita’”, o que se expressa na arquitetura, na decoração, na linguagem, no corpo e no vestuário.

Ali, bem pertinho, também estava a Casa Progresso, um comércio da família Holzmann que oferecia “não somente de tecidos nacionais e importados, mas também artigos variados femininos e masculinos” (ORSO, 2019). A poucos metros, estava a estação de trem e o armazém de cargas que, como porta de entrada e de saída, colocava Ponta Grossa como um eixo de conexão entre o Sul, a capital paranaense e São Paulo. Uma rota de consumo.

Portanto, praças, casarões, placas, estação e veículos são “restos” daquilo que se fixa como memória urbana de Ponta Grossa e visível pelo suporte e arquivo da fotografia analógica. E sob o olhar - interesse - de uma elite, ligada às atividades agropecuárias, as imagens – aqui desarquivadas – mostram que a cidade, uma outra cidade, foi surgindo e não foi “sem eira, nem beira”. A expressão marca a memória do espaço urbano que distinguia aqueles que podiam construir casas com telhados com eira e beira e aqueles que, pobres, possuíam moradias simples, ficando conhecidos como os “sem eira, nem beira” (ARRUDA, 2006).

E não podemos nos esquecer de que o cinema, os jornais e a fotografia tiveram papel importante na construção de uma sociabilidade a partir da imagem de euforia que marcou a chamada “Belle Époque brasileira”, com um novo padrão de consumo (SEVCENKO, 1998). Isso se explica pelo que Orso (2019), retomando Feijão (2009), destaca: a

O reconhecimento da relevância do patrimônio herdado pelo trabalho dos precursores da fotografia abre espaço para gestos de inter-

pretação sobre a história de Ponta Grossa. Nessa perspectiva, nosso agradecimento aos atuais alunos e professores que operaram esses documentos. É importante ainda não esquecer os ex-alunos cujas ações iniciais permitiram que este projeto tomasse corpo: Alana Bittencourt, Amanda Bueno, Bruna Fernandes, Bruno Azevedo, Carine Cruz, Daian Lana Cruz, Daniel Schneider, Gabriela Gambassi, Ingrid Petroski, Leonardo Carvalho, Marcelo Ribas, Mariana Tozetto, Marina Scheifer, Matheus Lara, Nathália Oliveira, Rebeca Gambassi e Roseli Stepurski. Como um ponto momentâneo de suspensão, ressalta-se: o arquivo, aqui, se mostra sob a perspectiva trabalhada por Pêcheux (1997), como a possibilidade de reunião de documentos que nos permitem a interpretação de uma determinada questão... Acrescenta-se o que nos lembra Kossoy (2009): é bom resgatar nome, hábitos e o dia a dia, simplesmente, para que não nos esqueçamos... Observação: para a elaboração do

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texto, houve o apoio técnico do engenheiro civil e arquiteto Walter Herculano.

sa, em 18 maio de 2020.

REFERÊNCIAS

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.

ARRUDA, Gilmar. O patrimônio imaterial: a cidadania e o patrimônio dos “sem eira nem beira”. Diálogos, 10(3), 2017, p. 117 - 144.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP, n°. 10, 1993, p. 7-28.

BONI, Paulo Cesar. A fotografia na academia e o grupo de pesquisa: fotografia da INTERCOM. Coleção Imagética: Morretes. Ponta Grossa: Proex, 2016.

ORSO, Maíra. Jornalismo, cinema e o discurso fundador da modernidade. Cultura e tensões entre a ordem e a desordem no espaço urbano de ponta grossa nos jornais o progresso / diário dos campos. 2019. 96 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2019.

BUCHOLDZ, Alessandra Perrinchelli. Diário dos Campos: memórias de um jornal centenário. Ponta Grossa: UEPG, 2007. FEIJÃO, Rosane. Smartismo: elegância masculina e modernidade no início do século XX no Rio de Janeiro. XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Curitiba, 2009, p. 1-13. FERREIRA, Taís Maria. Aspectos da história do Foto Carlos. Informação fornecida por Roberto Jendreieck, em entrevista realizada em Ponta Gros-

PÊCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org) [et. al.]. Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 1994, p. 55-66.

Époque à Era do Rádio, São Paulo: Companhia das Letras, volume 3, 1998, p. 7-48. SILVA JÚNIOR, Nelson. O fechamento dos cinemas em Ponta Grossa: particularidades de um processo histórico-cultural. 2008. 171 f. Dissertação (Mestrado em Sociedade, Direito e Cidadania) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2008. SOUZA, Carlos Alberto de; MORALES, Ofelia Elisa Torres. Apresentação. Coleção Imagética: Morretes. Ponta Grossa: Proex, 2016. VIGLUS, Marina; FERREIRA, Taís Maria. A fotografia como luz de memória. In. SOUZA, Carlos Alberto de Souza; MORALES, Ofélia Elisa Torres. Coleção Imagética: Morretes. Ponta Grossa: Proex, 2016.

SEVCENKO, Nicolau. O Prelúdio Republicano, Astúcias da Ordem e Ilusões do Progresso. In: SEVCENKO, Nicolau. (org.) República: da Belle

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Passado e Presente: Ponta Grossa e suas nuances históricas

Rhamonn Rangel Cottar

Graduado em Licenciatura em História e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, ambos da UEPG

A

coleção ‘Antes & Depois’ tem por objetivo trazer ao leitor uma reflexão sobre a evolução dos espaços urbanos da cidade de Ponta Grossa, a partir da comparação dos registros fotográficos do início do século XX com os atuais, produzidos com o máximo de preocupação em relação ao cenário e ângulos das fotos originais. Essas fotografias, de caráter jornalístico e informativo, são compostas pela interação entre as partes de um processo, que envolve produção, circulação e consumo em que a sensibilidade do fotógrafo revela, os meios de comunicação reproduzem e difundem e os leitores se posicionam frente às transformações e ‘progressos’, como consumidores ativos de tais produtos culturais que se preocupam com a memória da cidade. A obra traz, a partir dos registros fotográficos de acervos históricos, o processo de transformação social, cultural, histórica e arquitetônica que se elabora através do tempo na paisagem urbana ponta-

-grossense. Para a construção do ‘Antes & Depois’ foram analisadas mais de 200 fotografias, uma a uma, até se chegar às escolhidas para compor o primeiro volume desta coleção. Os registros remontam espaços urbanos de sociabilidade, compreendendo fotografias de ruas, praças e edificações históricas. Cada registro é carregado por uma nuance histórica, ligada a momentos importantes do processo de desenvolvimento do Município. É possível distinguir a representatividade da ferrovia para a economia através da emblemática Estação Roxo de Rodrigues, conhecida posteriormente como Estação Saudade. Além do aspecto econômico ligado ao desenvolvimento que a ferrovia trazia para Ponta Grossa e todo o interior do Estado, sua arquitetura eclética é marcante, reúne diferentes estilos, com detalhes em art nouveau, e marcenaria em estilo manuelino. O prédio sobreviveu à sua centenária história; as pessoas não pegam mais os trens na estação... encontram um espaço de memória, socialização, de resgate

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cultural e valorização do quadrilátero histórico da cidade. A Estação Saudade foi restaurada pela Fecomércio Paraná em 2019. As principais artérias comerciais do centro de Ponta Grossa, a Rua Benjamin Constant e a Avenida Vicente Machado, contempladas nas imagens selecionadas, trazem outro aspecto valoroso do passado e presente da urbe. Identificamos a criação e a ampliação de praças e logradouros públicos para a consolidação de espaços de convivência entre os cidadãos, e a transformação da paisagem urbana através das modificações que as construções prediais tiveram ao longo do último século. Novos prédios substituem os casarões de dois pavimentos, as vias são adaptadas para o fluxo mais intenso de veículos, os comércios de secos e molhados são substituídos por lojas de conveniências e franquias. São os novos tempos. Compostas de tantas nuances culturais e históricas, as fotografias deste livro são as expressões

do tempo e espaço representados em um registro que marca nosso Passado e nosso Presente. Cenas que se mostram sem pretensões de resumir a história do todo; mas, como afirmava Henri Cartier Bresson, “a fotografia tem o poder de [...] encontrar a síntese do mundo”.

Foto: Rhamonn Rangel Cottar 98


Antes & Depois volume I

Foto: Rafael Kondlatsch


Larissa Hofbauer

Antes & Depois volume I

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