OLD Nº 47

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expediente

revista OLD #número 47

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Felipe Russo, Laura Del Rey e Paula Hayasaki

capa fotografias

Daniela Paoliello Calebe Simões, Daniela Paoliello, Francisco Santos, Letícia Lampert e Sílvio Crisóstomo

entrevista email facebook

Pio Figueiroa revista.old@gmail.com www.facebook.com/revistaold

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índice

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livros ver do meio exposição

caminhando ao centro especial

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daniela paoliello por tfólio

letícia lampert por tfólio

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calebe simões por tfólio

pio figueiroa entrevista

francisco santos por tfólio

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sílvio crisóstomo por tfólio

reflexões coluna


Robert Cummings


carta ao leitor

Bem-vindo à edição de Julho da Revista OLD! Sinto que esta edição continua um ciclo de aprofundamento e de crescimento no conteúdo da revista que começou em Maio, com o lançamento do novo formato, e que vai seguindo nestes últimos três meses. Nesta edição temos um ensaio vencedor do Prêmio Marc Ferrez, uma das principais honrarias da fotografia brasileira. Exílio, de Daniela Paoliello, é a capa da nossa edição e mostra o apronfudar da relação entre a fotógrafa e a natureza, de uma maneira delicada e sombria. Além do trabalho de Daniela, temos ensaios de Letícia Lampert, Calebe Simões, Francisco Santos e Sílvio Crisóstomo. Todos desenvolvendo

abordagens visuais que deixam claras as assinaturas em cada um dos trabalhos. Neste número também temos o segundo de uma série de textos especiais que serão publicados ao longo do ano. Felipe Russo fala de sua experiência na produção do ensaio Centro, um dos destaques da fotografia brasileira recente. Como se não bastasse tudo isso, ainda temos uma incrível entrevista com Pio Figueiroa. Uma verdadeira aula de expressão e fotografia. Aproveite!

por Felipe Abreu

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livros

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PHOTOGRAPHS NOT TAKEN

de Will Steacy

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ós temos o costume de concentrar nossa atenção e nossos esforços nas fotografias que fazemos ou que gostamos. Raros são os momentos em que paramos para pensar nas fotografias que deixamos de fazer e como essas imagens inexistentes afetam nossa maneira de pensar e fazer fotografia.Will Steacy entendeu o poder dessas fotografias mentais e convidou um grupo de fotógrafos para contar suas histórias de imagens não feitas em pequenos textos. A coletânea destes materiais se tornou o livro Photographs Not Taken, que reúne textos de grandes nomes - especialmente da fotografia americana - como Alec Soth e Todd Hido.O livro é simples e direto ao ponto, criando assim um atmosfera que nos estimula a ler esses pequenos contos e ver como a fotografia não é só imagem, mas é também memória, texto, pensamento e muito mais. Disponível na Amazon valor R$ 45 232 páginas 6


livros

PODRÍA HABERSE EVITADO de Ricardo Cases

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á faz tempo que Ricardo Cases é um dos nomes mais disputados, analisados e invejados da fotografia contemporânea. Todos os seus recentes ensaios e livros foram grandes sucessos, o colocando como um dos grandes nomes da fotografia espanhola, que cada vez mais se coloca como uma grandes forças do momento, se não a maior. Com seu novo livro, Podría Haberse Evitado, não seria diferente. O livro, lançado pela Dalpine, entra em venda no dia 13 de Julho e já está esgotado. Pois é, o livro esgotou na pré-venda. Isso é que eu chamo de sucesso.Neste novo projeto, Cases cria uma narrativa de suspense com suas imagens, usando um ponto de vista elevado, o narrador/fotógrafo acompanha uma série de ações, que acabam se relacionando a crimes, traições e afins.

Esgotado valor R$85 44 páginas 7


exposição

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VER DO MEIO: SÃO PAULO REVELADA NOS DETALHES O Instituto Tomie Ohtake recebe mostra com trabalhos de grandes fotógrafos que estudam a capital paulista através de seus detalhes e surpresas.

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squeçamos os assombrosos pousos em Congonhas, esqueçamos os monumentos, os pontos de vista privilegiados, mapas e curvas de nível. O que se vê e como se entende São Paulo desde o miolo do labirinto? Tendo os pés bem colados no solo do dia a dia, o que esse emaranhado de mundos deixa escapar para os olhos fotográficos? Mais do que flagrantes emblemáticos ou uma medida exata que contenha o caos, o que rastreiam Arnaldo Pappalardo, Pio Figueiroa e Mauro Restiffe, em exposição curada por Nelson Bissac, é justamente o recheio sutil do contorno. Mesmo nos grandes planos abertos de Pappalardo, o que está à frente não são os esqueletos braqueanos dos prédios e sim essa dança

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miúda de ocupação do espaço, esse dois pra lá, dois pra cá que se vê nos detalhes. A cidade se completa com as cores das roupas penduradas nas janelas e com o penteado que a moça usa no bar; está nesse patchwork de tudo o que já vimos e na naturalidade com que esse tudo se funde e se repele ao mesmo tempo. Está na estampa da blusinha (‘um mato que cresce entre as pedras’) e está também nas fachadas sempre mal lavadas: metal sobre pedras. São Paulo se entende um pouco a pé, um pouco de trem, de ônibus e de carro. No Centro e na periferia. Ela nunca se entende. Mas, ao mesmo tempo, o terreno que parece insubordinável aos seus próprios habitantes, “a capital inviável”, impossível

de esquematizar ou resumir, vai mostrando tanto de si em cada fiapo rasgado pelos três fotógrafos e se desenha tão bem quando Figueiroa contorna seus personagens com luzes de eterna hora mágica. Cabe nela (e onde mais caberia?),escoltando um estranho horizonte viadútico registrado por Mauro Restiffe, uma pequena pichação num banco de praça com os dizeres: ‘saldade dos parceros’. Porque é melhor que caminhar vazio. E porque a cidade é a nossa experiência na cidade. Por Laura Del Rey O Instituto Tomie Ohtake fica na Rua Coropés, 88, em Pinheiros. Ver do Meio fica em cartaz até o dia 15 de Julho. Corra e aproveite os últimos dias!


especial

CAMINHANDO AO CENTRO Chego cedo, às vezes antes do sol nascer, a cidade ainda adormecida se coloca silenciosa sob um céu esbranquiçado. As pedras, que tampavam a abertura no poste que marca o ponto onde por muitas vezes iniciei minhas caminhadas, não estão mais ali, um papelão agora tapa a abertura.

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possibilidade de construção de significado ou do encontro de sentidos ocultos nos detalhes, na sutileza das marcas do tempo, da história e da vida gravada sobre a superfície da cidade tem me levado a percorrer repetidas vezes os mesmos espaços. Uma rotina que tem criado a possibilidade de exercitar uma relação muito pessoal com a fotografia, permitindo a produção de imagens que surgem do encontro de três forças. A primeira diz respeito a

própria imagem, o ato de transcrição do mundo a partir da visão monocular do aparato e da bi dimensionalidade da cópia que se constrói progressivamente através do fazer e da apropriação e entendimento desse vocabulário. A segunda, muito pessoal e pouco palpável, diz respeito a busca pelo encontro com a subjetividade, os segredos guardados para dentro que impregnam toda nossa relação de vivência com o mundo e o outro e que a fotografia, ou pelo menos al-



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gumas fotografias tem a capacidade de externar. Uma terceira, não menos importante, já que essa listagem não pressupõe uma hierarquia, diz respeito ao mundo, a possibilidade de encontrar e perceber uma dimensão de entendimento das coisas que me cercam que é mais rica e significativa. Caminho por horas na esperança de acessar um nível de atenção ou desligamento (não sei ao certo) em que essas forças se equilibrem e a única possibilidade que me reste seja olhar e perceber. Aprendi com o tempo que podia criar ou provocar situações onde essa atenção se manifestasse com mais freqüência. Descobri a repetição, a rotina, o limite e o método.

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Nesse sentido Centro, como livro, é, também, sobre esse encontro e busca por um centro de vida, de processo, um espaço de relação com as coisas e a cidade. O título dá conta desse trabalho que se propõe existir a partir dessa tríade de sentidos – a câmera, o mundo e eu. Foi durante a produção de Centro que me deparei com mais clareza com uma série de processos ou sequências de ações que produziam essa atenção mais profunda. Chego cedo, às vezes antes do sol nascer, a cidade ainda adormecida se coloca silenciosa sob um céu esbranquiçado. As pedras, que tampavam a abertura no poste que marca o ponto onde por muitas vezes iniciei minhas caminhadas, não estão mais ali, um papelão agora tapa a abertura.

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especial

Nesse instante sou inundando por um frenesi físico, um forEsse fluxo sutil de mudanças cresce em número de ações que sou capaz de perceber na mesma freqüência em que me proponho a repetir os mesmo trajetos. Quanto mais ando, quanto mais passo pelos mesmos espaços, mais consigo perceber. Cruzo a passarela sob o terminal bandeira e a abertura na pedra portuguesa se apresenta como erosão, como se as próprias pedras tivessem retornado ao grão, virado areia. Posiciono o tripé, e sigo a rotina de ajustes que os movimentos da câmera de chapa permitem, a cada ajuste a clareira se transforma, sua escala se altera na imagem já latente no vidro de foco. Uma das pedras ocupa o canto esquerdo da imagem fora do circulo de areia (faço a primeira chapa) até que um pé chuta ela para dentro e a ima-

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migamento, um banho de adrenalina e uma certeza que naquele instante aquele era o único lugar onde poderia estar.

gem se transforma na minha frente sem que eu tenha qualquer controle sobre isso (faço uma segunda chapa). Um outro pé cruza por sobre a areia, sigo observando pelo vidro sob o pano preto, marcando uma pegada e removendo outra pedra que agora ocupa o canto direito do quadro (mais uma chapa). Numa seqüência quase fílmica uma outra escala de fluxo e transformação da cidade se apresenta e releva um novo sentido ao que fazia. Nesse instante sou inundando por um frenesi físico, um formigamento, um banho de adrenalina e uma certeza que naquele instante

aquele era o único lugar onde poderia estar. Existe nesse procedimento uma sensação libertadora, uma certeza de que os espaços são infinitos e que poderia seguir fotografando esse pedaço da cidade por toda minha vida. Por mais que as reflexões que se desenrolam a partir dos arquivos produzidos apontem possibilidades e caminhos que devem ser restringidos na busca pelo discurso o mundo segue abrindo novos percursos e a câmera segue expelindo imagens que, a princípio, tenho dificuldade de reconhecer



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como minhas. Novos pedaços de um trajeto que não sei aonde me levará. A última imagem que fiz para Centro é a primeira imagem do livro, as marcas de pegadas no asfalto da calçada. São os passos de uma só pessoa que seguem um caminho retilíneo determinado pelas junções de duas placas de concreto. A imagem que introduz o livro é a mesma que me deu a certeza que esse capítulo havia se fechado. Não posso nem pretendo dar conta da experiência de uma cidade, o que posso é seguir um percurso e estabelecer um caminho de afeto onde os espaços por onde passo também me toquem, também me marquem e que talvez assim algo de sua existência se manifeste na superfície das minhas imagens. Esse processo tem me permitido criar e resgatar conexões com São Paulo, a cidade que por enquan-

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to escolho como casa e onde Olívia cresce. Minhas caminhadas reforçam a dor de viver aqui, mas também fortalecem o amor que sinto, e criam a possibilidade de reconciliação e a crença de que esse ainda é um espaço de vida. 

Felipe Russo é fotógrafo, vive em São Paulo e seu fotolivro Centro ganhou grande destaque internacional, sendo escolhido como um dos destaques do último ano por Martin Parr.


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DANIELA PAOLIELLO Exílio

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ensaio Exílio é um trabalho muito delicado, que transporta o corpo da fotógrafa Daniela Paoliello para um espaço novo, desconhecido, no qual, aos poucos, ela constrói relações que se tornam cada vez mais fortes e profundas. As imagens escuras, com um forte caráter fantástico, são marcantes e envolventes, transportando o espectador para este novo mundo criado pela fotógrafa.



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Eu gosto de trazer o conflito, a tenComo foi o desenvolvimento do ensaio Exílio? Iniciei o ensaio no final de 2012, pouco depois de finalizar um trabalho com o qual me envolvi muito. Nesse começo foi bem difícil pois, o trabalho anterior envolvia um personagem que eu fotograva. No ensaio Exílio o processo mudou bastante, passou a ser muito mais individual. A ideia do projeto surgiu de forma gradual. Ela veio de uma questão pessoal, de um desejo de intervir no meu próprio corpo, de ativá-lo. Comecei a produzir as interações entre corpo e espaço no meu próprio quarto e, em algum momento, as desloquei pra um espaço menos seguro e familiar. Passei a fotografar em uma mata ciliar no meio de

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um cerradão, no interior de Minas. Fotografei por dois anos durante os quais realizei em torno de 15 viagens a campo. O tempo entre as viagens foi importante para a maturação do trabalho, permitia que eu fizesse uma boa edição depois de cada ida a campo. Com o tempo, o trabalho foi se desdobrando. Eu criei um ponto de partida: colocar meu corpo nu na mata e produzir tentativas de engajamento com o espaço. Eu escolhia um local onde queria colocar meu corpo, montava o tripé e programava os disparos. A fotografia digital foi muito importante. O que eu via no visor me levava a reposicionar corpo e câmera e repetir os disparos dezenas de vezes até atingir um resultado interessante. Muitas vezes, a imagem que

são. A ideia de uma natureza caótica, descontrolada e fascinante. se formava era totalmente diferente do que eu tinha imaginado, e de repente estava correndo atrás de outra coisa. Foi um processo onde o erro e o acaso se tornariam essenciais. Sem um olhar direto por trás da câmera a imagem surge de um instante anônimo, não há caça, não há um ver-decisivo. O clique não é sincronizado com a visão. Gosto de dizer que é como um tiro ao contrário. Não é a câmera que vai de encontro ao objeto, mas um corpo que se atira sobre o disparo. Há um constante jogo entre fantasia


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e a realidade na série. Qual a importância desta relação para a narrativa do ensaio? Eu trocaria o termo realidade por experiência. É muito difícil falar do real, acho que borramos cada vez mais essas fronteiras. A experiência do corpo no espaço é essencial, é o ponto de partida da invenção, da construção de um território imaginário. Há um fator de descontrole, um espaço para o inesperado. Houve um episódio, por exemplo, em que tive que ir para o hospital, com uma alergia horrorosa, minha pele enrugou toda e comecei a sentir falta de ar. Depois disso o trabalho mudou muito, minha percepção do espaço também. Essas contingências acabaram guiando a narrativa. Há também um gesto de intervenção, de produzir certos elementos e dar força a ficção. É um jogo entre experiência e inven-

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ção. Entre se deixar afetar pelo espaço e nele intervir. Como você deseja explorar a relação entre homem e natureza nesta série? Pra mim a relação entre homem e natureza no ensaio não tem a ver com uma ideia de retorno ancestral ou de paraíso. Eu gosto de trazer o conflito, a tensão. A ideia de uma natureza caótica, descontrolada e fascinante. Há essa dualidade, de uma natureza que atrai e repele, que acolhe e expulsa, que causa medo e fascínio. O trabalho vai muito no sentido do engajamento do corpo com o espaço. Nossos corpos são domesticados, reprimidos, moldados. Mas acredito que eles possam se liberar em alguns níveis. E é interessante descobrir suas potências longe de qualquer olhar, se rendendo as formas da natureza. Nessa relação do corpo com

a natureza, ele retoma aquilo que lhe é mais próprio, sua condição de corpo afetado pelas forças do mundo. Ele vive a experiência do ser processado, reinventado, ele se desprograma, volta a ser um campo de forças vivas que afetam o mundo e são por ele afetado. Nas ações, eu me liberto pro movimento, pro contorcionismo, pra dissolução, pra mimese. Gosto de explorar a pele, a carne, as formas, de (re)moldá-las e desconstruí-las. O pensamento ocidental é dicotômico. Separa as ontologias, natureza e cultura. Em Exílio, isso é contestado. Em algumas imagens, talvez na maioria delas, há uma decomposição do humano. Acho interessante também como algumas pessoas acabam procurando o corpo em fotos onde ele não está. Tudo se condensa. É muito isso. Corpo-paisagem. Ser-paisagem. 

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LETÍCIA LAMPERT Conhecidos de Vista

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etícia tem uma formação inicial em design, mas logo a fotografia começou a ocupar um espaço cada vez mais importante dentro de seus trabalhos e de seus anseios de expressão. Foi em seu mestrado em Poéticas Visuais que Letícia desenvolveu o ensaio Conhecidos de Vista, que dialoga sobre as relações ao mesmo tempo próximas e pouco confortáveis de pessoas que tem vistas para outros prédios de suas janelas. A série explora o lado de dentro e de fora de cada apartamento, construindo um mundo próprio e instigante.



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letícia lampert

O principal era mostrar Letícia, como foi seu começo na fotografia? Minha primeira aproximação foi na faculdade de Design, que é minha formação inicial. Tínhamos cadeiras de produção de imagem e sempre gostei de fotografia, mas nunca pensei em trabalhar com isto efetivamente. Depois fui fazer Artes Visuais e embora minha intenção inicial fosse fazer desenho, pensando que maiores habilidades neste campo poderiam contribuir bastante no meu trabalho como designer, a fotografia foi me ganhando aos poucos e acabou sendo um caminho mais natural (até por que nunca consegui ser tão boa desenhista quanto gostaria). No início eu não sabia bem pra onde estava indo com a fotografia, pensava

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fazer fotografia de turismo ou natureza, de repente tentar vender para bancos de imagem ou revistas, mas aos poucos fui me dando conta que o que eu fazia tinha um viés muito autoral para se enquadrar nestes usos mais comerciais e que era no campo da arte que eu conseguiria desenvolver meu trabalho do jeito que eu realmente gostava. Como surgiu o ensaio Conhecidos de Vista? Eu entrei no mestrado em Poéticas Visuais com a ideia de fazer um projeto, já através da fotografia, onde eu queria pensar na contraposição entre fachadas e interiores, o que é visto e o que é escondido em uma cidade. Comecei a pensar em como

esta relação tão peculiar entre vizinhos de prédios poderia incluir prédios neste jogo de equivalência e foi aí que pensei em procurar ruas estreitas, onde pudesse entrar nos prédios dos dois lados da rua, para poder ter um ponto de vista na mesma altura que quando tirasse a foto interna. Quando comecei as visitas, logo nas primeiras, sempre perguntava para o morador se ele conhecia o vizinho da frente, pois assim ele poderia me ajudar a conseguir entrar no prédio da frente para fazer a foto do outro lado. Eu não conhecia as pessoas, as visitas eram de surpresa, ao acaso, conforme fosse conseguindo permissão para entrar. O interes-


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sante foi que as respostas começaram a ser muito parecidas: “não conheço, mas sei que todo dia ele toma café às 8h da manhã na sacada”, “não conheço pessoalmente, mas depois das 17h sempre vejo ela fumando na janela”, “naquela prédio mora uma senhora de idade sozinha, então eu me preocupo e olho se ela abriu a janela todo dia de manhã”, etc. Estas descrições mostravam uma grande familiaridade com alguém que eles não conheciam. O principal era mostrar esta relação tão peculiar entre vizinhos de prédios, por isto passei a gravar os depoimentos e pensar uma forma de apresentar junto com a imagem. Os moradores dos apartamentos apresentados tiveram uma participação ativa durante a produção das imagens? A experiência deles auxiliou nesta criação?

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Nas imagens em si não. Não houve qualquer produção ou criação no sentido da composição das imagens/ cenários. Eu estabeleci uma regra (fotografar os ambientes internos num ângulo totalmente frontal, com a janela como ponto de fuga, e onde o prédio da frente tapasse completamente a vista) e fui seguindo ela em cada visita. Eu não intervi em nada nos apartamentos e nem eles chegavam a mexer em nada, fotografei como estava, com a luz natural do ambiente. A contribuição deles surgiu nestes depoimentos que num primeiro momento aconteceram forma totalmente espontânea, que foi justamente o que fez o trabalho se transformar e mudar bastante do que tinha sido pensando inicialmente.

Acho que fala muito, esta é justamente a questão por trás da série. Uma das regras era que através da janela nunca se visse céu ou horizonte. Esta ideia de claustrofobia, que está diretamente ligada ao crescimento e à especulação imobiliária é exacerbada intencionalmente. Também há uma certa solidão, algo que mesmo no meio de tantas outras pessoas numa cidade se faz presente, e que é reforçada pelos ambientes vazios. Por outro lado, mesmo neste ambiente aparentemente hostil da cidade, onde se cria todo tipo de barreira pra ficar a uma distância segura do outro desconhecido, as pessoas acabam criando mecanismos para trazer um pouco de familiaridade e até afeto por aqueles que, de uma forma ou de outra, fazem parte do seu dia a dia.

O quanto esta série fala o crescimento das metrópoles e a nossa nova realidade urbana?

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CALEBE SIMÕES Último Baile

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alebe Simões teve um início na fotografia similar ao de muitos fotógrafos: no laboratório fotográfico, experimentando entre cópias e revelações, porém seu interesse pela fotografia vem de sua infância, quando seu pai o deixava tirar a última foto de cada rolo de filme. Em Último Baile, Calebe trabalha justamente com a memória e com a construção de um novo significado para uma fotografia já feita. As imagens vem de um arquivo já familiar ao fotógrafo, com o qual Calebe consegue criar um novo clima para as imagens, mais onírico e impreciso.



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Calebe, como começou seu interesse pela fotografia? Eu comecei a fotografar no curso de jornalismo da Universidade Metodista em 1999, acho que foi o ambiente do laboratório fotográfico me atraiu. Depois de um ano e meio eu parei a Faculdade de Jornalismo e comecei a estudar fotografia na Escola Panamericana de Artes, essa é a explicação racional, porém eu acho que a explicação psicológica é mais apropriada. Quando estava realizando a montagem da minha primeira exposição solo, o curador Renato de Cara perguntou-me por que comecei a fotografar e eu não soube responder, fiquei dias procurando a resposta e pensando na minha relação com a fotografia. Lembrei de

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meus álbuns de família, das centenas de fotos que tiraram quando eu era criança e encontrei a primeira foto que tirei quando tinha 6 anos, é uma foto dos meus pais. Vendo essa foto eu lembrei que sempre pedia para meu pai deixar eu tirar fotos com sua máquina. Os primeiros pedidos foram recusados, mas depois ele começou a deixar que eu tirasse somente o último fotograma do rolo fotográfico. Hoje eu sei que foi ali, talvez no primeiro não que meu pai me disse e que mais tarde se transformou em apenas um clique, que meu interesse por fotografia surgiu. Talvez tenha sido algo que me foi negado e que anos mais tarde meu subconsciente resgatou.

Os primeiros pedidos foram recusados, mas depois ele começou a deixar que eu tirasse somente o último fotograma do rolo fotográfico. Nos conte sobre a criação do ensaio Último Baile. Eu comecei a pensar sobre o Último Baile depois que li O sonho dos heróis do escritor argentino Adolfo Bioy Casares, nessa obra o autor descreve uma história que se passa no Carnaval de 1927 em Buenos Aires, onde o protagonista não se lembra do que aconteceu durante os dias de festa e três anos mais tarde ele tenta em uma atitude frustrada recriar sua trajetória para ativar sua memória. Eu refotografei as imagens com a intenção de criar uma atmosfera onírica, imprecisa e intranqüila. É um jogo


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em que eu abro as portas do baile para que as pessoas possam entrar e sair do baile conforme sua tentação ou aversão. Quais foram os pontos mais marcantes do trabalho com um arquivo fotográfico? Normalmente as pessoas fotografam e depois editam. Quando trabalhase com arquivo fotográfico ocorre o inverso, pois você primeiro edita, depois utiliza alguma ferramenta para transformar o arquivo físico em arquivo digital (eu procuro refotografar) e edita de novo. Há quem diga que não é um trabalho de fotógrafo, mas isso não importa para mim. Com certeza você acaba se tornando mais um editor que um fotógrafo, pois você estuda mais as imagens procurando desvendar as histórias que estão escondidas ou criar um novo con-

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texto para as imagens. No caso deste ensaio o mais marcante é o poder de conotação que ele apresenta. Eu iniciei esse trabalho com uma idéia, mas depois ele tomou um corpo, uma alma própria que se comunica de diferentes maneiras com o público. Qual o papel do “histórico” neste ensaio? Você quer apresentar este momento no passado, dar novo significado a ele? Eu acho impossível fugir do contexto histórico quando trabalha-se com arquivos fotográficos, por mais que você construa uma ficção, as imagens carregam uma carga histórica. No Último baile, as roupas, os corpos a textura das fotos entregam o tempo das imagens e trazem memórias, utopias e desejos que estão ligados aos antigos bailes de carnaval, talvez a época dourada dos bailes de carnaval no

no Rio de Janeiro. Mas eu não estou interessado em completar uma lacuna histórica, existem fotógrafos que fazem isso e muito bem. Eu não estou trabalhando com arquivos políticos que devem ser vistos através de um contexto histórico. Meu trabalho é mais ligado a literatura fantástica, eu trago mais perguntas do que respostas. 

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Pio Figueiroa é um dos principais nomes da fotografia contemporânea brasileira. Apesar da pouca idade, sua trajetória já é das mais ricas, começando como fotojornalista no Recife, depois como um dos membros do coletivo Cia. de Foto e agora em vôo solo, produzindo trabalhos dos mais instigantes e se mostrando um dos grandes pensadores da produção fotográfica no Brasil. Tivemos a grande alegria de conversar com email por Pio e saber um pouco mais sobre o que se passa em sua cabeça. Sua carreira começou no fotojornalismo de Recife. Depois disso, veio a Cia. de Foto. Agora, você está em “vôo solo”. Quais são as principais marcas destas fases na sua carreira? Como o seu histórico fotográfico está ajudando a moldar a nova fase da sua produção?

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O fotojornalismo foi a minha entrada na fotografia e, por isso, imprimiu um procedimento, uma pátria, um sotaque, uma forma de agir. Hoje em dia não sou mais do mercado, não publico em veículos de imprensa, mas nem por isso me distancio de uma forma de construção e abordagem que se pauta pela técnica apreendida na lida do jornalismo. Diria que sou um fotojornalista que publica em meios menos convencionais a esse segmento, como o de arte, por exemplo, e desta forma, as pautas que cumpro têm uma urgência diferente. Há pouco mais de uma década, constituí o coletivo que cumpriu sua trajetória e a concluiu em 2013, término que me devolveu algo irredutível: sou um fotógrafo criado na prática, na rua, na construção de cenas que obrigam presença. O modus operandi do tempo da Cia, de alguma forma,

me afastava disso, pois lá os trabalhos surgiam numa dinâmica que dava sentidos às imagens por construções posteriores. Agora, volto às questões mais imediatas. E esse reencontro vem moldando essa nova fase de produção. Retorno àquela fotografia que se faz na rua, que mistura o fotógrafo ao assunto. Lentes curtas na escala de um caminhante que faz as imagens aparecerem em um embate de corpo, como prática do vivido. Seu trabalho tem uma proximidade muito grande de seus personagens e muitas vezes a sua vida está nas fotografias que você apresenta. Qual o papel da proximidade e da intimidade na sua produção? Tenho algum tipo de impulso hiperativo, sou ansioso por percepções. A fotografia resolve esse problema de não conseguir contemplar o mundo

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pacificamente. É uma companheira de expressão. Deposito nela desde ideias incipientes, estudos de forma até posicionamentos políticos. E nesse movimento aparece como assunto a minha própria família. Parte das dificuldades na vida prática refletemse dela. A intimidade expressada em minha produção tem a intenção de estender a duração de ações amorosas contaminadas pelas tensões que me lembram do risco que é viver. E quando fotografo assuntos um pouco mais distantes, na rua, por exemplo, pessoas que nunca vi me provocam uma insegurança, um medo pela intromissão da abordagem fotográfica. O que me cativa e instiga. Tem algo no campo, no ato de aproximar bruscamente de um assunto, do qual sou dependente. Me fascina o desconforto da aproximação sendo ela íntima ou recente.

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Você consegue manter uma relação muito interessante entre sua produção autoral e comercial. Você busca manter uma assinatura visual? Quais são os trabalhos que mais te instigam? É muito difícil separar claramente o que faço como autoral e comercial. No fundo, essa duas vias suportam um mesmo projeto de vida. Não consigo me desprender do lado comercial pelos motivos mais óbvios, pois tenho uma família grande e essa escolha “maluca” de viver em São Paulo, ou seja, tudo ao redor demanda dinheiro, escola, deslocamentos, pesquisa, diversão, etc., mas tem uma coisa desse lado comercial que me dá prazer em realizar. Aprendo muito com os profissionais que me cercam. Me envolvo em um ritmo grande de atualizações técnicas e sou forçado a responder rápido às demandas. Esse treino técnico, criativo, me determina

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inclusive como artista. Há um entre essas duas atuações que me interessa e não saberia me sustentar senão me relacionando com esses lados. Fui aos poucos perdendo os preconceitos que cercam e dividem os meios. Hoje misturo tudo. Disfarço menos que vivo entre mundos que tentam ser opostos mas no fundo são assustadoramente próximos. De fato mantenho uma assinatura visual em tudo que faço, as vezes mais ou menos contaminadas pelas intromissões dos aspectos comerciais. Você tem se tornado uma das principais referências de pensamento e pesquisa dentro da produção fotográfica contemporânea brasileira. Qual a importância deste processo na sua carreira? O quanto a nossa fotografia tem a ganhar ao se aprofundar neste pensamento crítico?

A entrada em uma pesquisa teórica se deu quando a prática topou no limite pessoal. Comecei a fotografar cedo e sempre de forma muito intensa. Rapidamente essa via prática denunciou um limite. Havia um condicionamento na produção de que toda fotografia necessitava uma aplicação imediata. Isso começou a incomodar e nesse movimento surgiu um certo distanciamento crítico sobre meu próprio trabalho. Percebi o quanto lhe faltava densidade, pois gostava das fotos mas elas se portavam esvaziadas com o tempo, condicionadas à versão que lhe dominava tão rapidamente. Certa vez li um texto do professor Eugenio Bucci sobre uma fotografia de família que rememorava vivencias afetivas da cidade em que nasceu. Mas ele não falava de passado. A fotografia descrita estava viva em suas palavras atuais. Essa leitura


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foi muito forte, foi a primeira vez que a fotografia me fez chorar. E não era uma fotografia efetivada, não estava ali vendo a imagem impressa, mas, e tão somente, as direções que lhe davam sentidos. Comecei daí a buscar essa outra emoção, a do entendimento. Acho que o ato fotográfico exige um certo estrabismo (como disse Júlia Maia, uma amiga da Filosofia), um deslocamento de olhares mesmo estando concentrado em um só referente. Um olhar mais imediato deve se voltar para o momento, à mistura do assunto, aquilo que só irromperá poesia se a sua carne tocar na cena. Por outro lado, um outro olhar, deve ter o treino do distanciamento, de um desconfiar-se de si e constituir dúvidas sobre o que a intensidade de um ato fotográfico pode ter de suficiente como potência de comunicação. É como dizer que fotografar é um ato

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íntimo, particular, uma ação, propriamente dita; o resultado por sua vez precisa ser universal. Para isso, o segundo olhar é o da abstração, da pesquisa crítica, do discurso estético sobre o que se pretende. Você vê a fotografia brasileira em um momento de maior consciência da importância da pesquisa e da crítica no nosso meio? Ter essa consciência é essencial para um fotógrafo contemporâneo? É essencial, sem dúvida. Perdemos o privilégio daquele papel de outrora que nos autorizava a somente fotografar. Bastava o clique sobre momentos menos convencionais para nos deixar repletos, embriagados com a catarse que é o trabalho de campo. Não cabe mais ao fotografo aquela ideia de que uma fotografia se basta. Ela é muito mais uma falta, e não podemos alie-

nar da função de dar-lhe sentidos. O professor Eduardo Cadava, da Universidade de Princeton, diz que uma fotografia vale por mil perguntas. É crucial percebermos as fotografias ganhando uma orientação de futuro, recriando histórias; é potente vê-las olhando para frente, com menos fidelidade a algo acontecido, e bem mais ligada às versões que podem ser criadas. O professor Mauricio Lissovsky, da UFRJ, escreveu certa vez que “de cada fotografia emana a radiação ultravioleta que glosa o texto de nossas vidas. Em cada uma delas, inscreve-se o nosso destino. E o nosso destino não é o que nos tornamos ou o que deixamos de ser. Nosso destino, como escreveu Eduardo Cadava, é ‘aprender a ler’ ”. O sentido da palavra fotógrafo não é unívoco. Tomá-lo como se fosse, como se estivesse em questão uma mesma essência

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quando se trata da experiência que se dava no século XIX, onde poucos, aristocratas e pesquisadores, lhe tinham acesso; do fotógrafo positivista do século XX, desbravando mundos intocáveis, fotografando lugares distantes da Europa, ou dos fotógrafos modernos americanos, dos modernos europeus, os vanguardistas europeus, ou ainda a fotografia que se fez na África, por exemplo, nos leva a perder de vista, nesta abstração, toda a dimensão histórica de que as diferentes espessuras da fotografia moldaram sucessivamente a natureza do fotógrafo. Isso nos leva a pensar que chegamos, ao final, no dia da caça em que a figura clássica, mais imediata do ser fotógrafo perde seus direitos predatórios e esse caçador passa a ser caçado.Precisamos de um afastamento crítico sobre um mundo no qual todos fotografam. Ser fotógrafo

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se tornou muito mais um filtro uma opacidade lançada ao mundo imagético do que aquele tipo histórico que se contentava em somente produzir fotografias. Devemos olhar para onde as imagens apontam tanto quanto de onde surgem. Sua pesquisa lida bastante com nossas noções de realidade e ficção. Como surgiu este interesse de relativizar e ressignificar estes dois termos? A realidade é ficção em um estado bruto. Não podemos ter compromissos com a realidade se não e apenas, trata-la como matéria, como motivo a ser moldado. Nossa atividade ética, política, pictórica, artística está no treino de fazer histórias ganharem versões. Podemos pensar na ficção como uma atividade da consciência, uma faculdade que temos justamente para lidar com o real. Na fotogra-

fia tomo isso como máxima: sempre ficcionalizar. O mais pertinente é arrancar os assuntos do ritmo natural da vida e torna-los abstrações para que pulsem compreensões possíveis. Filosoficamente, o que fazem as foConvidei um amigo, Alex Carvalho, diretor de filmes, e chegamos à ideia de fotografias expostas como em um slide show mas que em algum momento uma parte da imagem se movia. Essa perturbação que aconteceu no 911 foi um resultado primordial. Tornar diretor de cena foi bastante processual. Primeiro me apaixonei pelo meio do vídeo para expor ideias que realizava como fotógrafo. Um passo à frente e já me vi como diretor de cena. O seu trabalho e o da Cia de Foto já foram vistos e divulgados em quase todo o mundo. Como este alcance te


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influencia? Você busca um intercâmbio com a fotografia de outros países? É muito legal quando a pesquisa entra em um veio de discussões tornando as coisas dinâmicas, exigindo respostas e atualizações. O problema é não nos tornarmos dependentes disso. Há um movimento que identifico como problemático. Existe uma mentalidade no mercado cultural que se afirma resumindo o que é expor. Escrevi há pouco no Icônica sobre isso quando falei do trabalho de Ana Lira. Vivemos uma ansiedade por exibir que tem minado o valor de público, comunidade, etc. É uma história complexa, bacana, instigante de se pensar. Somos uma comunidade incipiente, o que nos faz apressados, ansiosos por realizações e as vezes, vulneráveis às práticas que não necessariamente atendem a uma emancipação artística. Tenho um inter-

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câmbio sistemático com produções locais, e tento manter uma antena ligada com o que rola fora do Brasil. Sou editor de uma revista a Sueño de la Razón(http://www.suenodelarazon. org/) que tem um time de editores que abrange quase todos os países latinos. Uma outra coisa que posso indicar aqui é um projeto encampado pelo Cdf(Centro de Fotografia de Montevideo), o Vivência, com curadoria de Daniel Sosa e Verônica Cordeiro e mais um time de indutores que desenvolverão durante dois anos trabalhos com fotógrafos que serão selecionado por uma convocatória. Esse grupo é formado por Fredi Casco, do Paraguai, Rosângela Rennó, Maurício Lissovsky, e por mim aqui do Brasil e pelo Luiz Camnitzer, educador que atualmente vive nos Estado Unidos. Tenho muitas expectativas sobre essa iniciativa e as trocas

que ocorrerão. No seu site você aponta que sua pesquisa “leva a fotografia aos seus limites expressivos.” A busca por este limite é algo central na sua produção? Buscar expandi-los é algo essencial para a fotografia contemporânea? Acho que o limite da linguagem fotográfica é a sua maior potência. É pelo vazio que se posta eficiente, pela protensão que provoca ao retirar o movimento natural das coisas, implacável em conseguir boicotar o futuro de suas desejáveis precisões. Podemos pensa-la como forma de compreender algo muito distinto da ação de captar simplesmente o sentido claro das coisas, subvertendo os limites próprios das pretensões autorais junto ao entendimento de que com fotografias não se pode dizer tudo, mas nelas reside a possibilidade de

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tudo ser dito novamente. No projeto do qual falei acima, o Vivência, minha parte na curadoria é justamente sobre o limite do fotográfico. A fotografia é uma interrupção que produz faltas, e pela ambiguidade intrínseca dessa linguagem os caminhos se interrompem propondo trajetórias, ou lhe fazem transitar e flertar sempre com outros meios. Ela não se basta. Você considera sua produção documental? Qual o papel da fotografia documental no cenário contemporâneo? Como as linhas cada vez mais tênues entre realidade e ficção influenciam a fotografia documental? O trabalho que proponho se afirma no campo da arte, porém com um procedimento artístico talhado no fotojornalismo. É, por isso, uma fotografia que tem balizas éticas, configurações estéticas, com uma carga mui-

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Perdemos o privilégio daquele papel de outrora que nos autorizava a somente fotografar. Bastava o clique sobre momentos menos convencionais para nos deixar repletos, embriagados com a catarse que é o trabalho de campo. Não cabe mais ao fotografo aquela ideia de que uma fotografia se basta.

to grande da cultura do documental. Mas acho muito instigante essa tensão, pois no limite, o trabalho documental quando atinge uma excelência, e se expande nas discussões mais conceituais sobre o que propõe, eles atingem o status de arte. O inverso também é verdadeiro. Uma fotografia que se propõe como arte, quando atinge um certo estado de apreensão, divulgação, quando suscita criticas e discursos que lhe preenchem dos sintomas e ansiedades de uma épo-

ca, ela se torna um documento, se faz documental. A distância dessas duas formas de fotografia é histórica. Acho importante conhecer essas delimitações, desde que isso não te limite a um geografia de atuação.


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FRANCISCO SANTOS Anastácia

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rancisco Santos começou a investigar a fotografia pelo desejo de fotografar o crescimento de sua filha. Vinte anos se passaram desde então e o engenheiro de produção passou a se dedicar não só às transformações na sua família, mas também à produção de ensaios e projetos documentais. Em Anastácia, Francisco usa de seu acesso a áreas restritas da produção petroquímica para apresentar uma cidade invisível, como proposto no grande livro de Ítalo Calvino.



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Me preocupo com o devaneio, a Francisco, como começou seu interesse pela fotografia? O interesse veio de uma forma não habitual, não comum: Senti uma necessidade clara de registrar e acompanhar o crescimento de minha filha e comprei uma câmera amadora, como percebi que as fotos não estavam boas resolvi trocar de equipamento, bem... ocorre que algumas ficavam melhores e outras nem tanto, então eu resolvi estudar fotografia. Minha filha tem 20 anos hoje e eu passei a me dedicar a ensaios, a projetos fotográficos, há uns cinco, embora já fizesse fotografia de rua desde sempre. Minha formação é Engenharia de Produção e sou fotógrafo documental.

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Como surgiu o ensaio Anastácia? Tenho uma ligação muito forte com a linguagem escrita, uma curiosidade literária. Certo dia me caiu nas mãos, como que por acaso, o livro “As Cidades Invisíveis” de Ítalo Calvino e a fantástica história envolvendo Khan e Marco Polo me chamou a atenção. Eu vinha de um projeto que estava em fase final e buscava algo para me manter ocupado, uma nova idéia. Como eu trabalho na indústria petroquímica e o acesso à área industrial é bastante restrita, senti que tinha diante de mim uma das cidades invisíveis de Calvino. Anastácia, narrada no livro, foi a escolhida e as fotos propõe um poético caminhar por esta cidade, desde o amanhecer até o fim do dia... caminhemos!!

fantasia é o que proporciona a viagem, como na literatura. Há um trabalho forte de grafismo nas imagens. Esse é um dos elementos centrais do trabalho na sua visão? Não, embora haja sim um grafismo muito presente. Mas isso foi consequência do ambiente. A minha busca sempre foi dar vazão poética às imagens. Me preocupo com o devaneio, a fantasia é o que proporciona a viagem, como na literatura. Como você buscou construir um novo mundo, distópico, a partir da realidade que você encontrou? A distopia, a desesperança e a descrença em futuro idílico estão muito


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presentes nas referências imagéticas em que me baseei: Matrix, Blade Runner, Metropolis, A Cidade dos Meninos Perdidos, Laranja Mecânica entre outros... Mas eu sou um sonhador, acredito que um mundo diferente é possível. Termino o livro com o casaco que alguém utilizou durante a sua jornada, agora o casaco está aguardando o trabalhador e a jornada que virá. Creio que, um dia, esse homem terá consciência de sua escravidão e o casaco permanecerá pendurado.

dade e no final do dia saímos, a viagem lúdica termina. É um caminho cheio de referências: é possível encontrar Fritz Lang em um canto escuro de onde emerge um vapor que vem dos subterrâneos, as imagens duplicadas pelos reflexos nas águas nos remetem a Ridley Scott e temos os bordados das sombras presentes no expressionismo alemão através dos contrastes brutais. Se olharmos com cuidado será que não encontraremos um dos Transformers? 

Como você buscou construir uma narrativa em Anastácia? A narrativa é um convite para caminharmos entre os prédios, torres e tubulações de Anastácia. A temporalidade se apresenta na forma de um dia de trabalho, amanhecemos na ci-

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ílvio Crisóstomo mergulha na cidade em suas fotografias. Suas imagens exploram a noção de metrópole, de massa disforme que envolve a todos que habitam nela. As fotografias da série apresentada na OLD são sombrias, marcantes e fortes, mostrando uma São Paulo que mais afasta do que acolhe, que se constrói pelos imensos prédios e não pelas relações entre seus habitantes. As fotografias de Sílvio conseguem representar muito bem essa sensação de afastamento que São Paulo traz para a maioria de seus habitantes.



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Sílvio, como começou seu interesse pela fotografia? Começou com o cinema. Desde muito cedo sou um cinéfilo e com essa linguagem como base cultural, outras vertentes artísticas foram se apresentando no meu imaginário. Meu desejo era ser cineasta, um criador autoral, então a fotografia foi o caminho prático que eu encontrei para expor minhas opiniões, tanto visuais quanto escritas sobre a minha aldeia. E assim me tornei um artista visual autodidata, que utiliza a fotografia como suporte para a criação de imagens e vídeos.

fundamente. Na vida, tudo vira história e São Paulo foi onde a segunda parte (e mais longa) do meu percurso se deu. A primeira foi em Rio Largo (AL), onde passei minha infância. Sai de um lugar colorido, quente e perfumado, para morar na maior metrópole da América Latina. Essa mudança de vida influenciou decisivamente na construção de meu olhar e da minha pessoa, e posteriormente do meu trabalho artístico fotográfico. A série “São Paulo” é uma narrativa construída para afirmar o peso, o distanciamento e a solidão que senti durante um longo período.

Como você buscou construir a narrativa nesta série de imagens? A palavra narrativa me agrada pro-

Como se deu a escolha de apresentar a metrópole desta forma sombria? Nos últimos quatro anos que morei

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A série “São Paulo” é uma narrativa construída para afirmar o peso, o distanciamento e a solidão que senti durante um longo período. em São Paulo, produzi muitas séries tomando o urbanismo da cidade como “pano de fundo” para uma diversidade de expressões visuais que variam desde séries com a predominância de uma cor específica, como a “São Paulo Azul”, por exemplo, chegando até a anulação total do espaço, como a série “O Vazio”, onde o branco “molda” as formas e volumes encontrados na cidade. A série “São Paulo” apresenta uma metrópole que está na minha memória, na minha experiência subjetiva: distante e estática.A minha metrópole é sombria sim, um contraponto de tudo que eu


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já vi em fotografia sobre São Paulo, afinal, a sombra estava em mim e há carreguei por muito tempo. Qual o papel da cidade na sua produção visual? São Paulo forjou a base do meu pensamento visual. Ela me deu oportunidade de aplicar os signos urbanos escolhidos por mim, para apresentar minha poética, e permitir que sua adequação convergisse para inúmeras linguagens. Fui tão afetado por essa metrópole, e ao mudar para Curitiba, tive que me reinventar para continuar a expressar com consistência e rigor minhas ideias. Aqui no Sul do país, pude ver claramente, que eu conseguia dialogar com a cidade e ela comigo, mas de uma maneira muito sutil. Minhas referências signícas originais não faziam mais sentido, o que me obrigou a encontrar novas

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conexões e reflexões sobre as imagens visuais serializadas que eu criara anteriormente. O silêncio da cidade imprimiu uma situação pessoal de hermetismo, que permitiu um aprofundamento na pesquisa do material dos quatro anos anteriores, e assim encontrar uma nova linguagem: a do vídeo serial. Uma coleção de imagens com a tônica da busca do movimento a fim de criar uma pequena e nova narrativa. Você acha que fotografias das construções humanas podem contar mais sobre nossa história do que imagens de nós mesmos? A apresentação do ser humano numa fotografia é a mais clássica e formal maneira de dizer que nós existimos e que somos muitos espalhados por aí. O retrato humano na fotografia se tornou um objeto de culto viral iden

titário graças ao celular, as inúmeras redes sociais e a “domesticação” sem qualidade da fotografia profissional. O valor do ser humano enquanto imagem está banalizado. Nesse contexto, as construções urbanas são a prova palpável da capacidade de preservação de valores do pensamento e da cultura Cidades com identidade marcada e reconhecia por todos no globo. Eu acredito que as imagens fotográficas das construções urbanas reflitam as especificidades de uma sociedade. No caso de São Paulo, que absorveu culturas migrantes e estrangeiras muitos diferentes da sua até então, o efeito da globalização foi desestruturador. A cidade tornou-se repetidamente outra sem critério, num eterno exercício de “faz , desfaz, refaz” dos valores impregnados por essas culturas, refletidos em sua arquitetura destituída de identidade e inacabada. 

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OS SENTIDOS DO DIÁLOGO CRIATIVO

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o texto anterior fiz menção à apresentação de um trabalho para um grupo de amigas e de colaboradoras no fazer fotográfico. Aqui e agora, volto minha atenção para esse aspecto da realização compartilhada. Conduziremos nossa reflexão, assim, pelos caminhos da troca e da criação. O grupo é composto por cinco pessoas, cinco fotógrafos, cada um a seu modo. Um pouco angustiados em nossos cantos víamos nossas ideias tropeçarem nos afazeres outros que não os da expressão

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

artística. Quando me refiro à arte e à necessidade de nos expressarmos penso naquele aspecto da nossa vida que nos permite dizer que somos humanos, com mais convicção. Embora fundamental não é essencial, ou seja, nem sempre alimenta o espírito. Quando nos reunimos nesse grupo liberador de emoções e produtor de ideias mais inspiradas, criamos uma sincronicidade que nos lembra que somos todos iguais. Que temos necessidade de alimentar tanto o corpo quanto o espírito. O contato, a reunião e a conversa, realizada por pessoas de corpo e de espírito bem nutridos, aquilo que gosto de chamar de pessoas íntegras, promovem grandes transformações no próprio trabalho fotográfico. Uma das sensações mais fortes que tenho quando estamos tra-

balhando juntos, apresentando e discutindo nossos projetos, é a de que se cria uma sinergia tal que as barreiras existentes para a realização de nosso trabalho individual se dissolvem. Ao nos reunirmos essa forma de sentir se altera e trocamos de lugar com as dificuldades. Nós percebemos melhor e mais claramente, onde estão os verdadeiros limites e onde estão as potencialidades da criação. Existem outros aspectos significativos nesse tipo de trabalho como, por exemplo, a troca de informações e de experiências que produzem ganhos diversos. Mas, nada como o contato próximo e direto com outras pessoas que também buscam realizar projetos. Isto nos devolve a percepção de que devemos caminhar com as próprias pernas mas de mãos dadas. É mais divertido. 

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coluna

reflexões

Um pouco angustiados em nossos cantos víamos nossas ideias tropeçarem nos afazeres outros que não os da expressão artística. 107


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia de Milena Edelstein, da série O que eu vejo é miragem. Ensaio completo na OLD Nº 48.



INSTITUTO INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA FINE ART: PÓS-PRODUÇÃO E MERCADO A venda de fotografias impressas com alta qualidade e durabilidade é uma opção ainda pouco explorada por muitos fotógrafos, uma vez que a atuação neste nicho requer uma série de conhecimentos específicos. Ao perceber essa demanda, o IIF criou o curso Fine Art: Pós-Produção e Mercado, ministrado por Alex Villegas, que oferece uma formação abrangente no que se refere ao tratamento, a pós-produção, impressão e comercialização desse tipo de produto. Durante o curso, o aluno tem a oportunidade de compreender este amplo mercado, que inclui galerias de decoração, galerias de arte, colecionadores e museus. É oferecido um panorama mercadológico: quem são os compradores e quais são os tipos de trabalho que lhes interessam. A parte técnica inclui o conhecimento de todos os procedimentos necessários para realizar as impressões, desde o tratamento da imagem

digital e escolha de formato de arquivo, até as opções de papel, tinta e outras especificidades que influenciarão no resultado final da impressão. Outros temas a serem abordados são a montagem e a conservação do trabalho. Visando uma apresentação realista do ramo, a estrutura do curso conta com a participação de três convidados do fotógrafo responsável: um crítico de arte, um galerista e um fotógrafo atuante no ramo. Além disso, os alunos fazem duas visitas: a primeira a uma exposição e a outra a um ateliê de impressão, para entender de perto os diversos aspectos técnicos. A próxima turma do curso Fine Art começa no dia 14 de abril e termina no dia 23 de julho. Mais informações sobre o curso no site: http://www.iif.com.br/site/fine-art/


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DEPOIMENTOs DE QUEM FEZ

Segundo Gilberto Grosso, fotógrafo dedicado ao experimentalismo e aluno da última turma de Fine Art: pós-produção e mercado, o curso possui “uma abordagem ampla, conceitual e prática sobre o que é a arte e o mercado das imagens em fine art. Do princípio da criatividade e conceitos, passando pelos processos e equipamentos/materiais, à divulgação, exposição e venda das obras. Enfim, é um curso que todos os profissionais da imagem deveriam incorporar aos seus currículos”.

Para Edgar Kendi, designer, o aprendizado vai muito além das técnicas de impressão: “Compreendi que para se chegar ao Fine Art não basta apenas fotografar belas imagens e imprimi-las em um bom printer, é preciso compreender toda carga de significados que a imagem carrega em si e transmiti-los materializados em suportes que contribuam para tal fim”, diz.


December 10, 1870


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