São Roque de Outrora

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204 | Parte 7 - Capítulo XXIX

O espírito! Quem o viu? Quando e como se introduziu no corpo? Que vem a ser essa entidade misteriosa, imponderável, incoercível e que, entretanto, tem meios de acionar e dirigir um maquinismo complicado? Também para onde foi e que foi ser depois da morte, ninguém sabe: hipóteses, conjecturas, suposições sobre as quais não há o mínimo acordo entre os teologistas. Para não sairmos do monoteísmo, compare-se a dogmatização católica com a explicação do protestantismo e do espiritismo, do judaísmo, do islamismo. Penas ou recompensas de uma vida póstuma são meios coercitivos ou estimulantes para conter e melhorar a natureza humana, e nesse sentido tais foram e ainda são úteis. Mas o corpo! Ah! esse é coisa real, tangível, precisa. Haja espírito, ou não, cada um distingue perfeitamente pelo corpo aquele a quem amou; e esse havia de ser uma criança, ou uma mulher, ou um homem, e nunca um ser amorfo, impalpável, assexuado. O nosso afeto provém das qualidades que nele conhecíamos, das suas virtudes, sim, mas também da aparência física, sem o que não seria o que foi, amamo-lo, enfim, na plena integridade física e moral deste complexo que constitui o ente humano. As virtudes, a excelência moral, o brilho da inteligência que no morto existissem eram simples manifestação, mera emanação da alma? Fossem! Mas sem aquele cérebro, sem aquela fisionomia, sem aquela voz, sem aquele conjunto orgânico, sem aquele corpo, em suma, a alma não poderia nada, não seria capaz do mínimo esforço em favor de outrem. Não nos poderia amar nem ser objeto de nosso amor. E é a esse maravilhoso complexo que tem realizado tudo o que há de grande, admirável, nobre sobre a Terra, que chamaremos pó desprezível, matéria putrefata, asquerosidade vil? Não. O sentimento popular tem razão de não endossar tão ingrata quão


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