Coletânea de Contos Infantis Sesc (2025)

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Curadoria: Olivio Jekupé
Ilustrações: Izabela Bombo

Catalogação na Fonte: Sesc Paraná - Gerência de Cultura

C694 Coletânea Sesc de Contos Infantis / Ilustração de Izabela Bombo ; Curadoria de Olivio Jekupé. –Curitiba: Sesc PR, 2025.

67 p.: il., color.; 20 cm

ISBN 978-65-86651-30-0

1. Contos infantis. 2. Literatura Infantojuvenil. I. Sesc PR. II. Bombo, Izabela. III. Jekupé, Olivio. IV. Título

Rosilda Rosowski dos Santos– CRB9/1238

CDD – 028.5

Dez edições e incontáveis histórias para celebrar a literatura feita no Paraná

Uma história, uma criança e muitas possibilidades para imaginar, sonhar e conhecer a riqueza cultural do nosso estado. Em sua 10ª edição, a Coletânea Sesc de Contos Infantis comemora uma década dedicada à promoção da literatura, à valorização da cultura paranaense e ao incentivo de novos autores.

Fruto da décima Seleção de Contos Infantis e Inéditos promovida pelo Sesc Paraná, esta coletânea reúne histórias que encantam leitores de todas as idades e revelam a diversidade de nossas lendas, tradições e imaginários.

Ao longo desses anos, o Sesc reafirma seu compromisso com a cultura, reconhecendo e estimulando os talentos locais, fortalecendo o vínculo entre infância, literatura e identidade paranaense.

Venha celebrar essa década de encantamento com a gente.

Venha ler conosco!

MOMENTOS EXTRAORDINÁRIOS

A leitura de um livro é a segunda parte de uma aventura fascinante, uma viagem que irá nos levar a destinos inimagináveis. Mas por que a segunda parte? Porque a primeira é a escrita do livro — e a arte de escrever exige uma grande dose de talento, prendendo a atenção do leitor desde as primeiras palavras ali impressas.

Um dos maiores patrimônios da humanidade são seus autores e autoras, pessoas que dão vida a enredos, personagens e ambientes a partir de algo que nos parece tão singelo: a própria imaginação. É a partir dela que se desenvolvem as ideias, as tramas capazes de gerar o encantamento dos leitores.

Das histórias das Mil e uma noites passando por Julio Verne, até chegar aos contemporâneos, como a brasileira Ruth Rocha, são milhares os livros destinados ao público infantil. Outros milhares de escritores e escritoras criam histórias para os públicos adolescentes e adultos, o que faz do universo da literatura o maior conjunto criativo que o ser humano teve a capacidade de inventar.

Por essas razões, as coletâneas publicadas anualmente pelo Sesc Paraná, reunindo obras destinadas ao público infantil, cumprem uma tarefa essencial para o desenvolvimento cognitivo dos pequenos leitores.

Para o Sesc PR a missão de abrir as fronteiras da mente das crianças é gratificante. Mas não só para elas: os adultos também podem se unir a esse mundo maravilhoso da literatura. Tenho certeza de que todos serão muito bem surpreendidos.

Boa leitura!

Darci Piana

Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná

DEZ ANOS ENCANTANDO LEITORES MIRINS

Escrever para crianças é, antes de tudo, um gesto de afeto. Entre os muitos gêneros literários, poucos exigem tanta entrega quanto a literatura infantil. É preciso empenho, criatividade, técnica, mas, acima de tudo, sensibilidade. A sensibilidade que toca a infância desperta a imaginação e transforma páginas em portais para outros mundos.

Desde tempos antigos, histórias que despertam a fantasia seguem encantando gerações. Este é o poder das narrativas que tocam a infância: permanecem vivas dentro de nós, mesmo depois que crescemos. As histórias infantis têm ainda um papel essencial na formação de leitores, são o primeiro passo de uma longa jornada com os livros e é por meio delas que muitos descobrem o prazer da leitura — um hábito que pode nos acompanhar por toda a vida.

Há dez anos, o Sesc Paraná vem reafirmando este compromisso com a infância leitora. A Coletânea Sesc de Contos Infantis, que agora completa uma década, é prova viva de que investir em literatura para crianças é investir em um futuro mais sensível, mais criativo e mais humano.

Com alegria, entregamos aos nossos pequenos leitores esta edição especial, comemorativa, repleta de histórias criadas para encantar, provocar e emocionar. Que ela continue semeando sonhos e despertando a imaginação por muitos anos.

Carlos Alberto de Sotti Lopes Diretor Regional do Sesc Paraná

Autores Selecionados:

Alfredo Mourão Ponta Grossa

Anecy Oncken Umuarama

Bel Akemi Curitiba

Cléo Moreira Rolândia

Diego Gianni Curitiba

Egon Zek de Oliveira Curitiba

Haroldo José Andrade Mathias Irati

Kleber Bordinhão Ponta Grossa

Roberta Ambrosio Boscolo Maringá

Silza Maria Pasello Valente

Bela Vista do Paraíso

AS FADAS DOS PÉS VERMELHOS

Cléo Moreira

Pág. 10

DALTON NÃO QUERIA VER NINGUÉM

Diego Gianni

Pág. 16

HISTÓRIA DE UM GATO QUE

DESEJAVA SER GALO

Silza Maria Pasello Valente

Pág. 20

ITA-CURUÊ-TABA: O DIA QUE

TUPÃ DESCEU DO CÉU

Alfredo Mourão

Pág. 26

MEU AMIGO BOITATÁ

Haroldo José Andrade Mathias

Pág. 32

O QUE NÃO PERDE O VALOR

Roberta Ambrosio Boscolo

Pág. 38

TIÃO E O PAPELÃO

Egon Zek de Oliveira

Pág. 44

TUDO O QUE POSSO SER

Bel Akemi

Pág. 50

UM PRESENTE INUSITADO

Anecy Oncken

Pág. 56

WANDA E OS LIVROS ESQUECIDOS

Kleber Bordinhão

Pág. 60

AS FADAS DOS PÉS VERMELHOS

Saíram do consultório em silêncio. Foi por insistência do pai que a consulta havia sido marcada. A menina entendeu tudo o que foi dito, tinha um grau de autismo.

Quando chegaram em casa, ficou sentada na calçada em frente ao portão, ela amava brincar ali, pular quadradinhos, sem errar o passo. Ainda bem que estava com seu vestido azul, aliás, ela só gostava da cor azul. Estava distraída com as flores coloridas do jardim e conversava com as borboletas enquanto ouvia a mãe aos berros contando ao pai o que o médico disse. Cobriu os ouvidos com as mãos e foi se afastando, ela sempre fazia isso quando ouvia o apito do trem que cruzava todos os dias, várias vezes ao dia, no trilho atrás de sua casa. Adorava o trem, esplendoroso e gigante, mas o barulho a agitava, pois atrapalhava seu mundo interior, queria ir para onde não pudesse mais ouvir gritos. Andou até se perder do lugar, do tempo e da hora.

Enquanto ela ia se distanciando, iam ficando mais nítidas as vozes muito felizes que vinham do bosque, embora a garotinha estivesse com certo tom de preocupação. Não estavam tão longe, no Bosque dos Arcos-íris, o último bosque apropriado para elas habitarem. As fadas exclamaram “nossa menina não está bem!” — Parecia ser a voz da fada Mel, e realmente era, quase se engasgando ao engolir muito rápido os bolinhos de mel, seus favoritos.

Uma das fadas — que parecia ser a chefe ou a mais velha, quem sabe a mamãe, pensava a menina, e que sabia que Sofia estava confusa devido ao barulho do trem e das buzinas — estava enfeitando a mesa com flores.

A fada mamãe dava bronca nas outras cobrando que deveriam ficar mais tempo afastadas da janela do portal, que jamais deveria permanecer aberta! Explicava que habitavam essa

floresta há centenas de anos: — “Nossa missão é proteger a terra de invasores ruins que existem aqui em nosso mundo”. E lembrava que ela não é nossa menina, pertence aos humanos. Mas ainda suspiravam com as mãos no queixo, admirando a serenidade de sua alma.

Nesses chás das fadas, sempre havia uma agitação, pois viviam preocupadas, aflitas — “Quando acabarem as últimas árvores do bosque, para onde iremos?”. A mais preocupada e insegura era de todas a mais meiga e de toda doçura, a pequena fada Mel.

A fada Amy sempre repetia: — “Ora, continuaremos aqui! O portal não muda de lugar! Temos irmãs guardiãs dos portais de grandes cidades, e habitam em galerias subterrâneas, praças e jardins”. Amy era a rainha e percebia que o município de Rolândia estava ficando triste sem florestas, com as árvores cada vez mais escassas: “Logo, ficaremos sem o nosso precioso mel! Todas choramingavam, e Mel ficou mais sensível com a possibilidade da escassez de mel: — “Pobre de mim!”, Mas logo mudou a expressão e avisou a todas que a garotinha estava em perigo.

Olharam para a janela portal e saíram voando.

Mel pedia silêncio, o susto a poria em um perigo maior, e levava o dedo aos lábios. “Shh”.

O apito do trem ecoava por toda a cidade.

A menina Sofia caminhava ainda com as mãos aos ouvidos, chegando cada vez mais e mais perto do trem. Mel chegou delicada pertinho de seu rosto, e com os dedinhos chamava Sofia ao seu encontro, transmitindo sinais e uma melodia relaxante. Sofia ficou encantada pela linda fada, de vestido azul e asas cintilantes.

Com ternura e inquietação elas foram conduzindo a garotinha: — “Não pare querida, vire-se para cá!”

A garotinha obedeceu sorrindo. As fadas cantaram, a puxaram e dançaram, até que, por uma fração de segundos, o trem passou. O maquinista sequer as viu.

Começou repentinamente uma chuva, com raios, trovões e vento. As fadas sabiam que não

poderiam soltar a “nossa princesinha”, como diziam, o vento estava muito forte.

As fadas envolveram-na sob uma capa impermeável, invisível aos humanos, mas foram surpreendidas com estrondos assustadores. Sofia não podia se agitar, então a fizeram dormir para que não ouvisse os barulhos.

Uma sombra logo escureceu tudo.

— “A janela!” — Olharam aflitas em direção ao bosque.

E sobre uma rocha profunda levantava-se um rosto conhecido das fadinhas, aquela que queria tomar a terra, a Fumaça Sinistra, que sabia que um dia as guardiãs esqueceriam o portal aberto.

Voaram contra o vento forte como se fossem gigantes. Elas sabiam que precisavam pegar o pó das flores do cafezal, que guardavam e vinham juntando desde os tempos em que Rolândia era a “Rainha do Café!”, mas teriam de esconder a menina!

A tempestade seguia, um pé d’água que deixou a cidade na escuridão, árvores caíram, os pobres pássaros desorientados lutavam contra o vento para encontrarem outro abrigo.

Esconderam a menina no túnel da árvore-mãe, nas raízes de uma antiga figueira, um mundo só delas ali nos caminhos subterrâneos.

Mel agiu rápido, adentrou o bosque na escuridão e, pelo cheiro, encontrou o pozinho guardado, Amy foi pegando mais potes e lançando contra Fumaça. Enquanto a menina dormia profundamente, protegida no esconderijo, as fadas espalhavam o pó das flores dos cafezais sobre toda a cidade, até a fumaça desaparecer misteriosamente. Um segredo só delas.

Lá fora chovia, mas no coração do bosque as fadinhas aguardavam a menina terminar seu bolinho, encantada com esse mundo incrível. Então, fizeram-na dormir novamente, e no escuro entraram em sua casa e colocaram Sofia na cama. Mel a cobriu e deu-lhe um beijo na testa.

No dia seguinte um grande arco-íris se estendia por todo o bosque, iluminado pelos raios do sol. Sofia repetia a história das fadinhas reluzentes para a mãe outra vez, sabendo que a menina sonhara, mas observou que agora ela não mais se incomodava com o apito do trem.

Um pombo sobrevoou a estátua do guerreiro Roland no centro da cidade, indo em direção ao bosque, com um recado importante para as Fadas dos Pés Vermelhos, Amy e Mel.

Cléo Moreira

Nasci em Nova Cantu-PR em 1965. Neta de indígenas charruas e guaranis. Cresci ouvindo histórias contadas pelos meus avós e meus pais. Eu me apaixonei pela literatura ainda na infância. Trabalhei na lavoura, atuei como técnica de Enfermagem e no Magistério. Graduada em Filosofia. Casada, mãe de três filhos biológicos e de vários órfãos de mães. Autora dos livros “O sussurro dos anjos” e “Histórias de magia perdida”, pela Editora Planeta Azul, participações em várias coletâneas de contos e poesias, publicando “Café com Aroma Di Versus”, em pré-vendas pela Editora Opera em Brasil e Portugal. Enfrentei vários cânceres agressivos e foi através da fé e do amor aos meus filhos e pela literatura que me ajudou a lutar e vencer.

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DALTON NÃO QUERIA VER NINGUÉM

Vi duas vezes o Vampiro.

Na primeira, eu era um menino de sete anos. Passeava em uma praça com o vovô, quando ele parou de andar e sussurrou no meu ouvido — como se fosse um destes segredos que a gente protege em uma caixinha: “Aquele é o Vampiro de Curitiba”.

Pensei comigo: “Que coisa estranha”. Ora, que tipo de vampiro era aquele? Não usava uma capa. Não era pálido. Não tinha dentes afiados. E como se não bastasse tudo isso, não parecia ter medo algum do sol! Mas vovô me garantiu que sim, aquele sujeito magrelo de óculos quadrados era mesmo um vampiro, e seu nome era Dalton — com “d” na primeira letra, igualzinho ao Drácula.

O Vampiro andava em nossa direção, sua sombra veio antes e tocou meus pés. Com medo, pensei em soltar a mão do vovô e correr para bem longe. Tinham me ensinado que vampiros são criaturas más e perigosas, monstrengos que chupam o sangue das pessoas… No entanto, o vampiro passou por nós e seguiu seu caminho pela praça sem machucar uma… só… formiga.

Acompanhei com o olhar o Vampiro sumir na multidão.

Mais tarde, já de noitinha, tive um pesadelo em que o vampiro de óculos quadrados tomava uma sopa vermelha em seu castelo. Acordei com um grito. Mamãe veio correndo. Quando contei que naquele mesmo dia conheci um vampiro de verdade, mamãe deu risada. Acontece que o tal “Vampiro de Curitiba” era gente como a gente. “Vampiro” era só o seu apelido.

Muitos anos depois, descobri que Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba, era um grande escritor. Seu verdadeiro poder estava nos dedos, e não nas presas pontudas. Conheci quem ele realmente era pelos livros que escreveu. Quero dizer, conheci o escritor, não o homem, porque Dalton não queria ver ninguém. Ele vivia em um casarão cercado por muros

e árvores bem altas. Chamavam ele de vampiro por causa das coisas que ele escreveu, e também porque ele quase nunca era visto. É assim que as pessoas imaginam os monstros.

Na segunda vez que vi o Vampiro, ele tinha acabado de se mudar para um apartamento no centro. Eu estava saindo de um teatro e o vi do outro lado da calçada carregando umas sacolas com alguns morangos. Pouca gente conhecia seu rosto. Eu jamais o esqueci. Seus cabelos estavam brancos como a neve que em poucas ocasiões cobriu a capital paranaense. Desejei voltar a ser um menino só para correr até o escritor e abraçá-lo, mas sabia que ele não ia gostar. E novamente, o vampiro desapareceu no meio de um mundaréu de gente apressada com suas próprias histórias.

Dalton morreu em dezembro do ano passado. Ele tinha 99 anos. Quase um século. Fiquei muito triste quando soube da notícia. A morte dele me fez lembrar de um monte de outras coisas, como os passeios com o vovô pela praça e outros momentos que agora só fazem parte das minhas lembranças.

Fui me despedir dele à minha maneira. Andei pelos caminhos de uma Curitiba perdida até chegar na esquina das ruas Ubaldino do Amaral e Amintas de Barros, no bairro Alto da Glória. Lá encontrei a casa onde Dalton se escondeu a maior parte da sua vida. As portas e janelas pareciam pertencer a um mundo muito distante. Entrei sem pedir licença.

O curioso é que, enquanto eu andava pela casa, imaginei que ia encontrar Dalton a qualquer momento e ele me daria uma bela bronca. “Ame os livros, não o autor”, é o que ele me diria. Claro, eu sabia que Dalton nunca mais ia aparecer por ali, porque tudo nesta vida tem um tempo para existir — e é por isso que temos que aproveitar a vida ao máximo. Mas eu também sabia que quem partiu foi o Dalton, não o Vampiro. Porque os vampiros, você sabe.

Eles têm essa mania de viver para sempre.

Diego Gianni

Sou autor de contos e crônicas publicados em livros e revistas, peças teatrais e roteiros de cinema. Meu filme mais recente “Adam” foi selecionado na mostra 2024 do Olhar de Cinema. Atualmente sou mestrando em Cinema e Artes do Vídeo pela Universidade Estadual do Paraná.

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HISTÓRIA

DE UM GATO QUE DESEJAVA SER GALO

Era uma vez um gato, que morava com sua tutora na cidade de Bela Vista do Paraíso. A casa era bem simples, feita com madeira de demolição. Isso porque, quando havia plantação de café na região, as fazendas tinham enormes colônias onde residiam as famílias que preparavam o terreno, plantavam, colhiam e ensacavam os grãos de café. Mas, em 1975, houve uma geada, e fez tanto frio e ventou tanto, que acabou com todos os cafezais. Foi chamada de Geada Negra. Então os colonos, como eram chamados os trabalhadores das fazendas, tiveram de ir para as cidades. As casas das colônias foram desmanchadas e sua madeira vendida, a um preço bem barato, para a construção de outras casas. Seu Sebastião foi um dos compradores. Construiu sua residência, no Distrito de Santa Margarida, depois de ter vendido seu sítio, pois não tinha como sobreviver: os pés de café, estavam todos secos e precisariam ser eliminados. Foi uma judiação, a família, que vivia confortavelmente, cultivava horta e pomar; criava porcos e galinhas, de repente teve que se mudar para a cidade e se adaptar a uma vida completamente diversa daquela a que estava acostumada. Depois de muito pensar, o casal resolveu instalar uma pequena venda. Esta, aos poucos, cresceu e acabou por se tornar um armazém de secos e molhados.

Como o gato ficou sabendo disso? Ouvindo Seu Sebastião contar para seus três filhos, dos quais somente o caçula havia nascido em Bela Vista do Paraíso, o que havia ocorrido e relembrar, com saudade, como era boa a vida no sítio.

Dona Angelina, tutora do gato, gostava muito do bichano. Estava sempre com ele no colo e colocava um travesseiro, fazendo as vezes de colchão, e um pequeno cobertor para que dormisse confortavelmente.

O filho caçula era um moleque muito arretado, que implicava com o gato, puxava o rabo dele, gostava de fazer brincadeiras e vivia insistindo com o pai para construir um galinheiro nos fundos do quintal. Tanto insistiu que o pai acabou por atender ao seu desejo. Cercou

uma área, construiu um abrigo para os ninhos e, certo dia, saiu bem cedo dizendo que iria comprar os galináceos.

Tinha muitos conhecidos em Ibiporã e Cambé, mas não encontrou o que desejava. Quando estava em Ibiporã aproveitou para conhecer o Museu do Café e ficou emocionado relembrando sua vida na zona rural. Na ocasião, ficou sabendo que em Londrina e Cambé também existiam museus e prometeu a si mesmo levar a mulher e os filhos para conhecêlos. Já estava no fim da tarde quando chegou em Londrina, para tratar com um compadre que morava em um sítio próximo, e, finalmente, conseguiu realizar a compra. Ao retornar, era noite e a família estava preocupada, mas a esposa e os filhos ficaram felizes com a notícia de que, após ir a vários locais, cujos donos ele conhecia, finalmente, achou as melhores galinhas poedeiras e um galo.

As galinhas ficavam, geralmente, em seus ninhos ou ciscando; o galo, todo pomposo e empertigado, passeava pelo cercadinho parecendo um general. Nenê, esse era o apelido do mais novo dos irmãos, não saía do quintal. Tinha uma querença especial pelo galo, chegou a dar a ele o nome de Aquiles. Era Aquiles prá cá, Aquiles prá lá.

— Mamãe, veja como o Aquiles é grande! Está a cada dia mais bonito.

Eram tantos os elogios que o gato estava ficando com ciúmes. E pensava, ensimesmado:

— Por que não posso ser igual ao galo? A diferença dos nossos nomes é de apenas uma letra. Eu gostaria de ser como ele: ter belas penas, uma crista vermelha no alto da cabeça e cantar ao amanhecer.

Todos os dias o gato ficava olhando as galinhas e o galo e tentava entrar no cercadinho, mas não conseguia porque este era muito bem protegido por uma tela de arame. Certa vez, descobriu um buraco na tela e entrou. Aproximou-se do galinheiro, curioso para ver as galinhas. No mesmo instante, elas começaram a fazer um pandemônio, e o gato, assustado, fugiu. Mas não desistiu do seu sonho e, sempre que podia, ficava espiando o galo, pelo buraco da tela, e miando tristemente.

Tanto o gato miou que chamou a atenção do galo. Este dele se aproximou querendo saber o motivo de tanta tristeza. O gato, envergonhado, contou ao galo o seu desejo e dele ouviu as seguintes queixas:

— Pois eu gostaria muito mais de ser como você, senhor Gato (o galo era formal). O senhor acorda tarde, fica dormindo quase o dia todo. Quando quer se exercitar, caça alguns ratos, mas, sempre tem ao seu dispor um farto prato de ração. Além disto, recebe cuidados, vive com os pelos bem-penteados e perfumados. E quer saber de uma coisa? Invejo seus longos e macios pelos. Eu, ao contrário de você, acordo todos os dias ao nascer do sol e meu canto somente neste momento se faz ouvir. Passo o dia todo preso no galinheiro, cercado de galinhas alvoroçadas e cacarejadoras. Não consigo descansar nem um momento. Não é apenas uma letra que nos diferencia, é todo um modo de existir. Eu nasci para cantar ao nascer do sol e viver preso no galinheiro; você nasceu para ser livre, subir nos telhados, miar para a lua e ser acarinhado por sua tutora.

Enquanto conversavam animadamente, nem perceberam que o galo, para ficar mais próximo do gato, havia saído do galinheiro, pelo buraco da tela. A cozinheira da casa o viu, pegou pelo pescoço e levou de volta para o cercado.

— Galo danado! Sempre querendo fugir. Um dia desses ainda levo você para a panela.

Ouvindo a cozinheira, o gato rapidamente correu para a casa e se enroscou aos pés da sua tutora. Ficou pensativo, rememorando tudo o que havia presenciado, e chegou à conclusão de que a sua vida, comparada com a do galo, era maravilhosa. Não havia motivo para inveja. Espreguiçou-se, ronronou um pouquinho e dormiu acarinhado por D. Angelina.

Silza Maria Pasello Valente

Sou mestre em Educação, pela Unicamp, e doutora em Ensino na Educação Brasileira, pela Unesp. Na Educação Básica e Superior exerci a docência e funções administrativas. Atuei na Universidade Estadual de Londrina no período 1982–2007. Atualmente, me dedico a desenvolver projetos na área de educação e à escrita de poemas, contos e livros infantis.

Sou autora dos livros “A presença rebelde na Cidade Sorriso: contribuição ao estudo do anarquismo em Curitiba, 1889–1920”; “Meu eu derramado” (poemas) e “Festival na mata encantada” (infantil).

o conto

Escute

ITA-CUERÊ-TABA: O DIA QUE TUPÃ DESCEU DO CÉU

Nas terras do Paraná morava muita gente tupi-guarani. Entre eles os Apiabas, um grupo de guarinís, jovens guerreiros escolhidos pelo deus criador Tupã, para guardar o tesouro

Itaim-mamerú: “pedras douradas”. Moravam os indígenas no alto de um morro chamado

Abaretama, “terra dos homens”. De lá podiam observar a grande ibetaba: uma planície que se estendia a perder de vista, com seus campos, capões de mato e cursos d´água. Tupã provia os Apiabas com fartura de caça, pesca e frutas.

Entre os guerreiros destacava-se o atã guariní, forte guerreiro, chamado Dhuí, que também era muito curioso: vivia perambulando pela ibetaba, embrenhando-se no caá, o matagal, à procura de aventuras. Do lado de lá da planície vivia o povo Abaité, gente estranha. Morubixaba daquele povo ouviu dizer que Tupã tinha um grande tesouro escondido em

Abaretama. O cacique queria Itaim-mamerú.

Certa manhã, quando Coaraci, o Sol, encheu de luz e calor as terras do Paraná, o curioso

Dhuí desembestou ibetaba afora, e se embrenhou no caá. Quando se deu conta já pisava as terras do outro povo. Tupã proibiu os Apiabas de falar com quem quer que fosse. Tudo para preservar as preciosas pedras douradas. Guariní sabia disso, mas sua curiosidade e coragem falavam sempre mais alto.

Caminhou, caminhou, até chegar às margens de abaeté, a lagoa, enfiada no meio do mato. Águas transparentes, fervilhando do meio da terra fofa, onde brincavam peixes de todos os tamanhos. Cansado, baixou-se para beber água fresca. Bebeu, bebeu. De repente levou um baita susto: refletido nas águas iluminadas por Coaraci, desenhava-se, dançante, o rosto de cunhãmucu, uma jovem mulher. Deu um salto para o lado, preparando arco e flecha. Então perguntou àquela mulher: — Maraim derery? Quem é você?

A jovem parecia não ter medo daquele guerreiro. Tranquilamente respondeu: Xê catu! Aracê Poranga! Sou gente boa. Me chame de aurora bonita!

Desconfiado, Dhuí respondeu: Anauê! Olá!... E perguntou: Mamo derendapy? Onde você mora?

A belíssima jovem aproximou-se, e seu corpo cheirava flores do mato. O coração de Dhuí bateu forte no peito. Aracê Poranga olhou bem nos olhos daquele belo guerreiro e disse: — Txerekoá Abaité! Moro na aldeia do povo Abaité.

Então ele se lembrou das advertências do grande deus. Recuou, arrepiado, diante de tanta formosura. Mas ninguém manda no coração de um jovem guariní, nem mesmo um deus ciumento. Marcaram encontro para a tarde seguinte.

Aracê Poranga falou do encontro ao morubixaba. Cacique ficou deslumbrado com a possibilidade de ter em suas mãos Itaim-mamerú. Chamou piaga, o xamã, e os mais velhos. Piaga preparou uma cabaça de uirucuri — delicioso licor de butiá do campo — que deixava a cabeça zoada. Entregou o licor para a jovem, para que desse ao guerreiro. E depois que ele estivesse bem tonto, aurora bonita perguntaria, tim-tim por tim-tim, todos os detalhes do tesouro dourado.

Na tarde seguinte encontraram-se em abaeté, na hora que os papagaios faziam a maior bagunça nas matas do Paraná.

“Papagaio da asa amarela, Vai e leva um recado meu pra ela!”

— Fiz um licor de uirucuri para você!, entregando a cabaça ao rapaz apaixonado. Uma delícia, meio azedinho, meio docinho. Dhuí bebeu tudinho e não demorou a ficar meio atordoado. Lá pelas tantas começou a falar baboseiras, a falar demais. Descreveu o tesouro dourado. Contou que estava enterrado em uma caverna lá em Abaretama. A essa altura da nossa história, Coaraci se despedia atrás do matagal, enquanto atrás do morro surgia Jaci, a Lua, iluminando a noite nas terras do Paraná.

— Me leve até o tesouro! Não vou contar pra ninguém!

E lá se foram. Mas Tupã, que tudo via, ouvia, sabia, ficou furioso. Do céu soprou vento forte; com os ventos veio arani, o temporal; arani trouxe yuracán, a tempestade. Jaci se escondeu nas nuvens escuras. Então as árvores se inclinaram. Os bichos correram de medo. Os pássaros fugiram noite adentro. Assustados, os Apiabas esconderam-se em suas ocas de palha. Mas a ventania era tão forte que derrubava tudo o que tinha pela frente. TupãCunum trovejou no céu cinzento. Tupã-Beraba desceu na terra em forma de raios. Os raios trouxeram fogo, queimando cabanas, potes, gamelas, bichos, passarinhos, guerreiros, tudo. Abaretama tremia. Abaretama Itaguaçu: tudo virou pedra.

Itaim-mamerú derreteu e escorreu ibetaba abaixo até chegar na lagoa dos namorados.

Assim surgiu Ita-cuerê-taba, “cidade velha de pedra”, ou Vila Velha. Até hoje milhares de visitantes vão até lá para fotografar as figuras de indígenas, animais, aves, casas, esculpidas nas pedras. Entre as pedras há duas fisionomias de homem e mulher. Ele olha pra ela e parece cantar:

Você diz que o amor não dói

No fundo do coração!

Toma o amor

E viva ausente, Ó cabocla bonita!

Veja lá se dói ou não!

La la iá, la iá!

E logo ali pertinho, no fundo de abaeté, está o tesouro de Tupã que, em dias de sol, deixa as águas douradas.

Alfredo Mourão

Sou licenciado em Letras — Línguas Portuguesa e Inglesa e respectivas Literaturas, pela UEPG, e ator profissional. Exerci funções administrativas em empresas comerciais de Ponta Grossa e colaborei na redação do Jornal Diário dos Campos — Coluna de Cultura de Ponta Grossa.

Ingressei no Sesc Ponta Grossa como orientador de atividades. Depois fui transferido para a Divisão de Assuntos Culturais do Departamento Regional do Paraná de1980 a 1985. Fui assistente cultural, diretor administrativo, chefe de divisão e diretor de unidades culturais da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Como poeta, contista e cronista tenho premiações e participações publicadas nas antologias: “Uniletras” (UEPG, 1981), “Poemas & poetas” (Litteris Editora, 1993), “Coletânea de contos Prêmio Jorge Andrade” (Academia Barretense de Cultura, 1993), “Prosadores e poetas ponta-grossenses” (Centro Cultural Faris Michaele, 1995), “Crônicas dos Campos Gerais I e II” (Academia de Letras dos Campos Gerais, 2021, 2022), “Ponta Grossa, qual a sua saudade?” (Apla, 2023). Como autor para crianças, publiquei “Tá Pintando um Clima no Brejo” (Editora Estúdio Texto, 2014).

Escute o conto

MEU AMIGO BOITATÁ

A história que vou contar aconteceu em uma localidade rural, cujo nome não revelarei para preservar a identidade dos personagens. Foi no interior do Paraná, em uma cidade que, no fim dos anos 1980, tinha aproximadamente 11 mil habitantes.

Nessa comunidade, ainda com poucas residências, cercada por matas fechadas e carente de energia elétrica, existiam muitos carreiros usados pelos moradores para cortar caminho. Ali morava Dona Maria, uma benzedeira muito requisitada e querida.

No quintal, cheio de ervas medicinais, e na varanda da casa de Dona Maria, havia bancos sempre ocupados por pessoas aguardando atendimento. Senhoras com crianças formavam a maior parte do público, buscando cura para males como cobreiro, quebranto, bichas, dor de barriga e susto.

Dona Maria, sempre com seu lenço vermelho na cabeça e vestidos coloridos, evitava benzer depois das 18 horas, pois acreditava que isso diminuía o efeito da reza. Mas, certa noite de lua cheia, em plena quaresma, surgiu uma emergência.

Seu João, morador antigo e trabalhador do corte de madeira, passava dias longe de casa. Nos fins de semana, retornava para descansar. Foi ele quem veio buscar Dona Maria às pressas para benzer o filho recém-nascido de sua comadre Ana.

Dona Maria não podia recusar. Com uma lanterna artesanal feita de vela e uma lata de azeite, seguiu por carreiros escuros até a casa de Dona Ana. Valente e experiente, conhecia bem o caminho.

Feito o benzimento, a criança logo se acalmou e adormeceu. Antes de partir, Dona Maria aceitou um chimarrão, costume local de hospitalidade, e recomendou um chá de macela com outras ervas. Depois, despediu-se e voltou sozinha, recusando que Seu João a acompanhasse.

Caminhava tranquila, chacoalhando o terço que sempre levava nas mãos, até que um arrepio

percorreu sua espinha. Sentia-se observada. Sabia onde havia cachorros bravos, quem eram os moradores, mas aquela sensação era diferente.

De repente, um som estranho rompeu o silêncio da noite. Um rosnado. Ela olhou para trás e viu um vulto. Não era cachorro. Tentou acelerar o passo, mas a criatura a seguia de perto. O som da respiração dela era assustador. Dona Maria logo percebeu: era um lobisomem! Seu João havia alertado sobre os perigos da quaresma e insistido em acompanhá-la. Mas Dona Maria era teimosa. Quando dizia não, ninguém a fazia mudar de ideia.

O lobisomem era grande e terrível. Dentes pontiagudos, garras afiadas, longos pelos negros que se confundiam com a escuridão. Ela sentia seu bafo quente. Sabia que não conseguiria vencê-lo, mas manter a calma era essencial.

Foi então que se lembrou dos causos contados por seu falecido pai, Seu Antônio. Ele sempre dizia que lobisomens não temem facas, mas fogem do fogo como gatos assustados.

Naquele momento, a lembrança do pai lhe trouxe coragem. Como um sopro de esperança, recordou outra história que ele contava: o Boitatá, a cobra de fogo que castiga quem prejudica a natureza, punindo especialmente pecadores na quaresma.

E o velho ensinamento ressoou em sua mente: “Nunca assobie se estiver sozinho à noite na quaresma, pois o Boitatá pode vir.”

Dona Maria, conhecedora das ervas e das rezas, era amiga da natureza.

Sabia que sempre fizera o bem. Por isso, não temeu o Boitatá.

Em um ato de desespero, apertou o crucifixo do terço e assobiou alto. Seja o que Deus quiser, pensou. E então, das profundezas da mata, surgiu uma intensa luz azulada. O Boitatá emergiu como uma serpente de fogo e colocou-se entre ela e o lobisomem. A luz era tão forte que ofuscava seus olhos. Admirada e apavorada, ela se esforçou para olhar.

O lobisomem, que antes avançava com ferocidade, paralisou. Mas

já era tarde. Num instante, o fogo do Boitatá o envolveu. A criatura uivou de dor e debateu-se desesperadamente.

Com a luz intensa, Dona Maria pôde ver o lobisomem em detalhes. Era ainda mais assustador do que imaginava. Porém, dominado pelo fogo, fugiu em disparada, desaparecendo na escuridão da mata. O cheiro de pelo queimado ficou no ar.

O Boitatá pairou à frente de Dona Maria. Movimentou-se suavemente, como se flutuasse ao sabor do vento, e depois afastou-se, pousando em um velho pinheiro que, se a ganância do homem não o derrubou, deve existir até hoje.

Lá permaneceu por um instante, como se iluminasse o caminho para a senhora seguir segura até sua casa.

Dona Maria jamais esqueceu aquela noite. Sentiu o terror do lobisomem, mas também a compaixão do Boitatá, que, como ela, protegia a natureza.

Até hoje, ela se pergunta: será verdade que o Boitatá é uma alma pecadora condenada a vagar? Ou será que ele é, na verdade, um guardião dos justos?

Sempre que conta essa história, seus olhos lacrimejam. A emoção a domina. Afinal, nunca se sabe o que habita as sombras da noite, nem quais mistérios a natureza ainda guarda. Mas Dona Maria tem uma certeza: o Boitatá estará sempre lá, protegendo aqueles que são dignos de sua ajuda.

E uma dúvida sempre lhe vem à mente: de onde veio o Boitatá? Quem ou o que ele realmente é?

Até mesmo os jovens parentes de Dona Ana, acostumados com luz elétrica e informação acessível, ouvem essa história com um misto de medo e admiração. Tentam disfarçar com ceticismo, mas, no fundo, sentem um calafrio percorrer a espinha. Porque, neste mundo descrente e desencantado, ainda há mistérios que fogem à explicação da ciência.

Haroldo José Andrade Mathias

Sou Haroldo J. Andrade Mathias, servidor público municipal na área de Contabilidade. Sou graduado em Administração, Ciências Contábeis e Geografia pela Unicentro, instituição onde também cursei Controladoria e Finanças. Profissionalmente, acumulo cerca de 15 anos de experiência na área Administrativa da Educação Pública, o que me motivou a cursar Pedagogia e Gestão Escolar.

Com um olhar crítico sobre as relações entre sociedade, natureza e políticas públicas, direcionei minha produção de conteúdos para essa temática, abordando também meio ambiente, cultura, desenvolvimento regional, manifestações culturais e temas do cotidiano. Nessa perspectiva, surgiu a ideia do conto infantil “Meu amigo Boitatá”, que mescla a riqueza do nosso folclore com a cultura e a prática histórica do ofício das benzedeiras — tradição forte em minha região —, sendo esta uma oportunidade de homenageá-las. Sou autor dos livros “Reflexões sobre os fatores que impactam no processo de precificação” (2019) e “Vozes do Verbo: um álbum de opiniões sobre tópicos regionais” (2024), que debate temas como cultura, planejamento urbano, políticas públicas e identidade local.

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O QUE NÃO PERDE O VALOR

Betina amava os passeios com vovô João no Parque do Ingá. A menina alegre e curiosa havia nascido em Maringá e se entusiasmava quando chegavam os domingos, pois era seu dia de passear naquele que, para ela, era o lugar mais lindo da cidade.

Não se cansava em aprender sobre cada pedacinho daquele local cheio de vida e curiosidades. Admirava como o vovô sabia responder a todas as suas dúvidas. Ele era o adulto mais esperto que ela conhecia.

— Quem teve a ideia desse lugar virar um parque? Por que tem um trem ali na entrada? Qual o nome do passarinho que está cantando? De onde vem a água do lago? Qual a árvore mais antiga por aqui?

Vovô João ria e respondia uma a uma as perguntas espertas que a neta disparava, enquanto a garota espoleta saltitava pelos caminhos de paralelepípedo.

— Vovô, você sabe soletrar paralelepípedo? O pavão voa?

Como a capivara aprendeu a nadar? Esse lago é fundo?

Betina admirava o conhecimento do vovô. Nenhuma pergunta ficava sem resposta. Naquele dia de céu azul, olhou curiosa para o amigo de aventuras, e emendou:

— Como era sua escola, vovô? Eu queria estudar lá.

Vovô João parou pensativo e convidou a netinha para sentar no banco com vista para o lago. Com tom mais sério, explicou:

— Sabe, querida, quando o vovô era uma criança, as escolas muitas vezes ficavam bem distantes das casas dos estudantes. Alguns de nós nem conseguimos frequentar as salas de aula por muito tempo, pois não tínhamos como chegar até elas.

— Você não foi pra escola, vovô? — Perguntou a menina com olhar entristecido.

— Quando criança, frequentei a escola até o terceiro ano. Depois disso me dediquei ao trabalho no campo com meu pai. — Respondeu o velhinho, respirando profundamente.

— Mas, vovô, você é tão esperto, como sabe tantas coisas se não foi a escola que te ensinou? — Insistiu Betina.

— Conforme fui crescendo, percebi que precisava recuperar o tempo perdido. Busquei nos livros as ferramentas que precisava para entender como o mundo funcionava. Descobri, então, que havia uma recompensa escondida em cada folha que eu lia. Hoje eu tenho um tesouro que jamais poderá ser tirado de mim.

Betina tinha os olhos faiscantes de alegria. Queria muito conhecer esse tesouro que vovô havia conquistado e, dando um pulo, pediu ao seu parceiro:

— Me mostre, vovô, quero ver seu tesouro. Você pode me dar um pouco dele? São moedas de ouro? Ou pedras de brilhante?

Vovô João sorria com a empolgação da neta ante a revelação tentadora:

— Venha comigo, meu amor, vamos em busca dessa riqueza.

Betina procurava com vovô os tesouros enterrados. Vovô se abaixou e levantou uma pedra com minhocas por baixo, e então disse à neta:

— Eu li num livro que as minhocas são responsáveis por transformar os resíduos orgânicos em nutrientes para a terra. Além disso, elas fazem o solo respirar quando abrem caminho por ele.

Betina estava impaciente:

— Oi, minhocas! Mas, vovô, onde está o tesouro?

— Venha comigo, querida. Disse o vovô, andando mais um pouco com a neta atenta ao seu lado. — Veja, Betina! Uma peroba-rosa. Li um artigo que falava justamente dessa árvore. Ela está em perigo de extinção. Se não cuidarmos, elas

podem desaparecer do nosso planeta!

Betina acarinhou a grande árvore. Ficou triste em saber que ela estava correndo risco por conta da atitude dos seres humanos. Olhou para o vovô e admirou o conhecimento que ele levava para todos os lugares.

Vovô João lhe chamou:

— Venha, Betina, você não quer achar o tesouro?

Betina sorriu. Percebeu que o tesouro de vovô não estava escondido nas folhas das árvores, no lago, ou embaixo de pedras. O tesouro estava dentro dele, onde ele guardava todo conhecimento que foi adquirindo com os estudos que fez ao longo da vida.

— Vovô, achei seu tesouro — disse a netinha, puxando o corpo do seu amado amigo para baixo.

Vovô João se agachou na altura da menina, que, com as mãozinhas na cabeça quase sem cabelos do velhinho, falou carinhosamente:

— Seu tesouro está aqui, embaixo da sua carequinha!

Vovô João abraçou a pequena parabenizando pela descoberta e lhe ensinou o segredo das pessoas mais ricas desse mundo:

— O estudo, meu amor, é a única moeda que não perde o valor. Será sempre sua, estará sempre contigo e jamais lhe será tirada.

Betina sorriu. Estava feliz com a descoberta e voltando a dar pulinhos enquanto ia logo à frente convidou:

— Vem, vovô! Tenho um tesouro a conquistar!

Roberta Ambrosio Boscolo

Eu me chamo Roberta Ambrosio Boscolo, apucaranense de nascimento e maringaense de coração, mãe de dois filhos, Rafael e Lis, que me inspiram a ser melhor a cada dia, casada com Luiz Claudio, o melhor companheiro que a vida poderia me dar. Tenho 45 anos de uma vida repleta da curiosidade de quem se coloca como aprendiz no mundo. Formada em Letras pela Universidade Estadual de Maringá e pós-graduada em Língua Portuguesa pela mesma instituição. Desde 2007, sou servidora do Ministério Público do Estado do Paraná, onde vivo o compromisso de contribuir para uma sociedade mais justa. Sempre amei ler e escrever e criei coragem para começar a compartilhar meus pensamentos com o mundo. Sou cocriadora com minha grande amiga de infância e incentivadora Priscilla do Clube do Livro “Nossas Vidas e Outras Histórias”, que tem sido uma brisa de cultura em meus dias. Amo o poder que uma história tem de mudar nossa trajetória.

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TIÃO E O PAPELÃO

Mais um dia de sol e a minha mãe me puxando pela mão. Lá na frente, no sinal, eu já vejo o Tio Tião.

— Já está indo, Tio Tião? Já está na hora de trabalhar?

— Já estou trabalhando, meu filho! Bom dia, minha senhora, e você, moleque, vai estudar!

Tio Tião, Tio Tião, anda tão feliz com seu papelão, sorri pra todos os carros, grita: “Tristeza aqui não”. Gosta tanto da cara no sol, gosta tanto dos pés no chão. Nem sapatos usa mais, tem as unhas de gavião.

— Mãe, por que está escrito “fome” no papelão do Tio Tião?

— É uma frase que ele precisa falar, eu acho, filho, mas a mãe não prestou bem atenção.

— Como assim uma frase que ele precisa falar?

— As palavras são mágicas, Clebinho, elas têm força e são uma ação. Olha só, atravessamos a faixa de pedestres e lá está escrito: “Faixa de pedestres”. Aquela placa está pedindo pra gente passar por aqui e para os carros respeitarem nossa travessia. “Pare”, olha lá: a palavra “pare” significa que os carros devem parar antes daquela linha.

— Mãe, eu quero um papelão igual do Tio Tião.

— Mas você não pode ficar andando por aí com um papelão, filho.

— Por que ele pode e eu não?

— Esse é o trabalho dele e você, por enquanto, tem que só estudar e brincar.

— Mas eu quero escrever palavras com ação!

— Tá bom, depois a gente conversa, agora vai pra sua aula e respeita a professora. Beijo!

Naquele dia, a professora estava contando para a nossa turma que Curitiba é uma palavra de origem Guarani e que significa “grande quantidade de pinheiros”. Por isso a araucária é uma figura que sempre aparece representando Curitiba e outras cidades do Paraná, porque tem muitas araucárias no nosso estado. A prof. ainda disse que vários nomes de lugares na nossa cidade são palavras indígenas como Guaíra, do teatro Guaíra e Barigui, do parque Barigui.

Eu amei muito esse negócio de palavras significarem coisas maiores. Achei os indígenas muito inteligentes e criativos. Eu acho que o Tio Tião é inteligente e criativo igualzinho eles, porque bem hoje minha mãe me explicou que ele bota no papelão uma frase que ele precisa e que as palavras têm ações escondidas dentro delas. Uau! Isso é um mistério do planeta!

Na volta para casa, eu continuava saltitante e animado com os aprendizados do dia.

— Mãe, sabia que “Barigui” significa “rio do fruto espinhoso”?

— Ah, é? Que legal! E onde você leu isso?

— A prof. estava dando aula de todas as palavras que nomeiam lugares de Curitiba e que são de origem indígena.

— Uau! Sua professora é super legal, não é?

— Súper, súper, super legal!

Eu e minha mãe estávamos passando pelo Bondinho da Leitura que fica na Rua XV, quando eu vi o Tio Tião.

— Oi, Tio Tião! Você escreve palavras igual os indígenas!

— Oi, menino! É verdade, é?

— Sim! As suas palavras têm significados dentro delas e as deles também! Eu achei isso o máximo!

— É muito legal você gostar de palavras! Já escreve as suas, Clebinho?

— É que minha mãe disse que eu não posso andar com um papelão por aí.

— Hummm, é verdade, talvez um papelão seja muito grande pra você carregar por aí, mas você poderia escrever num caderno de artes! Aqueles sem linhas!

— Mãe! É verdade! Eu quero um caderno sem linhas pra escrever palavras mágicas!

— Amanhã nós compramos um pra você, filho. Mas só amanhã, hoje a mãe já está cansada.

— Boa noite, Tio Tião! Nós vamos indo para casa.

— Bom descanso para a senhora, bom descanso, menino escritor.

— Boa noite, Tio Tião!

Eu só queria chegar em casa rápido, jantar rápido, dormir rápido para já ser o outro dia e eu ter o meu caderno de artes só pra mim e encher de palavras grandes, pequenas e diferentes. Mas aí, como sempre, surgiram perguntas na minha cabeça e eu queria perguntar elas pra minha mãe.

— Poxa vida, mãe.

— O que foi, filho? Você ficou meio triste depois que chegamos. Estava tão feliz com seu novo caderno que vamos comprar amanhã.

— Sim, mãe, mas o Tio Tião e o papelão dele.

— O que tem?

— Estava mesmo escrito “Tenho fome”. Por que ele está com fome, mãe?

— Algumas pessoas perdem o emprego às vezes, Clebinho, e fica difícil encontrar outro depois.

— Mas ele está com fome, mãe. Tem tanta comida dentro do mercado.

— É que para comprar ele precisa de dinheiro, filho, e algumas pessoas só têm dinheiro se trabalharem.

— Então é por isso que ele escreve essa frase no papelão? Aí todo mundo que lê a placa dele dá dinheiro pra ele comprar comida no mercado?

— Mais ou menos isso, Clebinho. Quem pode ajudar ajuda, mas tem pessoas que também têm pouquinho, entende?

— Nós já ajudamos, mãe?

— Sim, algumas vezes. Às vezes a mãe leva alimentos pra ele que já temos em casa.

— Hum, entendi. Você é uma pessoa legal, mãe!

— Que bom que você acha, eu fico feliz.

Depois que minha mãe comprou o caderno com folhas sem linhas, eu passei a usar elas como telas para mostrar minhas palavras. No sábado, eu pedi pra irmos caminhar meia hora mais cedo e levei na minha pasta escolar as minhas novas artes. Pedi pro Seu João para colar minhas escritas no carrinho dele e ele ficou muito feliz. Quando seguimos nosso caminho e olhei para trás, e lá iam minhas palavras mágicas, todas coloridas: “Ajuda o Tio Tião, ele cata papelão”.

Egon Zek de Oliveira

Meu nome é Egon Zek de Oliveira, sou natural de São Francisco do Sul–SC, moro em Curitiba desde 2017. Sou graduado em Comunicação Social — Publicidade e Propaganda, pós-graduado em Influência Digital — Comunicação e Estratégia, e atualmente curso Letras Português na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Tive o privilégio máximo de crescer vendo minha família lendo e sempre cercada por livros, ouvindo músicas diversas e interessada por cinema. Daí mesmo vem meu interesse pela arte, pela literatura, pela pesquisa e pela cultura.

Trabalho com incentivo à leitura de literatura, escrevo roteiros, poemas e contos, tendo projetos já publicados e veiculados por meio de editais culturais como: “Textuário — Textos que não podem ficar calados”, via edital da Fundação Cultural de Curitiba, em 2020; o filme “Suburbana”, em 2022, pelo Prêmio Catarinense de Cinema; participação na coletânea “Ampliando horizontes 2: Fragmentos de romance”, em 2023; e o filme “Não alimente os cães”, pelo edital de incentivo da Lei Paulo Gustavo, em 2024.

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TUDO O QUE POSSO SER

Se eu pudesse ser algo que eu não sou, gostaria de ser uma bela bailarina.

Eu passo meus dias e minhas tão esperadas noites nesse gramado, e na minha frente sempre está a pintura da dançarina. Uma passarinha me contou, hoje de manhã, que toda essa estrutura espelhada em forma de olho na verdade pode representar a arte do ballet . A tal passarinha também disse que eu nunca serei bailarina...

Ela veio cedinho atrapalhar minha rotina de alongamentos para discursar: há certas coisas que certos seres não fazem, há certos caminhos que não são para todos. Agora é noite e estou chorando na frente do lago. Quando vejo minha cara de cachorra no reflexo, só quero apagá-la. Dou chutes violentos na água, que fica turva. Então ouço algo:

— Psiu. — Olho para todos os lados, mas não há nenhum movimento.

— Grande bailarina canina. Sou eu, Metamorfose. Na verdade, sou uma monstra, mas Metamorfose é meu nome. Não me mexo, mas sei falar, e há tempos queria falar é contigo.

Na beira do lago, de fato a grande monstra está. É a cobra-monstra, a estátua que reina o vale. Mas hoje, ela emite sons, mesmo sem movimentar a boca. Estou tão triste e desolada que aceito a oferta de papo amigo.

— Dona Metamorfose. Habito esses cantos e nunca notei que a senhora falava. Por favor, não sou bailarina, afinal, nunca serei. Nem nome tenho, nasci por aqui e aqui ficarei... — respondo.

— Bailarina, toda manhã, te vejo a se alongar. Toda tarde, te vejo a correr. Toda noite, te vejo a fazer pliés, tendus, jetés. De madrugada, te vejo a saltar e não há música que seja digna de sua dança. O silêncio do amanhecer te carrega como a maior das artistas.

— Mas... Há certas coisas que certos seres...

— A passarinha andou lhe perturbando, né. Bailarina, não há coisa tal que alguém seja incapaz de ser ou fazer. O que existem são obstáculos da vida, que para alguns são maiores que para outros. Há seres que te desviam, situações que te derrubam, condições que desde o começo fazem com que os outros te prejudiquem. Querida, você precisa ter sorte e apoio para que seus lindos grand jetés consigam pular por cima de todas as barreiras que te limitam. Mas, acima de tudo, precisa de muita garra. Porém, isso eu vejo que você já tem.

— Ó Metamorfose, és tão sabida. Faremos um acordo, então. Até o fim da próxima primavera, estarei em um grande teatro a dançar, e a senhora estará a assistir.

Firmamos o acordo, e a partir de então ocorreram muitos treinos e evoluções, nossos laços aumentaram. Logo, consegui me apresentar no Guaíra, um sonho tão esperado, mas não tão conquistado, pois apesar de tentarmos muito, não conseguimos levar minha amiga monstra para lá. Minha fama foi crescendo, me ofereceram casa, dinheiro, mas eu só queria estar com minha velha Metamorfose.

Para cumprir com o acordo inicial, mas também por ser muito importante para mim, organizamos uma grande apresentação às margens do lago. A plateia estava cheia, muitos aplausos e muita dança. No fim, estava muito animada e o que mais queria era falar com minha convidada mais que especial.

— Velha Metamorfose, percebo hoje que completei meus dois maiores sonhos. Sou uma bailarina muito aclamada e realizada, mas o principal, eu tenho uma família: você. Desde os primeiros dias em que fui abandonada filhote aqui, que não conseguia fazer amigos, nenhum humano me adotava, eu chorava e me sentia tão incompleta. Mas mal sabia eu que tinha você a me observar e cuidar de mim. Então, desde o dia que se revelou, a considero como mãe, conselheira, amiga. Não poderia estar mais alegre ou menos sozinha! — Falei, mas logo notei que havia algo errado com Dona Metamorfose. Ela parecia fraca, a madeira afinada, e seus traços, marcantes. Houve então a confirmação:

— Bailarina, minha alma está velha. Estou-me a ir embora. Meu corpo ficará aqui, para que você lembre de mim e da grande artista que você é. Ter podido acompanhá-la regou minha vivência de felicidade, e minha felicidade de companhia. Adeus, minha pequena, minha grande, minha bailarina.

Chorei tanto naquela noite, que o lago quase transbordou. Meus olhos secaram, meu sorriso sumiu. Mas então lembrei de como era de fato minha velha, e sabia exatamente do que ela gostaria. Dancei, e dancei, ao tal som do silêncio, até meus mindinhos doerem.

No próximo dia, não segui em frente. Não apenas. Segui em todas as direções possíveis e impossíveis, segui para trás, para frente. Para os lados, diagonais, segui para tudo que é caminho que eu quisesse trilhar. Pois foi assim que a velha Metamorfose me ensinou a fazer.

Bel Akemi

Sou Bel Akemi, amante dos livros desde pequena. Estudante de musicoterapia, admiro a capacidade da música, sua potência, e tudo que envolve essa e tantas outras artes. Gosto de dançar, tocar piano, jogar basquete, fazer artesanato. Sou autora do livro “Metamorfose Dançante — um relato de anorexia”, por meio do qual me iniciei na aventura da escrita. Acredito muito no poder dos livros, e sigo compondo esse universo literário.

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UM PRESENTE INUSITADO

Na cidade de Morretes, Litoral do Paraná, mais precisamente Povoado do Candonga, tem uma escola rural, onde a professora Aurora dava aulas.

O lugar é muito lindo, pois a natureza se apresenta nas árvores, rios, pedras e animais, pássaros e lindas borboletas azuis.

No dia do aniversário da professora Aurora, fizeram uma festa. Os alunos chegavam alegres, cada um trazendo um presentinho.

O Artur chegou com um galho de uma planta, muito grande, maior que ele, pois sua mãe havia falado para ele pegar uma florzinha do mato e levar para a professora. Todos riram carinhosamente porque foi hilário vê-lo escondido atrás do galho.

Mas, para surpresa de todos, Mateus trouxe um chuchu. Sim, um chuchu amarrado com um laço vermelho. A professora abraçou o aluno e este falou:

— Sabe, professora, minha avó falou que senhora é nossa segunda mãe, eu queria te dar um presente, mas não tinha nada lá em casa, meu avô falou para eu trazer esse chuchu, aí ela pegou uma fita vermelha fez esse laço e falou que tinha certeza que a senhora ia gostar.

A professora tentava controlar sua emoção, abraçou o Mateus quando ouviu a Sara desdenhar:

— Nunca vi dar um chuchu de presente.

Foi então a professora começou a explicar para todos que tem muito mais valor um presente dado com o coração do que dado por obrigação e que aquele chuchu era o presente mais lindo que ela já havia ganhado. Foi então que o Mateus contou que seu pai é um plantador de chuchu e que ele sabia como plantava o chuchu, explicando para os demais alunos como era o seu cultivo:

— Para plantar depende da época, coloca-se a muda em pé com o “coração” do chuchu encostado na terra, mas não se cobre totalmente. A cova onde irá ser plantado deverá conter esterco, adubo, entre outros materiais orgânicos. O chuchu pode ser plantado de uma muda só como também com três mudas na mesma cova. Quando ele brotar coloca-se uma varinha de bambu para suas gavinhas se agarrarem e subirem até chegarem na esteira. São feitos desbastes em seus brotos conforme vão surgindo, devendo-se deixar chegar em cima somente o broto mestre.

Todos escutavam com muito interesse e curiosidade.

O interessante, que todos os dias, ano após ano, a professora Aurora passava de ônibus escolar perto de um parreiral de chuchu e nunca tinha percebido seu desenvolvimento, não se importava, só depois começou a observar com “outros olhos” a plantação do chuchuzeiro. Um grande campo, várias estacas, arames esticados para receber os ramos. Os primeiros brotos sobem pelos palanques, envolvendo-os como se os tivesse abraçando, os ramos se entrelaçando nas esteiras, formando um “teto” verde. Com o passar dos dias, os frutos vão aparecendo, dependurados por debaixo das ramas. Depois da colheita, cortam os caules, secam e no próximo ano, nova safra.

Naquele dia, a professora não só aprendeu sobre a cultura do chuchu, como também a reconhecer o grande carinho do aluno em presentear com o que ele tinha de melhor, em sua casa.

No outro dia todos os alunos chegaram com um chuchu. Odete, a merendeira, fez um gostoso refogado e todos ficaram felizes, porém um dos frutos estava muito velho, inclusive com broto, e todos resolveram plantá-lo. No decorrer dos dias, os alunos e a professora acompanharam seu crescimento, regando e cuidando de acordo com que o Mateus havia contado. Assim os alunos começaram a ver o chuchu com os “olhos” do coração.

Anecy Oncken

Nasci menina, cresci mulher, tornei-me mãe, me fiz professora e escritora, me fizeram avó.

Os anos passaram, aposentei e me dei a chance de transformar a minha vida em Modelo, Manequim Sênior, também me tornando Miss Sênior Internacional.

Hoje aos 72 anos me deram o título de Embajadora Celebrity Universe Internacional 2024, ou seja, Embaixadora de Projetos Sociais das Misses da América Latina, By Leandro Anthony.

Procuro levar uma vida saudável e alegre, sendo útil aos outros, principalmente às crianças, através dos meus livros.

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WANDA E OS LIVROS

ESQUECIDOS

Wanda era uma gatinha preta e medrosa que vivia em um apartamento na charmosa Rua XV de Novembro, em Ponta Grossa, com um homem, uma mulher e uma menina, sua melhor amiga.

Na noite de Ano Novo, Wanda saiu para ver os fogos de artifício que iluminavam o céu sobre a Catedral Sant’Ana e a Praça Barão do Rio Branco. Durante o passeio, encontrou uma telha quebrada que levava ao forro de uma loja de livros e discos usados, um lugar cheio de histórias e segredos. Curiosa, a gatinha entrou.

Depois de uma breve pausa, o barulho dos fogos retornou e assustou Wanda, que acabou caindo num alçapão que a levou para dentro da loja. Mesmo assustada, caiu em pé, como todo gato.

Com medo, desceu uma escada até o porão, se escondeu e dormiu.

Quando acordou, já com o dia claro e a loja fechada, Wanda decidiu explorar o lugar. Ela viu prateleiras cheias de livros e discos raros, e ficou contente por não haver humanos por perto. Ela era uma gatinha muito tímida.

Ela tentou encontrar uma saída, mas o buraco por onde caiu estava muito alto, e as janelas no porão estavam trancadas.

Cansada e com fome, ela voltou para o porão e dormiu novamente.

Wanda dormiu muito e quando despertou já era noite. A lua cheia brilhava sobre os prédios antigos da Rua XV. De repente, Wanda escutou alguém e ficou assustada. Ela gostaria de estar em casa com sua família.

— Oi, gatinha! Olha pra cima! — Disse a voz misteriosa.

Wanda olhou para as prateleiras mais altas, mas não conseguiu ver quem estava falando. A luz da lua não chegava até o topo das estantes.

— Espera aí, eu vou até você! — Respondeu a mesma voz.

De repente, um livro apareceu de pé na frente de Wanda. Antes que ela pudesse fugir, ele começou a falar:

— Não tenha medo, eu sou a Carol Crônica, um livro cheio de pequenas histórias engraçadas sobre o dia a dia das pessoas. E você, quem é?

— Eu sou a Wanda — respondeu a gatinha, surpresa. Ela nunca tinha falado com um livro antes.

— O que você está fazendo aqui? Não vemos muitos gatos neste lugar — disse Carol Crônica.

Então Wanda explicou o que tinha acontecido com ela na noite de Ano Novo e que estava com fome e sede. Carol Crônica quis ajudar a gatinha e chamou dois amigos: Sofia Sábia e Aurélio Contador.

Sofia era um livro cheio de ideias legais sobre a vida, que fazia as pessoas pensarem em coisas novas. Aurélio era uma enciclopédia, um livro que explicava o que as palavras e as coisas do mundo significavam.

Os três amigos pensaram em um plano para ajudar Wanda a encontrar água, comida e, depois, uma maneira de voltar para casa.

Aurélio sugeriu que Wanda fosse até a cozinha dos funcionários da loja, onde com um pouco de sorte encontraria comida e água.

Wanda não queria ir sozinha, mas Sofia explicou que eles eram livros mágicos que só ganhavam vida à noite e que não podiam ser vistos pelas câmeras da loja. Então, Wanda teria que ir sozinha.

Para ajudar, Sofia chamou Helena Historiadora e Ciça Científica. Helena era um livro que contava histórias do passado, inclusive sobre Ponta Grossa e sua história ferroviária, e Ciça era um livro de ciência, que sabia tudo sobre como as coisas funcionavam.

Enquanto pensavam no plano, Wanda perguntou por que livros tão importantes eram deixados no porão. Helena explicou que os antigos donos os guardaram por falta de espaço, e os novos proprietários nem sabiam da existência deles, então foram esquecidos no porão.

Wanda queria ajudar os livros, mas não sabia como.

O plano ficou pronto. Helena desenhou um mapa para ajudar Wanda a chegar na cozinha e encontrar comida e água. Ciça explicou que Wanda precisava ser vista pelas câmeras e disparar os alarmes, para que os donos da loja soubessem que ela estava lá e encontrassem sua família.

Mas Wanda estava com muito medo de que o plano desse errado.

Para encorajá-la, apareceram Luca Luminoso e Patrick Poético. Luca era um livro de contos que fazia a gente sentir esperança e acreditar que tudo podia dar certo, e Patrick era cheio de poemas que ajudavam as pessoas a sentir coisas boas. Eles fizeram Wanda se sentir confiante para seguir com o plano.

Ela começou sua jornada seguindo o mapa de Helena. Foi até a cozinha, encontrou pão e outros alimentos na mesa e matou a sede na torneira da pia. Agora, só faltava passar pelos alarmes e ser vista pelas câmeras.

Antes de ir, Wanda teve uma ideia: depois de disparar o alarme, correria de volta ao porão. Assim, quando os humanos a procurassem, também encontrariam os livros esquecidos e os colocariam nas prateleiras do andar de cima!

Wanda seguiu em frente, pronta para colocar o plano em ação e ajudar seus novos amigos. Ela correu e pulou por todos os lugares que Helena marcou no mapa, disparou os alarmes e voltou para o porão, deixando todos surpresos!

Os donos da loja ouviram o alarme e, mesmo de casa, viram pelas câmeras uma gatinha preta correndo pelos corredores. Os livros se despediram de Wanda e voltaram para suas prateleiras, porque o sol estava quase nascendo.

Assim que o sol nasceu, Wanda ouviu barulhos lá em cima e imaginou que fossem os donos da loja. Ela pulou na estante e encontrou um lugarzinho aconchegante entre Helena Historiadora e Sofia Sábia.

Os humanos desceram até o porão à procura dela. Quando chegaram perto, Wanda tomou coragem e soltou um miado fraquinho, mas alto o suficiente para que a vissem junto dos livros.

Os donos da loja trouxeram água e comida para a gatinha e imaginaram que ela fosse a mesma que estava sendo procurada em cartazes por toda a Rua XV de Novembro. Assim, eles avisaram a família de Wanda que a tinham encontrado.

Ainda naquela manhã, Wanda estava de volta em casa, matando a saudade dos seus humanos. E naquela noite, em uma das prateleiras principais da loja, Helena Historiadora contava com orgulho para todos uma nova história: Wanda e os livros esquecidos.

Kleber Bordinhão

Oi! Eu sou o Kleber Bordinhão, nasci em Ponta Grossa, no Paraná, onde trabalho como escritor, professor e redator publicitário, ou seja, vivo cercado de palavras o tempo todo!

Quando era criança, os livros infantis moldaram meu mundo — eu me lembro especialmente das adaptações da Série Reencontro, como “Sonho de uma noite de verão”, “As mil e uma noites” e “Dom Quixote”, obras que fizeram minha imaginação viajar naqueles primeiros anos como leitor.

Já publiquei sete livros, entre poemas, crônicas e contos, e fui premiado em concursos literários regionais e nacionais. Acredito que a leitura é uma sementinha poderosa: ela forma não apenas bons leitores, mas também cidadãos mais sensíveis, criativos e críticos.

Por isso, fico feliz em participar desta coletânea voltada ao público infantil, um público que, mais do que nunca, merece histórias que inspirem e encantem.

Boa leitura!

Escute o conto

Olivio Jekupé

Curador

Eu sou Olívio Jekupé. Sou escritor de literatura nativa e moro na aldeia Kakané Porã em Curitiba. Já publiquei 31 livros e sou pai de cinco filhos, quatro deles são escritores e um deles, cantor de rap nativo, conhecido como Owerá.

Izabela Bombo

Ilustradora

Izabela Bombo nasceu em Londrina em 1992 e cresceu em Maringá. É artista dedicada à ilustração, com trabalhos que exploram a essência do ordinário e cotidiano, aquilo que lhe é mais intrínseco, mas que não escapa aos olhos. A simplicidade de detalhes e minimalismo são o eixo de sua linguagem artística. “Ingá, a menina canção” (2023), escrito por Nathan Gualda, “[em] caixa” (2024), de sua autoria e a “A menina que veio de fora” (2025), de Vânia Bruneli, são seus principais trabalhos editoriais. A 10ª edição da Coletânea de Contos Infantis do Sesc é sua quarta publicação como ilustradora.

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO PARANÁ

Darci Piana Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR

Carlos Alberto de Sotti Lopes Diretor Regional do Sesc PR

Lidiane Cristine Galvan Diretora de Educação, Cultura e Ação Social

Cesar Luiz Gonçalves Coordenador Geral do NCM — Núcleo de Comunicação e Marketing

Rosane Guarise Assessora de Comunicação e Marketing do NCM — Núcleo de Comunicação e Marketing

Mariah Fank Gerente de Cultura

Leandro Rodrigues Gerente Executivo Sesc Maringá

Isabel Cristina Bizerra da Silva Analista — Sesc Maringá

Mayara Elisa de Lima Cirico Analista — Gerência de Cultura

Johann Dakitsch Miranda Analista de Comunicação e Marketing do NCM — Núcleo de Comunicação e Marketing

Abrir as páginas dessa Coletânea publicada pelo Sesc Paraná é uma forma de adentrar o imaginário popular e literário paranaense. Os contos aqui publicados foram produzidos por escritores e escritoras de dez diferentes cidades do estado, refletindo a pluralidade de vozes e a força da produção literária estadual voltada à infância.

Com curadoria de Olivio Jekupé e ilustração de Izabela Bombo, a Coletânea Sesc de Contos Infantis celebra sua 10ª edição.

Desejamos a todos e todas uma boa leitura!

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