11-Gnarus11-Artigo-Santa Isabel da Hungria e Santa Hildegarda

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Artigo

SANTA ISABEL DA HUNGRIA E SANTA HILDEGARDA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA TRAJETÓRIA DA SANTIDADE FEMININA NOS SÉCULOS XII E XIII Por Leilane Araujo Silva RESUMO: Para a realização dessa proposta, nosso estudo fundamenta-se na análise da hagiografia da Santa Isabel da Hungria e da Santa Hildegarda, com o objetivo de mostrar a trajetória da santidade feminina na sociedade medieval. Contudo não iremos expor resultados definitivos, já que se trata de uma pesquisa que ainda está em fase inicial de desenvolvimento.

Introdução

O

intuito nessa pesquisa é apresentar um breve estudo sobre a história das mulheres na sociedade medieval, tendo em vista uma análise comparativa da trajetória da santidade feminina nos séculos XII e XIII, utilizando como modelo a Santa Isabel da Hungria e a Santa Hildegarda. A Idade Média ainda tida como “Idade das Trevas”, nos dá a impressão de que a submissão da mulher era reforçada pela religiosidade, pois a maioria das ideias e dos conceitos eram elaborados pelos eclesiásticos e eles possuíam acerca da mulher uma visão dicotômica, ou seja, Eva era vista como a pecadora e é uma das justificativas que tornaram as mulheres

responsáveis pelo pecado original, e ao mesmo tempo, eles vêm a Virgem Maria como um modelo a ser seguido pelas mulheres. E essa visão da Virgem Maria determina a constituição de outro olhar sobre as mulheres que se desenvolveu significativamente com o culto mariano, a reclusão das mulheres nos conventos e a canonização feminina. Os textos durante o cristianismo foram usados pelos clérigos durante toda a Idade Média. As mulheres passaram a serem consideradas pelo clero, criaturas débeis e suscetíveis ás tentações do Diabo, logo, deveriam estar sempre sob a tutela masculina. A Igreja utilizava a pregação, em especial no século XIII a que era feita pelos dominicanos e franciscanos, nas ruas das cidades para toda

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a população, utilizando como exemplo a ser seguido às hagiografias, ou seja, relatos das vidas de Santos ou Santas em seus sermões. Tendo em vista que a Idade Média é um período histórico extenso e não temos condições de abordar todas as possibilidades de constituição da imagem feminina nesse período, por meio dessa breve consideração, notamos que tipos de mulheres medievais são variados e elas são dinâmicas, assim como as manifestações que vivenciaram em seu tempo, por isso analisaremos especificamente a trajetória de Santa Isabel da Hungria e de Santa Hildegarda como modelos de santidade, para exemplificar a trajetória da santidade feminina na sociedade medieval.

A Vida Monástica Feminina No decorrer do século XI e até meados do século XII, propagou-se na Europa a imagem da vida monástica entendida como possibilidade de pureza e perfeição em meio a toda efevercência religiosa que trazia à luz disputas e debates não só entorno do sagrado, mas também do poder. O isolamento, a contemplação e o jejum levariam à cura dos males corporais e espirituais, conduzindo a santidade. Entretanto, longe de representar uma separação total e completa do mundo, a clausura foi em muitos casos um lugar de reflexão e de florescimento de novas idéias, mais do que fuga. O movimento de reclusão feminina, com finalidade religiosa acontece desde o século

III, com o surgimento do hermetismo cristão. Porém depois dos anos mil a reclusão feminina como estilo de vida teve um desenvolvimento significativo, especialmente, nos séculos XII e XIII apesar de não existir ordens religiosas propriamente femininas, muitas mulheres levaram a vida religiosa como reclusas ou monjas. No contexto da época, essa forma de vida religiosa acabava por privilegiar as mulheres da aristocracia, principalmente as virgens e viúvas. A entrada feminina em uma instituição religiosa ocorria principalmente porque seus familiares as enviavam para preservar a virgindade das mulheres nobres em busca de um bom casamento ou definidamente para a vida religiosa. Mas havia casos que a família as mandavam apenas para que tivessem acesso a uma educação de qualidade, por não terem conseguido se casar ou por terem sido repudiadas. Contudo, a reclusão feminina nos mosteiros na Idade Média pode ser analisada como uma forma de conseguir maior mobilidade social e cultura, como também a possibilidade de libertação da maternidade e do casamento arranjado. Pois a submissão à vida religiosa abria espaço para que as mulheres tivessem uma aspiração de ordem intelectual, o que lhes proporcionavam certa liberdade, diferente da submissão ao casamento.

Santa Isabel Da Hungria Isabel (Elisabeth) nasceu em 1207 em Presburg na Hungria. Ela cresceu e foi educada no castelo de seu futuro marido,

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GNARUS - 93 Sem os filhos e destituída da coroa, Isabel ingressou na Terceira Ordem e se consagrou inteiramente para toda a sua vida a praticar a caridade, a cuidar dos pobres e doentes, principalmente os com lepra. Enfim, Isabel da Hungria morreu em 17 de novembro de 1231, com vinte e quatro anos, em Marburg, Alemanha.

Santa Hildegarda

Santa Isabel numa escultura de Rudolf Moroder.

Luis príncipe e futuro rei da Turíngia, desde quatro anos de idade. Casou-se aos quatorze anos, virou rainha, teve três filhos, Hermano nascido em 1222, Sofia em 1224 e Gertrudes em 1227.Tornou-se membro da família Franciscana, ingressando na Ordem Terceira que Francisco fundara para leigos, solteiros, casados e sacerdotes seculares. O seu marido nunca colocou obstáculos à vida de oração, penitência e caridade da rainha, pois sempre a incentivava, tanto que Isabel construiu com seu dinheiro asilos, orfanatos e o Hospital de São Francisco de Assis para andarilhos e doentes leprosos. Aos vinte anos, a rainha Isabel ficou viúva, com três filhos pequenos pra criar. Em alguns relatos a rainha foi expulsa do castelo com seus três filhos pelo seu cunhado, pois o mesmo queria a coroa, depois ela buscou refugio para seus filhos com seus tios a abadessa Mectildis de Kitzingen e o bispo de Bamberg, que tinha abandonado o projeto de casa-lá novamente.

Hildegarda Von Bingen nasceu em 1098 no castelo de Bockekheim, nobre e rica de família alemã. Aos oito anos foi entregue aos cuidados de religiosas do mosteiro das monjas beneditinas, onde foi instruída. Pede para fazer seus votos aos doze anos, idade que uma moça era considerada maior, mas os faz apenas com quinze anos, tornando-se assim irmã da ordem Beneditina. Seu exemplo foi seguido por outras mulheres nobres da aristocracia alemã e num espaço curto de tempo, a sua adesão tornou o mosteiro um cento cenobitico de grande importância. Ela tinha uma saúde frágil e segundo relatos “foi favorecida por visões narradas com descrição a sua tutora a abadessa Judite (Jutta) e a Volmar um monge do mosteiro de Santo Disibodensberg”. Suas visões foram definidas por ela como Lux vivens, ou seja, luz vivificante, elas de certa forma tornaramse um meio de expressar sua concepções religiosas e cientificas. Convencida de que um maior conhecimento pudesse facilitar o apostolado cristão, Hildegarda estudou latim, podendo assim ler clássicos da literatura monástica, filosófica e cientifica. Ela desenvolveu uma

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GNARUS - 94 grande atividade literária, adquiriu muito conhecimento sobre a medicina e ciências naturais para livros que escreveu sobre essas matérias, que são reconhecidos cientificamente, mas o seu talento enciclopédico se expressou em particular no canto e na música. Ela foi talvez a primeira musicista da história da Igreja Católica. A santidade de Hildegarda aos olhos dos seus contemporâneos foi provada pelos milagres feitos por ela, a exemplos, a cura de enfermidades no corpo e a expulsão do demônio de uma possessa da Colônia que os sacerdotes da Abadia de Brauweisler não tinham conseguido expulsar, mais principalmente pelas suas obras, por exemplo, “Scito vias Domini” obra em três volumes escrita entre 1141 e 1151, correspondências, como também pregações que foi convidada a fazer em importantes cidades da Alemanha. Por fim, a Santa Hildegarda viveu até os oitenta e um anos e manteve ativa até essa avançada idade. Suas diversificadas atividades foram muito além do que seriam os encargos de uma religiosa visionária medieval.

Conclusão Por meio da analise das santas pesquisadas pudemos observar alguns aspectos que foram pouco explorados nos estudos sobre a mulher na sociedade medieval, como a idéia de que as mulheres não recebiam instrução, e também nos mostra que a submissão da mulher era reforçada pela religião, a partir da imagem feminina formada para servir como um modelo a ser seguido, que é passada nos sermões e relatada nas vidas de santas na

Retrato de Hildegarda no Liber scivias Domini

Legenda Áurea. Enfim, para atender a temática proposta, pretendemos identificar as diferenças encontradas nas trajetórias das santas analisadas nesse estudo, com o intuito de desmistificar alguns aspectos sobre a santidade feminina, a exemplo, de que para ser santa tinha que ser virgem.

Leilane Araujo Silva é Graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe.

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GNARUS - 95 Referências: Fontes VARAZZE, Jacopo. Legenda Áurea: Vida de Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Livros BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: do Ano 1000 á Colonização da América. JérômeBaschet/ tradução Marcelo Rede; prefácio Jacques Le Goff. São Paulo: Globo, 2006. DUBY, Georges. Damas do século XII: A Lembrança das Ancestrais.Georges Duby/ tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da.Hagiografia & História: Reflexão Sobre a Igreja e o Fenômeno da Santidade na Idade Média Central. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (organizadora). Rio de Janeiro: HP Comunicação Editora, 2008. STOLZ,Albano.Santa Isabel da Hungria.Albano Stolz/ versão do Frei Pio Lewellng, O.F.M. Censor Diocesano. Salvador-Bahia: Editora Mensageira da Fé Ltda, 1952. Disponível em: http://www. alexandriacatolica.blogspot.com (ultimo acesso em: 20 de Novembro de 2013). MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade Média. São Paulo: Contexto, 1990. —(Coleção Repensando a História Geral) PIERONI, Geraldo. Entre Deus e o Diabo: Santidade Reconhecida, Santidade Negada na Idade Média e Inquisição Portuguesa. Geraldo Pieroni (organizador). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

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