8ª Coletânea de Contos Infantis Sesc (2023)

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Coletânea Sesc de

Contos Infantis

Curadoria: Anderson Novello

Ilustrações: Eric Sponholz

Coletânea Sesc de 8ª

Contos Infantis

Catalogação na Fonte: Sesc Paraná - Gerência de Cultura

C694 Coletânea de Sesc de Contos Infantis / Ilustração de Erick Sponholz; Curadoria de Anderson Novello. –Curitiba: Sesc PR, 2023.

88 p.: il., color.; 20 cm

ISBN 978-65-86651-18-8

1. Contos infantis. 2. Literatura Infantojuvenil. I. Sesc PR.

II. Sponholz, Erick. III. Novello, Anderson. IV. Título

Rosilda Rosowski dos Santos– CRB9/1238

CDD – 028.5

Oi, leitor! Oi, leitora!

As dez histórias reunidas neste livro foram escritas para você. Selecionamos contos de autores e autoras paranaenses para que possamos conhecer mais e melhor nossas histórias, lendas, mistérios, segredos, costumes, sotaques e tradições.

Desejamos uma boa viagem por essas histórias e ilustrações.

Bem-vindos e bem-vindas à 8ª Coletânea Sesc de Contos Infantis! Boa leitura.

Uma aventura empolgante

A escrita, para ser bem-sucedida, precisa aliar algumas características. São elas, o cuidado com a linguagem, o desenvolvimento lógico do texto, a descrição coerente dos fatos e, o aspecto mais importante, uma boa dose de imaginação.

Unindo tudo isso, a pessoa que escreve descobre um novo mundo, que brota das letras. Esses fatores também irão encantar o leitor – e não existe nada tão bonito quanto ver uma pessoa com os olhos grudados em um livro.

Toda criança começa a ser envolvida pela literatura ao ouvir as histórias contadas por seus pais e avós. Depois de adquirirem a capacidade de ler, elas passam a ter autonomia para se encantarem com as narrativas.

As coletâneas publicadas pelo Sesc PR, reunindo as obras escritas por autores dedicados a escrever para o público infantil, são indutoras da leitura. Cumprem um papel fundamental no desenvolvimento da criança.

É muito grande o orgulho que, a cada ano, esta coletânea nos traz. O Sesc PR sabe que, além de cumprir sua missão educacional, está abrindo as portas para um universo desconhecido, mas divertido e apaixonante.

Tenho certeza de que a presente edição será empolgante para você como é para mim. Boa leitura!

Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná

Comprometido com a formação de novos leitores e leitoras e com o fomento à produção literária estadual, o Sesc Paraná lança a Coletânea Sesc de Contos Infantis, que nesta 8ª edição celebra a literatura paranaense, suas histórias, paisagens, autores e autoras.

A cada edição, a Coletânea promove a formação de um imaginário comum, por meio de textos que carregam os sotaques, costumes, horizontes, cores, texturas, memórias e sabores que compõem a diversidade da identidade paranaense.

Ao longo dos anos, testemunhamos como a Coletânea Sesc de Contos Infantis tem se tornado um ponto de encontro especial entre autores e leitores. Cada história compartilhada é um laço que une gerações, permitindo que crianças e adultos se aproximem através da linguagem universal do conto. Nas páginas que seguem, encontramos não apenas narrativas encantadoras, mas também valores atemporais e perspectivas que ampliam nossos horizontes.

É nossa esperança que esta edição seja mais um convite para celebrar a magia das palavras e a maravilha da infância. Que a 8ª Edição da Coletânea Sesc de Contos Infantis seja uma jornada inesquecível para todos nós, repleta de descobertas, aprendizados e alegrias. A todos vocês, leitores e leitoras, desejamos uma experiência literária enriquecedora e mágica.

Diretor Regional do Sesc Paraná

Sumário

Príncipe de asas

Andressa Pinheiro

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Anelisa Martin Batista

Café com leite 19

A pergunta de Lomi

Carla Kuhlewein

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Máriam Trierveiler

Pereira

Isso é ovo do quê? 57

Meninos, meninas, pirambebas e a bola

49 Maria Wanda de Alencar Ramos

Baca Cherry

Lilliam Rosa Prado

dos Santos

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O que há com o bico do Tuco?

33 Gabriel Vernek

O jacaré que mora na cidade

Mayara Marengoni

65

A porta mágica no fundo da piscina de bolinhas

Oak Tonet Assad

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A menina lâmpada

77 Severo Brudzinski

Andressa Pinheiro

Sou paraense, nascida na cidade de Belém, lugar em que vivi por 28 anos regada com muito amor, alegria e açaí. Sou filha de maranhense e paraense. Toda minha vida escolar se deu numa escola apenas, e ela era meu segundo lugar favorito. Sempre fui incentivada a estudar e ler. Meus grandes exemplos de leitores eram meus pais, que mesmo com pouco estudo sempre liam em casa. Minha paixão por livros e escrita era tão intensa que estudei e me formei em Jornalismo (2009) por realização pessoal e intentava ganhar a vida com isto, mas a vida me surpreendeu e a educação me escolheu. Minha facilidade com línguas me levou a lecionar inglês em escola de idiomas, lugar em que comecei minha trajetória profissional. Busquei mais conhecimento para aperfeiçoar minha prática estudando Pedagogia e me formei em 2015. Logo depois de formada, me mudei para Maringá (2016) e continuei meus estudos na educação com uma nova perspectiva: aprender mais sobre inclusão, pois muitos alunos atípicos já haviam passado por mim e a sensação de que poderia ter feito mais nunca me deixou. Posteriormente, fui aprovada em alguns concursos e já estava trabalhando como professora de apoio e ainda lecionando Inglês (outra paixão que tenho) em escolas privadas. Durante todos esses anos o prazer em ler e escrever prosseguiu. Escrevi alguns livros até chegar neste conto que expressa a possibilidade da inclusão real nas escolas, pois o personagem é meu aluno e ele tem me ensinado mais do que eu o ensino. São lições diárias de como ser mais sensível com crianças tão diversas. A diversidade nos faz crescer como humano. Maringá como minha segunda casa me deu vários presentes e poder contribuir para a inclusão na educação é um deles.

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Escute o conto

Príncipe de asas

Andressa Pinheiro

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O sol já apareceu no céu, hora de usar meu trono de asas para mais um dia de aula. Pego carona em alguns colos (às vezes da mãe, às vezes da vó) para entrar no carro e assim olho a paisagem rumo à escola. Você deve estar se perguntando ‘’Que trono de asas?’’. Pois bem, é a minha forma carinhosa de chamar minha cadeira de rodas, pois com ela me sinto especial e importante, assim como toda criança deve ser. Ao contrário do que muitos pensam, nela vou para qualquer lugar, pois limitado é quem cria barreiras para o meu mundo. Um dia comum na escola seria assim. Ah, a propósito, me chamo Davi. Vem comigo...

No meio do caminho, vejo uma cruz lá no alto. É a Catedral de Maringá! Tem dias que a neblina a faz desaparecer. Em outros, o sol faz um lindo contorno nela. Em alguns domingos eu visito a catedral para assistir à missa com minha família. Bibiiiiiii! Chegamos na minha escola, Gabriela Mistral. Uma vez ou outra minha mãe fica triste, pois nem todo mundo tem a sensibilidade para a acessibilidade. Gente grande é complicada. A vaga para estacionar o carro é de quem tem um trono como eu, mas nem todos respeitam. A minha escola dá um show de inclusão, e vai além das aulas. Continue comigo e você vai ver.

Pego minha mochila e vrummmmmm! vrummmmm! Meu trono de asas não passa despercebido. Logo no portão, recebo os cumprimentos da diretora e supervisora e sempre recebo um carinhoso “cheirinho”. Mãos gentis me empurram até minha sala do quarto ano, e já me sinto voando!

Hora de pousar meu trono para estudar. As manhãs costumam ser bem divertidas e cheias de aprendizado. Como um pequeno príncipe que sou, temos coisa de

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realeza em sala. Por exemplo, acredita que eu tenho três professoras na sala? E uma é só para mim! Então, eu aproveito ao máximo.

Na maior parte das vezes, eu participo das aulas de asas, alma e mente, mas preciso dizer que tem dias que na minha imaginação estou mesmo é laçando cabeças ou patas de boi lá em Cruzeiro do Oeste. Eu e meu pai fazendo laço em dupla e eu já me vejo rodopiando a corda no alto da cabeça para laçar quando…PUF! Apagaram meu balão de imaginação. Meu trono é levemente puxado por um colega. A disputa pra empurrar ele é grande. Agora já é hora do recreio. Iupiiiii!!!

Próxima parada: parque. Um dos meus momentos preferidos é ser o carro imaginário dos meus amigos. Todos vêm interagir e brincar comigo. Sinto mãos gentis, mãos aceleradas, mãos cuidadosas, todas elas felizes em me guiar. No parque, posso ser mais que príncipe. Sou motorista, carro, laçador de bois, estátua, jogador de basquetebol e muito mais. Criatividade é coisa natural nossa. Ahhhh, acabou a hora do parque. Que pena! Snif! Snif! A fila se forma rapidamente em direção ao refeitório. A minha guia oficial, minha professora de apoio, assume a direção do trono. Vrummmm!!!! O caminho se abre para mim, pois quem tem um trono como o meu tem prioridade. Lá não só almoço, como vejo meus amigos dos anos anteriores, brinco um pouco com as supervisoras (de fazer coração com as mãos que sinaliza ‘’gosto de você agora’’ ou entrelaçar os dedos que indicam ‘’não gosto de você agora’’). Na maioria das vezes também converso e brinco com minha melhor amiga, Mari, que já não é mais da minha sala. Buááááá! Aproveito então esse tempinho para curtir a companhia dela. Depois que a comida e o papo gostoso acabam, bato as asas rumo ao pátio. Barriga cheia, energia reposta. A turma se organiza em fila de novo e chega o grande momento! Obaaaa! A próxima aula é uma de minhas favoritas, lá vou eu! Shhuuuuuuuu! Deslizo para a quadra todo solto. Sem guia, sem mãos me empurrando faço minhas manobras, e assusto um pouco minha professora de

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apoio (hahaha!). Coitadinha, ela morre de medo das minhas manobras radicais. Ela acha que vou me machucar, mas ela nem imagina que eu treino muito no meu tempo livre.

Quando estou na quadra participo de qualquer atividade, porque minhas professoras e amigos sempre me incluem na diversão. Não há barreiras para quem tem trono como eu se houver disposição no coração das pessoas. Incluir qualquer criança é tornar o mundo melhor, e um mundo melhor é um lugar mais feliz. Como diz a diretora: ‘’ Escola é lugar de criança feliz’’, e é assim que me sinto aqui. Falando de felicidade, aqui na quadra a aula acabou. Ufa! Educação Física dá uma canseira, mas ainda me sobra muita energia para estudar e brincar.

Ao fim dessa aula, passo no banheiro (adaptado pra mim) para limpar o rosto e lavar as mãos com uma ajudinha da professora e ao sair, fila formada. Acelero meu trono para entrar nela e descer a rampa de volta à sala de aula.

Encaixo meu trono na minha mesa de estudos e volto aos livros, cadernos, jogos ou materiais

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adaptados feitos pelas professoras. A criatividade delas é uma riqueza para meu aprendizado e até mesmo meus colegas de sala sempre têm algo a compartilhar. Eu aproveito bastante as oportunidades de participar: vou ao quadro, faço perguntas e respondo o que me perguntam. Quando posso, dou uma voltinha na sala (hehehe) seja para fazer atividades em grupo ou bater um papinho (quando a professora deixa, é claro).

Nessa escola me sinto um príncipe com asas. Todos estão sempre querendo me ajudar, me dando amor e atenção, além de me dar a liberdade para fazer as coisas dentro da minha capacidade. Toda criança tem o direito de ser tratada assim também, tendo um trono ou não. As mãos que empurram meu trono me impulsionam na vida. Minha cadeira de rodas é um trono de asas porque posso manobrar ou mesmo voar nela. Tudo depende da minha imaginação e da vontade das pessoas que me rodeiam. Meu trono não me prende, me liberta. Espero que esse tratamento continue real para mim e para todas as crianças em qualquer lugar. Quem sabe Maringá será conhecida um dia não só como cidade canção,

mas também como a cidade da inclusão.

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Anelisa Martin Batista

Nasci em Curitiba, Paraná, na véspera de Natal, mas às vezes dou sorte e ganho dois presentes.

Namoro meu marido há um tempão e tenho dois filhos lindos e arteiros.

Sou formada em Direito e trabalho como servidora pública no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Amo ler e todos os dias aprendo a escrever.

Sou autora do livro infantil “Baloel” pela editora Ases da Literatura.

Escute o conto

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Café com leite Anelisa Martin

Batista

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Era sempre assim: difíiiiiiicil. Tic-tac, tic-tac, alertava o relógio que o tempo estava passando. Já estava ficando noite e não tinham decidido ainda a brincadeira. Gastavam mais tempo agitando do que brincando. Um teimava que queria polícia-e-ladrão. O outro, depois que passou o verão em Guaratuba, só falava em mãe-baleia. Tinha, também, quem pedisse por pega-pega.

Enquanto isso, Pedro riscava o asfalto com um pedaço de giz. Gabi sugeriu dar uma volta de bike pelo Parque Tingui até definirem o que fariam. E, Ana, a irmãzinha da Gabi, animava-se com todas as alternativas porque, qualquer que fosse a brincadeira escolhida, seria café com leite.

Era sempre assim: “é porque você é pequenininha Ana”. Isso a deixava muito encafifada. Suas pernas corriam tanto quanto as de qualquer um. E sabia se esconder tão bem quanto Pedro. Mesmo assim, nunca a deixavam contar no 31-meu, embora já soubesse chegar até 100! Depois, não era assim tãaaao pequena. Tinha cinco anos a menos que todo mundo só. Isso não dava nem dois palmos de diferença. Certeza que podia jogar de igual para igual.

As luzes dos postes se acenderam. Desespero geral. “E agora?” Não paravam de perguntar, até que a mãe de Ana e Gabi gritou do portão:

— Gurias, tá na hora. Já pra casa!

— Ah, mãe! Só mais um pouquinho, a gente nem brincou ainda — respondeu Ana.

— Sei... Só mais cinco minutinhos.

— Cinco minutinhos não dá pra nada, tia

— interveio Pedro, jogando o toco de giz fora. Plec, plec, plec.

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— Dez e não se fala mais nisso.

Pedro virou-se para Ana e perguntou:

— Tá, Ana, você escolhe.

— Por que a Ana? — quiseram saber

— Ué, ela é café com leite.

Ana, sem perder a oportunidade, anunciou: esconde-esconde. E, não é que todo mundo achou legal? Tinham se esquecido do esconde-esconde. Os dez minutos viraram meia hora de bagunça, gritaria e diversão. Brincar no escuro de esconder era empolgante demais e a mãe ficou com dó de acabar com aquela folia toda.

As irmãs, então, voltaram para casa com as bochechas ardendo de vermelhas, com os cabelos grudados na testa e no pescoço. Salgadas de cansaço. Mãos, joelhos e pés sujos com uma mistura de terra, areia e grama cortada. Cheias de pico-pico grudado feito velcro nas bermudas.

“Direto para o banho”, essa era a ordem do

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pai, mas a barriga roncava de fome, ronc, ronc, e a mesa do lanche estava posta. Café, leite quente, pão com manteiga e chineque. Crec, crec fazia a faca da mãe ao cortar o pão francês ao meio. Humm... O cheiro fresco da comida abriu o apetite das meninas, que correram para debaixo do chuveiro. Chuá, chuá. Limpinha e de pijama, Ana sentou-se à mesa e fez um experimento secreto. Tomou só leite, glump, e o achou muito doce. Depois, só café, glump, e sentiu que era muito amargo. Mas, os dois juntos eram deliciosos. Já estava escuro e o pai acendeu a luz da sala, foi aí que Ana entendeu. Clic. Café com leite não é ganhar ou perder, é estar misturado!

E, era sempre assim: tic-tac, tic-tac, o relógio alertava que o tempo estava passando.

— Ana! — gritou Pedro, todo moço, do outro lado da rua, com o irmão caçula ao lado — O Davi pode brincar com vocês?

— Claro! Venha Davi, estamos brincando de pegapega! Você é café com leite, combinado?

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Carla Kuhlewein

Nasci em Santa Isabel, São Paulo, em 1977. Aos nove meses de idade, me mudei com a família para Rolândia, cidade no interior do Norte do Paraná, onde moro até hoje. Fui uma criança sonhadora e criativa. Na adolescência, descobri a paixão por escrever, ensinar e pelo Esterobaldo, meu amigo corvo inseparável, com quem conto histórias e procuro estimular a leitura em crianças, jovens e adultos. Por causa da minha afinidade com a Língua Portuguesa e com a Literatura, fiz graduação em Letras Vernáculas e Clássicas (UEL), mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada (Unesp) e doutorado em Literatura e Vida Social (Unesp). Publiquei o livro infantil “TRIM!” (2013), em parceria com a grande amiga Andreia Zanutto Salviato, e a tradução do livro de contos “Numa pensão alemã” (2021), de Katherine Mansfield, em parceria com Marcia Paganini, outra grande amiga. Atualmente sou professora universitária, escrevo resenhas sobre obras da literatura infantil e juvenil para a coluna “Sobrelinhas” no Jornal Regional (JR). Além disso, atuo no mercado editorial com revisão, edição e criação de textos.

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Escute o conto

A pergunta de Lomi

Carla Kuhlewein

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O sol estava nascendo, quando o galo cantou alto. Lomi acordou e se levantou bem devagar. Colocou o vestido, calçou as alpargatas, sentou na cadeira e ficou segurando escova de cabelo na mão. Como sempre, Dona Catarina entrou quarto com pressa, escovou os longos cabelos lisos da filha e fez uma linda trança com os fios clarinhos.

Todos os dias, Lomi acordava bem cedo para ir a pé à escola, acompanhada de suas irmãs Ita e Doli. O caminho era longo. Primeiro elas tinham que atravessar o sítio onde moravam, depois, passavam pela fazenda Bela Vista até chegar à fazenda Palotina, onde ficava a escola.

Frau Kempf era a professora, uma senhora alemã muito exigente, preocupada com a educação das crianças ali da redondeza. Ela dava as aulas na fazenda, nos fundos de sua casa, numa sala grande e bem-ventilada. Como a língua materna dos alunos era o alemão, a professora os ensinava a ler e escrever nesse idioma e também a ler, escrever e falar em português: “Beide!” — dizia ela. Frau Kempf não permitia conversas na sala de aula e fazia todos aprenderem tintim por tintim: “Prestem atenção, só vou explicar uma vez!”

Depois da escola, Lomi chegava em casa exausta. Mesmo assim, ainda tinha bastante energia para brincar com os seis irmãos: Ita, Doli, Nene, Bubi, Bibi e Bebe. Juntos formavam a “escadinha”, como dizia Dona Catarina, orgulhosa dos filhos. Seu Peter era o pai de Lomi e trabalhava o dia todo no sítio da família, capinando, ordenhando as vacas, alimentando as galinhas, os porcos, plantando e colhendo… ele chegava tão tarde em casa, que muitas vezes Lomi ia dormir sem ver o papa, como os filhos o chamavam. Era Dona Catarina quem cuidava das crianças. Por isso, sempre que Lomi precisava de alguma coisa, era para a mãe que pedia.

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Aquele dia, Lomi chegou em casa com uma pergunta entalada na garganta. Começou lá na escola… Tentou botá-la para fora o caminho todo, mas não saiu de jeito nenhum! À tarde, brincou no pomar, subiu nas árvores, construiu casa de madeira velha, chupou manga do pé e nada de a pergunta ir embora.

À noite, já de pijama, entrou de fininho na cozinha e ficou escondidinha num canto. Espiou a mãe fazendo o bolo preferido do marido: Kuka!

“Amanhã é aniversário do papa!” — falou Lomi baixinho.

— Na, Lomi — disse Dona Catarina. — Ainda acordada?

Lomi ficou vermelha, não queria que a mãe a visse ali. Pensou em correr para o quarto, mas a pergunta não deixou. Estava na hora de botar ela pra fora! Bem tímida, desengasgou:

— Mama… o que é… pioneiro?

— Mas que pergunta é essa agora, Lomi?

— Hoje a Frau Kempf disse que o papa é pioneiro de Rolândia… Mas ele nem planta pinheiro!

— De onde você tirou isso, filha?

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— Foi a Doli. Ela disse que pioneiro é quem planta pinheiro…

Dona Catarina achou graça da criatividade de Doli e soltou uma gargalhada:

— Essa menina gosta de inventar histórias… Vem cá, minha filha, senta aqui.

Lomi deu um suspiro e sentou na cadeira ao lado da mãe. Finalmente a pergunta tinha saído!

— Como você sabe, seu pai nasceu na Alemanha. Quando ele tinha mais ou menos a tua idade, começou por lá uma guerra. Então, quando papa ficou moço, decidiu vir para o Brasil recomeçar a vida. Comprou um pedaço de terra aqui no Norte do Paraná, mas quando chegou só o que viu foi uma grande mata fechada.

— Então ainda não tinha nosso sítio?

— Não, Lomi. Ele construiu tudo isso que temos hoje! Primeiro, derrubou algumas árvores e com a madeira construiu nossa casa. Depois, começou a plantar, colher, fazer o estábulo, o galinheiro…

— E a escola da Frau Kempf?

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Também não existia ainda… Quando o papa chegou aqui, não tinha a vendinha do Seu Stefan, a loja do Seu Max nem o Clube Concórdia.

Rolândia não era uma cidade assim com ruas e casas como você conhece hoje. Ela era bem pequenininha.

— Então pioneiro é aquele que faz uma coisa num lugar antes de todo mundo? — interrompeu Lomi.

— Isso! — aplaudiu Dona Catarina, orgulhosa da esperteza da filha. Lomi ficou sem jeito. Tinha vergonha quando alguém a elogiava. Mas logo veio outra pergunta:

— Mama, você também é pioneiro?

Dona Catarina riu e disse:

— Não, Lomi, não sou pioneira. Cheguei aqui bem depois do seu pai.

— Ah… se você não é pioneira — Lomi respirou fundo —, eu também não sou… porque vim bem depois de você, né?

Dona Catarina riu alto:

— Isso mesmo, Lomi! — e aplaudiu de novo.

Lomi até que estava gostando daquele jeito da mãe de elogiar…

— Agora vamos dormir, filha, já está tarde.

Amanhã você vai cedo pra escola.

Deitada na cama, Lomi

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ainda ficou mastigando a resposta da mãe, imaginando como devia ser desafiadora a vida de pioneiro. Chegar antes de todo mundo num lugar… transformar tudo…

No dia seguinte, acordou antes de o galo cantar. Vestiu-se e, toda descabelada, foi correndo na direção do galinheiro. Depois de alguns minutos, Dona Catarina chamou:

— Looooomi! Cadê você?

— Aqui, mama! — gritou Lomi, de trás do galinheiro.

— Lomi, o que está fazendo aí embaixo? Precisa ir para a escola!

— Vem cá ver, mama!

Dona Catarina desceu correndo: “O que será que essa menina está aprontando?”, pensou. Atravessou o galinheiro, foi entrando no mato em volta. Já estava quase sem ar quando ouviu um barulho repetido. Parou, respirou fundo e continuou andando. Quanto mais se aproximava, mais o barulho aumentava… De repente, viu Lomi com uma enxada na mão, capinando o mato em volta do galinheiro. Assustada, Dona Catarina perguntou:

— Lomi, o que está fazendo?

Cheguei neste lugar onde ninguém mais esteve antes, mama. Agora também sou pioneira!

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Gabriel Vernek

Meu nome é Gabriel Vernek, e eu gosto de escrever desde criança. Hoje eu sou encenador, ator, dramaturgo e pesquisador na área do teatro. Eu me formei como bacharel em artes cênicas na Unespar – Faculdade de Artes do Paraná. Participei como convidado na 35ª Semana Literária Sesc Paraná como jovem dramaturgo paranaense. Atualmente moro em Ponta Grossa, e sou o diretor geral do “Atteliê Criativo – Espaço de Criação e Pesquisa em Arte”, no qual mantenho repertório de espetáculos teatrais de gêneros variados, projetos de formação e qualificação, workshops, oficinas, palestras, entre outros. Entre meus objetos de pesquisa relacionados à literatura, estão a dramaturgia contemporânea no teatro para crianças e produção de texto em processo colaborativo de grupo.

Escute o conto

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O que há com o bico do Tuco?

Vernek 33
Gabriel

Havia, na coroa de uma araucária, um ninho no qual morava uma ave muito prestativa, e todo mundo gostava de conversar com ela. Um dia, chegou o murucututude-barriga-amarela no galho do ninho, dizendo para a ave que não iria mais voar com o cuiú-cuiú, porque esse tinha pegado a lagartinha dele para passear, e não devolveu!

Logo, a ave chamou o cuiú, e perguntou se era verdade a história do murucututu. E ele disse que sim, mas só fez isso, pois gosta de levar a ave na pontinha do bico, e o barriga-amarela na ponta da asa. Então, a ave percebeu que a lagarta era capaz de dar pulos, e disse que era para cada amigo voar solto. E a lagartinha podia pular da asa de um para o bico do outro.

E assim eles foram. Só que, logo em seguida, apareceu o Tuco com o bico preso num toco de galho! “O que aconteceu, tucano?”, perguntou a ave. “Eu estava de cutuques em uma árvore oca para fazer o meu ninho. Fiz tudo com jeitinho, e olha no que deu!”. A ave ficou com medo de mexer no toco preso no bico do Tuco, que logo começou a sentir calafrios. A ave ficou preocupada, e trouxe uma manta e um copo de água para o coitado, que deu de reclamar: “Agora está frio! Agora calor! Estou suando gelado!”. E a ave, cada vez mais preocupada com o tipo do Tuco, não sabia o que fazer. Veio chegando de longe — e meio que sem nenhum canto —, o pica-pau-do-campo, que já pousou em cima do toco no bico do Tuco. “Posso

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morar aqui?”, perguntou o do Campo. “Você está me dando calafrios!”, exclamou o Tuco. E a ave explicou o porquê de o galho ter parado ali. E o do Campo disse: “Ah, eu bem que poderia quebrar seu galho, amigo tucano! Mas fazer isso é um engano, se for sozinho. Eu vou chamar o meu primo, ele é um rockstar, e tenho certeza de que vai ajudar!”. E rapidamente chegou o pica-paude-banda-branca, que já pousou no toco que estava bem preso no bico. E os dois começaram cutucar o galho, para ver se quebrava. E eles tentavam, sem sucesso e nem sorte! Para piorar, veio vindo do Norte o mais sincero dos pássaros, o Gaio, com seus vastos assuntos a puxar. O Gaio, o papagaio verdadeiro,

chegou logo mandando a real: “Ninguém mandou ir tão longe para procurar uma casa!”. E o Tuco, entre frios e calores, disse que só tinha ido até os Campos Gerais, e voltado. E o Gaio não parava de falar, o Tuco de reclamar, e os picapaus de cutucar o toco. Mas o Tuco estava mesmo reclamando para valer!

“Que frio! Que calor! Que tremor!”. E a ave ficou tão nervosa que resolveu alçar voo.

“O Tuco está com um toco preso no bico! E está sentindo frio e calor ao mesmo tempo! O que ele tem?”. Ela foi voando, e perguntando para todos os pássaros que encontrava. Para a mariapequena, para o joão-debarro, para o zidedê, para o tangará. Perguntou ao guará, à mariquita e à

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caraúna. Tentou perguntar para a saíra, mas ela nem respondeu de tão triste por estar viúva! Perguntou até para o gavião-de-penacho e para o carrapateiro, que estava em horário de almoço. Mas ninguém sabia informar. E a ave começou a se cansar. Pousou no topo de uma enorme taça de rocha, que ficava numa vilinha bem velha. E ali ela pensou que queria tanto ajudar o Tuco, e não estava achando a solução! E, de repente, veio de longe, voando cortando o vento, um pássaro a piar tão alto, que chamou da ave a atenção. “Quem é você?”, perguntou ela. “Prazer, Corucão. Já viajei por muitos países para compartilhar meu conhecimento! E agora estou voando por estes campos!”. E a ave logo contou a história do Tuco, e os dois voltaram voando para onde ele estava.

E lá o tucano ainda reclamava! Depois de uma cautelosa análise, o Corucão disse que, para ficar tudo bem, era só tirar o toco, pois pelo que ele já tinha visto em algum livro por aí, o bico do Tuco não servia só para cutucar e comer, parece que a temperatura do corpo dele só iria melhorar se o bico estivesse saudável. E, assim, eles cutucaram e cutucaram, até que conseguiram livrar o Tuco do toco, que melhorou na hora! E todos descobriram que o bico era um dos responsáveis por regular a temperatura do corpo dele! E o Tuco agradeceu todo mundo, especialmente a ave. E o Corucão perguntou onde todos moravam, e a ave respondeu: “Moramos aqui nestas terras. Tem planaltos e tem serra! Muitos pássaros, como eles, e também como você. E tem sabiá! Esse lugar se chama Paraná!”. “E qual o seu nome, ave azul?”, perguntou novamente o Corucão. E a ave respondeu: “Eu sou mesmo dessa área! E você pode me chamar de gralha!”. E o dia terminou com um autêntico pôr do sol, e uma linda revoada dos andorinhões.

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Lilliam Rosa Prado dos Santos

Nasci em São Paulo, capital, e vivo em Curitiba, Paraná, desde 2000, o lugar dos meus sonhos para construir o lar onde moro hoje com meu marido Diomarcos e meus filhos gêmeos – Breno e Samuel. Temos um cachorrinho muito sapeca chamado Bobby Brown, que adora lasanha e detesta andar na rua de coleira, porque curte mesmo é a liberdade. Escolhi como profissão ser geógrafa pois sou fascinada pela descoberta de lugares diferentes pelo mundo. Então, cursei Geografia na Universidade de São Paulo (USP) e depois ampliei meus estudos no mestrado e doutorado na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente, sou professora, editora e autora de livros didáticos. Sinto que o amor nos inspira e nos move para fazer o que mais gostamos. Por isso, minha jornada pessoal e profissional é dedicada ao desenvolvimento humano e à preservação da natureza.

Escute o conto

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Baca Cherry

Lilliam Rosa Prado dos Santos

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Toda criança em qualquer lugar do mundo é curiosa e, por isso, não é de se estranhar que quando não sabem sobre um assunto elas perguntam mesmo! E quando estão sem resposta a imaginação fica com a responsabilidade de dar conta do recado! Pois bem, aqui vamos nós em uma dessas histórias que nascem de uma pergunta e seguem na imaginação, fazendo brotar outros questionamentos. Com o tempo essas perguntas se espalham pelo mundo sem deixar rastro do que é história de verdade e o que é história inventada. Raj é o nome de um menino indiano que vive em uma cidade ao norte da Índia com um nome bem diferente: Rishikesh. Todos os dias ele caminhava às margens do rio Gangues oferecendo flores para os turistas e de tanto andar por ali já falava vários idiomas, até português. Cada turista que chegava por lá ele dizia: “Oi! De onde você vem?” Essa pergunta era a primeira de muitas e muitas outras que o Raj explorava entusiasmado durante suas conversas. Geralmente, as pessoas o ignoravam e respondiam que estavam apressadas ou ocupadas. Mas Raj, assim como todas as crianças, não era de desistir e continuava de olho em um turista que estivesse interessado em uma boa conversa.

Certo dia, em suas costumeiras caminhadas às margens do rio Gangues, ele encontrou um turista, um menino que devia ter idade parecida com a dele — uns nove anos ou 10 anos de idade — e logo aproximou-se dizendo: “Oi, eu sou o Raj! De onde você vem?” O garotinho turista olhou ao redor surpreso com a investida direta do menino indiano e, ao perceber que seus pais ainda estavam conversando ao celular, resolveu responder, mostrando certa indignação.

— Ora, antes de saber meu nome, já quer saber de onde eu venho?!

— Ah desculpe, é que eu logo sei quem é a pessoa quando descubro seu lugar de origem. — disse Raj prontamente e alinhando a postura.

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Sério!? Não sei não. — disse o menino brasileiro, tentando disfarçar o interesse recíproco em fazer amizade com Raj.

Os dois se olharam bem, deram risada e seguiram em uma caminhada molhando os pés nas águas cor de esmeralda e brilhantes do rio Gangues, enquanto uma brisa suave que chegava das montanhas do Himalaia refrescava o passeio. Os meninos andavam sem pressa e então Marquinhos contou para Raj que era brasileiro, nascido no estado do Paraná e morava na cidade de Curitiba. Durante a conversa Marquinhos disse que estava surpreso de ver tantas vacas pelas ruas da Índia. Raj explicou: “Aqui na Índia, a vaca é um animal muito sagrado, por isso elas vivem livres e são respeitadas por todos”.

Ao ouvir a história, Marquinhos ficou surpreso e quis também contar uma história de seu lugar de origem.

— Bom, no Brasil, a vaca não é um animal sagrado, mas no bairro onde eu moro havia um fazendeiro que com certeza tinha muito respeito e consideração pela sua vaquinha.

— Legal! Conta mais! — pediu o garoto indiano, mostrando-se pronto para embarcar na história e atento à nova aventura.

Então Marquinhos contou que o bairro onde mora é chamado de Bacacheri e que na cidade muitos conhecem uma lenda urbana, desse bairro curitibano. Dizem que antes da urbanização o lugar era uma grande fazenda de propriedade do senhor Pierre — uma figura e tanto! Um francês que logo cedo já estava todo arrumado como quem vai a uma festa só para cuidar de seus animais e de sua plantação na fazenda. E, dentre seus animais, havia uma vaca que ele chamava de “Cherry”, que significa “querida”, em francês. Passava o dia chamando sua vaquinha e ficava feliz em vê-la pastando livremente pela fazenda. Mas um dia a vaca Cherry sumiu, desapareceu do nada.

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Raj então parou por um momento a caminhada, olhou para o colega e disse mostrando preocupação: “Sumiu!? Como assim!?”

Marquinhos prosseguiu e explicou que o senhor Pierre saiu desesperado procurando a vaquinha dia e noite com sotaque misturando português e francês e a pronúncia do nome da vaca acabou virando baca e ao longe se ouvia: “Cadê minha baca Cherry? baca Cherry, cadê você?”

O garotinho indiano arregalou os olhos. “E aí, o que aconteceu? Ele a encontrou?” Disse Raj já inquieto para saber o desfecho da história. Suspirando bem fundo, Marquinhos, fez aquele olhar de mistério típico de quem conta uma lenda e seguiu: “Infelizmente, o senhor Pierre não encontrou a vaca Cherry. Dizem, inclusive, que ele também teria desaparecido durante as buscas e há quem diga que até hoje seu espírito grita durante as noites: ‘baca cherry, cadê você?!’”

Raj ficou em silêncio, mas seu rosto dizia que ele já estava tramando em fazer uma daquelas perguntas que deixa o outro sem resposta. Então, Marquinhos, que também era muito esperto, apressou-se em concluir:

“Ora Raj, não se preocupe! É só uma lenda urbana! E por fim essa história é usada para explicar que o nome do bairro Bacacheri tem origem na famosa baca Cherry. Entendeu? Além disso, aqui na Índia tem muitas

vaquinhas; talvez uma delas possa ser a vaca Cherry, né?”

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E assim, o garoto de Curitiba terminou mostrando confiança e certo de ter dado um ótimo final para a história. No momento seguinte, Marquinhos ouviu seus pais o chamarem — era hora de partir. Os dois meninos então se despediram longamente como se fossem velhos amigos e prometeram se reencontrar no futuro.

Os dias passaram e Raj, intrigado com a história da vaca Cherry, disfarçadamente ao encontrar uma vaquinha na rua perguntava sussurrando: “Baca Cherry? É você?”. Dizem que de tanto perguntar um dia uma das vaquinhas misteriosamente passou a acompanhar Raj todas as manhãs em suas caminhadas às margens do rio Gangues.

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Maria Wanda de Alencar Ramos

Sou Maria Wanda de Alencar Ramos, nordestina, residente no estado do Paraná há 10 anos.

Atualmente morando no litoral paranaense, na cidade de Guaratuba, poeta popular, engenheira agrônoma, mestre e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Servidora pública atuando na área socioambiental.

Encontrei nos contos uma forma de externalizar o simbólico e balancear as dimensões da vida, pois, se a ciência, necessária à compreensão e desenvolvimento da vida, requer o rigor científico, na arte e literatura posso criar de forma lúdica, sonhar e fluir no imaginário popular.

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Escute o conto
meninas,
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Meninos,
pirambebas e a bola

Pertinho da praia de Jacutinga, que fica em Itaipulândia, uma linda cidadezinha do Paraná, com paisagens lindas e deslumbrantes, há uma lagoa, propícia para os passeios de todas as famílias. Lá estavam nove crianças pertencentes a três famílias diferentes, que brincavam de bola num admirável fim de tarde, típico dos verões e de domingos quentes da Região Oeste de nosso estado.

Na parte mais acessível da lagoa, conhecida como Lagoa da Luz (em razão de sua reluzente beleza de águas cristalinas, que encantam pássaros e transeuntes de Itaipulândia), havia uma areia gostosa para caminhar, brincar e tomar sol. Lá existia uma passarela de madeira que adentrava até certa altura da lagoa, que então a dividia em duas partes. Uma destinada para o banho, onde as crianças estavam jogando bola, e o outro lado da passarela era recoberto por vegetação própria para a vivência e reprodução de uma espécie de peixe, as chamadas pirambebas.

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Neste local consta uma placa com a seguinte descrição: CUIDADO: ÁREA SUJEITA A ATAQUE

DE PIRAMBEBAS. Por ali ninguém ousava chegar, pois o ataque das pirambebas era implacável. Eram conhecidos na região os mais diversos causos ocorridos com essas feras.

Eis que enquanto jogavam um futebolzinho no lado reservado aos banhistas, Cicinho deu um chute tão forte na bola que ela ultrapassou a passarela, caindo no lado povoado por pirambebas.

Nesse instante, foi aquele rebuliço, muitos que estavam nas margens murmuraram: “Meu Deus!!!”

Outros diziam: “E agora? Quem vai pegar?”

Enquanto isso as crianças ainda confusas com aquela situação, disseram em coro: “Como vamos fazer para retirar a nossa bola?”

Mariazinha exclamou: “Não temos outra para brincar.”

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Joaquim balbuciava: “Essa bola foi muito cara”.

Toninho, irmão de Mariazinha e o menor de todos, começou a chorar: “Minha mãe vai brigar comigo, ela comprou essa bola ontem, disse que eu tivesse muito cuidado, o que vou dizer para ela?”

E cada um entoava as suas aflições e medos, por não saberem o que fazer diante daquela circunstância.

Enquanto isso, às margens externas da lagoa, já se encontrava grande número de espectadores. Alguns rapazes, primos dos meninos e meninas, começaram a criar cenas aterrorizadoras para as crianças, brandando: “Eu vi uma vez uma pirambeba que pegou pela sua grande boca um menino e sacudia sem soltar a criança, igual um leão quando pega um filhote de ovelha, um burrego. Ninguém podia fazer nada, ela era muito feroz!”

Outro retrucou: “Uma vez eu vi um cardume atacando foi um adulto, nem vou falar o que aconteceu para vocês não ficarem com medo, mas eu não vi o adulto sair da água.”

E à medida que o tempo passava, cada um ia apresentando novas narrativas ocorridas às margens da Lagoa da Luz.

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Passado esse tempo, começaram a surgir algumas sugestões de como retirar a bola daquele lugar tão perigoso. Só que ninguém ousava executar o feito, diante do perigo que era adentrar aquela lagoa.

E o tempo foi passando, a tarde estava formada por um sol que reluzia por todas as partes do hemisfério. Iniciou-se a formação de grandes nuvens escuras, além do passar da hora em que o sol começava a se recolher para o dia tornar-se noite.

A bola continuava boiando sobre a água, e eles pedindo aos céus que o vento a levasse para a outra margem da lagoa, mas infelizmente isso não ocorria porque a vegetação impedia esse movimento da bola. Também parecia que as pirambebas estavam embaixo da água brincando com a bola e impedindo a saída dela, tanto é que Aninha disse: “Ouçam o barulho que elas estão fazendo em volta da bola!”Porém, eles precisavam resolver aquele imbróglio antes que o dia se fizesse noite e a escuridão impedisse qualquer plano de resgate da bola. Resolveram fazer uma reunião para achar uma ideia conjunta:

“Mais cabeças pensam melhor”, disse Valdir. Surgiu uma boa ideia, ao mesmo tempo em que ocorreu um problema: quem realizaria o feito.

Eis que Zezinho disse: “Eu vou executar o nosso plano! Entrarei nessa lagoa e recuperarei nossa bola.”

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Nesse momento, todos que assistiam à cena diziam em coro: “Você não sairá daí, pois a lagoa é bela, mas você não é, e a pirambeba não faz distinção entre um e outro.” Todos caíram em gargalhada. Foi quando Val empunhou um pedaço de cortiça que estava com ela e o jogou bem longe da bola. Nesse instante, o cardume de pirambebas nadou ao encontro daquele objeto. Imediatamente e muito rapidamente, Terezinha se apoderou de uma coragem inabalável e entrou na lagoa; segurou a bola e saiu correndo. Aquilo parecia um grande troféu. Os colegas a abraçaram e todos voltaram para as suas casas, na região de Itaipulândia, felizes e prontos para mais aventuras vindouras.

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Máriam Trierveiler Pereira

Aos 11 anos escrevi meu primeiro “livro” na máquina de datilografia Olivetti Lettera 32 vermelha de minha mãe. Desse dia até o final do ensino médio, escrevi peças de teatro que foram encenadas por colegas em datas comemorativas, e algumas poesias. Depois de algum tempo fazendo graduação, mestrado e doutorado em engenharia ambiental, pude voltar a me aventurar pelo mundo da literatura. Sou docente há mais de vinte anos e atualmente sou professora e pesquisadora do Instituto Federal do Paraná, Campus Curitiba. Participo de projetos de pesquisa, extensão e inovação para produção de literatura ilustrada e jogos de tabuleiros voltados para iniciação científica e educação ambiental. Já coordenei projetos artísticos e culturais, tendo sido diretora da Cia de Dança IFPR Schubert de 2010 a 2020. Nas horas criativas sou escritora de contos infantis, contos infantojuvenis, poesias e livros de não ficção de educação, ciência, arte e cultura.

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Isso é ovo do quê?

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— Mãe, olhe o que eu achei! — gritou Gustavo quando entrou correndo na cozinha de sua casa.

— O quê, meu filho? — respondeu a mãe, curiosa.

Gustavo mostrou a ela um ovo grande, meio esquisito. E logo quis saber:

— Isso é ovo do quê?

— Não sei, onde você achou? — quis saber a mãe de Gustavo.

— Lá no barranco onde a gente estava brincando de escorregar com papelão, perto do riozinho. Estava enterrado, acho que deve ser de tartaruga.

A mãe achou a história interessante, não sabia que havia tartarugas selvagens em Cruzeiro do Oeste. Como era um sábado à tarde, poderiam investigar esse enigma. A mãe de Gustavo propôs que fossem andar pela vizinhança para coletar mais informações.

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A primeira ideia foi irem ao sítio de D. Gertrudes. Eles sabiam que ela tinha uma tartaruga; ou seria um jabuti?

— Não, Gustavo, não é ovo nem de tartaruga, nem de jabuti, é muito irregular. — foi logo falando D. Gertrudes. — Deve ser ovo de jacaré.

E quem conhece jacaré é S. Antonio, da peixaria. Ele sempre vai para Umuarama, e disse que já viu um jacaré no lago Aratimbó.

Na peixaria, S. Antonio estava atendendo uma família, mas Gustavo chegou afobado e, rapidamente, foi perguntando:

— S. Antonio, isso é ovo de jacaré?

Todos pararam para olhar para o menino com o ovo na mão. S. Antonio quis examinar mais de perto e, em seguida, lançou o veredito:

— Não, Gustavo, não é, é grande para ser de jacaré, e eu já vi um ninho de ovos de jacaré lá em Paranaguá.

— Isso está parecendo um ovo de avestruz. — comentou um freguês da peixaria.

— Ah, a filha da D. Manuela tem uma criação de avestruz em Campo Mourão, será que a D. Manuela conhece? — sugeriu S. Antonio.

E para a casa de D. Manuela partiu Gustavo, sua mãe e o misterioso ovo. — Não é ovo de avestruz, Gustavo. O ovo de avestruz é bem branquinho, e esse está mais escuro. Será que não é ovo de pavão?

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— Mas aqui em Cruzeiro eu nunca vi pavão. — respondeu Gustavo, frustrado.

— Vamos embora, Gustavo, eu acho que você poderia perguntar para uma professora quando for à escola. — aconselhou sua mãe.

Gustavo chegou a pesquisar a respeito de diversos animais que botam ovos, mas não conseguiu nenhuma pista sobre sua descoberta. Teria que esperar até ir para a escola na segunda-feira. Mal dormiu naquele fim de semana...

No dia tão esperado, chegou à escola cedinho com o ovo embrulhado em um pano xadrez e chamou a professora de Ciências antes de a aula começar. Com todo cuidado, desembrulhou o objeto e já foi explicando:

— Não é ovo de tartaruga, nem de jabuti. Também não é de jacaré, nem de avestruz. Então, me diga, professora, isso é ovo do quê?

A professora, intrigada, disse que nunca tinha visto aquele tipo de ovo. Gustavo explicou, tim-tim por tim-tim, sobre o local do descobrimento e todas suas pesquisas.

— Gustavo, eu tenho um palpite sobre a espécie desse ovo. Posso ficar com ele para tentar descobrir? — perguntou a professora.

Com muito custo, Gustavo permitiu que a professora ficasse com o ovo. Depois de uma semana, que pareceu uma eternidade, a professora foi até a casa de Gustavo para dar uma resposta à dúvida do menino.

— Gustavo, descobri de que bicho é esse ovo: é de pterossauro! — exclamou a professora. Parabéns, você encontrou o fóssil de um dinossauro voador de 85 milhões de anos!

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Gustavo mal acreditava no que estava ouvindo. “Dinossauros? Aqui em Cruzeiro do Oeste?!” — pensava o garoto, com brilho nos olhos.

Depois desse dia, Gustavo ficava olhando para o céu, imaginando bandos de pterossauros voando. Também imaginava outros dinossauros correndo pelo Parque Municipal.

Na escola, só desenhava ou escrevia sobre dinossauros. Em casa, só assistia a filmes e desenhos de dinossauros. Quando ia comprar alguma roupa, tinha que ter dinossauros, e até ganhou um boné de dinossauro que seu primo trouxe de Curitiba.

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Ele usava esse boné toda vez que repetia aquela inusitada história para diversos repórteres que iam entrevistá-lo sobre a descoberta.

Hoje, Gustavo se dedica bastante aos estudos porque, quando crescer, quer se tornar um paleontólogo, um descobridor de fósseis. E nem vai precisar morar em outro lugar quando tiver que trabalhar, porque ele já mora na Cidade dos Dinossauros.

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Mayara Marengoni

Nasci e cresci na cidade de Maringá, no interior do estado. Pé vermelho com orgulho, adoro exaltar as belezas e qualidades da minha cidade.

Sou graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e atualmente ocupo cargo público em minha área de formação.

Fã de literatura desde a adolescência, encontrei em meus filhos, Matheus e Maria Júlia, a inspiração que me faltava para começar a escrever.

Estreante na arte literária, este é meu primeiro projeto publicado.

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O jacaré que mora na cidade Mayara Marengoni

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Matheus é um menino curioso e corajoso, que adora animais!

De peixinhos aos grandes mamíferos, não importa! O importante é estar sempre perto dos bichinhos.

Certa vez lhe contaram que um jacaré morava em sua cidade.

Será possível? Um jacaré morando em meio a casas, ruas e edifícios? —

Questionou o menino.

Porém, Matheus não hesitou: “Maringá vou explorar, para o jacaré encontrar!”

Na catedral em formato de cone, muitos degraus ele subiu. Mas chegando lá no topo, nenhum jacaré viu.

Já sei — pensou o garoto — vou ao Parque do Japão, onde muitas carpas eu sei que tem. Por lá andou, andou e andou, mas jacaré não avistou.

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Fez uma pausa para um lanchinho. Na feira tomou um caldo-de-cana e comeu um pastelzinho.

No teatro Calil Haddad, entre poltronas, palco e coxia Matheus procurou, mas com o jacaré não esbarrou.

Das grevíleas ao buracão ele caminhou de montão... onde estaria esse jacaré fujão?

No templo budista, uma pista: Vá em frente, não desista!

Pegou, então, sua bicicleta e pelas lindas ciclovias foi pedalar... Sob as sombras de flamboyants, cedros e ipês, será que com o jacaré ele irá trombar?

Rapidamente, o menino chegou à Vila Olímpica. No velódromo, deu uma volta para pensar... — Onde falta eu procurar? No estádio, piscina e ginásio buscou, mas nada encontrou.

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Já cansado, foi ao Parque do Ingá relaxar. Pedalando pelo lago, que surpresa! O jacaré morava lá!

Lagarteando à beira da lagoa, lá estava ele, tomando banho de sol, bem de boa.

Alguns minutos e o bicho na água afundou. Meio triste, Matheus pensou: “Aqui vou ficar, pois o jacaré irá voltar.”

Aquele animal comprido e cascudo encantou o menino, que muitas histórias de jacaré já tinha visto nos livros.

Às margens do lago, o jacaré voltou e mais um tempinho, Matheus se animou.

Em sua imaginação, ganhou um amigo.

Deu tchau e feliz para casa voltou. O menino foi mesmo valente!

Quantas histórias já cultivou!

E o jacaré, será que continua no parque?

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Oak Tonet Assad

Podem me chamar de Oak (pronuncia “ouque”). Nasci em 1999 em Campo Mourão (Paraná), desenho e escrevo desde a infância. Adoro imaginar que de alguma maneira minhas criações podem contribuir para a vida das pessoas. Tenho uma irmã e um irmão mais velhos que sempre me incentivaram e me introduziram no mundo da fantasia por meio dos desenhos e livros. Meu pai me contava histórias antes de dormir e isso é uma de minhas inspirações para as escritas atuais. Minha mãe é minha maior encorajadora, ela me dá forças para trabalhar e continuar meu sonho de ajudar as pessoas por meio da arte. Minha avó Dora é artista, costureira e escultora; e minha bisavó Isolde era poetisa, ou seja, cresci em meio à arte. Já morei em Curitiba para estudar e também em Irati, onde faço psicologia na Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). Adoro a natureza e sou escoteira, sempre gostei de acampar e fazer jornadas. Amo plantas e animais, tenho dois gatos (Melkor e Plagg), moro em um chalé no meio do mato, sou vegetariana e sempre que vou para o sítio tento fazer mudas e plantar o maior número de árvores possível.

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A porta mágica no fundo da piscina de bolinhas Oak

Tonet Assad

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Uma criança estava caminhando com sua avó num shopping, ela não gostava muito de compras, então estava entediada. Normalmente, preferia ir a lugares ao ar livre, como o parque perto de sua casa, onde vivem muitas capivaras e patinhos. Ou no sítio de seu avô, onde ela costumava catar pinhões e os salpicar no fogão a lenha. Mas o dia estava chuvoso e não dava para ir a nenhum desses lugares.

A criança estava cansada do passeio, até que avistou algo que a animou. No fim do andar em que estava havia uma sala branca e, dentro dela, um único escorregador que terminava em uma grande piscina de bolinhas coloridas. A criança perguntou se podia ir brincar lá, a vovó concordou e a pequena não perdeu tempo, saiu correndo.

Subiu a escada do escorregador e, sem hesitar, escorregou. Mas quando ela caiu na piscina de bolinhas ela não parou no chão, não havia fundo, ela continuou a cair. Quando percebeu, estava imersa em bolinhas coloridas, flutuava com elas como se não houvesse gravidade.

Com medo, a criança começou a nadar e parecia estar no fundo do mar, onde vivem as criaturas mais bizarras. Ficou assustada pensando que poderia ter algum animal atrás dela e nadou mais rápido. De repente, logo em sua frente, surgiu uma porta. A criança a abriu e, do outro lado, havia algo inesperado.

Ela deu um passo pela porta e olhou ao redor. Estava na altura das nuvens e tinha uma linda vista em sua volta, montanhas e vegetações em tons diversos de verde embelezavam a paisagem. A criança percebeu que já conhecia esse lugar, era o pico no morro Marumbi. Sua prima tinha mostrado para ela um vídeo de quando havia subido o morro e a criança ficou com muita vontade de visitar também.

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A criança começou a dançar, imaginando que estava nas nuvens. Um bemte-vi se juntou a ela e iniciou uma cantoria. Os dois se divertiam e a criança dava risada. O bem-te-vi começou a ir para o lado e a criança o seguiu, então encontraram uma outra porta, igual à da piscina de bolinhas.

A porta se abriu sozinha. Através dela, a criança pôde ver o mar e, lá no horizonte, vários navios cargueiros. Eles pareciam pequenos de longe, mas eram gigantescos. A criança passou pela porta e pisou na areia, tirou seu sapato para poder sentir os grãozinhos e marcar suas pegadas no chão. O mar trouxe algo gelatinoso, a criança se aproximou e viu que era uma água-viva. Pensou que ela poderia morrer se ficasse ali. Então, para não se queimar, a criança pegou a água-viva com uma parte da sua roupa e a devolveu para o mar.

Enquanto a água-viva ia embora, ela soltou uma concha como presente para a criança. A concha era amarelo-clara, mas quando batia o sol, brilhava com todas as cores, como um arco-íris. A criança ficou muito feliz e se lembrou que já havia visitado essa praia, era Pontal do Paraná, onde seus tios moravam.

Uma gaivota cantou a sua esquerda, a criança olhou e lá estava outra porta. A pequena a abriu, do outro lado havia um forte barulho de água caindo. Mas não era chuva, eram diversas cachoeiras. A criança foi parar nas Cataratas de Foz do Iguaçu.

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A criança se imaginou navegando no Rio Paraná e tomando banho nas cachoeiras, mas pensou que seria muito perigoso e sua avó ficaria preocupada. A pequena sentia várias gotas levinhas caindo em sua pele, essas escapavam da correnteza e iam parar por todos os lados.

A criança sentou para observar a paisagem, quando uma família de quatis passou por ela e começou a montar um piquenique. A mãe Quati carregava uma cesta cheia de comidas apetitosas, havia amoras, pão doce e sanduíches de patê. A barriga da criança roncou tão alto que a Mãe Quati olhou, ela estendeu a mão e chamou a criança.

A criança se juntou aos quatis e todos foram dividindo os alimentos, estavam muito saborosos. Mas a criança começou a ficar um pouco triste, sentiu saudades de sua avó e pensou que estava bem longe de casa.

Um dos filhotes de quati saiu da toalha de piquenique e convidou a criança para segui-lo, os dois foram por um caminho ao redor das cachoeiras. Perto de uma árvore, havia uma porta, a criança correu, se despediu do quati e passou pela porta.

Percebeu que estava de volta na piscina de bolinhas, mas dessa vez tocava o chão. Olhou ao redor e, sentada em um banco, estava sua avó, fazendo caçapalavras. A criança foi até sua avó e contou animada todas as aventuras que tinha vivido ao passar pela porta no fundo da piscina de bolinhas.

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Severo Brudzinski

Nasci em Curitiba num 10 de junho muito frio de 1973. Desde piá gostava de escutar histórias de aventura e mistério. Depois, gostava de escrevê-las. No caminho, estudei um pouco de tudo e me formei em Direção Teatral e Gestão de Assuntos Públicos. Hoje sou escritor e gestor público de cultura. Na ficção, publiquei alguns livros, entre os quais: Passagem do Aqueronte (Kafka Edições, 2012), Sagração, (7letras, 2015), Os fantasmas da mansão Silva (Editora InVerso, 2019) e Malditos, nefastos, nocivos (Kotter Editorial, 2021). Sou pai de meninas e tutor de uma gata.

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A menina lâmpada

Severo Brudzinski

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Era uma vez uma menina pequena e redonda, com corpo de alumínio. Cabeça ela tinha: de vidro fino, fragilzinho.

A pequena nasceu uma lâmpada antiga,incandescente. Coisa de família iluminada, aquilo. Havia uma tia que também nascera lâmpada, mas sem rosca, só com dois pininhos. E quando adulta foi morar na lanterna de um Fusca.

Sua mãe, um belo abajur de cúpula colorida, iluminava casamentos e outras festas.

Já o pai, empregado na Iluminação Pública, clareava toda a alameda defronte sua casa, pois era um imenso poste de rua. Os dois se preocupavam com a delicadeza da filha. O que fazer? Como protegê-la das pontas e durezas da vida? Ai, ai... Preocupações e desconfortos. Mas quando as dúvidas sobre o futuro criavam névoas, nuvens e nebulosos nevoeiros na vida da família, a menina sorria com sua linda boquinha incandescente e, como um farol dentro da noite, dissolvia toda rusga que surgisse. Passaram dias, semanas, meses e anos e ela cresceu protegida do mundo e das outras crianças. Com pais assim, zelosos e precavidos, a menina só saía de casa muito bem paramentada, pois há muita pedra, ponta, martelo e gente atrapalhada nesse mundo.

— Não, ela não pode jogar peteca.

— De jeito nenhum! Ela não pode brincar de pique.

— Treinar queimada? Mas como! Não está vendo a cabeça envidraçada? Ai, ai... A bola nervosa seria a última coisa que veria. Para a menina, os esportes se resumiam a damas e ao xadrez, contanto que fosse dentro de casa.

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A pequena vivia jururu com tanta coisa que não podia, mas quando a tristeza virava névoa, aos poucos sua boca se aquecia, e vocês já sabem...

Uma tarde, no início de julho, o avô, um enorme e pesado refletor de trem, de visita, disse que tinha descoberto a brincadeira perfeita para a menina, que estava em férias. Ela poderia se divertir com outras crianças e ainda por cima usar seus talentos luminosos.

— O que é? Onde? Como? Quando? Quis saber ela de pronto.

— Não posso falar. Vai ser uma surpresa, se sua mãe concordar.

Os adultos, na sala, prosearam baixinho e, mesmo se esforçando, a menina não pegou nenhuma palavra. Só escutou o avô reclamando no fim da conversa:

— Nem parece que vocês já foram crianças. Esse passarinho precisa pôr a cabeça para fora do ninho e voar, voar, voar.

“Passarinho? Ninho? Do que é que estão falando?”, estranhou a pequena.

O buchicho correu solto até que entraram num acordo.

Seu Poste e dona Abajur vieram até o quarto da menina lhe contar o combinado:

— Você vai viajar, meu amor...

— ...mas é para ficar atenta.

— Pode brincar o quanto quiser...

— ...desde que seja distante de pedra, ponta e martelo.

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— Gente atrapalhada, fique longe...

— ...muito longe.

— E obedeça a seus avós.

Feita a trama entre os grandes e, toda protegida, a menina seguiu com o avô pelos trilhos do interior, rumo a uma cidadezinha para lá dos Campos Gerais.

A viagem foi emocionante. Que coisa linda aquilo tudo que se abria à sua frente:

montanha, rio, floresta, vila.

Montanha, rio, floresta, vale. Montanha, rio, floresta, vilarejo (que é o mesmo que uma cidade bem pequenina).

O trem parou na estação, ao lado da casa da família.

A menina, com saudades, correu para dar um beijão na avozinha. Depois, jantou e foi dormir, pois a beleza fora

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muita e a viagem, longa. Pela madrugada ela sonhou com o verde, as cascatas, as casinhas brancas no meio do campo e os caminhos, de ferro, no caso. No outro dia, depois do café da manhã, a avó disse para a menina:

— Venha, meu amor, quero lhe apresentar a filha da vizinha. É uma menina como você, só que de carne e osso.

— Ela é atrapalhada?

— Não se preocupe, mesmo sendo grandinha, tem modos e mãos de fada.

As crianças se conheceram e no mesmo instante foram brincar, enquanto os adultos conversavam.

Brinca aqui, brinca lá, a menina lâmpada logo captou algo estranho no ar e perguntou:

— Por que está tão triste, menina de carne?

— É que meu pai trouxe esses pintinhos para eu cuidar, mas eles passam frio, os coitadinhos.

A menina lâmpada logo se iluminou. Então era isso: aquela era a brincadeira perfeita. Ela viu o problema e aceitou o desafio. Mirou os pequeninos e sorriu, com todo seu amor.

Os pintinhos se aproximaram e, aquecidos pelo calor do seu sorriso e cuidados pelas meninas, cresceram rápido com o passar dos dias. Ganhando corpo, logo correram para o galinheiro para estar com os seus primos e os outros membros da família.

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As meninas seguiram brincando entre elas e com os bichinhos. Ficaram tão amigas que o sorriso de uma acendia o sorriso da outra. Era bonito de ver. No fim das férias elas se despediram:

— Tchau, amiga! Cuide dos seus pintinhos e cuide-se também. Se ficar triste, mande uma mensagem.

— Tchau, amiga! Cuidarei dos nossos bichinhos. E você cuide com as pedras, pontas e martelos no caminho.

Desde então, quando a saudade aperta entre as amigas e uma nova ninhada é formada, lá vem a menina lâmpada de mão dada com o avô para distribuir calor e afeto com seu sorriso amoroso.

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Anderson Novello

Curador

Nasci em Palmeira-PR e, desde criança, gosto de livros e de histórias. Sou apaixonado pelas palavras – suas sonoridades e seus sentidos. Essa paixão acompanhou todas as minhas formações: Letras, Literatura, Artes, Teatro – e virou profissão. Gosto de escrever para crianças, jovens e adultos. Tenho oito livros publicados: “A bruxa do batom borrado”, “O pintinho ruivo de raiva”, “Filomenos, o cabrito aflito”, “Anacrônicas e quase inventadas”, “As três tias de Matias”, “Carta para tia Tita”, “Os adoráveis bilhetinhos da Professora Ada” e “A estranha pulga do planeta Rex”. Fui um dos autores selecionados da Coletânea Sesc de Contos Infantis de 2018, com a história “O mistério do poço sem fundo”. Viajo pelo Brasil ministrando cursos e palestras sobre a importância da leitura. Ah, sim! Eu continuo apaixonado pelas palavras!

Eric Sponholz

Ilustrador

Gosto de fazer livro. Experimento de tudo um pouco, juntando palavra e imagem. Graduado em Artes

Visuais (Unespar), agora estudo literatura para infância (A Casa Tombada/Faconnect), curto construir histórias, investigando identidade e memória.

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO PARANÁ

Darci Piana

Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná

Emerson Sextos Diretor Regional do Sesc Paraná

Lidiane Cristine Galvan

Diretora de Educação, Cultura e Ação Social

Mariah Fank Gerente de Cultura

Leomir Bruch Analista de Cultura

César Luiz Gonçalves Coordenador Geral do Núcleo de Comunicação e Marketing

Rosane Aparecida Ferreira Guarise

Assessora de Comunicação e Marketing

Julianna Schreiner Largura

Analista de Comunicação e Marketing

Fabricio Julio Braga

Gerente Executivo do Sesc da Esquina

Isabel Cristina Bizerra da Silva

Analista Pleno

Príncipe de asas

Andressa Pinheiro

O que há com o bico do Tuco?

Gabriel Vernek

Isso é ovo do quê?

Máriam Trierveiler

Pereira

A porta mágica no fundo da piscina de bolinhas

Oak Tonet Assad

Café com leite

Anelisa Martin Batista

Baca Cherry

Lilliam Rosa Prado

dos Santos

O jacaré que mora na cidade

Mayara Marengoni

A menina lâmpada

Severo Brudzinski

A pergunta de Lomi

Carla Kuhlewein ..

Meninos, meninas, pirambebas e a bola

Maria Wanda de Alencar Ramos

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