Canaletras

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“FORMIGAÇÃO”

M

ORAES OLHOU PARA CIMA. Raios fosforescentes de um sol tubular pairavam sobre sua cabeça. Tudo claro como nuvens de algodão. E mormaço. Uma grande massa de ar quente lhe

engolfava tal qual um grande urso polar. Ele pegou a sentinela. Havia aberto os olhos sonolentos. Com os nós dos indicadores, apertou-os órbita adentro. Uma névoa embaçoulhe a visão como uma cortina de nuvens densas. Botou a perna para dentro da cabine de aço. “Aghhh! Que forno!” Aquilo era o inferno reduzido a uma caixa alta, vidro, porta, tudo blindado. Como um frango, ele sentiu a derme lubrificar-se, como se passasse um óleo de assar. Estava fatigado. Quarenta e oito horas de vigília não eram para qualquer um. Perversão. Tudo aquilo era uma perversão, inclusive ele. Um frango de farda. E um trezoitão pesando na cinta regada a cápsulas assassinas. “Aghhh! Um tiro na têmpora, e adeus sofrimento”. Em plena segunda, na efervescência matinal da nova semana. Ele olhou através do visor blindado o movimento que se formava ali dentro. “Formigas. Gente antenada”. Sensações fortes, alguma coisa que só fazia sentido fora dele. A decisão, espontânea, cintilou no mesencéfalo. Era como se tivesse acendido a invisível lâmpada pineal. Tudo o mais seria rápido e indolor como a luz de um flash. Toc, toc, toc, toc, toc... E o assoalho do mezanino rangeu. Moraes ergueu as pálpebras e elas caíram num piscar pesado, como uma bolsinha de veludo cobrindo pedrinhas preciosas. “Madona! Mas é a coisa mais gostosa... Bummm!”


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