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Contornos Trabalho Interdiscipplinar Dirigido III Graduação em Jornalismo com Ênfase em Multimídia. Centro Universitário UNA


Esse sexo não me

representa

Nome, idade, série e sexo... As dificuldades dos alunos trans de se adaptarem às regras da escola tradicional

Por Filipe Alves e Gabriela Motta

Ser excluído de todos os grupos de trabalho da sala de aula, não ser convidado para nenhum aniversário da turma, ir ao banheiro, responder a chamada diversas vezes no dia com um nome que não te representa, sofrer ataques na hora do intervalo. Essas e muitas outras situações são enfrentadas todos os dias por alunos transexuais nas escolas. Muitas vezes, os profissionais da educação não estão preparados para lidar com esse desafio, a falta de acolhimento das escolas, o preconceito dos colegas e a violência afastam os alunos do ambiente escolar.

Uma pesquisa do Instituto Perseu Abramo, revela que 93% dos brasileiros acreditam que há preconceito contra travestis e transexuais, enquanto apenas 29% admitem sentir esse preconceito. A origem da dificuldade de adaptação na escola de alunos transexuais é o relacionamento com os colegas. Além disso, o problema da evasão escolar de alunos transexuais tem se agravado no Brasil. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 73% dos alunos trans saem da escola antes de termi-


nar o Ensino Médio. Os dados assustam ainda mais quando se fala em Ensino Superior, apenas 5% da população transexual brasileira possui diploma universitário. Com a falta de qualificação e o preconceito na sociedade, conseguir sucesso profissional se torna um objetivo difícil de ser alcançado. Bruno Inácio de Souza conta como lidou com a sua transexualidade na escola. “Estudei em várias escolas de várias cidades e sofri bullyng e violência física na maioria delas. Minha vida escolar foi um inferno. Escola para mim significa inferno. Faz dez anos que saí da escola. Quando voltei a uma sala de aula, eu fiquei lembrando e passei mal. Foi a pior época da minha vida inteira.” Para amenizar a saída de alunos transexuais da escola, a Conferência Nacional Educação Básica (CNEB) apresentou recentemente propostas de inclusão da diversidade

sexual na educação. Evitar discriminações de gênero e defender a diversidade sexual em livros didáticos, ter programas de formação em sexualidade e diversidade, promover a cultura do reconhecimento da diversidade de gênero, identidade de gênero e orientação sexual no cotidiano escolar, evitar o uso de linguagem sexista, homofóbica e discriminatória em material didático, inserir os estudos de gênero e diversidade sexual no currículo das licenciaturas, foram algumas das medidas tomadas, mas a situação está longe de ser controlada. Apesar de todas as propostas da CNEB serem favoráveis à inclusão de alunos transexuais, já foi discutido na Câmara dos Deputados projetos de lei contrários a distribuição de materiais didáticos sobre diversidade sexual e proibindo a discussão nas escolas.


Projetos independentes tem sido um dar, e Salabert acredita que até o final do mês de alento para a população transexual. Em Belo maio de 2016 já estarão trabalhando em seu proHorizonte, o professor Eduardo Salabert é o jeto. No curso é adotada uma pedagogia que tem criador do projeto TransVest, que objetiva, por como pilares o afeto e o empoderamento, com o meio de ações pedagógicas, incluir travestis, intuito de desconstruir a concepção de que as estransexuais e transgêneros na sociedade. Sem colas são um ambiente hostil e traumático. O professor afirma que não há uma sepanenhum apoio do governo e sobrevivendo ap- enas de doações, eles oferecem cursos gratu- ração de acordo com o grau de instrução do aluitos de pré-enem, supletivo, inglês, francês, no. “Temos alunxs que não concluíram o primeiro espanhol e italiano para a população trans. O grau, estudando com alunxs que já tiveram excombustível para a elaboração do TransVest foi, periências acadêmicas. Isso está gerando bons principalmente, os alarmantes números rela- resultados, pois cria um ambiente que propicia cionados à população trans. “O Brasil é o país que todos participem da prática pedagógica. São trocas de experiência e de que mais assassina travestis letramentos. Um aluno ajuno mundo, fazendo com que da o outro. Nessa simbiose, as suas expectativas de vida aparece a importância de ser não superem os 35 anos”, solidário ao parceiro de luta. afirma Salabert. Queremos formar esse coleti Para o professor, o vo, no qual se somem forças modelo tradicional de escola dos alunos para não só pasé bastante agressivo para as sar no ENEM, mas, sobretudo, pessoas trans, para se ter uma para empoderar as pessoas ideia, por volta de 20% das trans”, conta Salabert. mulheres trans abandonam Além do TransVest, há o colégio por sofrer violênoutros projetos semelhantes cia física e simbólica, afircomo o TransEnem. E, ainda, ma. Ele acredita na extrema Eduardo Salabert o tema vem sendo discutido necessidade de um debate também nas universidades. mais profundo de gêneros no ambiente de aprendizado, para que os alunos No Centro Universitário UNA, existe o projeto de aprendam, desde cedo, o respeito à diversidade. extensão “Una-se contra a LGBTfobia” que tem como objetivo incentivar uma cultura de respeiSalabert acredita que em um futuro próximo, as to aos direitos humanos e à diversidade sexual identidades trans irão conquistar mais espaços no no ambiente universitário com foco em uma forambiente escolar, porém, é necessário que as inmação cidadã dos futuros profissionais. As ações stituições de ensino revejam seus modelos, a fim do grupo podem ser encontradas na página de abraçar as pessoas trans. do Facebook www.facebook.com/Una-se-Con O TransVest é constituído por um corpo tra-a-LGBTfobia. Na UFMG há o Núcleo de Diredocente bastante heterogêneo, incluindo profes- tos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG (NUH) sores trans. O curso mais procurado pelos partic- que promove diversos eventos sobre diversidade ipantes é o de inglês. Os alunos ainda não têm sexual em Belo Horizonte. Para saber mais sobre nenhum tipo de apoio psicológico, mas há vários projetos e eventos, basta acessar o site http:// profissionais da área voluntariando-se para aju- www.fafich.ufmg.br/nuh/.

“O Brasil é o país que

mais assassina travestis e trans no mundo, fazendo com que as suas expectativas de vida não superem os 35 anos.”


EVASÃO ESCOLAR

Dos transexuais brasileiros saem da escola antes de terminar o Ensino Médio.

73% 90%

PROSTITUIÇÃO

Da população trans se prostitui no país.

ENSINO SUPERIOR Taxa de transexuais que possuem curso superior completo.

5%

35 ANOS

É a expectativa de vida de travestis e transexuais no Brasil.

Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)

93% dos brasileiros areditam que existe preconceito contra travestis e transexuais. Mas apenas 23% admitem sentir esse preconceito. Fonte: Instituto Perseu Abramo.


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