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Artigo

A ESCRITA CONTISTA COMO ESCRITA DE SI EM MAURA LOPES CANÇADO Por Edivaldo Rafael de Souza

RESUMO: Utilizando-se da análise de alguns contos de Maura Lopes Cançado, o presente artigo traz os resultados de uma pesquisa referente à escrita de si presente na produção da escritora mineira. Espera-se que este trabalho possa servir de referência para pesquisadores que analisam a obra da autora, uma vez que este breve estudo identifica muitas rememorações e reminiscências que Maura Lopes Cançado incorpora a sua escrita contista, havendo, por meio das muitas descrições, a possibilidade de saber um pouco mais da relação da escritora com a família. Palavras Chaves: Maura Lopes Cançado; escrita de si; o sofredor do ver

Considerações iniciais

A

presente pesquisa sobre a escrita contista como escrita de si em Maura Lopes Cançado (1929-1993)1 buscou analisar de forma aprofundada alguns contos da autora em questão, já que quem lê fragmentos de sua obra se depara, certas vezes, com uma produção que trabalha de forma dialógica entre a vida A pesquisadora Solange Cordeiro em sua dissertação de mestrado intitulada, Discurso e escrita de si na obra Hospício é Deus de Maura Lopes Cançado trabalhou essa temática utilizando-se de um livro da escritora. A pesquisa aqui apresentada, por sua vez, analisa os contos da autora, que também trazem essa forma de escrita, porém, de uma forma mais romantizada. 1

privada da autora e a sua escrita. Com isso, a redundância de tais fatos promove algumas rememorações da trajetória de vida da escritora, bem como evidencia a descrição de alguns personagens que se parecem com aqueles com quem ela se deparou durante a sua vivência. Para a elaboração do trabalho em questão, foram analisados quatro contos que Maura Lopes Cançado publicou no Jornal do Brasil,2 Maura Lopes Cançado trabalhou e publicou os seus contos no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB), durante a década de 1960 e 1970. Nesse período, conviveu com renomados escritores como Ferreira Gullar (1930-2016), Reynaldo Jardim (1926-2011), dentre outros.

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GNARUS - 42 a saber: Espiral Ascendente, No Quadrado de Joana, O rosto e Rosa recuada.3 É crucial destacar que levar em consideração a dualidade entre história e ficção na escrita de Maura Lopes Cançado é fator imprescindível, o que não impede, todavia, que haja uma análise e compreensão da escrita contista da escritora.

Os contos recontando uma vida: o eu - confessor como personagem principal Em 1958, Maura Lopes Cançado publicou o seu primeiro conto no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil intitulado “No quadrado de Joana”. Já nesse primeiro momento é possível identificar que a vida particular da autora estava presente também em sua escrita literária. A personagem principal do referido conto, Joana, é descrita como uma pessoa que sofre de esquizofrenia catatônica, ou seja, possui problemas mentais. Dessa forma, é sabido que Maura Lopes Cançado desde os seus sete anos de idade conviveu com algum tipo de distúrbio. Ressalte-se que um dos rótulos4 que a escritora carregava de hospício em hospício era justamente o de esquizofrênica. Em umas das passagens do seu livro diário chamado de “Hospício é Deus – Diário I (1965),5 a própria escritora discorre sobre esEsses quatro contos encontram-se inseridos em seu livro: O sofredor do ver (1968). Além desses, há mais nove contos na coletânea. 4 No período em que Maura Lopes Cançado esteve internada em hospitais psiquiátricos, foi diagnosticada por vários médicos diferentes, os quais, a cada nova avaliação, conferiam a ela uma nova doença mental. Os rótulos colocados pelos médicos nos doentes e internos acabavam trazendo maior dificuldade de tratamento para estes, além de os deixarem estigmatizados perante a sociedade. 5 O diário de Maura Lopes Cançado foi escrito no final de 1959 e início de 1960, porém só foi publicado em 1965, por José Álvaro editor. 3

ses tais rótulos, fazendo uma analogia a malas de viagem: “Terminarei pela vida como essas malas, cujos viajantes visitam vários países e em cada hotel por onde passam lhes pregam uma etiqueta: Paris, Roma, Berlim, Oklahoma. E eu: PP,6 Paranóia, Esquizofrenia, Epilepsia, Psicose Maníaco-Depressiva, etc”.7 Vale destacar que o conto “No quadrado de Joana” foi escrito um ano antes de Maura escrever o seu diário dentro de instituições para tratamento mental. Assim, pode-se entender que realmente havia uma escrita dualística da autora entre ficção e realidade. No conto “Espiral ascendente”, apesar da escritora não revelar que está narrando fatos sobre a sua vida, ela evidencia que tudo o que está se passando no conto ocorre dentro de um hospital psiquiátrico, uma vez que são muitas as cenas que trazem como tema o tratamento recebido dentro de tais instituições. Em uma dessas passagens ela escreve “- Meus braços doem. Tanta injeção”.8 Já em outro momento a escritora diz “estou só. Creio que me deram cicuta. Sinto dormência nos membros inferiores”.9 Toda a constância em descrever cenas comuns em hospícios pode levar a crer que as passagens por essas instituições não saíam da cabeça da autora. Assim, por meio de sua obra, Maura sempre relembrava as situações as quais fora submetida. Em exercício de análise do conto supracitado, percebe-se que a experiência que ela teve nos hospícios interferia diretamente tanto na sua escrita quanto na sua vida fora dessas casas para doentes mentais. É como se Maura ficasse sempre recordando as vivências nos hospitais psiquiátricos e não conseguisse se desvincular de tudo que acontecera por trás PP: Personalidade Psicótica. CANÇADO, 1979, p. 44. 8 CANÇADO, 2015, p. 12. 9 Opus citatum. 6 7

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GNARUS - 43 Sabe-se que desde quando a escritora foi embora de São Gonçalo do Abaeté – MG, sua terra natal, ela havia ficado longe do filho; primeiramente ela se mudou para Belo Horizonte e posteriormente para o Rio de Janeiro. Em seu livro Hospício é Deus – Diário I, ela também se recorda desse fato quando morava em Belo Horizonte. De acordo com Cançado (1979, p. 71), “escrevia sempre para casa, mandava ricos presentes para o meu filho, maneira falsa de estar em paz com ele.” Em relação à escrita de si, de acordo com Araújo: MAURA LOPES CANÇADO

[o]s próprios termos utilizados se embaralham: autobiografia, escrita de si, memórias, diários, escrita íntima, escrita confessional. Mas, de modo geral, e no que interessa a este trabalho, todos eles possuem a marca comum da afirmação pessoal: um eu que se revela no texto, procurando, ao menos em tese, ser sincero (ou parecer sincero), tentando, pela introspecção, justificar sua subjetividade, sua individualidade, tanto para si como para o outro.12

dos muros das instituições em que esteve internada. Em outra passagem, Maura escreve: “Não dormi, entretanto, fui acordada pelos meus próprios gritos. Minha cabeça. As ideias chegam, interrompidas, duras. Não conheço este quarto. Quarto - forte?”.10 No conto intitulado “O rosto” pode-se dizer que é onde a escrita de Maura Lopes Cançado mais se aproxima de sua vivência, visto que ela escreve como se fosse o seu filho Cesarion Cançado Praxedes (1945-2003), narrando a sua vida. Além disso, são relatados episódios que envolveram não só mãe e filho, mas também outros integrantes de sua família. O conto começa retratando o período em que a autora encontrava-se morando no Rio de Janeiro e seu filho na fazenda com sua avó. Durante essa época, o conto traz que Cesarion ficava sempre esperando o retorno de Maura, “- Guardava-lhe um presente. Ela não veio. Continuou esperando, guardando o presente. Dois anos de espera, de interrogações, de descobertas”.11 10 11

Idem Ibid., p. 97

Passado algum tempo de afastamento entre Maura Lopes Cançado e seu filho, ele foi levado para visitá-la em sua casa, no Rio de Janeiro. Ainda no conto “O rosto”, a escritora cita várias lembranças desse período, inclusive. Assim, muitos desses momentos vividos são descritos. Em relação à viagem, temos da autora a seguinte passagem: “Ela nunca esteve muito tempo junto dele. Uma vez foi ao Rio com mamãe e uma tia solteira para visitá-la, tinha sete anos. Ela saíra de um sanatório para nervosos, parecia estar bem, e mamãe voltou com a tia, deixando-os juntos. Moraram no Hotel Glória, uma beleza, ela contratou uma governanta francesa para atormentá-lo. Davam-se muito bem, ela e a velha mademoiselle.”13 12 13

ARAÚJO, 2011, p. 12. CANÇADO, 2015, p. 99.

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GNARUS - 44 Em outro fragmento do conto, expõese que o fato de uma amiga levar Cesarion para passear na praia era bastante comemorado por ele, já que Maura “Quase nunca ia, parecendo-lhe preocupada, ansiosa. Naquele tempo via-a como a uma estrangeira ”.14 Os momentos de ostentação na cidade carioca, principalmente os que dizem respeito a sua hospedagem em um hotel de luxo se explicam, segundo Meireles,15 pelo fato de que a escritora se envolveu em um relacionamento com um homem de grande poder aquisitivo que bancava algumas de suas despesas. Depois de um período na cidade carioca, Cesarion retorna ao interior de Minas Gerais para casa da família de Maura. Sobre tal momento ela escreve que ele “de repente viu-se embarcando num avião para sua terra. Sozinho. Ela chorava muito. Mais tarde foi buscá -lo. Novamente voltou sozinho. De qualquer forma sentia-se importante: viagens”.16 Em relação a forma de narrar o conto, pode-se levar em consideração que “(...), a escrita de si pressupõe que a vida de alguém só ganha sentido, só se realiza quando adquire um caráter narrativo”. 17 Posteriormente, no conto é descrito que a escritora decidiu visitar a família em Minas Gerais. “Meses depois ela chegou. Veio para casa. Foi um período feliz. Via-a preguiçosa, falando e rindo ao telefone, só acordando ao O termo estrangeira, na compreensão de Maura Lopes Cançado, pode ser interpretado como algo além de seu significado formal, pois na primeira página de seu livro Hospício é Deus – Diário I (1965), que foi escrito no mesmo ano do conto, a autora o utiliza como se referindo a alguém que vinha de um lugar de nome Estranja. Ou seja, um local fictício, mas que servia para a escritora imaginar e falar sobre pessoas que vinham de fora de sua terra natal. (Opus citatum) 15 MEIRELES, 2015, p. 118. 16 CANÇADO, 2015, p. 100. 17 ARAÚJO, 2011, p. 34. 14

meio-dia para o almoço. Depois brincavam”.18 Analisando-se tal passagem, é possível verificar muitas cenas detalhadas em que o filho de Maura pôde usufruir da companhia materna durante a estadia da escritora na casa da avó de Cesarion. Tem-se como exemplo os momentos em que Maura tinha visitas. “Ela tinha uma xícara na mão. Ignorando todos tirava-lhe com imprudência a xícara, sentavase em seu colo (...)”.19 Ou então, nesse trecho que descreve que “Ele brincava com a avó, a quem chamava mamãe (...)”.20 Durante o conto de nome “O rosto” chama a atenção à narração de fatos em que a mãe de Maura, Afonsina Álvares da Silva (18931970),21 também participou. No livro Hospício é Deus – Diário I, a autora fala pouco sobre a sua mãe, dando mais destaque ao pai José Lopes Cançado (1877-1945).22 De acordo com esse aspecto, ao tecer o conto a escritora rememora um pouco sobre cenas acontecidas em que estavam ela, o seu filho e sua mãe. Segundo Cordeiro23 a escritora descreve “o seu entendimento acerca do mundo e da sua realidade, esta sendo expressa através de discursos sobre si e sobre o universo do qual ela fazia parte.” Na narrativa do conto, entretanto, nem tudo era só alegria, havia também passagens de sentimentos tristes. “Diziam também que mamãe não era mais rica.24 Sentiu-se ameaçaCANÇADO, 2015, p. 100. Opus citatum. 20 Ibid., p. 101. 21 No livro Hospício é Deus – Diário I, também é retratado um pouco sobre Afonsina; Dona Santa, como era conhecida a mãe de Maura Lopes Cançado. Porém, em relação ao seu pai, as lembranças são bem mais detalhadas. 22 As memórias em que a escritora descreve sobre seu pai no livro são principalmente do comportamento de José Lopes Cançado, uma vez que ele era muito conhecido nas redondezas, sendo um temido e rico coronel, o coronel Zeca Lopes. 23 CORDEIRO, 2014 p. 26. 24 Depois da morte do pai José Lopes Cançado a família 18 19

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GNARUS - 45 do. Percebeu muita injustiça, sofreu”.25 Passado um tempo, “[e]la foi embora. Rio. Ele não chorou. Invejou-a, pensando nos dias claros de Hotel Glória. Ninguém podia ser infeliz numa cidade tão bonita, pensava. Ali, ele já nada mais podia fazer para ajudá-la. À tarde sentiu sua falta. Nada disse”.26 Há que se estar consciente de que “falar de si é, (...), algo fugidio, sinuoso, abrangente demais para ser reduzido à linguagem que, ao mesmo tempo em que revela, esconde.27 Dessa forma, há um processo de escolhas daquilo que será retratado na escrita. Assim, de acordo com Epprecht,28 Foucault “[c]entrava no corpo a relação da escrita de si com o processo de conhecimento. Ele lembra que tal escrita era forma de seleção do que foi lido e visto, enfim, experienciado, para assim evitar uma dispersão; trata-se do momento do retorno a si para elaboração do que lhe afetou”. Ao analisar tal forma de escrever, Foucault ainda revela que “[o] próprio corpo daquele que, ao transcrever as suas leituras, se apossou delas e fez sua a respectiva verdade: a escrita transforma a coisa vista ou ouvida em forças e em sangue” (FOUCAULT apud OLIVEIRA, 2015, p. 66). Visto isso, quando se analisa a escrita de si de Maura Lopes Cançado, logo se identifica diferentes possibilidades e olhares sobre a própria vida da autora,uma vez que esta emerge fatos e rememorações do seu passado e tenta narrar àquilo que lhe convêm, trazendo um alto grau de subjetividade para o texto; a dividiu a herança. Maura rapidamente se mudou para Belo Horizonte, lá gastou boa parte de seu dinheiro. Já no Rio de Janeiro, após um período, ela acabou encontrando-se em grave crise financeira, sendo, inclusive, ajudada por colegas escritores. 25 CANÇADO, 2015, p. 102. 26 Ibid., p. 103. 27 ARAÚJO, 2011, p. 21. 28 EPPRECHT, 2012, p. 10.

abordagem da escrita de Maura é característica fundamental a partir do momento em que se compõe numa mescla entre o verdadeiro e o fictício, sendo necessária uma análise detalhada não só dos contos, mas também de outras fontes de pesquisa. Maura Lopes Cançado ao desenvolver a escrita do conto a partir da perspectiva do seu filho, também discorre sobre comentários que algumas pessoas do interior do estado de Minas Gerais faziam em relação a ela, como se estas tentassem colocar para o menino que a sua mãe o havia abandonado e que ela sempre foi uma pessoa descompromissada, tanto em relação à família quanto em relação a sua própria vida. Tais acontecimentos na obra em análise causavam muita tristeza em Cesarion. Entende-se, assim, que toda a angústia e o sofrimento eram interpretados pela escritora como sendo algo que realmente ocorresse

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GNARUS - 46 com seu filho, já que a distância causava muita dolência na criança em relação às falas que supostamente eram dirigidas a ele. No conto, alguém disse ao seu filho

[a] escrita de si oferece (...), uma visão do real e sacia a curiosidade de um leitor ávido por bisbilhotar a vida do autor. Mas a estratégia encerra uma crítica: afinal, ao sugerir ao leitor que trata-se, enfim, de uma história real, pessoal do autor, o jogo de nomes, questionado no mesmo instante em que se estabelece, critica essa mesma curiosidade, porque não a mitiga de vez. O que resta, sempre, como se viu, é a impossibilidade de aferição de que se trata da verdade, porque a dúvida

“[n]em sua mãe te quer mais. Pensa, eu conheço ela desde menina, quando casou com seu pai, um aviador sem juízo. Ela também não tem não. Ajudou a esbanjar a fortuna do seu avô, homem direito. Onde se viu moça comprar avião,29 e voar o dia todo sozi-

permanece sempre entre o é e o não é.32

nha por aí, vestida de homem?”30

O fato de carregar o estigma de ser louca pode ter contribuído para que algumas pessoas que conviveram com ela no período da sua infância e adolescência não entendessem o seu modo de agir. Além disso, a escritora sempre teve que enfrentar sérios fatores sociais perante a comunidade na qual viveu durante essa época: um deles envolve diretamente o seu filho, pois assim que se separou de Jair de Almeida Praxedes, a escritora voltou a morar com os pais, e isso causava certo desconforto em alguns de seus conterrâneos. Dessa forma, “O comportamento social das pessoas gerava dolência na escritora, pois ela desviava-se de todas as imposições de uma sociedade extremamente rígida em torno dos costumes familiares e sociais”.31 Vale ressaltar que quando se analisa a forma de escrita que trata sobre si mesmo ou sobre pessoas que fazem parte do cotidiano de quem narra, principalmente em escritas literárias, como crônicas e contos, Aos 15 anos de idade a escritora aprendeu a pilotar aviões em um aeroclube na cidade de Bom Despacho – MG; logo após, ganhou uma pequena aeronave de sua família, na qual percorria toda região de São Gonçalo do Abaeté - MG, sobrevoando até cidades vizinhas, como Patos de Minas – MG. Em um trecho de seu livro Maura descreve que usava um macacão e boné durante as aulas no campo de aviação. Para saber mais sobre a infância e a adolescência da autora, Ver: SOUZA; SANTOS, 2017. 30 CANÇADO, 2015, p. 104. 31 SOUZA, 2017, p. 91.

No conto “Rosa recuada” Maura Lopes Cançado escreve em primeira pessoa, no entanto, a sua escrita é narrada de uma forma que não possibilita o leitor a identificar se realmente ela está narrando algo sobre sua vida ou se ela está criando algo que pode ser totalmente ficcional: “[c]ontinuei andando pelo apartamento vazio, sendo; mostrava-me, como única maneira possível de afirmação ao meu alcance. Meu corpo se despojando a cada instante, tão sôfregos eram os móveis, o teto, o próprio ar cumprindo-se inexorável”.33 A fala supracitada é a fala de alguém que está sentindo-se abandonado em um apartamento. Considerações finais Diante das particularidades observadas nas obras de Maura Lopes Cançado as quais o presente estudo se propôs a analisar, fica claro que a escritora utilizou de seus contos para retratar episódios da sua vivência, principalmente os relacionados à sua família.

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Ao se fazer a análise de tais contos, é possível apreender e compreender um pouco mais a vida da autora em questão. As muitas formas e variações da escrita de Maura Lopes Cançado abrem um leque de possibilidades a serem observadas e estudadas. Uma dessas 32 33

ARAÚJO, 2011, p. 97. CANÇADO, 2015, p. 41.

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GNARUS - 47 possibilidades aponta especialmente para o fato de que em alguns momentos em seus contos, personagens fictícios são narrados, descritos e expostos pela autora para dar voz a si mesma.

Hospício é Deus – Diário I. 5ª edição. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. SOUZA, Edivaldo Rafael de; SANTOS, Roberto Carlos dos. Maura Lopes Cançado: entre memórias e experiências (São Gonçalo do Abaeté -MG/1929-1950). Revista Perquirere. Patos de Minas, 14 (3): 79-97, set./dez. 2017.

Edivaldo Rafael de Souza é graduado em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), Pós-graduado em Metodologia do ensino de Sociologia pelo Instituto Superior de Educação Ateneu (ISEAT), Pós-graduado em Biblioteconomia pela Faculdade Futura e Professor de História na rede Estadual de Ensino (SEE-MG).

Referências: ARAÚJO, Pedro Galas. Trato desfeito: o revés autobiográfico na literatura contemporânea brasileira. Dissertação (Mestrado em Literatura), Universidade nacional de Brasília, Brasília, 2011, 107p. CANÇADO, Maura Lopes. Hospício é Deus: Diário I. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1979. CANÇADO, Maura Lopes. O sofredor do ver. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2015. CORDEIRO, Solange. Discurso e escrita de si na obra Hospício é Deus de Maura Lopes Cançado. 2015. 135p. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondom, 2014. EPPRECHT, Catharina. A imaginação na escrita de si: estudo a partir de Sérgio Sant’anna. Revista: Palimpsesto. Rio de Janeiro – RJ, nº: 14, ano 11, 2012. Disponível em:<http://www.pgletras.uerj. br/palimpsesto/num14/dossie/palimpsesto14dossie01.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2017. MEIRELES, Maurício. (2015). Perfil Biográfico. In:

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