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Ensino de História

CINEJORNAIS, DITADURA E MILAGRE ECONÔMICO: A POSSIBILIDADE EDUCATIVA DO AUDIOVISUAL

Por Amanda Heloisa Souza Custódio

RESUMO: Refletindo sobre a possibilidade educativa do audiovisual este artigo oferece proposta de um trabalho pedagógico a ser desenvolvido com estudantes do ensino básico fundamentando-se na análise de cinejornais elaborados na década de 1970, objetivando com isto contribuir para um ensino e aprendizado críticos acerca do período histórico ditadura civil-militar, precisamente a época marcada pelo fenômeno milagre econômico brasileiro. Palavra-chave: Ensino de História; Cinejornais; Ditadura Civil-Militar; Milagre Econômico Brasileiro.

Introdução

E

ste

Médici – que indicam aspectos controversos dessa artigo

apresenta

resultados

da

monografia concebida no Programa de PósGraduação em Ensino de História do

Colégio Pedro II. A pesquisa disponibiliza uma sugestão de uso do recurso audiovisual enquanto fonte histórica em aulas da disciplina história direcionadas para estudantes que compõem o nono

conjuntura. Realizou-se pesquisa bibliográfica, seleção e apuração dos cinejornais Brasil Hoje que estão digitalizados e acessíveis pelo Sistema de Informações

do

Arquivo

Nacional

(SIAN)

organizado e conservado pela instituição Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

ano do ensino fundamental. O conteúdo didático proposto foi o contexto milagre econômico brasileiro ocorrido durante a Ditadura-Civil Militar. Foram averiguados seis cinejornais produzidos entre os anos 1971 a 1973 – durante a gestão do general Emílio Garrastazu

O cinema na história e no ensino Inicialmente é fundamental estabelecer a importante relação do cinema com a História e o ensino.

As

transformações

na

historiografia

promovidas pelos intelectuais da Escola dos Annales e o movimento Nova História contribuíram

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G N A R U S | 191 efetivamente para a compreensão das iconografias

Marginal, entre outras. A escolha pelos cinejornais

como documentos, inclusive o filme.

neste estudo é devido ao seu profundo valor

De acordo com o historiador José d’ Assunção

histórico, porém explorado de modo escasso no

Barros, o filme é considerado fonte histórica por

meio acadêmico e nos estabelecimentos de ensino.

expressar indícios socioculturais, econômicos e

No entanto, é necessário apontar alguns desafios

políticos da conjuntura de produção e o contexto

enfrentados por educadores ao lecionar sobre esta

de comercialização. É igualmente agente histórico

conjuntura da história brasileira.

quando interfere nas circunstâncias através da

Os historiadores Alessandra Gasparotto e Enrique

discussão de ideias de grupos sociais ou ao

Serra Padrós afirmam que, em paralelo a outras

manifestar resistência ao poder instituído. Consiste

nacionalidades latino americanas que vivenciaram

também em representação histórica ao desenvolver

ditaduras do mesmo teor, no Brasil após a

enredo baseado em uma narrativa histórica, sendo

redemocratização as iniciativas de órgãos e

capaz de evidenciar muito mais os conflitos da

instituições

temporalidade em que foi elaborado do que os da

material informativo e pedagógico para abordar os

época reproduzida.1

anos de contexto político autoritário. Apontam que

públicas

apresentaram

precário

Ao compreender a importância do filme para os

há argumentos desarranjados de professores

estudos da História torna-se notória a relevância do

alegando insuficiência na carga horária letiva para

mesmo para o ensino e aprendizagem da disciplina.

efetivar esta abordagem ou receio de transtornos

Além disto, é necessário que os conteúdos e

com a comunidade escolar devido as controvérsias

métodos das instituições escolares estejam em

que o tema pode ocasionar.2

concordância com as vivências dos educandos, as

Gasparotto e Padrós indicam que é imprescindível

quais não abarcam somente a cultura letrada e são

fomentar meios para o debate sobre a Ditadura

permeadas por novas mídias e tecnologias. Logo, os

Civil-Militar em sala de aula, enfocando em uma

recursos

educação

audiovisuais

como

as

películas

para

os

Direitos

Humanos

e

cinematográficas são pertinentes, favorecendo do

comprometida com o resguardo da memória

mesmo modo um consumo crítico dos bens

coletiva, sugerindo um trabalho com depoimentos

culturais.

de cidadãos violentados pelo Estado na época e com

Reflexões sobre o ensino de ditadura-civil militar

fontes

atualizadas

ideologizados e pouco

sobre

materiais

aprofundados.3

Existem diferentes produções fílmicas possíveis

A historiadora Verena Alberti ressalta que ao

para desenvolver os conteúdos didáticos que

optar por questões sensíveis, como os casos de

atravessam o período da Ditadura Civil-Militar,

torturas aos opositores do regime, o intuito não seja

como obras do movimento Cine Novo, Cinema

gerar perturbação nos alunos preterindo a reflexão

José D'Assunção. Cinema e História: entre expressões e representações. In: José D'Assunção Barros; Jorge Nóvoa (Org.). Cinema-História: teoria e representações sociais no cinema. 3ed. Rio de Janeiro: Apicuri, 2012. p. 62-97. 2PADRÓS, Enrique Serra; GASPAROTTO, Alessandra. A Ditadura Civil-Militar em sala de aula: desafios e compromissos

com o resgate da história recente e da memória. In: PADRÓS, Enrique Serra; BARROSO, Vera Lucia Maciel; PEREIRA, Nilton Mullet; BERGAMASCHI, Maria Aparecida; GEDOZ, Sirlei Teresinha. (Org.). Ensino de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: ANPUH, 2010, p. 186-188.

1BARROS,

3Ibid.

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G N A R U S | 192 crítica, esta deve ser a protagonista para o

múltiplos

questionamento daquele sistema.4 É importante

geralmente atualidades, aspectos do cotidiano,

também considerar como auxílio as manifestações

opções

de

as

patrimônios históricos, entre outros, existindo até

propagandas políticas daquela fase, a visitação a

mesmo salas de cinema específicas para este tipo

lugares de memória e outras estratégias possíveis

de exibição; mas, foram também difusores de

para

afirmação dos regimes em voga.6 Rodrigo

arte,

a

as

disputas

construção

memorialísticas,

de

narrativas

desse

conhecimento histórico.

temas de

em

uma

mesma

entretenimento,

edição,

divulgação

de

Archangelo, importante pesquisador sobre as

Deste modo, a prática de ensino com arquivos digitalizados como os cinejornais também é uma

relações entre cultura política e cinejornais afirma que

possibilidade. Instituições arquivistas nacionais estão

buscando

implementar

“A aferição que se tem hoje da presença deste tipo de filme nos permite dizer que se trata de um conjunto audiovisual que responde, pelo menos, a um terço do que o Brasil produziu em película no século XX. Foram centenas de séries ao longo de praticamente oito décadas, dentre as quais há muitas a serem redescobertas e outras que esperam por uma prospecção e pesquisa mais detidas.”7

programas

educativos usando como matéria-prima seus acervos, com o propósito de cumprir função social e cultural e não apenas de guarda. Para tanto, o ambiente

virtual

tornou-se

eficaz,

pois

a

digitalização facilita o acesso e também a autonomia intelectual dos usuários.5 Assim, a disponibilização destes documentos é profícua

Cumprindo a vertente de propaganda política é

para professores e estudantes. Contudo, antes de

notória uma transformação dos sentidos divulgados

implementar os cinejornais em sala de aula é

conforme o viés do governo estabelecido. O Cine

fundamental compreender seus significados.

Jornal

Brasileiro

(CJB),

elaborado

pelo

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) Cinejornais: patrimônio propaganda política

cinematográfico

e

durante o Estado Novo, por exemplo, apresenta uma

tendência

totalitária,

centralizando

os

Fundamentais para o desenvolvimento da

discursos na personalidade de Getúlio Vargas

cinematografia brasileira, inicialmente através de

confundida com o próprio Estado. São constantes

instituições privadas, os cinejornais surgem no país

elementos

em 1910 e são produzidos até meados da década

nacionalismo, benfeitoria ao espaço urbano e rural,

de 1980. Eram curtas-metragens exibidos nas salas

mas sobretudo aos trabalhadores.8

que

expressavam

unidade,

de cinema antes dos longas-metragens. Eram

O CJB foi importante para respaldar o regime; isto

incumbidos de informar os espectadores sobre

fica notório quando nos idos de 1930 as

4ALBERTI,

6ARCHANGELO,

Verena. O professor de história e o ensino de questões sensíveis e controversas. In: COLÓQUI NACIONAL HISTÓRIA CULTURA E SENSIBILIDADES, 4., 2014, Rio Grande do Norte. Anais... Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/17189 >. Acesso em: 29 abr. 2017. 5KOYAMA, Adriana Carvalho. Acervos documentais on-line, práticas de memória e experiências educacionais. Revista Acervo, Rio de Janeiro, v. 29, n° 2, jul./dez. 2016, p. 75-77.

Rodrigo. Imagens da nação: política e prosperidade nos cinejornais Notícias da Semana e Atualidades Atlântida (1956-1961). Tese de Doutorado. História Social / USP. São Paulo, 2015, p.66. 7Ibid., p.75. 8TOMAIM, Cássio dos Santos. Janela da alma: cinejornal e Estado Novo – fragmentos de um discurso totalitário. Dissertação de Mestrado. História / UNESP. Franca, São Paulo, 2004, p. 134

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G N A R U S | 193 transmissões dos cinejornais antes dos longas-

população desamparada, mas de efeitos paliativos.

metragens tornaram-se obrigatórias. Ao findar foi

12

substituído pelo Cine Jornal Informativo que foi

É necessário assinalar que esta fase também foi

mantido até 1969, seguido pelo Brasil Hoje

permeada por distribuição desigual de renda,

encerrado em 1979, ambos organizados pela

política

Agência Nacional, a qual foi subalterna ao

acompanhavam a situação inflacionária, acrescida

Gabinete Civil da Presidência da República durante

de

a Ditadura Civil-Militar, embora tenha surgido

insatisfações, além da expansão do endividamento

como apêndice do DIP. 9

externo e da dependência do capital estrangeiro. 13

salarial

medidas

com

reajustes

autoritárias

para

que conter

não as

A Agência Nacional enquanto órgão oficial

A historiadora Janaína Cordeiro afirma que é

encarregava-se de comunicar para a população

fundamental “compreendermos o Milagre como

brasileira assuntos julgados relevantes para o país –

um evento social e cultural que transcende suas

como rituais cívicos –, através das rádios ou da

definições meramente econômicas”14 e que este

elaboração de filmes de cunho pedagógico sobre o

momento histórico pode ser interpretado como

ideal de cultura e nação.10

“Anos de Chumbo” para determinados segmentos da sociedade (não apenas os comprometidos com

O milagre econômico brasileiro

movimentos de luta armada) ou “Anos de Ouro”

No contexto da Ditadura Civil-Militar os

para outros; pois, enquanto existiu setores

cinejornais expressam as proposições dos gestores

reprimidos, simultaneamente havia aqueles que

do regime. Com o advento do Milagre Econômico

sentiam estabilidade fomentada pela política de

Brasileiro sob o governo dos presidentes Costa e

segurança nacional que pregava combate ao

Silva (1967-1969) e Garrastazu Médici (1969-

comunismo, maior ufanismo instigado pela Copa de

1974), estas proposições estão fundamentadas na

1970, percepção de inovação com as grandes obras

ideia de progresso nacional gerada pelo expoente

públicas que visavam integração nacional. Por estes

crescimento da economia indicado pela elevação

aspectos Médici tornou-se o ditador mais popular

do Produto Interno Bruto (PIB).11

do regime, imagem que se perdeu após a transição

O período desenvolvimentista é marcado por

democrática.15

aumento das condições de consumo, ampliação das

Essencial destacar a tendência histórica do

ofertas de emprego – sobretudo, aos migrantes do

imaginário coletivo brasileiro em crer na aptidão de

campo para as cidades no setor de obras em

potência e grandeza do país projetada no cenário

grandes construções –, atenuação dos problemas

mundial – pensamento estimulado sobretudo pela

inflacionários, programas sociais direcionados à

extensão natural do território –, principalmente em momentos de segurança política e econômica. Este

Rodrigo. Op. Cit. p. 70. Tatyana de Amaral. Imagens Públicas: os cine-jornais da Agência Nacional na ditadura civil-militar (1967-1979). In: ENCONTRO REGIONAL SUDESTE DE HISTÓRIA ORAL, 9., 2015, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UFF, 2015. P. 5-6. 11NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Editora Contexto, 2014, p. 152-153. 9ARCHANGELO, 10MAIA,

12Ibid.,

p. 158-165. p. 147-148. 14CORDEIRO, Janaina Martins. Lembrar o passado, festejar o presente:as comemorações do Sesquicentenário da Independência entre consenso e consentimento (1972). Tese de Doutorado. História Social /UFF. Niterói, 2012, p.302. 15Ibid., p. 24-25. 13Ibid.,

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G N A R U S | 194 discurso fortemente presente na conjuntura do

cumprimento dos objetivos. Este roteiro contém as

milagre econômico brasileiro não foi, portanto,

seguintes indagações:

construído

durante

o

regime

militar,

mas

apropriado e adequado por este em busca de legitimação desde o golpe instaurado em 1964 e favorecido conforme as realizações dos seus governos.16 Após cinquenta e quatro anos do golpe civilmilitar que implantou o regime ditatorial por vinte e um anos, ainda ressoa na sociedade a reprodução

A. Qual o tema apresentado no filme? B. Como o locutor apresenta o tema? C. Como a mensagem é transmitida pelos

realizadores? D. Como a trilha sonora contribui para expressar a mensagem? E. O que se percebe através dos movimentos da câmera? Quais são os seus enfoques e como respaldam a mensagem e o discurso do locutor? F. Quais outros aspectos chamaram a sua atenção?

de discursos legitimadores e nostálgicos deste

Cada grupo será responsável pela averiguação de

período, inclusive entre indivíduos que não o

uma reportagem dos cinejornais selecionados.

vivenciaram. Conclui-se, portanto, que se faz

Após a conclusão da análise será solicitado que os

urgente a conscientização sobre as controvérsias

dados recolhidos sejam expostos para todos os

que o atravessaram, sendo esta uma das funções da

outros grupos em mesa-redonda. Os conteúdos da

proposta pedagógica.

disciplina abordados na capacitação prévia serão entrelaçados na discussão com mediação do

Proposta pedagógica: os cinejornais do Brasil hoje na sala de aula

educador. O critério de avaliação é a participação

A proposta consiste em uma oficina pedagógica

Para que os estudantes compreendam a

direcionada para turmas do nono ano do ensino

possibilidade educativa dos Arquivos on-line é

fundamental, após uma capacitação prévia dos

fundamental que sejam explicadas as etapas de

estudantes durante o bimestre, no qual o professor

seleção destes documentos, assim é demonstrado o

discute os conteúdos históricos referentes à

potencial do portal para pesquisas de fontes

Ditadura Civil-Militar (golpe civil-militar de 1964, a

históricas, as quais podem ser utilizadas em

consolidação do regime, contextualizando com os

trabalhos escolares ou para saciar interesses e

governos de mesmo cunho que foram instaurados

curiosidades pessoais desvinculadas da instituição

na América Latina sob a conjuntura da Guerra Fria e

de ensino. É importante também informar como

o próprio contexto Milagre Econômico Brasileiro);

realizar o cadastro para acessar o portal, opção

além

dos

disponível na página principal do endereço

cinejornais. Após essa capacitação desenvolve-se a

eletrônico do Sistema de Informações do Arquivo

proposta.

Nacional (SIAN).

de

introdução

dos

significados

dos educandos na atividade e nas discussões.

Para o início da atividade é preciso que os

O método de pesquisa avançada do SIAN17

educandos disponham de um roteiro para analisar

disponibiliza 22 itens para localizar o documento,

as fontes, como um guia interpretativo para o 16FICO,

Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1977. p. 77.

17ARQUIVO

SIAN.

NACIONAL (Brasil). Página de pesquisa avançada Disponível em:

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G N A R U S | 195 contudo para a efetivação da pesquisa é necessário

residenciais construídos por um programa do

escolher no máximo 4 itens. Utilizando este método

governo federal.

e preenchendo os itens Nível, Gênero, Ordenação,

No primeiro plano deste cinejornal é exibida a

Título e Data Produção respectivamente com

estátua Cristo Redentor sob o som de um samba

Dossiê, Filmográfico, Cronológica, Brasil Hoje e De

instrumental. Na sequência a câmera em cume

1970 a 1973, os dispositivos de pesquisa

registra as casas de uma favela localizada em uma

selecionam 49 cinejornais. O recorte temporal

encosta. Nos planos seguintes há pessoas jogando

coincide com o surgimento dos cinejornais Brasil

bola, mulheres sorrindo lavando louça em pia

Hoje, com o governo do presidente Emílio

improvisada na rua, crianças circulando descalças

Garrastazu Médici e a vigência do Milagre

ou

Econômico brasileiro.

simultaneamente a estas cenas o locutor discursa:

sem

camisa

e

outras

atividades;

“- O local da favela pode ser bonito, mas além da falta de higiene, as vezes há perigo de desabamento. Felizmente a favela carioca é algo que tende a desaparecer de nossa realidade. O governo federal através da CHISAM vem ajudando as autoridades estaduais a resolver o problema. O lema é demolir para construir. Mais de cinquenta novos conjuntos residenciais foram erguidos proporcionando condições melhores a trinta e cinco mil famílias antes marginalizadas e vivendo em condições inumanas. Agora, vida nova sem favela.”18

Deste total analisado – nos quais constam temas diversificados como festividades regionais, turismo, eventos culturais, locais históricos e de lazer, aparições do presidente, inaugurações, entrevistas, obras no meio urbano e rural, entre outros – seis foram escolhidos para desenvolver a oficina com os discentes, tendo como critério os cinejornais que abordam em seus conteúdos os trabalhadores e os programas de assistência a população. Devido a

Durante o discurso são exibidas imagens de

multiplicidade temática que compõe um mesmo

caminhões carregados de bagagens entrando nos

cinejornal, também foi necessário selecionar de

conjuntos

acordo com o tempo de exibição da reportagem

transportadas em ônibus até os mesmos. Ao

que faz a abordagem.

desembarcarem, há uma nítida transformação

residenciais

e

famílias

sendo

Devido a limitação do artigo, abaixo há a

estética percebida através dos seus trajes. Uma

exemplificação de um dos cinejornais analisados na

família entra em um apartamento modernamente

pesquisa

mobiliado. Nesta sequência são executados trechos

monográfica,

análise

baseada

nas

perguntas do roteiro.

da música O Morro Não Tem Vez, composta por Tom Jobim: “O morro não tem vez / E o que ele fez

Brasil hoje: segunda edição Neste

cinejornal

de

já foi demais / Mas olhem bem vocês / Quando 1971

destacamos

a

derem vez ao morro / Toda a cidade vai cantar”.

reportagem de dois minutos intitulada Vida Nova

Posteriormente surge um plano de um menino de

Sem Favela. O tema é sobre a transferência de

costas a partir da favela olhando os prédios ao

famílias habitantes de favelas para conjuntos

longe.

Encerrando

a

cena

os

conjuntos

habitacionais são exibidos pela câmera em cume.

<http://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/pesquisa_avancada.as p>.

18AGÊNCIA

NACIONAL (Brasil). Vida Nova Sem Favela. Brasil Hoje n. 2. 1971. Duração: ca.2 min.

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G N A R U S | 196 Na figura abaixo19, no primeiro plano à esquerda há um exemplo de favela carioca e no segundo à

tradição que o regime desejava conservar ou transformar, mas remover.

direita os conjuntos habitacionais construídos

As demais edições selecionadas foram Brasil Hoje

através do programa Coordenação da Habitação

nº 4, 9, 14, 16 e 33. Pode-se elucidar atravé delas

de Interesse Social da Área Metropolitana do

algumas características que permeavam o projeto

Grande Rio (CHISAM).

do regime militar durante o governo de Emílio

Fonte: Brasil Hoje n. 2

Estas

imagens

são

que

Garrastazu Médici: integração nacional (regional e

contribuem para respaldar o discurso do locutor e a

social) associada ao progresso econômico, o qual

mensagem

perpassava

transmitida

demonstrando

exemplos

pelos

modernização

realizadores,

também

pela

valorização

do

urbana

trabalhador, sobretudo enquanto mão de obra

acompanhada de alteração social, ou seja,

especializada. Mesmo com a limitação atribuída a

buscando confirmar a noção de progresso

esta

econômico e social promovidos pelo regime militar

compunham o plano ideológico de Brasil Potência

como aquele que estava dando “vez ao morro”,

a ser exposto no cenário internacional.

como expressa a trilha sonora.

pesquisa,

Através

do

pode-se

destaque

averiguar

de

aspectos

como

como

Através do discurso do locutor nota-se um dos

sonoridade, imagens exibidas e discurso do locutor,

projetos da ditadura civil-miltar de definição da

percebeu-se também neste projeto – além da

sociedade. A favela é percebida enquanto caso de

política de remoção de favelas – a representação do

segurança

de

trabalhador formado para atender a demanda

desabamentos – e de saúde pública – conforme o

industrial capitalista, como mão de obra dissociada

discurso da falta de higiene, e não há consideração

do trabalho intelectual; o Estado não beneficente,

pela história ou identidade cultural deste local e

mas gestor que responsabiliza a sociedade a

seus moradores. A alteridade percebida neste

contribuir com a prosperidade da nação. Também a

espaço, portanto não correspondia a identidade

utilização de programa social promovido por

nacional que se pretendia construir, não era a

militares em busca de legitimação social para a

devido

a

possibilidade

19Ibid.

Gnarus Revista de História - VOLUME IX - Nº 9 - SETEMBRO - 2018


G N A R U S | 197 manutenção das estratégias de repressão aos opositores. Conclusão A proposta pedagógica voltada para educandos do nono ano do ensino fundamental objetivou uma abordagem mais crítica em sala de aula acerca do período Ditadura Civil-Militar, especialmente o Milagre Econômico brasileiro. Historicamente o cinejornalismo cumpriu importante função de respaldar os projetos governamentais, tornando o seu estudo uma possibilidade para desenvolver nos estudantes a percepção das ideias que perpassaram esse momento histórico, assim como aprender estratégias

de

leitura

da

fonte

histórica

cinematográfica. A pesquisa visou também contribuir com as discussões sobre a aplicabilidade do audiovisual em sala de aula. Espera-se dar continuidade aplicando a proposta entre os discentes para ampliar os resultados. Amanda Heloisa Souza Custódio é professora do Colégio Pedro II e Especialista em ensino de história.

<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle /10438/17189>. Acesso em: 29 abr. 2017. KOYAMA, Adriana Carvalho. Acervos documentais on-line, práticas de memória e experiências educacionais. Revista Acervo, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, jul./dez. 2016. ARCHANGELO, Rodrigo. Imagens da nação: política e prosperidade nos cinejornais Notícias da Semana e Atualidades Atlântida (19561961). Tese (Doutorado em História Social) – USP, São Paulo, 2015. TOMAIM, Cássio dos Santos. Janela da alma: cinejornal e Estado Novo – fragmentos de um discurso totalitário. Dissertação (Mestrado em História) – UNESP, São Paulo, 2004. MAIA, Tatyana de Amaral. Imagens públicas: os cine-jornais da Agência Nacional na ditadura civil-militar (1967-1979). In: ENCONTRO REGIONAL SUDESTE DE HISTÓRIA ORAL, 9., 2015, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UFF, 2015. NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014. CORDEIRO, Janaina Martins. Lembrar o passado, festejar o presente: as comemorações do Sesquicentenário da Independência entre consenso e consentimento (1972). Tese (Doutorado em História Social) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012. FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1977. AGÊNCIA NACIONAL (Brasil). Vida Nova Sem Favela. Brasil Hoje, n. 2, 1971. Duração: ca. 2 min.

Referências BARROS, José D'Assunção. Cinema e História: entre expressões e representações. In: BARROS, José d’Assumção; NÓVOA, Jorge (Orgs.). Cinemahistória: teoria e representações sociais no cinema. 3. ed. Rio de Janeiro: Apicuri, 2012. PADRÓS, Enrique Serra; GASPAROTTO, Alessandra. A ditadura civil-militar em sala de aula: desafios e compromissos com o resgate da história recente e da memória. In: PADRÓS, Enrique Serra... [et al] (Org.). Ensino de história: desafios contemporâneos. Porto Alegre: ANPUH, 2010, p. 186-188. ALBERTI, Verena. O professor de história e o ensino de questões sensíveis e controversas. COLÓQUIO NACIONAL HISTÓRIA CULTURA E SENSIBILIDADES, 4., 2014, Rio Grande do Norte. Anais... Disponível em:

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