OLD Nº 68

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expediente

revista OLD #número 68

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Patrícia Monteiro e Paula Hayasaki

capa fotografias

Anna Jornet Puig Analice Diniz, Anna Jornet Puig, Claudio Silvano, Diego Bresani e Stephanny Lotus

entrevistas

Cristina de Middel & Bruno Morais Jack Latham

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índice

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livros heróis exposição

cristina de middel & bruno morais entrevista

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anna jornet puig por tfólio

diego bresani por tfólio

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claudio silvano por tfólio

jack latham entrevista

stephanny lotus por tfólio

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analice diniz por tfólio

reflexões coluna



carta ao leitor

Estou muito feliz com esta edição da OLD. São cinco ensaios e duas entrevistas de uma qualidade muito alta, que criam um interessante debate entre as possíveis maneiras de criar imagens fotográficas e registrar o mundo. Estamos nos aproximando da segunda edição do Valongo e as entrevistas desta edição refletem este fato trazendo três convidados do festival para nossas páginas: Cristina de de Middel e Bruno Morais, entrevistados por Patrícia Monteiro, e Jack Latham, entrevistado por este que vos escreve. As duas conversas trazem um rico panora da produção fotográfica contemporânea, apontando vários caminhos possíveis e trazendo uma visão mais crítica do papel da fotografia

hoje, deixando de lado qualquer possível ingenuidade. Além desta incrível dupla de entrevistas temos também os trabalhos de Anna Jornet Puig, Diego Bresani, Claudio Silvano, Stephanny Lotus e Analice Diniz. São projetos de todas as partes do Brasil e um ensaio de capa vindo diretamente da Catalunha. Além da extensão geográfica dos artistas presentes nesta edição há também um amplo expectro de maneiras de se criar fotografia. Isto tudo me deixa muito feliz pois sinto que os debates que surgirão desta edição serão da mais alta qualidade. Aproveite e nos vemos em Novembro!

por Felipe Abreu

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livros

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HALO

de Rinko Kawauchi

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inko Kawauchi sedimentou sua carreira com a observação poética de pequenos detalhes do cotidiano. Suas imagens transitavam justamente pelos cantos, texturas e, principalmente, pela luz que passava desapercebida por olhares menos atentos. Em Halo, lançado em Agosto pela Aperture, Rinko segue se aprofundando em um novo momento de sua trajetória artística, trazendo a natureza e sua força como protagonista em sua obra. Este processo começa em 2013 com Ametsuchi e se desenvolve em Halo, que volta seu olhar para os rituais do ano novo chinês e da região da costa de Izumo, no Japão. As imagens tem a tradicional delicadeza de Rinko, mas carregam em si uma força natural intensa, que mostra que a força da natureza não pode ser menosprezada.

Disponível no site da Aperture valor R$180 96 páginas 6


livros

GOOD LUCK WITH THE FUTURE

de Dani Pujalte e Rita Puig-Serra Costa

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ani e Rita apresentaram um recorte de GLWTF na OLD Nº 66, em Maio. Naquela ocasião, a dupla contou sobre o processo de produção do ensaio e da produção deste livro. Agora, com ele em mãos, posso dizer que o resultado é espetacular. Além de uma série de imagens marcantes, o livro é muito bem amarrado. Sua estrutura temporal cria uma série de paralelos visuais entre imagens separadas ao longo do livro, criando uma sequência que vai além das páginas próximas e transpassa o livro como um todo. GLWTF foi realizado graças a um importante prêmio para fotógrafos emergentes na Espanha. Considero esta obra que lida com o amor e a passagem do tempo de uma maneira incrivelmente delicada uma grande aquisição.

Disponível nos sites dos autores valor R$ 125 120 páginas 7


exposição

8 detalhe de fotografia de Mauro Restiffe


ÁLBUM DE MAURO RESTIFFE NA PINACOTECA O fotógrafo paulista ocupa a Estação Pinacoteca com sua fotografia granulada na primeira grande retrospectiva de sua obra em um museu brasileiro.

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auro Restiffe tem uma maneira específica de registrar o mundo. Sua produção fotográfica busca espaço, personagens desavisados e uma textura transformadora através do grão do filme preto e branco. Suas imagens costumam se dedicar ao espaço urbano, especialmente à cidade de São Paulo, mas em Álbum também vagam por espaços naturais e abstrações, raramente apresentados para o grande público. Esta primeira retrospectiva da obra de Restiffe, com curadoria de Rodrigo Moura, conta apenas com imagens inéditas, retiradas do acervo do fotó-

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grafo pelo curador. Além deste recorte da obra do fotógrafo paulista, a curadoria propõe um diálogo entre suas imagens e pinturas selecionadas do acervo da Pinacoteca e do MASP. Este universo visual é então organizado por temas que vão da política ao cotidiano, do retrato à abstração. Com estes eixos em mente, a mostra é dividida em três grandes segmentos: Paisagens e Multidões, Álbum e Enquadramentos e Construções. Álbum vem sendo criada desde 2014 por Moura e Restiffe. Durante os últimos três anos o curador mergulhou nos mais de 30 mil negativos produ-

zidos pelo artista desde os anos 80 e chegou a uma seleção de 143 imagens, um vasto recorte para dar conta da potente criação de Restiffe até aqui. A exposição ocupará a Estação Pinacoteca durante quase todo o segundo semestre de 2017. Tempo suficiente para apreciar e apreender o processo criativo por trás das fotografias de Mauro Restiffe. 

Álbum segue em exibição até o dia 06 de Novembro no quarto andar da Estação Pinacoteca, que fica no Largo General Osório, 66.



CRISTINA DE MIDDEL E BRUNO MORAIS OLD entrevista


entrevista

Ela é belga-espanhola. Ele, carioca. Juntos, os dois já fizeram projetos sobre o Brasil e a África com um olhar crítico de quem estudou e conhece a região. Foi com o projeto “Sharkification”, que constrói uma fantasia aquática para apresentar o tema das favelas pacificadas no Rio de Janeiro, que se conheceram, e é com Excessocenus que a dupla de fotógrafos Cristina de Middel e Bruno Morais irá se apresentar na segunda edição Festival de Fotografia Valongo, em Santos. Suas fotos, criações previamente pensadas e construídas, nos mostram um universo de decadência e exageros na tentativa de alcançar o “desenvolvimento”, expondo nosso fracasso enquanto sociedade de consumo. Cristina, como fotógrafa espanhola que tem trabalhos em diversos países, o que mais te atrai no Brasil como país

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e em termos fotográficos? Me interessa especialmente a herança africana, a diversidade religiosa e todos os aspectos folclóricos. Também é um país muito fácil de trabalhar e comunicar-se com as pessoas. No Brasil tenho a sensação de que tenho muito que aprender como fotógrafa e como pessoa e é uma sensação que eu gosto muito de sentir.

trajetória com um documental que não é exatamente puro. Nos conecta o interesse pelos mesmos temas e a maneira como assuntos com teor folclórico podem levar a reflexões sobre o mundo contemporâneo. No princípio não sabíamos bem como as coisas iam funcionar mas conseguimos emparelhar bem nossas diferenças e nos divertir fazendo fotos.

Eu sinto que o trabalho da Cristina é mais um realismo fantástico, uma fábula que aumenta a realidade enquanto o do Bruno é mais documental. Concordam? Como vocês diriam que o trabalho de vocês se conecta? Em que pontos e de que modo? Acreditamos que nosso trabalho não é tão preto no branco assim. Eu por um lado não tenho um trabalho puramente realista fantástico e Bruno por seu lado flerta durante a sua

Vocês vêm de ambientes e mundos diferentes. Gostaria que falassem um pouco das diferenças e semelhanças que fazem com que o trabalho de vocês funcione enquanto dupla. Fizemos um acordo que está funcionando muito bem. Um pensa que manda e o outro finge que obedece. Vamos alternando os papéis ao longo do processo e no final o resultado sempre nos surpreende. Brincadeiras a parte temos em comum o fato

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cristina de middel e bruno morais

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entrevista

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cristina de middel e bruno morais

de termos feito muitas coisas na vida além de fotografias (inclusive um dia faremos um livro sobre isso), a partir daí aprendemos a relativizar as situações e principalmente respeitar a opinião do outro. Sempre compartilhamos ideias e nunca descartamos nenhuma possibilidade por absurda ou ridícula que pareça e isso nos dá uma margem bastante prazerosa para jogar. Qual o objetivo de vocês com a exposição de Excessocenus? Qual vocês esperam que seja a reação do público no Valongo em relação à mostra? Como todos os artistas nós queremos apresentar uma reflexão sobre determinado tema. No caso deste trabalho queremos dar nossa opinião tanto sobre a situação ambiental que vive o planeta como sobre as soluções visuais que descrevam esta situação. É

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certo que o planeta está em estado de alerta ambiental mas acreditamos que não se está comunicando tão eficazmente como se poderia. O continente africano é normalmente retratado como o centro deste grande drama ambiental e a comunicação que se faz põe ao encargo do homem branco a tarefa de salvar a África. Procuramos dar a volta nesse tema propondo uma campanha fictícia onde o protagonismo da transformação está a cargo do próprio povo africano. Esperamos que público reflita não somente sobre os problemas ambientais que nos cercam como também as formas visuais usadas para retratar determinados assuntos. Ao final é uma questão de provocar uma reflexão crítica também sobre a fotografia. Que conexões e debates podem ser criadas entre as situações apresenta-

das nas imagens de Excessocenus e a as vividas hoje no Brasil? A parte dos desastres ambientais que também atingem o Brasil, notamos que mesmo com o crescimento das mídias alternativas, a forma de comunicar determinados assuntos segue a lógica que buscamos criticar, ou seja, uma linguagem visual que dá pouquíssima margem ao espectador para que possa refletir mais profundamente sobre o que acontece ao seu redor. Em Excessocenus, como se deu a produção fotográfica? Todas as cenas foram previamente pensadas com base nas informações que vocês pesquisaram ou muita coisa surgiu no ato, diante dos fotografados? Sempre estamos com 80% das imagens planejadas, mas uma vez que estamos trabalhando muitas outras


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ideias surgem a partir do que observamos nestes lugares. No trabalho de vocês parece haver um intuito de tocar as pessoas no sentido de conscientizá-las, afetá-las de alguma maneira, além dessa tentativa de abrir os olhos para cuidar da terra/do nosso mundo antes que seja tarde. É isso? Como estão vendo essa movimentação do governo de entregar parte da Amazônia para exploração mineral? O título da série faz referência a era geológica em que vivemos, o Antropocenus. Assim enxergamos como um verdadeiro retrocesso as medidas que o desgoverno brasileiro está tomando em relação ao meio ambiente. O Brasil, com todo potencial ecológico que possui poderia ser uma verdadeira referência para o restante do planeta, mas enfim, não é uma questão de um só governo ou país. Trump

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Como todos os artistas nós queremos apresentar uma reflexão sobre determinado tema. No caso deste trabalho queremos dar nossa opinião tanto sobre a situação ambiental que vive o planeta como sobre as soluções visuais que descrevam esta situação. e Pyongyang estão prestes a se encarregar do que nos resta. Qual o próximo tema de vocês, além da continuação da série Exu, em conjunto? Estamos pensando em seguir com a linha de religiões e temas da cultura popular, aqui e no México, onde temos nossa outra base. É uma fase de optar por aquilo que pode ser mais divertido para nós dois.

Vi em uma matéria que vocês pretendem fazer uma “viagem de verdade” pelo Brasil no ano que vem. Algum projeto fotográfico em mente para essa viagem? Será uma viagem mais de exploração do que de produção. Lógico que podem sair coisas daí, mas ainda não temos nada definido em nossas cabeças. Temos pesquisado o calendário de festas populares e talvez possa ser uma bússola para nossa viagem. por Patrícia Monteiro


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ANNA JORNET PUIG Île

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le é o mundo de uma família que vive em uma casa no meio da natureza. O ensaio explora, através da intimidade e do silêncio, o que significa apostar em viver fora da norma social, sobretudo em um nível emocional. Ao longo deste projeto se apresenta uma reflexão sobre os conceitos de isolamento e liberdade – tanto como condição física quanto como estado interior – e sua transcendência ao amor, os medos, a relação com a natureza e a inocência.



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anna jornet puig

Anna, como começou seu interesse pela fotografia? Meu interesse pela fotografia nasceu faz alguns anos. Eu vivia em Londres e no meu tempo livre ia a várias exposições e museus. As fotografias de William Eggleston, Graciela Iturbide e Laura Pannack me fascinaram e me trouxeram uma inquietação muito forte, um desejo intenso de criar imagens similares. Assim, em um final de semana que voltei para minha casa, levei para Londres a câmera da minha mãe. Mesmo sendo de letras e tendo pouca cultura visual, comecei a fotografar e segui vendo as exposições e investigando os trabalhos de fotógrafos que me chamavam a atenção. Quando voltei a Barcelona decidi fazer alguns cursos de técni-

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ca e linguagem visual para me sentir mais segura porque já tinha o desejo de fazer um projeto documental. No ano seguinte comecei com o projeto Île. Nos conte sobre a criação de Île. Foi um processo muito emocionante, tanto para mim quanto para a família e por isto a emoção é inevitavelmente um dos pontos centrais do projeto. Uma família me abriu as portas da sua casa e me deixou entrar em seu espaço íntimo e isto foi mágico, às vezes complicado e intenso. O projeto foi crescendo e se enriquecendo com o tempo, com a confiança de nos conhecermos mutuamente. No começo a câmera estava sempre comigo, mas fotografava pouco, depois,

Uma família me abriu as portas da sua casa e me deixou entrar em seu espaço íntimo e isto foi mágico, às vezes complicado e intenso. com as duas partes mais à vontade, comecei a fotografar mais. Quando passei a ter um volume considerável de fotografias me dei conta que o projeto crescia em torno da intimidade e do silêncio de cada um deles, das relações um a um, não haviam apenas fotografias de grupo. Dessa forma, entendo que a relação entre fotógrafo e fotografado foi outro aspecto fundamental para o crescimento deste projeto. Quais foram as experiências mais marcantes durante o contato com esta família?


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Só o fato de fazer este projeto já foi muito marcante para mim, creio que, em parte, por ter sido meu primeiro projeto fotográfico. Aconteceu um crescendo em todos os aspectos ao longo de um ano, mas principalmente de aprender, aprender e aprender, tanto de fotografia como de relações humanas. Ainda assim, tenho que destacar a experiência de brincar, me relacionar e conhecer às quatro meninas e seus mundos sem limites. Elas compartilharam comigo suas fantasias e medos e me ofereceram sua visão da natureza e isso não tem preço.

Também fazíamos pequenas excursões a seus lugares favoritos na mata e ficávamos brincando por lá durante um bom tempo. Pouco a pouco fui descobrindo suas fantasias, como se relacionavam com a natureza e como a viam. A partir de tudo isso, deste inocência, tentei refletir suas personalidades nas imagens. Em relação aos pais, foi mais complicado, adultos não tem a mesma relação com a fotografia. Seus retratos são mais contundentes, trabalhei suas personalidades usando a luz, sua posição e distância. 

Como você buscou traduzir a personalidade dos personagens nas suas fotografias? Passei muito tempo brincando com as meninas e vendo seus desenhos.

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DIEGO BRESANI Respiro

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iego dedica seu olhar as pessoas à sua volta. Amigos, artistas, atores, todos podem estar diante de suas lentes em algum momento. Deste universo visual nascem retratos potentes, imagens que marcam pela força e pela construção de um espaço único, que carrega a assinatura daquele que as cria. Respiro, série apresentada nesta edição da OLD, é uma recuperação de dez anos de trabalho, de trocas e rostos registrados em fotografia. Aproveite a chance e entre neste incrível universo criado por Diego Bresani.



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Diego, como começou seu interesse pela fotografia? Venho de uma família de fotógrafos, incluindo minha mãe que me cedeu sua camera para começar a fotografar. Guardo comigo também, uma grande influência de meu irmão mais velho Bruno Bresani, artista mexicano que me influenciou muito na maneira como apresento as séries que realizo. Sou formado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília e é do convivio com pessoas de Teatro (Diretores, dramaturgos, atrizes e atores) que vem minha formação artística e intelectual. Foi minha experiência como diretor de teatro me formou como fotógrafo.

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Nos conte sobre o processo de criação de Respiro. Respiro é uma exposição que reuni os retratos que fiz nos últimos 10 anos. Como convivo intensamente nas cochias de teatro e em salas de ensaio, sempre carrego minha câmera comigo para fazer retratos de artistas em seu processo de criação ou em momentos de descanso. Juntamente com o curador Matias Monteiro, reuni esse acervo de retratos feito nestes anos e fizemos a exposição. Seu trabalho tem um elemento muito forte com retratos. Como você se relaciona com os fotografados? O quanto de você fica em cada fotografia? Entendo que o retrato é sempre um encontro, uma conversa, com ou sem

O retrato nunca é só da pessoa que está em frente a câmera. Já desisti da ideia de buscar a essência das pessoas. palavras. Tranquila ou tensa. E é sempre sobre o fotografado e sobre quem fotografa. O retrato nunca é só da pessoa que está em frente a câmera. Já desisti da ideia de buscar a essência das pessoas. Eu não acredito que o retrato transporte a essência de uma pessoa, até porque não acredito que tenhamos uma essência. Somos muitos, muitas. Cada dia um(a). O retrato é um registro de um encontro, do agora. É sobre o imediato e é superficial. A duração ou período disponível para explorar a subjetividade do registrado é condicionada por uma série de fatores externos,


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mas, principalmente pelo momento da captura, esse instante como condição do retrato fotográfico. A superficialidade é tudo o que eu tenho no momento da foto e eu tenho que me agarrar a isso. É um corte sincrônico no dia daquela pessoa que estava em um determinado estado de espírito. Esta série mistura cor, pb, analógico e digital. Como esta mistura de formatos ajuda na construção do trabalho? Esta liberdade é essencial para a sua produção? Como Respiro é uma espécia de retrospectiva de 10 anos de trabalho, ela contempla todas as fases que passei com todos os meios que possuia na época. Ela expõe, de certa forma, meu interesse de experimentar cor, pb, analógico e digital nesses 10 anos. Sempre gostei muito de transitar por

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formatos e ver como eles me modificavam ou não. Esse mistura de cor, pb, digital e analógico é apenas o reflexo do meu interesse de estudar os diferentes meios e superfícies do ato fotográfico. Qual o papel da sequência das imagens nos seus trabalhos? Você vê este processo como um momento essencial na construção da narrativa dos trabalhos? Gosto muito de trabalhar com duas ou mais fotos em sequência. Acredito que isso venha da minha experiência com a cena no teatro, com o movimento da performance. Me interesso pela narrativa do gesto em si. Não me interesso muito em contar uma história com as fotos em sequência, mas sim trabalhar com a narrativa de algum gesto. Algo mais próximo

da dança do que do cinema. Por isso é muito comum que eu peça para o fotografado fazer um gesto repetidas vezes, e fotografar essa repetição. Acredito que atraves da repetição das ações físicas conseguimos atingir algum tipo de emoção, e as vezes apenas uma foto não é o suficiente. 

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CLAUDIO SILVANO Campo Aberto

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sta é a segunda passagem de Claudio Silvano pela OLD. Entre uma publicação e outra, Claudio mudou de continente, passou da cor para o preto e branco e deu um novo ar para sua criação visual. Em Campo Aberto, Claudio explora um ambiente novo, desconhecido, usando a imagem como forma de desbravamento deste espaço geográfico. As imagens nos trazem a contemplação por trás de sua criação, um desejo de observar mais e mais, a ponto de descobrir cada detalhe contido nestas fotografias.



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Nos conte um pouco sobre o processo de criação de Campo Aberto. ‘Campo Aberto’ é um projeto sobre deslocamento pessoal. As fotos foram feitas durante um período de exploração de um novo ambiente, de novas relações. Pela primeira vez eu usei a fotografia como ferramenta para investigar um mundo no qual eu não tinha nenhuma identificação pessoal. Tudo parecia novo diante de mim. O meu processo de criação é sempre natural, eu quase nunca tenho um “projeto” em mente quando saio para fotografar. As minha fotos são basicamente reações ao que encontro. É um ato bastante subjetivo. Depois de reveladas eu deixo as fotos de lado por um tempo, para criar um distanciamento necessário. Nor-

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malmente o projeto surge na mesa de edição quando tento identificar os padrões e ritmos nas imagens, criando novos significados para elas. Você teve a oportunidade de fazer uma imersão no Japão, graças ao Hariban Award. Como esta vivência marcou sua produção visual? Acho que a maior lição que eu aprendi durante a minha residência no Ateliê Benrido em Kyoto foi a reafirmação da importância da fotografia impressa como objeto e como esse transmite o significado de uma imagem. Enquanto eu estava lá, o ateliê estava produzindo um livro sobre o movimento Provoke e eu pude ver de perto algumas impressões desses grandes fotógrafos. Uma das coisas

Eu exploro a correlação objetiva entre os vários elementos desses dois mundos para evocar diferentes sensações. mágicas da fotografia é essa materialização do mundo real. Em abril desse ano eu voltei para Kyoto para a exposição das minhas impressões feitas durante a minha residência. A exposição aconteceu em uma antiga casa que pertencia à um renomado artista da cidade, ao lado de um jardim e com o Monte Kurama ao fundo. No dia da abertura algumas pessoas foram convidadas para uma conversa sobre as fotos, eu nunca vou esquecer algumas coisas que foram ditas naquele dia. É sempre enriquecedor ter um retorno maior que um coraçãozinho no Instagram.


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Há uma preocupação com a sequência de imagens neste ensaio? Quais são os objetivos da estrutura visual que você construiu? A edição final foi pensada na forma de um livro, então essa preocupação com a narrativa foi algo bastante presente. Transformar uma autobiografia em algo que outras pessoas possam se identificar e apreciar é sempre um trabalho difícil. Tecnicamente falando, a minha intenção foi criar um movimento linear com um número muito pequeno de quebras de narrativa. O livro não tem nenhuma página dupla, então tive que ter um cuidado muito grande na transição de uma página à outra. A grande quantidade de espaços em branco também foi uma escolha consciente, são elementos tão importantes quanto as imagens. O leitor caminha por

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esse campo aberto encontrando as imagens pelo caminho. Como o embate entre urbano, homem e natureza auxilia na construção da narrativa de Campo Aberto? O uso desses diversos tipos de ambientes na narrativa de ‘Campo Aborto’ é uma ferramenta que, além de servir como indicação de movimento (cidade - floresta - oceano), serve também como representação de diferentes tipos de sentimentos. Um dos maiores problemas da fotografia é a sua falta de habilidade de descrever lugares de uma forma compreensiva e verdadeira mas quando você coloca imagens combinadas na forma de um livro, um significado maior é criado. Uma foto de um pássaro seguida de uma foto aérea pode representar um simples ato de voar ou um sentimen-

to de liberdade por exemplo. Esse campo aberto é um espaço ao mesmo tempo físico e psicológico. Dentro desse campo dois elementos coexistem: o “falso” (prédios, fios, postes…) e o “verdadeiro” (árvores, água, céu...). Eu exploro a correlação objetiva entre os vários elementos desses dois mundos para evocar diferentes sensações. 

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O trabalho de Jack Latham caminha na linha entra documental e ficção. Sua produção se concentra em temas que propiciam intensos debates não só sobre os assuntos em questão, mas sobre o papel da fotografia em si. Seu mais recente livro, Sugar Paper Theories, recebeu grande destaque no ano passado e traz uma forte relação entre fotografia e texto, criando uma complexa narrativa visual. Jack estará pela primeira vez no Brasil a convite do Valongo, em Outubro. Conversamos com ele via email sobre sua produção visual e suas expectativas em relação à viagem que se aproxima. Jack, como começou seu interesse pela fotografia? Quando este interesse se voltou para o tipo de imagem que você cria hoje? Comecei a fotografar em 2009. Minha família tinha um amigo próximo

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que era fotógrafo e eu sempre ficava encantado com a sua habilidade de capturar o mundo. Naquele mesmo ano me candidatei para o programa de Fotografia Documental da University of South Wales, Newport Você se considera um fotógrafo documental? Se este for o caso, qual o papel deste tipo de fotografia nos dias de hoje? Fotógrafo documental é um termo bastante limitante. Eu pessoalmente não me considero um já que o trabalho que faço é e não é documental. Também discordo do princípio que um fotógrafo é capaz de ‘documentar’ algo de maneira objetiva. O trabalho que eu faço existe entre a verdade e a ficção, como na maioria das histórias, por isso, se eu fosse me categorizar de alguma maneira, me apresentaria como um contador de histórias. Faço

imagens sobre um determinado assunto e local e as coloco no contexto do meu trabalho. Isso, em sua essência, é e não é ficção. Você tem três grandes projetos no seu site: Prospect, A Pink Flamingo and Sugar Paper Theories. Você se interessa principalmente por trabalhos de longa duração? Como cada um destes trabalhos marcou sua produção fotográfica? Tenho mais trabalhos além daqueles que aparecem no meu site, mas acredito em colocar os projetos mais fortes primeiro. Todos estes trabalhos foram marcos importantes na minha carreira até aqui e, como uma boa música que você não ouve faz tempo, ainda consigo lembrar onde estava mentalmente quando realizei cada um deles. Há também um certo aspecto de progressão, você sempre

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tenta fazer seu próximo trabalho melhor do que o anterior, mas sempre mantendo as fundações da sua prática visual. Quase não há texto no seu site. Você acredita que as imagens devem falar por elas mesmas? Os três trabalhos presentes no meu site estão disponíveis em formato impresso. Tanto Sugar Paper Theories quato A Pink Flamingo foram publicados como livros e Prospect faz parte de uma publicação menor editada em Brighton pela Miniclick. Não estou convencido de que as pessoas se relacionam com telas da mesma maneira que elas se relacionam com impressos, o tempo de atenção é muito menor. Não criei estes trabalhos para serem vistos em telas de LCD, então meu site serve muito mais como um guia de referência para cada projeto.

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Assim, se o espectador estiver interessado em descobrir mais sobre cada projeto ele pode buscar o formato para o qual ele realmente foi pensado. Seus dois últimos trabalhos, A Pink Flamingo e Sugar Paper Theories, se tornaram fotolivros. O que te atrai nesta maneira de apresentar fotografias? Da mesma forma que música é melhor consumida ao vivo, eu ainda prefiro as formas físicas da fotografias em relação a outras maneiras de visualização. É a maneira com que, com fotolivros, há uma relação de posse com o trabalho do outro. A ideia de que o trabalho foi feito por outra pessoa, mas o livro pertence a você. Você está envolvido com um história que literalmente ocupa um espaço no mundo. Gosto da noção

romântica de que um projeto meu se tornou um objeto físico e que, desta forma, reduz o espaço vazio que as pessoas têm em suas casas. Você considera o fotolivro como a melhor maneira de apresentar um projeto fotográfico? Como ele se compara com a produção de uma exposição, por exemplo? Não acredito que haja uma única melhor maneira de se criar algo. Algumas das melhores exposições que eu vi não funcionam como livro e alguns grandes livros não se transportam de maneira satisfatória para a parede. Acredito que isto depende inteiramente do contexto do trabalho. Nos conte um pouco sobre o processo de criação de seu livro mais recente, Sugar Paper Theories. Comecei a criar as fotografias des-


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te projeto em 2014 e passei muitas e muitas noites pesquisando e imaginando sobre o que realmente seria este projeto. Às vezes sinto que criar um trabalho pode ser uma conversa com o seu subconsciente e somente depois de você ter todas as imagens e a pesquisa feita na sua frente que você realmente consegue entender o que o seu projeto está te contando. Mais tarde no mesmo ano eu recebi o Bar-Tur Photobook Award que me garantiu uma bolsa de 20.000 libras para realizar este projeto como livro. Foi neste momento que comecei a colaborar com o professor Gísli Guðjónsson, que escreveu os textos presentes no livro.

ção de arte e da sequência neste processo? Foi no momento de estruturar o livro que tivemos que lidar com toda a minha pesquisa sobre a série de assassinatos que motiva o livro. O ato de pesquisar se tornou tão importante quanto as fotografias no momento da sequência, com os materiais crus sendo belos à sua própria maneira. Trabalhar com o professor Gísli Guðjónsson nos ajudou a reduzir este complexo caso à sua forma mais simples, o que o tornou mais palatável para olhos não acostumados com a história em questão. De certa forma, o livro são dois: um fotolivro e um livro sobre psicologia.

Sugar Paper Theories é um livro com uma estrutura bastante clara. Como o projeto tomou a forma que vemos no livro? Quais foram os papéis da dire-

Qual o papel do texto em SPT? Ele é mais, igualmente ou menos importante do que as fotografias apresentadas? O professor Gísli Guðjónsson é um

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especialista neste caso. Seu texto é o mais completo e conciso relato que existe hoje. Levando em conta seus anos de experiência em psicologia criminal, o texto se apresentou como um equilíbrio perfeito entre uma prosa factual incrível, produzida por ele, e as imagens subjetivas criadas por mim. Um certo nível de autoridade é dado a imagens dentro deste contexto e, talvez, de forma errônea, graças à confiança de quem as vê no livro. Você sente que a fotografia é diretamente conectada à realidade? Há espaço para a ficção no seu trabalho? Eu acredito que a fotografia tem seus pés na realidade, mas ela nunca pode representar a vida de maneira verdadeira, já que uma câmera é apenas uma máquina de gravação. Sua forma de realidade é a de um espelho fixo,

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Eu acredito que a fotografia tem seus pés na realidade, mas ela nunca pode representar a vida de maneira verdadeira, já que uma câmera é apenas uma máquina de gravação. Sua forma de realidade é a de um espelho fixo, refletindo mais da pessoa que a usa do que uma verdade absoluta.

refletindo mais da pessoa que a usa do que uma verdade absoluta. É esta inconsistência do meio que mais me interessa. Você vai estar no Brasil em Outubro, para o festival Valongo. Quais são seus planos para o evento? Estou muito animado de ir para o Brasil, nunca estive no país antes. Durante o festival espero poder digerir o máximo possível de cultura fotográfica brasileira.

Há algum projeto fotográfico que você queira criar enquanto estiver no Brasil? Como podemos ajudar? Ainda não tive a chance de ler muito sobre o Brasil. Eu adoraria criar um projeto fotográfico durante a minha passagem pelo país, mas sou uma pessoa que gosta de pesquisar o máximo possível antes de começar um trabalho. Então, vou enfiar minha cara nos livros e vamos ver o que aparece! 


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STEPHANNY LOTUS Analogicus

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tephanny Lotus faz uso de uma série de recursos marcantes da fotografia analógica para construir as imagens apresentadas na OLD. O grão, os riscos, as duplas exposições criam o ambiente propício para a criação dos retratos de Stephanny. Suas imagens, segundo as palavras da própria autora, são despretensiosas, cumprindo um papel de pesquisa visual. Do recorte apresentado na OLD se percebe a potência e as ricas possibilidades desta pesquisa, deixando o desejo de ver mais e mais desta exploração visual.



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Nos conte sobre o processo de criação de Analogicus. A série Analogĭcus é composta por algumas fotografias despretensiosas, que têm mais caráter de pesquisa do que de “obra de arte” – são experimentações com dupla exposição, filme vencido, red scale, entre outros. Uso um processo híbrido, em que a captura das imagens se dá por meio da fotografia analógica e sua finalização em ambiente digital. Esse procedimento se tornou comum entre artistas que trabalham com fotografia analógica. A criação destas imagens foi entre os anos 2010 e 2017, período em que mudei da cidade de Recife-PE para a cidade de Porto Alegre. Agora, após sete anos, (e esse tempo de sete anos

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tem a sua aura mística) reuni algumas dessas capturas compondo a série Analogĭcus. Uma maneira que encontrei de olhar para esse tempo. Qual o papel da fantasia e do onírico no seu processo de criação? A fantasia surge através da minha relação com o real e com o mundo imagético. Da mesma forma, acontece com o onírico que é a temática principal no meu trabalho poético. A Fotografia, ou melhor, o ato fotográfico, para mim, é uma forma de pensar sobre esse trânsito entre o físico e o metafísico. Em especial foi por causa das experiências de lucidez em sonhos que causaram, em muitos momentos da minha vida, confusão no discerni-

A Fotografia, ou melhor, o ato fotográfico, para mim, é uma forma de pensar sobre esse trânsito entre o físico e o metafísico. mento entre o que era real e o que era sonho. Desassossegos como este, despertou o interesse em desenvolver um viés poético com abordagem nos sonhos, nessa consciência desperta em estado de sono. Além da consciência onírica, busco pesquisar sobre situações do corpo em estado de sonho, como por exemplo quando sonhamos que somos outra pessoa, ou quando conseguimos retornar para mesmo sonho. Como o suporte que você usa - fotografia analógica ou digital – influencia no seu modo de trabalho? Esta é


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uma questão importante no seu processo de criação? Acredito que o suporte influência sim. Se fosse pintura, por exemplo, pintar sobre uma superfície de maneira seria diferente do que pintar sobre uma superfície de tela. Da mesma forma, compreendo o processo analógico e o processo digital como meios diferentes de criação. No geral, o que me interessa na Fotografia é o próprio processo, o fazer artístico, a experimentação. Busco, através do ato fotográfico, um espaço de experiência com o outro ou comigo mesma no caso do autorretrato. O processo híbrido que apresento na série Analogĭcus, sugere um modo de se relacionar com o nosso passado analógico e com nosso contemporâneo, valendo-se da tecnologia digital como mais uma ferramenta do pro-

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cesso artístico. O corpo e o feminino são pontos importantes no seu processo de criação? Quando penso em corpo não separo mente psíquica e corpo físico. Para mim corpo é essa relação integrada, por isso, a experiência no meu ponto de vista, é algo que impregna e se transforma no corpo. É a memória química do corpo. Corpo que também é território de sonhos, nosso meio de sentir o mundo real e o mundo onírico. O feminino, a meu ver, sugere a manifestação do sensível. Busco acordar essa relação que vai ao encontro da nossa própria natureza selvagem. O sublime e o feminino são pontos que me interesso pesquisar, por isso a presença do feminino na minha fotografia. Acredito que homens e mulheres podem,

muitas vezes, não perceber a latência de um poder feminino adormecido em seu corpo. A possibilidade que a Fotografia me permite, de criar a partir da imagem do outro como espelho de si, se tornou uma espécie de experiência extrassensorial. Consciência corporal, consciência do momento presente e consciência de si através do outro.

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ANALICE DINIZ Notas de um Outono

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s delicadas imagens de Notas de um outono advém do projeto Tercera Margen, criado por Analice Diniz durante seu mestrado em Valencia. A vivencia neste espaço, suas memórias e emoções são o combustível deste ensaio, que nos transporta ao mundo vivido pela autora e seus pontos de vista. Deste outono, ficamos com os pequenos traços dos espaços visitados por ela, das pessoas encontradas e das emoções vividas.



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Analice, como começou seu interesse pela fotografia? Meu interesse pela fotografia começou nas tentativas de me esquivar da câmera e me esconder um pouco atrás dela (Risos). Sempre fui uma criança muito tímida e era difícil posar para as fotos familiares. Eu fazia uma foto dos meus pais e, em troca, saía numa fotografia que eles queria fazer de mim. Isso acabou virando uma negociação entre a gente e acho que foi assim que minha relação com a fotografia surgiu pouco a pouco. Nos conte sobre o processo de criação de Notas De Um Outono. O ‘Notas de um outono’ é um recorte do diário de viagem (Tercera Margen, 2016) que desenvolvi como tra-

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balho de conclusão do mestrado que realizei na Universitat Politècnica de València, Espanha. Algumas imagens não entraram na versão final do diário, mas possuíam uma grande importância no processo de edição do ensaio. Eu ainda queria fazer alguma coisa com elas porque eram (e continuando sendo) fotografias intensamente impregnadas pela carga emocional que essa vivência foi para mim. Foi assim que o ‘Notas de um outono’ foi ganhando forma. Ele aborda a jornada de uma viagem íntima, com suas relações interpessoais, seus encontros e desencontros e, principalmente, a busca de um lugar que acolhe e aquece a gente no meio do caos que é o rito de passagem da vida adulta.

O ‘Notas..’ é sobre amor e distância e, com certeza, saudade é um sentimento muito presente na espinha dorsal do trabalho. Há um forte processo de justaposição de imagens neste trabalho. Como ocorreu a escolha que levou a estas uniões visuais? Quando eu reuni as imagens que tinham ficado de fora, percebi que havia uma predominância cromática nas fotografias que, quando reunidas, ganharam um sentido que eu não havia identificado antes - minha busca por um lugar de acolhimento. Comecei a chamar esse grupo de “abrigadouro” - o quarto pintado de vermelho pelas cortinas, a sala dourada no começo da manhã, a cortina desbotada pelo sol, o calor que ia embo-


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ra com o pôr do sol e até mesmo o excesso de luz que queima o filme e pinta as montanhas de vermelho. Era a presença do calor que ainda restava, que nem o outono, do lado de dentro, nem o amor. As imagens deste ensaio me parecem bastante melancólicas. A saudade e a melancolia são elementos centrais na produção deste trabalho? O ‘Notas..’ é sobre amor e distância e, com certeza, saudade é um sentimento muito presente na espinha dorsal do trabalho. É um “isso aqui sou eu sangrando” (mas sem levar pro lado negativo). Quanto mais eu me distanciava da minha cidade natal ou dos meus afetos, mais fundo eu ia me enraizando no mundo pela via do sentido.

Há o desejo de construir uma narrativa estruturada com estas imagens ou você busca mais inspirar sensações em quem entra em contato com Notas De Um Outono? O trabalho está totalmente inclinado às sensações de quem entra em contato com as imagens. É uma proposta de linguagem associativa a partir da experiência que cada um tem com o amor e o outono. Há quem encontre refúgio, há quem se depare com a solidão. 

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A TÍTULO DE INFORMAÇÃO

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az alguns dias que, durante uma aula, algumas ideias me atingiram. Conversávamos sobre a Filosofia da Caixa Preta e um dos temas que se destacou foi a afirmação do autor de que na atualidade os fotógrafos e outros “trabalhadores” contemporâneos (escritores, professores, contadores, pintores) têm como resultado de seu ofício mensagens. Estas não podem ser consumidas mas servem para informar as pessoas. Essas informa-

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

ções serão levadas em conta quando se colocar o momento da tomada de decisões. Alguém perguntou: “Como assim?” Entrou em cena, naquele momento, a garrafa da foto ao lado... Coloquei a peça sobre a mesa e contei para o pessoal como que o primeiro amassado tinha acontecido. A garrafa estava cheia de água e caiu do bolso externo da mochila quando cheguei na casa dos meus pais, no interior de São Paulo, para visitá-los. Informar pode ser pensado como dar forma, moldar. A garrafa possui muitas informações impressas nela que eu pude “traduzir” para todos como se estivesse decodificando os amassados daquela superfície de metal. E, a “tomada de decisão” que realizei a partir da informação/que-

da/amassado foi prender a garrafa na mochila para evitar novos tombos. Não podemos deixar nas mãos dos funcionários dos aparelhos, como aponta Flusser, o monopólio da informação. O primeiro efeito “visível” é que não saberemos recontar a história que nos deu forma. Tomaremos decisões movidos por ilusões. Ficaremos alienados de nós mesmos, de nossa própria existência. Podemos pensar, ainda, que a história do amassado se perderia da minha consciência e uma outra narrativa poderia e seria colocada no lugar daquela que aconteceu. Talvez essa cena aqui representada nos ajude a entender e a explicar, se quisermos, como as pessoas são manipuladas e a origem dessa manipulação.

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Não podemos deixar nas mãos dos funcionários dos aparelhos, como aponta Flusser, o monopólio da informação. O primeiro efeito “visível” é que não saberemos recontar a história que nos deu forma. 121


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia de Noèlia Andrés. Ensaio completo na OLD Nº 69.



ELZA LIMA


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S A L V E O V A L O N G O • 4 - 8 O U T U B R O 2 0 17 • S A N T O S



23 E 24 DE JANEIRO DE 2018 SÃO PAULO - SP



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