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Resenha

UM CONVITE À LEITURA DE “Introdução à teoria do cinema” Por Renato Lopes Pessanha

STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Tradução: Fernando Mascarello – 5º ed. – Campinas, SP: Papirus, 2013 – (Coleção Campo Imagético)

R

obert Stam, professor do departamento de Cinema Studies da Tisch School of the Arts da Universidade de Nova York é um nome muito conhecido dos brasileiros que estudam teorias do cinema, da comunicação e da literatura. Stam também é muito conhecido dos historiadores, principalmente no âmbito dos Estudos Culturais e do Multiculturalismo, do qual é uma das grandes referências. A prova disso está em trabalhos como Crítica da Imagem Eurocêntria: Multiculturalismo e Representação (escrito em parceria com Ella Shohat e lançado no Brasil pela Cosac Naify), Multiculturalismo Tropical: Uma Historia Comparativa Da Raça Na Cultura (lançado pela EDUSP); O espetáculo interrompido: Literatura e cinema de desmistificação (lançado pela Paz e Terra) e A Literatura Através Do Cinema, Realismo, Magia E Arte Da Adaptação (lançado pela editora da UFMG). Não faltam predi-

cados para as boras referências a relevância da bibliografia de Stam. Em seu livro Introdução à teoria do cinema, o autor procura fazer uma ampla e ao mesmo tempo pormenorizada historiografia das principais teorias do cinema do século XX. Pesa e muito nesse trabalho a própria voz do autor que se faz sentir na densidade de cada capítulo. É perceptível que obra é não só o balanço sobre tudo o que se discutiu intensamente sobre o cinema (principalmente as discussões encampadas a partir dos anos 60 e 70), como também é o balanço de uma bem sucedida carreira acadêmica. Stam impõe ao seu trabalho um ritmo expositivo e analítico de como quem ministra uma aula, erudito mas ao mesmo tempo conciso, e aqui se faz presente a sua larga experiência em análise e compilação das teorias da comunicação nos mais diversos âmbitos, principalmente na tríade cinema, his-

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GNARUS - 165 tória e literatura. O texto de Stam pode despertar uma grande identificação dos leitores e estudiosos brasileiros, pois o autor conhece como pouco os códigos culturais e o cinema brasileiro, e esse é um assunto recorrente nas páginas do seu livro. Mas é algo que emerge com naturalidade e propriedade. Justamente por deter esse conhecimento Stam disserta com facilidade e pertinência sobre o a influência cultural e política do Terceiro Mundismo na produção cinematográfica do período anos 60 e 70. Se o autor abrange todos os cânones do cinema clássico, em uma perspectiva universalista, a análise ganha uma dose salutar de particularidade a partir da inserção de sua própria experiência, como um pesquisador que teve contato com povos e culturas muito distantes do eixo eurocêntrico. Então, mais do que tratar as demais manifestações culturais como meras reações ou variações das manifestações europeias ou estadunidenses, Robert Stam se movimenta de modo a detalhar as particularidades de cada caso, sem promover uma falsa homogeneização cultural. Ou seja, Stam não cria blocos uniformes de análise, preferindo partir das próprias idiossincrasias internas de cada movimento. Introdução à teoria do cinema, promove um frescor teórico por deslocar muitas análises do seu lugar comum. Robert Stam cria uma interessante relação histórica a partir dos temas abordados, mas sem nunca fecha -los em abordagens restritivas. Basta ver o

conjunto de análises parte dos teóricos da montagem soviética, passando pela influência teórica de Mikhail Bakthin, chegando a Escola de Frankfurt. Em comum nessa abordagem está uma interessante abordagem narrativa que nos diz o quanto o cinema incorporou e foi incorporado, no sentido de forma e conteúdo, por diversos movimentos culturais ao longo da história. Não se trata de um tour de force, como pode parecer em um primeiro momento, mas o reflexo de um autor cuja larga experiência prática e teórica sedimentou uma leitura que tanto quanto buscar recorrência está calcada em construir um panorama onde as contraposições, rupturas e continuidades dizem tanto quanto a uniformidade teórica de análises mais fechadas em si mesmo. Com essa interessante estratégia narrativa Stam compõe uma obra que fala, de diversos modos, a públicos distintos, porém com o mesmo interesse comum: a teoria cinematográfica. Em cada capítulo de seu livro Robert Stam procura também exprimir como diferentes matrizes teóricas culturais são lidas por seus vetores. Ao abordar o cinema Terceiro Mundista o autor constrói uma abordagem calcada não só nas mensagens que os filmes do período vinculavam, como também calcada na alteridade de concepções que existiam no interior do movimento, revelando fissuras e abordagens que traziam diferentes matizes na própria concepção pretensamente homogênea como recorrentemente o movimento

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GNARUS - 166 terceiro mundista era abordado. Ao discutir o cinema militante que emerge nos movimentos sociais de 1968 Stam ressalta a função do cinema em disseminar o elemento político na sociedade do período, incluindo as fissões da Esquerda revolucionária e crava seu veredito: foi uma luta entre a politização e a pretensa homogeneização das subjetividades. Para tal o autor faz até mesmo uma breve revisão das próprias visões históricas construídas a respeito do movimento de Maio de 68, na Franca.

para um ética onde o cinema surge como um agente histórico fundamental para o entendimento, respeito e valorização da diversidade cultural.

Renato Lopes Pessanha é Colunista da Gnarus, Mestre em História Social e Doutorando em História Social - PPGH/UNIRIO.

O trabalho de Robert Stam é fruto da própria dinâmica pela qual passaram os estudos referentes as teorias do cinema, principalmente a partir dos anos 70. Ao longo de toda a obra Stam tira as teorias que se expandiram e consolidaram nos anos 70 de seu “altar” para atualizá-las e rediscuti-las em novos princípios metodológicos. Essa abordagem que são fruto das novas guinadas pelas quais passou a cultura de massas, principalmente após o fim da Guerra Fria e o fim da URSS e as narrativas sobre “o fim da História”. A validade dessas teorias jamais deve ser descartada, porém Stam as atualizada a partir de sua própria experiência prática e teórica. Introdução a teoria do cinema ao mesmo tempo em que atualiza as mais importantes teorias do cinema a partir do prisma da filosofia analítica, do estruturalismo e das novas concepções identitárias que ascendem juntamente com os Estudos Culturais, Robert Stam tem seu pensamento voltado para a historicização que envolve a formação desses pressupostos teóricos ao mesmo tempo em que constrói formas de saber baseados na unidade a partir das contraposições da diversidade cultural. O presente é o ponto de apoio de Stam para pensar uma historiografia que de certa forma é a do próprio cinema, voltada

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