Fazendo 96

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FAZENDO 96 o boletim do que por c谩 se faz

Je suis Fazend么

gratuito

janeiro 2015

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FAZENDO

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Sumário

Ficha Técnica

Crónica

Directores aurora ribeiro tomás melo

Se a liberdade significa alguma coisa por joão stattmiller .9604

Coordenadores fernando nunes rita mendes melina álvaro silvia lino

Música Pedro Lucas entrevista B Fachada por pedro lucas

Colaboradores ana lúcia almeida ana pinto ana silvestre antónio nogueira bernardo fachada carlos alberto machado carlos bessa carolina furtado cláudia ávila gomes jim catterall joão stattmiller lia goulart mara pedro lucas sara soares terry costa victor rui dores vitor marques

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Cultura Montanha Pico Festival por terry costa .9608

Música Um aprendiz de feiticeiro por victor rui dores .9611

Cinema Os Maias de João Botelho por carlos bessa

Revisão carla dâmaso

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Paginação tomás melo

Artes Plásticas

Projecto Gráfico ilhasCook

Luís Brum por fernando nunes .9614

propriedade sede

9900 horta

Ambiente E Depois das Quotas Leiteiras nos Açores por cláudia ávila gomes

FAZENDO

periodicidade tiragem

mensal

500 exemplares

impressão

o telégrapho

registado na erc com o nº125988

.9518

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assoc cultural fazendo

rua conselheiro medeiros nº 19

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FAZENDO Capa

Luís Brum A definição de um indivíduo resulta num processo que se revela comovida. Mas para que se entenda, é necessário um rótulo para que possamos referenciar connosco próprios. Mas como rotular algo único como a nossa individualidade? Pois surge assim uma sucessão de referências, o que nós poderiamos categorizar de linguagem. Assim torna-se mais fácil definir Luís Brum. Um conjunto de referências onde se distingue as linhas da fantasia antropomórfi-

ca, com claras alusões a um romantismo muito característico da ilustração infantil vitoriana. Estas referências ganham, contudo, nova expressão com o evoluir do processo. Numa grande metáfora para inquisições quotidianas tornam-se figuras improváveis no palco do absurdo. Este absurdo não é mais que uma descontextualização do problema para que surja um novo reconhecimento. Um exercicío de reflexão onde paisagens extraídas dos sonhos criam uma liga-

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ilustração: Daniel Seabra Lopes

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Carlos César é eleito chefe do executivo açoriano, governado pelo PS. Na Vila da Povoação, São Miguel, registam-se várias inundações provocadas pelo transbordo de uma ribeira. Dá-se a criação, na Ilha Terceira, do Quarteto de Piano, constituído por músicos ucranianos residentes nos Açores: Elena Kharambura (violino), Ostap Kharambura (viola), Orest Grytsyuk (violoncelo) e Grygoriy Grytsyuk (piano) sendo, até aos dias de hoje, muitos os concertos por eles tocados nas Temporadas Artísticas e não só. O realizador Maurício de Carvalho filma a “Ilha da Bruma, Faial”, José Medeiros realiza o telefilme “Pepe Fotógrafo e as Valsas do Mundo” e José Mendes “O Passaporte de Emigrante”. O escritor Urbano Bettencourt edita “Algumas das Cidades (poesia, narrativa) ” e Pierluigi

ção entre um subconsciente dividido na dicotomia entre liberdade e segurança. Um percurso onde as estórias se compõem sobre um caminho eternamente distópico. Numa nuance monocromática a iconografia infantil veicula a divisão entre o conforto nostálgico e uma metamorfose futurística. Assim com a procura constante entre referências se define o autor.

Fernando Nunes Bragaglia escreve “Açores: o Paraíso do Artesanato”, que sairá mais tarde numa compilação de textos intitulada: “Flores: Folhas – Algumas folhas de uma ilha com muitas flores” e o Instituto Açoriano de Cultura publica “Sociedade, tempo e mudança”: um conjunto de comunicações apresentadas na XI Semana de Estudos dos Açores. O mundo do cinema despede-se de Marcello Mastroianni, um dos maiores actores italianos de todos os tempos. O realizador português, Luís Filipe Rocha, roda em São Miguel, o filme ”Adeus Pai”, e, muito em breve, regressa ao arquipélago para apresentar, na Ilha do Faial, o seu mais recente projecto cinematográfico: “Cinzento e Negro”, filmado na ilha azul.

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Se a liberdade significa alguma coisa João Stattmiller

“Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.” George Orwell Soubemos, pelas piores razões, da existência em Paris do semanário satírico “Charlie Hebdo” (CH) e seus desenhos gozando com os políticos, a sociedade, a moral, os bons costumes e o santo nome de deus. Um dos seus alvos preferidos é Maomé e, como terá o alcorão uma passagem que torna inviolável o sagrado nome do profeta, foi parar à mira de grupos radicais islâmicos que, sentindo-se ofendidos, declaram uma Fátua (condenação na lei islâmica usada pelos radicais). Há anos aconteceu o mesmo ao escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie, condenado pelo pecado de ter escrito um livro. Já em 2011 a redacção do Charlie Hebdo tinha sido alvo de um ataque à bomba, sem vítimas, mas agora cinco dos seus jornalistas, incluindo o director Stéphane Charbonnier (Charb), foram assassinados aos gritos de “Allahu Akbar” (deus é grande) e tiros de metralhadora. Os assassinos são jovens muçulmanos todos eles nascidos, criados e radicalizados em França, “enfants de la patrie”, a que dizem ser da liberdade, igualdade e fraternidade. Confesso que mal conhecia o CH que, apesar de existir desde os idos de 68 em Paris, nunca foi além dos 60.000 exemplares, metade vendidos por assinatura e o resto em banca, isto num país de 66 milhões de almas. Luis Pedro Nunes, director de “O Inimigo Público” (o que há de mais parecido por cá), diz na sua crónica do Público a que, tocando na ferida, intitula “Estaremos mais seguros sem o CH?”: *

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“O Charlie Hebdo (CH) é, era, sempre foi um teste à tolerância pessoal e das instituições democráticas. Até que ponto aguentamos ser provocados nos nossos “proibidos”, nos nossos “sagrados”? O CH tinha uma missão que ainda não fomos capazes de lhe reconhecer: a de monitorizar as nossas próprias barreiras mentais. (...) O CH testava-nos. Ia ao núcleo íntimo do proibido. Dos novos e dos velhos tabus. E por isso era acusado de ser tudo e o seu oposto: racista e homofóbico, anti-religioso e antidireita, antiextremista e antianti. O prazer jocoso profano, iconoclasta e desafiador permitia que sentíssemos o pulso dos nossos novos temores. E dos mais calcados. Era natural que se detestasse o CH.” Fiquei mais confortável com o sentimento que alguns dos “cartoons” me provoca, de tanto preconceito e manifesto mau gosto. Também ri a bom rir com outros. Para mim a ausência de medo em confrontar os poderes e gozar com os preconceitos e complexos enraizados, sejam eles quais forem, é uma característica admirável e é graças a ela que existe a tal liberdade de expressão, uma liberdade que não tem meio termo, ou é ou não é. A polémica em torno do CH afigura-se assim uma boa oportunidade, para quem não anda cego pelo politicamente correcto, separar o trigo do joio. Como o mundo é feito de ironias, o jornal que estava com imensas dificuldades económicas agora esgota a sua primeira edição após o atentado, com sete milhões

de exemplares para vinte países e versões em cinco línguas, incluindo o árabe e o turco. Se deus existe eu diria que ele tem sentido de humor. Goste-se ou não, temos de reconhecer que numa coisa sempre foram coerentes: criticam tudo e todos, por vezes mais uns que outros, mas ninguém escapa à sua sátira mordaz, vejam a capa em 1974 sobre a revolução dos cravos. Não espanta pois a legião de carrascos que surgiram para os condenar após o atentado, alguns culpando os próprios mortos pelo sucedido e pouco faltando para celebrar o “heroísmo” dos assassinos por nos livrarem do incómodo embaraço que aqueles malvados desenhos provocam. Houve ainda os falsos moralistas que preferiram desviar a atenção assinalando o silêncio perante outras mortes, noutras latitudes, e lembrar que CH fazia piadas sobre minorias segregadas em França e que isso é alimentar o eurocentrismo e a exploração dessas minorias, a hipocrisia e duplicidade de critérios do ocidente. É verdade e o argumento é forte. Discordo, porém, no que ao jornal diz respeito. Para mim o humor, como o amor, é libertador. Ambos nos elevam, nos ajudam a ser mais livres, menos estúpidos, mais intensos, e por isso mais humanos. Nenhuma protecção de qualquer minoria, por mais oprimida que seja - sem excepção - pode servir de álibi para abdicar deste pedaço de vida. Não se podem usar todos os meios para atingir os fins, e o fim essencial de acabar com


o racismo, a homofobia, o machismo, a desigualdade social não autoriza a pôr fim à liberdade de rir, de tudo. De todos. À liberdade de um dos sobreviventes do CH, o holandês Bernard Holtrop (Willen), declarar aos jornais que têm muitos novos amigos como o Papa, a Rainha Elizabeth, Putin. Que lhe dá vontade de rir e vomita em todos esses novos amigos. Outra coisa não seria de esperar de um homem livre, o nojo desse espectáculo de domingo em Paris, 11 de janeiro de 2015, dois milhões de cidadãos marchando pela liberdade e senhores da guerra de todo o mundo de mãos dadas a François Holland mas numa rua paralela, em segurança separados do povo, a imagem acabada da falsidade hipócrita. Particular atenção dei às declarações do Papa que lá do céu, a bordo do avião papal, falou aos jornalistas sobre o sucedido e se dirigiu ao seu rebanho cá em baixo lembrando os limites à liberdade de expressão quando as crenças dos demais estão envolvidas, que não há direito a insultar a fé do outro e usando mesmo a curiosa metáfora “se insultares a minha mãe levas um soco”. Ou, por outras palavras, se usares uma mini-saia provocas e podes ser violada, se fizeres um desenho a insultar Maomé podes esperar uma bomba ou que vão lá de arma em punho matar-te e quem ali estiver. Um discurso que não passa, digo-o sem rodeios, de uma triste tentativa de justificar o injustificável. Quando temos pessoas brutalmente assassinadas por “delito de expressão” é preciso lembrar o direito à vida e não

crónica

uma capa da revista Charlie Hebdo em 1974

rdoe e, o pe mas idad c t s i n c a aS Fran ador A Su Papa este pec do avião e d d a u id de ex sadia Sant envio Sua vor a ou em que iberdade emais a l por f a mensag limites à ças dos d eito a n s i e o v r c á dir para re ou o as ão h l sob ó papa ão quand as, que n , e era s milde o s d i s h m i e v l r x u u r não p envo i o pró te se estão ar a fé d para es e exprim nada. t , l e o m u r u s t q e e e n i izer erdade d m milím essar qu d e f u m b lh n i e l o a em sag ac servo ociável, n bém par sua men oce, e d g m a e a a n t t er m é bata s be rceb veito Apro i por pe rcela com inhame e loud e acab doro mo inha com vontade am de a pois linguiçaz té me dá s que rez través a o uma a a tinto s uns tip e que só a er no d d a a m m g , m re ei ar ado e deus t ssera ça ir var a ra o ar di a lingui e insul iu. m d a r i t e a p n p ú a e c orcel ue os no. S da m do infer a puta q a fogo ei-os par d man nte tame Aten ngelo  João

os limites à liberdade de expressão. Não devia o Papa esquecer também que, num estado moderno, alguém usar o seu direito à livre expressão para ofender outro, ou a sua fé, dá direito ao ofendido de recorrer à lei e do ofensor ser punido, mas não dá o direito a ninguém, nem ao Papa, de impor limites ao uso dessa liberdade. Particularmente grave é enviar ao mundo uma mensagem errada e perigosa em que se culpam as vítimas e se justificam pela “ofensa” crimes bárbaros cometidos por psicopatas. Não tenho nada contra a liberdade religiosa de cada um reze ele de pé, sentado, de joelhos ou no chão mas não confundam as coisas, quem entra num jornal armado de metralhadora e mata porque se sentiu ofendido com um desenho é um assassino psicopata e não merece qualquer simpatia. Se o medo leva alguns, talvez habituados a ajoelhar-se, a procurar explicações para tentar justificar o sucedido na lógica do “oprimido” em revolta contra o “opressor” ou do “fiel” lavando a “honra” então ajoelhem-se perante o terror e a barbárie. As declarações do Papa devem servir principalmente para nos lembrar que a liberdade não nasceu nas sacristias mas contra elas, que o direito à blasfémia custou vidas e o medo do inferno embruteceu gerações. Todas as religiões, incluindo o cristianismo, crucificaram a liberdade. Em democracia não se provocam os crentes nos seus espaços, mas nenhuma religião tem o direito de banir a negação, crítica ou sátira do seu

deus, através da imagem ou da palavra, fora do adro dos seus templos. Negar o direito à blasfémia é uma cobardia e ao mesmo tempo uma visão de inquisição contra o livre-pensamento. Alguns argumentarão que o Papa revela simplesmente bom senso mas lembrem-se, como disse um ateu assumido, que “é desta cobardia, denominada bom senso, que se fazem as vitórias dos que nos querem de joelhos, mãos postas e prostrados perante um ser imaginário. E sempre, e só, o deles.” De tudo o que li algo foi particularmente útil, escrito por um filósofo e psicanalista esloveno chamado Slavo Zizek, diz assim: “É agora, quando estamos todos em estado de choque depois da carnificina na sede do CH, o momento certo para encontrar coragem para pensar. Agora, e não depois, quando as coisas acalmarem, como tentam nos convencer os proponentes da sabedoria barata: o difícil é justamente combinar o calor do momento com o acto de pensar.” Segui o conselho e escrevi uma carta ao Papa. As minhas desculpas pela linguagem brejeira, fi-lo propositadamente e por razões óbvias. A quem se sinta ofendido repare que não mata.

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B Bernardo Fachada é português, toca, canta e grava discos e vem dar um grande concerto já no dia 31 de Janeiro ao excelso Sporting da Horta. Pedro Lucas entrevistou-o para o Fazendo.

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música

fachada Na minha opinião, o Zeca Afonso, que recuperaste neste disco, tem alguns dos momentos musicais mais interessantes e desafiantes da música popular portuguesa. Por exemplo os discos “As minhas Tamanquinhas” ou o “Eu vou ser como a toupeira”. É um cliché dizer que a obra dele, principalmente nas novas gerações, é subvalorizada musicalmente em consequência (ou em prol) do conteúdo político. Achas que é mesmo só um cliché?

Aqui há uns anos insinuaste que o melhor era deixar o “cabrão de Portugal morrer” e recentemente lançaste um vídeo, feito a meias com o maroto do Xavier Almeida, onde andam as pobres das ovelhas em orgias com uns bárbaros que até nem são muito calmeirões. Achas isto bem? Assim? Em país de católicos?

Acho que tens toda a razão e que está longe de ser um cliché! Não diria que a obra é subvalorizada, mas acima de tudo que foi mal digerida. Julgo que algumas das pessoas que trabalharam com ele perderam a oportunidade de desvendar em tempo certo os enigmas musicais da obra do Zeca, concentrando-se sempre nas competências sociais e políticas de discos que, sabemo-lo agora, sobrevivem ao tempo e às contingências como nenhum outro da nossa música. Esse para mim é que é o verdadeiro enigma. As gerações mais novas podem demorar mais tempo a chegar ao Zeca, mas sei que ficam igualmente siderados quando lá chegam. Não tens outra hipótese aqui: ou começas do Zeca, ou começas do nada.

Fomos educados com uma ideia de identidade nacional. Qualquer regime que precise de justificar uma fronteira precisa de vender nas escolas uma ideia de identidade nacional. Seriam de esperar grandes transformações nessa ideia num país (e num mundo) que vira do avesso de 10 em 10 anos, no entanto, continuamos a falar de nós como falávamos, pelo menos, há 50 anos... a história é a mesma, o camões é o que se sabe, o aquilino continua proibido (será um lapso legislativo?), etc... Parece que com a alegria de se poder falar nos esquecemos de mudar o que dizíamos!

Entre Ep’s e Lp’s lançaste 12 discos em 5 anos (de acordo com a wikipedia). Que tal soube o ano de “pausa”? Mudou alguma coisa na maneira como fazes as coisas agora? Eu julgava que ia mudar a maneira como trabalho, mas na verdade o que mudou mais foi a maneira como olho para o trabalho que está para trás. Digamos que fiz as pazes comigo mesmo e apercebi-me que não me competia mudar o modus operandi. A verdade é que vivo satisfeito com o meu ofício e toda a gente sabe que não se mexe em equipe vencedora!

Também não é como se fôssemos espanhóis!

Numa canção essa mudança é que leva a palavra. E a palavra é que leva a canção.

Explica lá essa coisa da Tradição Oral Contemporânea como se eu tivesse 3 anos a ver se esta gente entende de uma vez por todas... Tradição Oral Contemporânea foi um conceito que o Tiago Pereira inventou e que trabalhámos um pouco os dois numa altura em que estávamos a tentar abordar a chamada música tradicional a partir das semelhanças que tem com a música popular e não a partir das diferenças como é habitual na academia. Partimos do princípio que o conhecimento colectivo e a cultura que se desenvolve para o preservar existem sempre em potência em toda a gente; e, consequentemente, não pode ser exclusivo dos meios rurais. A existência de um autor, que é por definição o factor que distingue a obra colectiva da obra individual, pareceu-nos não ter o peso que se julga. Afinal, o próprio conceito de autor é uma convenção; serve para contabilizar percentagens em questões jurídicas. E a ideia de que a música tradicional é um repertório colectivo que existe para além do indivíduo também é uma grande estupidez. Como é óbvio, a música tem que ser cantada por alguém e só existe enquanto está a ser cantada! Cada pessoa canta de sua maneira e cada vez que canta, canta com propósito e não como se fosse um tique de ruralidade, um Fado que se abateu sobre aquelas velhinhas! São velhinhas mas não são tontas. Ser autor é uma mania. Na cidade, a comunidade não existe. É uma confusão. A memória colectiva está constantemente em ácidos a tentar distinguir o que é a nossa cena do que é a cena do lado... Refugio-me na ideia de autor para poder imaginar uma comunidade e as canções que lhe pertencem. Mas preferia tê-las. Passava menos do meu dia a pensar e mais a cantar, que é o que interessa.

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cultura

Montanha Pico Festival A associação MiratecArts juntou-se à equipa das Nações Unidas Mountain Partnership e lançou o programa do primeiro MONTANHA PICO FESTIVAL, a realizar durante o mês de Janeiro. Terry Costa Montanha Pico Festival é uma apresentação de artes com objetivo de incentivar conversa de assuntos de importância sobre montanhas e a cultura de montanha. Através de exposições de arte, lançamentos de livros, apresentação de filmes e performances, aventuras na montanha desde fotografia à caminhada, ballet, composições musicais e muito mais, durante o mês de janeiro a associação cultural convida o mundo a se juntar na ilha e até aventurar ao ponto mais alto de Portugal. As iniciativas começaram no dia 2 de janeiro com jantar temático que incluiu dipps de queijo da ilha com cule de Lajido e queijadas de inhame com sorvete de tangerina - um sucesso apresentado de estilo contemporâneo artístico. A exposição na Câmara da Madalena inclui 72 fotografias de montanhas no mundo, que chegaram através do concurso internacional que a MiratecArts lançou no ano passado. Até ao dia 30 de Janeiro, vários artistas apresentam obras únicas criadas especialmente para participar nesta exposição. Os picarotos Manoel Costa com “Faces da Montanha - Instalação”, João Inácio com as esculturas “Basalto” e Raquel Neves com a construção da peça “Organicidade III uma perspetiva sobre a ilha-montanha”. Rocio Matosas volta ao Pico, depois do grande trabalho realizado no Azores Fringe, desta vez para liderar workshops e mostrar suas esculturas “Bestas da Montanha”. A equipa das ilhascook e o jovem Guilherme Gamito vão realizar obras nas ruas da vila que se juntam ao Roteiro de Murais da Madalena. *

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Aos domingos à tarde é o Chá na Montanha, um programa de palestras, conversas e apresentações de artistas na Casa da Montanha, o ponto mais alto que se chega de carro, antes de iniciar o percurso pedestre até ao topo do Pico. Às quartas-feiras à noite o festival apresenta sessões de filmes na Sede do F.C. Madalena, que inclui trabalho galardoado internacionalmente assim como curtas realizadas por estudantes. Sábado à noite é reservado para programação no Auditório do Museu dos Baleeiros nas Lajes do Pico. Artistas galardoados em vários países juntam-se ao festival pra apresentar seus trabalhos na temática. Da Inglaterra a portuguesa Isabel Mateus vem com as 3 versões (original, inglês-português e versão lançada na China) dos seus livros “Outros Contos da Montanha” no dia 17. E no dia 24 o fotógrafo João Vilhena apresenta “Lanzarote - A Janela de Saramago” assim como uma palestra sobre fotografia. As três bibliotecas municipais de São Roque, Lajes do Pico e Madalena, estão a participar com uma exposição de livros e materiais sobre o tema. Mais uma oportunidade para visitar a sua biblioteca. Para mais informação e fotos dos eventos visite: www.picofestival.com


intervenção

Made in China Lia Goulart

Recentemente tive o privilégio de colaborar num projecto artístico para a comemoração dos 15 anos da Autonomia de Macau. O meu trabalho consistia em tratar imagens em computador alusivas ao país, desde fotografias de templos às características aguarelas repletas de motivos florais e animais. Foi então que uma figura me despertou particular atenção: um cavalo negro pintado a aguarela. Era igual a um quadro que eu tinha lá em casa, vindo da China, aquando da visita da minha tia ao país na década de 70. Sorri por dentro ao pensar no privilégio que era ter um desenho que vinha do outro lado do Mundo. Um Mundo que eu nunca tive o privilégio de conhecer (ainda!) mas ao qual, de alguma forma, me sentia ligada pelo quadro pendurado na parede da minha casa. Reforcei este elo repetindo para mim mesma “veio da China!” mas, de repente, olhei à minha volta e apercebi-me “espera…

Fiquei com a sensação de que o mundo de hoje nos aproxima mas não nos liga tudo isto que está à minha volta veio da China!” Tudo talvez não. Mas quase tudo. Ao procurar as identidades dos objectos que me rodeavam e encontrei nativos de Taiwan, Índia, China…raros foram os que como eu tinham nascido cá, em Portugal.

Tenho a casa repleta de viagens que eu não fiz e igual à minha, há tantas casas cheias destes residentes estrangeiros. Mas estes visitantes, ao contrário do meu cavalo negro, não me conseguem ligar à sua terra Natal. São mais um entre muitos, insípidos de história, como se a humanidade de quem os viu nascer e de quem os trouxe não conseguisse ficar impressa em lado nenhum. Fiquei com a sensação de que o mundo de hoje nos aproxima mas não nos liga. A mochila emocional que antes estes objectos traziam às costas parece ter ficado no aeroporto de partida ou então foi extraviada para o Triângulo das Bermudas. E mais triste do que isto tudo: Como é que a minha casa fez mais viagens do que eu? *

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Onde São

Para Ti os Açores

algures no mundo alguém é convidado a fazer um retrato das nossas ilhas.

assinala no mapa onde são os Açores

Jim Catterall Inglaterra antes de responder às perguntas foi-lhe indicada a correcta localização dos Açores

Que tipo de pessoas pensas que vivem nos Açores? Provavelmente iatistas de perna morta que nunca conseguiram atravessar o oceano. Como é que achas que as pessoas vivem nos Açores? Tenho a certeza que bebem muito e imagino que também pescam muito. E o que pensas que as pessoas fazem nos Açores? Imagino que trabalhos de manutenção de barcos devem ser uma coisa bastante grande lá. Que língua falam os Açorianos? Inglês ou Espanhol. Como será o clima nos Açores? Muito bom, ensolarado. Não deve ser como em Inglaterra.

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Que animais imaginas que se podem ver nos Açores? Não tenho ideia. Cães, gatos… tenho a certeza que têm galinhas e vacas. Que transportes se usam nos Açores? Talvez motos ou bicicletas. Talvez carros. Quero dizer, mas há lá estradas?! O que pensas que poderia ser feito nos Açores? Um sítio para os iatistas viverem. Qual achas que é a comida Açoriana mais estranha? Não faço a minima ideia. Talvez eles comam pessoas. Eles poderiam ser canibais. Que tipo de produtos pensas que se exportam? Água, gasolina e comida. Poderias viver nos Açores? Não! Definitivamente não.

O clima nos Açores? Muito bom, ensolarado. Não deve ser como em Inglaterra


música

Um aprendiz de feiticeiro chamado José Medeiros Victor Rui Dores

ele é o saltimbanco, o arlequim, o palhaço e o pantomineiro que põe e tira a máscara existencial José Medeiros é o talento e a audácia de um “songwriter” (escritor de canções) que tem a versatilidade cénica da commedia dell´arte. Por isso cantar é, nele, uma forma de ser autor e actor. E o seu último trabalho discográfico, Aprendiz de Feiticeiro, imagens e canções (disco, DVD e booklet apresentam-se com grande qualidade técnica e irrepreensível apresentação gráfica, tendo esta a assinatura de Fernando Resendes) é disso um bom exemplo. A produção é de Tiago Rosas e a direcção musical e arranjos estão a cargo de Jorge A. Silva e José Medeiros. O disco constitui, a meu ver, uma das mais porfiadas experiências musicais dos últimos anos em solo pátrio. Cantando as “atlântidas mitologias” da ilha (a real e a mitificada), José Medeiros continua a ser o trovador, o menestrel e o jogral dos tempos modernos. A “acting voice” deste cantautor dá-nos a conhecer as suas personagens e as suas “teatrices musicais”: ele é o saltimbanco, o arlequim, o palhaço e o pantomineiro que põe e tira a máscara existencial e que, vivendo a quixotesca utopia, renuncia às novas mitologias do quotidiano, e denuncia as preocupações e as inquietações da nossa pardacenta vivência. Sem nunca perder de vista uma expressão lírica e uma intenção telúrica.

José Medeiros assume o ofício de “aprendiz de feiticeiro” (canção lindíssima) e, quando quer, sabe ser irónico e zombeteiro (“fanfarra dissonante”).Aprumo conceptual, variedade de registos e estilos musicais: a balada (“balada do varandim”), a bossa nova (“lua d´agosto no rio de janeiro”), o fado (“fado da brasileira”), o chorinho (“chorinho pinguço”), a valsa (“valsinha de separar as mágoas”), a trova (“dulcineia”), a canção intimista (“adeus meu velho amigo”), a toada criativa (“comboio fantasma”), havendo esse monumental hino/homenagem à sétima arte que é “o outro lado do espelho, (revisitação)”. São canções viageiras que, partindo dos Açores, embarcam para o Brasil, para a América do Norte e para outros espaços universais. Com boas sonoridades, bem conseguidos arranjos, excelentes gravações, participação de músicos de primeiríssima água, vozes femininas bem calibradas (Filipa Pais, Pilar Silvestre, Marta Rocha Pereira, Vânia Dilac e Sílvia Moreira), Aprendiz de Feiticeiro é um disco de apreciável encanto e inegável qualidade. E a merecer, por isso mesmo, a nossa melhor audição.

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cinema

Em resposta ao repto lançado pela direcção deste projecto, prometi colaborar mensalmente com um pequeno texto sobre assuntos de cinema nos Açores. Tentarei, em palavras curtas (que é este, também, o formato mais comum da cinematografia açoriana) dar um contributo para o conhecimento do que se fez e se vai fazendo no e pelo cinema por estas ilhas. De forma intercalar, a fotografia poderá, também, ser tema de um ou outro texto. Neste pequeno intróito, já gastei cerca de metade dos caracteres que me dispus a partilhar. Contudo, não quero fechar esta prévia nota de intenções sem assinalar a satisfação de ter partilhado, em duas lotações esgotadas com cerca de 650 espectadores (500 uma e 150 a outra) o visionamento de dois filmes, que, embora por diferentes razões, deverão ser vistos. Um, no Teatro Micaelense, “O Livreiro de Santiago”, longa-metragem de 120 minutos, o mais recente filme de José Medeiros, que num registo muito característico do autor e com belíssimas imagens, nos conta (com oportunas e bem integradas homenagens a Meliés, Chaplin, Eisenstein, Bergman, e outros) a interessante história inspirada na vida de Carlos George Nascimento, um corvino que foi responsável pela primeira edicão da obra de Pablo Neruda. Uma obra a (re)ver, para conhecimento da história e deleite da visão. O outro, este no 9500 Cineclube, “Uma cidade entre nós”, média metragem de 60 minutos, realizada por Maria João Ferreira em 2014. Uma história comum de amores e desamores, protagonizada pela jovem actriz e produtora micaelense Ana Paula Lopes que neste seu primeiro papel principal se mostrou extremamente confiante e segura. A forma como agarrou a personagem é prenúncio de que teremos uma grande actriz. A confirmar. Outras histórias, já contadas ou ainda por contar serão argumento para próximas colaborações. Até lá. Vitor Marques Rabo de Peixe, Janeiro de 2015

fotograma do filme

Imagética Açorica

Os Ma de Joã Carlos Bessa

A ilha Terceira teve oportunidade de ver Os Maias, de João Botelho. Filme exibido, num curto espaço de tempo, em ambos os concelhos, Angra do Heroísmo e Praia da Vitória, com sucesso de bilheteira e salas quase cheias, algo pouco comum para um filme português recente. Muitas pessoas terão ido ao engodo, iludidas pelo erotismo prometido em trailer. E embora possam ter feito jus ao costume quando se trata de cinematografia nacional, ou seja, dizer que não presta, a verdade é que o viram e puderam, assim, mesmo que de forma lateral, acompanhar essa ópera filmada que João Botelho idealizou, para dar corpo ao romance de Eça de Queirós. Filmar, no nosso país, não é a mesma coisa que fazê-lo onde a indústria cinematográfica é uma realidade. Que muitos dos filmes portugueses alcancem reconhecimento internacional só

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cinema

com tal mestria que configura um dos momentos altos das potencialidades sonoras e criativas da nossa língua (uma das mais faladas no mundo).

aias ão Botelho mostra que há, entre nós, uma plêiade de realizadores, capazes de, com poucos recursos, mostrar porque se considera o cinema como a sétima arte. Qualquer arte exige um mínimo de formação e de conhecimentos para poder ser usufruída. Valerá a pena referir que certos paradigmas do empreendedorismo foram decalcados dos das artes? Valerá a pena assinalar que a arte é a voz de um discurso individual que, depois, se universaliza? Ou que para perceber qualquer coisa é preciso abertura de espírito, disponibilidade para receber e algum gosto pelo que é novo? Acho que vale mais a pena destacar, num país tão pequeno como o nosso, o número significativo de pessoas que, contra ventos e marés, são capazes de criar. E que acabam por ver o seu trabalho reconhecido fora de portas. Ditoso país, pois, o que tem um Manoel de

Oliveira, um João César Monteiro, um João Botelho, um Pedro Costa ou um Gonçalo Tocha, para apenas referir uma mão cheia, entre as suas fileiras. Realizadores que pegam naquilo que somos, enquanto país, e o transfiguram em ficção, por vezes em diálogo intenso com outros modos narrativos, como a literatura. João Botelho tem sido pródigo nesses diálogos. E o último dos seus filmes é bem a prova disso. Eça de Queirós servelhe de ponte para uma leitura irónica da actualidade. Os Maias, obra maior da nossa literatura, é um retrato de uma época, de uma geração e da elite do Portugal oitocentista. Retrato que põe a nu os usos, costumes e tiques daqueles que, à época, definiam a vida da nação. Embora possa ser lido sob perspectiva historicista e de costumes, foi redigido

A partir desse romance, João Botelho quis, numa linguagem outra e através de uma manifestação artística que tem os seus códigos próprios, recriar o fracasso nacional, que parece estar ligado às características do povo português, quer no gosto pela retórica e pela forma, em detrimento do conteúdo, quer na propensão para o diletantismo que impede a fixação num trabalho sério e interessante, quer numa atitude perante a vida onde a desculpa dos erros e falhas próprios se resolve com recurso à culpa “da sociedade”. E fá-lo com requintes afins dos do romance, seja numa utilização dos símbolos, seja na voz e dramatização das personagens, seja no modo como assume os cenários, seja, ainda, no gosto e excesso de luxo de que se serve para envolver os gestos, as vozes, os movimentos, a acção. Recordemo-nos, por exemplo, da famosa ceia no Hotel Central, da hilariante corrida de cavalos ou do não menos caricato sarau no Teatro da Trindade. E refira-se que os telões usados foram da responsabilidade do pintor João Queiroz. Houve quem se referisse pejorativamente ao exagero dramático de certas personagens, quiçá por não terem percebido que o mesmo não se deve a supostos defeitos de representação, mas é intencional, correspondendo, pelo excesso teatral, à velocidade sarcástica com que Eça zurze a sua época e geração, ao mesmo tempo que se auto-ironiza. E, mais relevante, ao modo como ainda hoje a linguagem é carregada de afectação e ridículo entre certa burguesia, alfacinha ou de outras localidades. Sobre o filme muito mais se poderia dizer, falando do fundo musical, da fotografia de João Ribeiro ou da prestação do par central da trama romântica, mas deixaremos isso para outra oportunidade, até porque haverá transmissão televisiva, numa versão mais longa, onde se poderão atenuar alguns dos aspectos menos bem conseguidos. Por ora deixemos aqui registo da opinião geral e consensual do muito público, depois da exibição: Apetece voltar a (re)ler o romance do Eça. *

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artes plásticas

Luís Brum Fernando Nunes

Reza a história que nas suas longas viagens marítimas os marinheiros levavam consigo biscoitos, um tipo de pão ázimo (sem fermento) cozido duas vezes. O que é um facto é que as curraletas de uma freguesia da costa norte da Ilha Terceira são constituídas por pequenos pedaços de basalto que se erguem por detrás das vinhas. A similitude destes pedaços basálticos com o pão (biscoitos) originou o nome daquela povoação. Luís Fernando Pinheiro Brum, arquitecto paisagista, nasceu a meio da década de oitenta na Ilha Terceira na freguesia dos Biscoitos. Licenciou-se em arquitectura paisagista no final da primeira década do século XX em Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, viveu e estagiou entretanto na cidade de Barcelona e regressou recentemente à terra onde nasceu para viver e trabalhar. Em 2011, os terceirenses puderam ver uma exposição de desenho sua intitulada “Antropomorfismo Urbano”, no foyer do Centro Cultural de Congressos de Angra do Heroísmo, tendo sido seleccionado para a Mostra Nacional de Ilustração “Entre Polos”. Actualmente acontece a quem passa pelo centro de Angra, Rua de São João, poder olhar para um contraplacado que serve de protecção a uma casa devoluta e deparar-se com os desenhos deste e assim poder contemplá-los. Vê-se uma baleia e uma tartaruga voadoras de enormes proporções espelhadas numa grande superfície branca. A tartaruga alberga um casal dançante com música extraída da grafonola e a baleia transporta casas e um rapaz que embala um papagaio de papel. É difícil não se deixar levar pelo encantamento daquela tartaruga e baleia que têm o condão de servir de suporte à existência de seres mais terrenos ou não, depende da imaginação. É a fantasia da viagem que aqueles desenhos permitem e, se é certo que estes permitem referências imediatas, o importante é o cruzamento de um diálogo entre um imaginário infantil, estilizado através da gravura, e de um código de sinais e sentimentos, subjectivos ao autor. Há, portanto, aqui muita inventividade e destreza no seu traço sensível e elegante. É que o desenho de Luís Brum tem coração de ilha, pulsa, tem vida própria, e, coisa rara, denota a construção de um imaginário açoriano com a diversidade e riqueza de elementos insulares e marinhos que há muito aqui habitam. É muito possível que Luís Brum desenhe a ouvir o álbum “Rain Dogs”, do flamante Tom Waits, lançado aquando do ano do seu nascimento, mas qualquer coisa de surpreendente e misterioso se passa nesse desenho cozido e recozido como o célebre pão ázimo dos Biscoitos.

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viagens

Partidas e Chegadas

António Nogueira

Açores em Outubro, aos olhos de um continental... Sala de embarque – gente que entra e sai das ilhas, que passa por lá, como num navio ou num comboio. No continente, mesmo que saltitemos, a percepção é diferente. Esta viagem começou há muito tempo, por causa de um filme, por causa de livros, queria ir ao Corvo. E subir ao piquinho do pico do Pico, espreitar do topo de Portugal. Era só isto que eu sabia que queria, tudo o resto aconteceria por acaso. Meti o básico na mochila e lá fui eu, apanhar o vôo para o Faial. Da janela da Sílvia, no centro da Horta, vejo pela primeira vez os Açores, vejo o Pico, lembro Nemésio, está bom tempo no canal desta vez, bom presságio para os quinze dias que se seguem. As ilhas são contrastantes, são diferentes, pelo menos as que conheci. É o Atlântico que as une, o oceano maciço move-se, ele é ar, mar, chuva, vento e trovões, sem que nada o acalme a não ser ele próprio. Nenhum continental conhece isto, vive isto desta forma. Por aqui, numa hora, consegue-se viver nas quatro estações de um ano. O Faial é mais aberto, está habituado desde sempre a receber, em quantos diários não se falou na Marina da Horta?

Quantas medalhas, livros e dedicatórias lhe devem? O Pico é negro, entra-se numa aldeia e tudo é negro, a estrada, a terra, os muros, as casas, sobram as vinhas verdes e as janelas e as portas vermelhas. Os picarotos parecem-se com a ilha, sombrios e fechados à partida, adivinha-se-lhes o calor assim se lhes passe da porta. São Jorge é como o queijo, uma longa talhada escarpada e lá em baixo junto ao mar, as fajãs! A natureza fez coisas que poetas não conseguiram imaginar. Tinham-me avisado: “A fajã da Caldeira de Santo Cristo é o sítio mais lindo do mundo!” disse-me um amigo, mas não me avisaram das pessoas. Emanuel conhecia-me há quinze minutos, quando me ofereceu a casa dele, batatas e cebolas, azeite, salsa e gás para cozinhar e disse-me: “Sabes, somos todos muito pequeninos, agora somos amigos, quem sabe amanhã não sou eu a precisar.” Nunca mais o vi, apenas me pediu para deixar a chave pendurada ao lado da porta. As Flores são uma esponja, de água, de vida, de tudo o que de mais belo vi no mundo, incluindo as suas gentes, que ali vivem numa harmonia e paz com

Esta viagem começou há muito tempo, por causa de um filme, por causa de livros, queria ir ao Corvo. o meio, como nunca tinha visto, a não ser talvez em tribos de outras latitudes. Sente-se uma felicidade pelo privilégio de ali estar e não uma angústia insular, de que muitas vezes se fala. O Corvo fica para a próxima, o Atlântico não me deixou lá ir, por uma semana ameaçou com vagas de sete metros e rajadas de 60 km/h. Uma simples semana de Outono disseram-me os florentinos. Até breve. *

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cultura

Museu de Angra do Heroísmo

MAH novamente entre os Museus distinguidos pela APOM em 2014 O Museu de Angra do Heroísmo foi, pela segunda vez consecutiva, distinguido pela Associação Portuguesa de Museus (APOM), num universo de cerca de 200 concorrentes aos prémios com que esta instituição visa dar visibilidade ao que de melhor se faz em museologia em Portugal.

Montra Carlos Alberto Machado

Com 169 edições físicas, compiladas em versão digital na página web do MAH, o Museu Aberto divulgou peças representativas da diversidade e riqueza do acervo do Museu de Angra do Heroísmo, fotografadas sob o ponto de vista artístico por António Araújo e acompanhadas de um breve descritivo, de forma a valorizá-las esteticamente e a dar conta do seu valor artístico, histórico, cultural e afetivo. Consubstanciando a intenção de aproximar os terceirenses do MAH, fornecendo-lhes informação capaz de suscitar o seu interesse por um conhecimento mais aprofundado, através de visitas ao espaço físico do museu, o projeto deu mote a três exposições. Duas destas mostras decorreram no exterior, levando às ruas de Angra reproduções de grandes dimensões de edições selecionadas da versão, em suporte papel, publicada pelo Diário Insular. Numa outra, Museu )em( Aberto, patente na Sala Dacosta, em 2011, António Araújo recorreu ao vídeo para reobservar seis peças emblemáticas das coleções do MAH, reconstituindo-as numa mais rica e renovada composição. Os seis trabalhos de video que consubstanciaram esta exposição foram depois sonorizados e apresentados pela RTP Açores, em 2012. Os prémios APOM pretendem incentivar e premiar a imaginação e a criatividade dos museólogos portugueses e o seu contributo efetivo na melhoria da qualidade dos museus em Portugal. Este ano foram atribuídos prémios em 26 categorias, tendo o prémio Trabalho Jornalístico/ Media sido atribuído ao programa Obra Prima do canal televisivo SIC Notícias, apresentado pela antiga ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas. Saliente-se ainda que o prémio Personalidade do ano na área da Museologia distinguiu José Luís Porfírio, que, no mês de novembro, foi orador convidado pelo Museu de Angra do Heroísmo, na inauguração da exposição António Dacosta (1914-1990) | um pintor do século XX. *

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Tomaz Borba Vieira O CARCEREIRO DA VILA E OUTRAS ESTÓRIAS. Edição Artes e Letras, Ponta Delgada, 2008 (184 páginas).

Depois de ter recebido, no ano transato, o prémio para o melhor Serviço Educativo, o MAH foi este ano agraciado pela APOM com uma menção honrosa, na categoria Trabalho Jornalístico/Media, numa cerimónia de entrega de prémios que decorreu na passada sexta-feira, no Museu da Farmácia, em Lisboa. Abrangendo a divulgação sistemática das atividades realizadas por esta entidade, em 2013, nos diferentes meios de comunicação social, através da emissão de uma agenda mensal e de notas de imprensa semanais, a menção em causa destaca a rúbrica Museu Aberto, mantida de 2006 a novembro de 2014, na edição de domingo do Diário Insular.

Nascido em Ponta Delgada, em 1938, Tomaz Borba Vieira estudou pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e na Academia de Belas Artes de Florença e ainda Pedagogia, na Universidade de Lisboa, e Ciências da Educação, na Universidade de Boston – e foi fundador do Centro Cultural da Caloura, em São Miguel. Teve sempre uma intensa actividade como educador e pintor e, desde 2000, também às letras (romance e conto). Depois do singular romance Herdar Estrelas (ed. Salamandra), nesse ano de 2000, surgiu Degraus de pedra (ed. Salamandra, 2002), e este O Carcereiro da Vila e Outras Estórias, que tem também desenhos seus, e do qual disse Onésimo Teotónio Almeida: «São narrativas cuidadas, cheias de informação, de atenção a pormenores psicológicos, além de com uma impecável atitude em relação a personagens saídas de meios simples, como são as freguesias da ilha [S. Miguel]. O narrador consegue mergulhar nelas e descobrir-lhes riquezas que passam ao lado do olhar de tanta gente.» Depois destas duas obras, voltou ao conto com Navegação Interior – Pequenas Histórias (ed. Publiçor, 2013). Tem igualmente uma selecção de desenhos, com organização de Vanessa Branco (ed. Letras Lavadas, 2013) e Serafins / Seraphim, pintura (ed. DRAC/Casa Museu Medeiros e Almeida, 2011).


literatura

De Antero de Quental ao seu mais distinto biógrafo José Bruno Carreiro, de Vitorino Nemésio a Arruda Furtado e José Enes, de Dias de Melo, Daniel de Sá e Pedro da Silveira a José Martins Garcia, o autor vê e revê não só as obras em questão como acima de tudo os contextos que, de um modo ou outro, influíram na vida e obra de cada um destes escritores e poetas, apontado ainda, uma vez mais, o que lhes coloca num quadro nacional ou internacional da literatura e pensamento histórico-filosófico, dando larga reflexão à questão da geografia e origens que lhes haviam de formar a personalidade e cosmovisão, relembra-nos as mundividências que inevitavelmente seriam texto ou subtexto nos legados literários que deixaram à sua região e ao seu país, ao universo das letras em geral. Onésimo Teotónio Almeida precede toda a sua revisitação a estes nomes, obras e circunstâncias geo-biográficas, por assim dizer, com outros ensaios em que aprofunda alguns textos anteriores sobre a açorianidade e o acto de criação neste arquipélago, lançando ou re-contextualizando novos dados e exemplos pertinentes na clarificação das suas afirmações em tudo que diz respeito à literatura e cultura açorianas. (Vamberto Freitas, excerto do texto de apresentação da obra, Livraria Solmar, Ponta Delgada, 11 de Dezembro de 2014) Onésimo Teotónio Almeida é natural do Pico da Pedra, S. Miguel (1946). Estudou no Seminário de Angra do Heroísmo, bacharelou-se na Universidade Católica de Lisboa. Desde 1972 nos Estados Unidos, fez mestrado e doutoramento em Filosofia na Brown University, onde é catedrático no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros (foi seu director durante doze anos), no Wayland Collegium for Liberal Learning Renaissance and Early Modern Studies da mesma universidade, leccionando cursos interdisciplinares sobre valores e história cultural e das ideias.Além de vários livros de ensaios, tem centenas de artigos dispersos que ultimamente tem reunido em volumes temáticos: De Marx a Darwin – a desconfiança das ideologias (2009, Prémio Seeds of Science 2010 para Ciências Sociais e Humanidades), O Peso do Hífen. Ensaios sobre a experiência luso-americana (2010) e Pessoa, Portugal e o Futuro (2014). Publicou ainda Utopias em Dói Menor – Conversas transatlânticas com Onésimo, conduzidas por João Maurício Brás (Gradiva, 2012). No género de crónica e conto, as suas mais recentes colectâneas são Quando os Bobos Uivam (Clube do Autor, 2013), Aventuras de um Nabogador – Estórias em Sanduíche (Bertrand, 2007) e Livro-me do Desassossego (Temas e Debates, 2006). Onésimo. Português Sem Filtro (Clube do Autor, 2011) é uma antologia de cinco livros esgotados. Colaborador permanente do JL, é membro da Academia Internacional de Cultura Portuguesa e da Academia da Marinha e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro.

Desenho de Tomaz Borba Vieira

Onésimo Teotónio Almeida MINIMA AZORICA. O MEU MUNDO É DESTE REINO Edição Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2014 (232 páginas).

Onésimo Teotóino Almeida

a de Ler

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ambiente

E Depois das Quo Leiteiras nos Aço Reflexões sobre a agricultura e a paisagem do arquipélago Cláudia Ávila Gomes

No momento em que a União Europeia se prepara para acabar com as quotas do leite volta a debater-se qual a vocação do arquipélago dos Açores enquanto espaço agrícola de produção. Tendo em conta que os agricultores são reconhecidos pela nova Política Agrícola Comum não apenas como produtores de bens agrícolas mas também como os mais ativos “produtores de paisagem”, faz sentido tentar perceber que novos rumos se podem traçar para a agricultura e consequentemente para a paisagem dos Açores. A multifuncionalidade do espaço agrícola e da paisagem deverá ser o conceito chave. Ao mesmo tempo, a diversificação dos produtos deverá contrariar a hegemonia dos sucessivos ciclos agrícolas - de trigo, pastel, laranja, vinha, agropecuária - que têm sido tão penalizadores para os ecossistemas destas ilhas. De facto, os sistemas ecológicos e agrícolas tornam-se muito mais frágeis quando não há diversidade. As plantas ficam atreitas a problemas fitossanitários e estes, quando surgem, têm maior amplitude, sendo os solos e os aquíferos também muito penalizados. Do mesmo modo, as sociedades humanas que dependem do sucesso de uma diminuta diversidade de produtos agrícolas para exportação ficam totalmente dependentes das necessidades de mercado. Se houver compradores tudo poderá correr bem, mas, se estes falharem não haverá qualquer alternativa. Pelo contrário, a multifuncionalidade dos sistemas agrícola, ecológico e humano conduz a uma maior resiliência dos mesmos e à melhoria da qualidade da paisagem, assim como a maiores possibilidades de fruição, tanto por parte das populações locais como de turistas. *

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Pela primeira vez em muitos séculos, a capacidade organizativa dos diversos envolvidos poderá hoje permitir a aposta não em produtos agrícolas específicos mas sim na diversidade da agricultura em si própria. Curiosamente, esta seria a abordagem natural das sociedades de subsistência - a produção dos mais diversificados produtos agrícolas para fins de abastecimento das populações. Graças à informação e à tecnologia, essa metodologia pode ser agora adaptada aos nossos dias. Haverá que identificar as necessidades de conjuntos mais vastos de produtos, quais os mercados recetores nacionais e internacionais e verificar os modos, tempos e custos de produção e transporte, incluindo as necessidades de refrigeração. A agricultura biológica, a fruticultura e a produção de plantas ornamentais podem ser alguns destes conjuntos mais vastos de produtos. Dentro da agricultura biológica já existem algumas experiências de sucesso em diversas ilhas. Entre elas, a produção de folhas diversas para saladas. No entanto, o potencial é enorme. Pode-se, por exemplo equacionar a produção de diversas espécies de cogumelos ou de frutos vermelhos, para os quais o comércio internacional tem grande apetência e que podem ser cultivados nos nossos solos e com o nosso clima com sucesso. Basta constatar que uma das espécies endémicas do arquipélago, a uva-da-serra, (Vaccinium cylindraceum) é uma espécie próxima do mirtilo, e tem inclusivamente sido testada em São Miguel para fins de exploração comercial. Este pode ser um produto diferenciador da região. No que diz respeito à fruticultura que tradicionalmente já se faz no arquipéla-

go, esta poderá obter um maior sucesso no mercado internacional se for concretizada em modo de produção biológico. Para além do ananás e das bananas é possível apostar noutros produtos que podem ser cultivados nas condições edafo-climáticas das nossas ilhas, como por exemplo o kiwi. O kiwi em modo de produção biológico tem o sucesso comercial que o seu cultivo em modo de produção tradicional já não tem, por saturação de mercado. Ao mesmo tempo, tem a vantagem de subsistir com ventos salinos e com elevada pluviosidade, sendo pouco atreito a problemas fitossanitários. Relativamente à produção de plantas ornamentais, existem exemplos de sucesso no Faial com plantas do género Protea, Leucospermum e afins, e na produção de folhagens ornamentais para exportação para os mercados internacionais. Estando condicionadas ao transporte por avião devido à sua


literatura

otas ores? elevada perecibilidade, os seus custos de transporte tornam-se elevados. Uma alternativa para o futuro poderá passar pela produção de plantas envasadas. Esta será mais ecológica e rentável, já que poderão ser transportadas mais economicamente de barco e em contentores abertos. Plantas ornamentais alpinas ou mesmo as vulgares azáleas poderão ser exportadas envasadas em época própria. Para além do produto-alvo, que teria de ter uma elevada qualidade, exotismo e singularidade, haveria que criar um vaso específico localmente. Ou seja, mais mão-de-obra empregada e maior diversidade na produção. Para que se tenha uma ideia do potencial de diversificação, atente-se aos produtos que Gaspar Frutuoso refere como sendo cultivados em São Miguel, na década de 1580, na sua obra “Saudades da Terra”. No que diz respeito às culturas agrícolas o autor indica as seguintes: − Cereais como a cevada e o centeio, culturas como o linho e o vinho. Leguminosas como as favas, ervilhas, chícharos, lentilhas e tremoços. As culturas hortícolas mais diversificadas, em que se destacam as cebolas e batatas, as abóboras e os melões. Cultivo de trigo, pastel e alguma cana-de-açúcar para exportação.

Nuvem Nómada

Ti a g

Fernando Nunes

Por onde anda a nuvem nómada? Da janela é fácil avistar o halo da hélice em aflição e neste atlântico veio o espraiar da largueza deste olhar que consente a lonjura e a desmesura deste oceano. Este movente pássaro transporta um ser a levitar de uma ilha a outra e é como se remetesse um dolente fardo, um aéreo corpo em fuga, magoado, estendido, confinado à sua existência de assento e de passageiro em trânsito. Um cagarro apavorado e à deriva. Atento unicamente à luz e ao seu arco proveniente da janela onde o carregado da cor do mar e do celeste céu é suficiente para afinar as agulhas da melancolia encoberta. Sem horas de sono, a imaginação tende a derreter e a discorrer sobre os minutos, os segundos, o tempo veloz e o ar rarefeito, contraído, para daqui a pouco regressar ao horizontal leito em dormência acelerada. Desligar o lastro de fogo e lume dessa boémia estada, ainda que ilustrada, é agora caminho lento que se percorre até aos motivos de um promissor presente. No fim da viagem é na curva descrição da asa, em plena queda, que se instala a ambicionada fadiga e daqui de cima se abraça a aproximação à pista deslocando por momentos o devaneio de um quarto ao fundo, um lugar interior para repousar a cabeça e poisar o ombro, enfim pernoitar. Beneficiar por instantes do ampliado desenho na aterragem é já um contentamento atmosférico. Já não adianta conjecturar ilusões sobre o fundo do mar ou fantasiar com os barcos a afastarem-se ao longe. De súbito, estrear no vidro o toque da nómada nuvem a conflituar com o vento na descida. Medo. E já nem a advertência do sonho chega com a queda de água oriunda desse céu coberto de nuvens negras, por sinal sedentárias, que obrigam a acordar. A despedida da nuvem nómada.

As culturas frutícolas referidas pelo autor para a mesma ilha são as seguintes: − Árvores de espinho (laranjas, cidras, lima e limões), damascos, pêssegos, pereiras, maçãs, castanheiros, nogueiras, figos, marmelos, romãs, cerejas, ginjas e amoras. Que a diversidade do passado possa servir de inspiração para o futuro. *

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li o Va

m


literatura

A_Cores Ana Pinto

Éramos quatro à beira-mar numa ilha de bruma. Bicicletas, três canas de pesca, uma tenda e o tempo. Muito tempo e uma correria de imagens carregadas de cores primárias.

É a canção de uma baía que embala uma regata no canal, que abraça um veleiro à bolina, que sustenta o poder absoluto e merecido de uma cidade-mar.

Esta é a história de um crustáceo que teima em andar para trás, que tenta vingar no cimo de uma rocha à procura de alimento ou de um buraco-esconderijo. Que foge à potencial ameaça de um indicador humano ou das ondas que não se cansam de salgar, em lufadas de mar fresco, em respingos de vida.

É também a história de uma terra sob o olhar atento de outra, que do alto da montanha se transforma em ilhéu iluminado. Vaidosa montanha essa, que muda de figura a cada dia, que luta por aparecer nua numa tentativa de deslumbre, como se imponente não bastasse.

É a história de uma vizinhança marinha que nos abisma por rabos de baleia que se mostram em frações de segundo, ou nos faz enamorar por guinchinhos atrevidos de Comuns, Roazes, Pintados ou Riscados. Onde um pedaço de basalto transpira humidade, denuncia marés, floresce numa hortênsia e acaba adormecido num vulcão. A história de um monte protegido por uma Senhora Guia e por uma caldeira que sugere uma caminhada de aromas, uma expedição de sentimentos, um arco-íris de sentidos. Aqui onde a omnipresente humidade provoca forçadas inspirações como se os pulmões habitassem numa constante neblina, numa inquieta viagem em busca de um fio de ar sem teias de aranha.

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Namoramos por olhares, escrevemo-nos sem dar conta, sem registo em papel ou caneta, gravando fotograficamente na memória e na pele. Aqui, apaixono-me todos os dias e mais um bocadinho por este tempo que é só nosso. Apaixono-me todos os dias e mais um bocadinho por ti. Nesta história em película colorida, sustentada por um ninho de cagarros, ao cair de uma noite decorada com pontinhos de constelações… tenho a impressão que sim. Tenho a impressão que a Lua começa a sorrir e nós corremos sem olhar para trás.


dança

Chamarrita Mara cantora

Ana Silvestre

prof. de danças tradicionais

Em Setembro de 2014, rumo à descoberta de algumas das ilhas do arquipélago dos Açores, Alentejo e Açores tornaram-se cúmplices. Na bagagem uma imensa vontade de conhecer o território e sobretudo conhecer as gentes que o habitam e a dança que lhes é única, a Chamarrita. Foi ao ritmo desta dança que se pautou esta viagem. Até onde o baile nos levou... Ilha do Pico, principal paragem e primeira surpresa. Ora chuva, ora nuvens, ora sol, tudo num mesmo dia! A montanha, só avistada ao terceiro dia, não conseguimos deixar de espreitar todos os dias, várias vezes ao dia. Como se de um ímane se tratasse. É de facto uma paisagem maravilhosa, muito além do que os livros ou os filmes possam contar. Aqui se assistiu ao primeiro baile. Chamarritas, um código comum (típico de um baile mandado, embora com diferenças notórias entre ilhas e mesmo entre freguesias), pessoas que bailam e

tocam com uma vivacidade e um querer difícil de encontrar noutros lugares! Que belo encontro! Foi a porta de embarque para conhecer boa gente, fazer amigos, saborear a comida caseira (deliciosa) e começar, ainda que por breves instantes, a tocar viola da terra. No seio de bailadores, tocadores e mandadores fomo-nos familiarizando com este baile tradicional e recheando de amigos. As duas principais notas desta viagem. Ilha do Faial, segunda paragem. Rever amigos e encontrar novos. Conhecemos a luz brilhante e apaziguadora de Porto Pim, lugar inesquecivel, que recomendamos a qualquer hora do dia. O cais, como cartão de boas vindas, foi o ponto de partida para a descoberta dos vulcões e caldeiras. Na memória sobressai o deserto que envolve o místico vulcão dos Capelinhos… Faial é lugar de marinheiros mas também de bailadores. Aqui a Chamarrita é diferente no falar mas igual no sentir, é viva e as pessoas

que a dançam continuam a ter um orgulho e generosidade na arte de bem partilhar este costume. É Outubro, a viagem de regresso marcada já nos traz a saudade e a certeza do querer voltar. Mas não poderíamos partir sem antes avistar os cachalotes e golfinhos que escolheram o mar dos Açores como seu habitat. Neste dia, todas as histórias contadas pelo Dias de Melo se tornaram mais reais. A três dias do regresso, o céu começou a cerrar-se em tom de despedida e, sorrateiramente, a mais alta montanha de Portugal escondeu-se no nevoeiro. Ficaram as memórias – estas vão para além das palavras – ficam em nós as pessoas, a dança e a música, a maior viagem desta viagem.

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Entrevista com o Morcego Tomás Melo

Nome Pedro Lucas

Idade 29 Profissão Isto ainda se pergunta assim?

O que é que pequeno-almoçaste? Café de prensa com torradas e queijo de São Jorge, um abraço da minha mulher e 2 ou 3 artigos de jornal online.

Se não gostas de chuva o que é que estás aqui a fazer? O que é que eu estou aqui a fazer? (Independentemente da chuva...)

Se o Conde Drácula viesse cá às ilhas onde o levarias? A comer uma bela posta de atum mal passado no Capitólio (ou um ceviche de veja na adega da minha mãe no Pico).

Na escola que outra “disciplina” deveria ser obrigatória? A escola deve ser reinventada, deixar de pensar por “disciplinas” no ensino básico pode ser uma ideia.

Qual é a semelhança entre o Pico e o Faial? Ambos gostam do Pico.

Porque é que tens alguns projectos na gaveta? Seria complicado de trabalhar se tivessem todos em cima da mesa.

café de prensa com torrad de São Jorge, um abraço da m

e 2 ou 3 artigos de jorna

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Charles Chaplin Carolina Furtado

Fotografia: Karólína Thorarensen

No mês de janeiro, a Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça presenteia o público faialense com um Ciclo de Cinema dedicado a Charles Chaplin, criador do ícone máximo da sétima arte e do século XX – Charlot. Uma homenagem, a Chaplin, a um modo peculiar de rir e de estar no cinema.

O que é que odeias na internet? Eu não odeio a internet, não acho grande piada ao uso que muita gente faz dela.

“ Tempos Modernos ”, “ O Grande Ditador ” e “ Um Rei em Nova Iorque ” serão as obras cinematográficas exibidas no grande ecrã do auditório da biblioteca. Três obras-primas que celebram a relação primordial que o burlesco estabeleceu com o riso e que muito passou pela presença física do ator, das suas caraterísticas e capacidades. Para os que conhecem, conhecem pouco ou simplesmente desconhecem, esta é uma oportunidade lúdica repleta de bom humor e com enorme pertinência cultural, que potenciará aos espectadores a revisitação histórica de um personagem, de um indivíduo, de um povo e do próprio cinema.

Que forma de arte é que te aguça os caninos? A apetitosa. O que é que gostavas de ter nascido? “Tá” bom assim. Gostavas de ir morrer longe? Nem por isso, morrer perto parece-me mais humano.

das e queijo minha mulher

al online

Sextas-Feiras Na Biblioteca Pública Horta *

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FAZENDO 96 o boletim do que por cá se faz

janeiro 2015

vai.se.fazendo@gmail.com

fazendofazendo.blogspot.com

tirilha

escreve um diálogo para estes desenhos e envia-nos para vai.se.fazendo@gmail.com

texto: ilhasCook desenhos: Joseph Lewin

rebus enigma de 7 palavras com as seguintes letras (1 + 4 + 4 + 3 + 3 + 1 + 5)

solução no próximo número

Letras e imagens são usados para formar uma nova palavra ou frase. Deve ser lido da esquerda para a direita. Os algarismos entre parêntesis indicam quantas palavras compõem o enigma e o número de letras de cada uma. As letras fornecidas devem ser compostas com o nome das imagens para formar novas palavras. Quando uma letra surge entre parêntesis deve ser subtraída da palavra da imagem correspondente. solução do rebus fazendo 96 o melhor amigo do peão é o dia das montras

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FAZENDO 9624 * *não lucrativo e independente está a ser financiado pela comunidade de leitores colaboradores e parceiros este jornal comunitário,


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