Fazendo 84

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84 ABRIL ‘13

Crise?

O BOLETIM DO QUE POR CÁ SE FAZ MENSAL / DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Há Festa na Lixeira


2. Fazendo Editorial

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84

A RDP Açores inicia na Horta as suas

o apoio da DRAC. O poeta terceirense

do Lopes. O músico americano Prince

emissões em FM Estéreo, um ano

Vasco Pereira da Costa publica o livro

surge com Purple Rain e os U2 editam

depois de Ponta Delgada. A Lagoa

“Plantador de Palavras Vendedor de

o seu quarto álbum de originais, “The

da Fajã de Santo Cristo é classificada

Lérias”, e é primeiro prémio Miguel

Unforgettable Fire”, com a canção

como Reserva Natural, pelo Governo

Torga. Em Portugal Continental, os Sé-

Pride (in the name of love). É o ano do

Regional dos Açores. Após a extinção

tima Legião lançam “A Um Deus Des-

nascimento em Ponta Delgada de Ân-

das empresas públicas CTM (Compa-

conhecido” e os “Ronda dos Quatro Ca-

gela da Ponte, compositora açoriana,

nhia de Transportes Marítimos) e CNN

minhos” o seu primeiro álbum de título

de Aurora Ribeiro, cineasta e autora

(Companhia Nacional de Navegação)

homónimo. O filme “Paris, Texas”, de

dos vídeos do agrupamento açoriano

nasce por iniciativa do governo por-

Wim Wenders, vence a Palma de Ouro

“Experimentar Na M´Incomoda” bem

tuguês a Transinsular. Na Praia da Vi-

da 37ª edição do Festival de Cannes

como do fotógrafo Pepe Brix, natural

tória entra ao serviço uma draga de

e às salas de cinema chegam

12 polegadas, apta a dragar areia até

“Depois do Ensaio” do sueco

9 metros de profundidade. O selo Eu-

Ingmar Bergman e “Cróni-

ropa CEPT Açores tem várias pontes

ca dos Bons Malandros”

e custa cinquenta e um escudos. Das

do português Fernan-

da Ilha de Santa Maria, no seio de uma família de fotógrafos. FN

Direcção Aurora Ribeiro Tomás Melo Capa Felix Kremer Colaboradores Alexandra Boga Carla Dâmaso Carlos Alberto Machado Cristina Lourido

eleições para a Assembleia Legislativa

Daniela Silveira

da Região Autónoma dos Açores de-

Fernando Nunes

corre o governo ao PPD/PSD, liderado

Filomena Maduro

por Mota Amaral. Jaime Cruz edita o

Miguel Machete

livro “Filósofos da Rua” de Augusto

Moritz Weimann

Gomes, a impressão fica concluída

Nuno Sardinha

nas Sanjoaninas, com uma tiragem de

Ruth Bartenschlager

1500 exemplares. Sai o segundo volu-

Silvia Lino

me da “Antologia Poética dos Açores”,

Terry Costa

pela mão de Ruy Galvão de Carvalho,

Victor Rui Dores

numa edição da colecção Gaivota, com

Layout Design Mauro Santos Pereira www.comunicaratitude.pt Paginação Tomás Melo Revisão Carla Dâmaso Propriedade Associação Cultural Fazendo Sede

Felix Kremer

Capa Pedro Escobar

Rua Conselheiro Medeiros nº 19 ­­— 9900 Horta

FOTOGRAFIA

Periodicidade Mensal

PERFORMANCE

Tiragem

Um Lugar, a Lixeira dia

encontramos

500 exemplares Impressão

Não sei se é por viver no mato, lá no

Neste

caixotes

Norte da ilha, mas desde sempre que

cheios de cabides, pretos e azuis.

a lixeira da Praia do Norte é um lugar

“RETORNO DA PALETE CABIDES PARA

Gráfica O Telégrapho

RECICLAGEM | DESTINO: Karner Europe | LOJA HORTA *** | PESO: 6H.5”* As opiniões expressas

que vez a vez fui visitando. Procurava

O Pedro Escobar é um colecionador de

por coisas especificas, como peças de

quase tudo, e também está sempre

Isto estava escrito nos caixotes re-

nesta edição são dos autores

bicicletas.

muito atento no que aparece nas vá-

cheado de cabides vindos de uma loja

e não necessariamente

Hoje já não vou lá muitas vezes mas

rias zonas de descarga de lixos diver-

de roupa, suponho, da cidade da Horta.

da direcção do Fazendo

quando estou por perto dou uma vista

sos pela ilha.

de olhos no que por ali há.

Felix Kremer


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Uma noite no Morro de Castelo Branco

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Fazendo Crónica

Estou ansioso pelos dias contemplati-

Finalmente chego ao cume mas o ca-

animais circulam à volta da tenda num

À distância, ouço vozes. Talvez o guar-

vas que tenho pela frente, perder-me

minho termina a poucos metros de

furioso jogo de gritos. São ensurde-

da tenha regressado? Se calhar voltou

nos próprios pensamentos e fazer no-

uma moita de canas. Quero abrir cami-

cedores e só sei que a última nota se

para me passar uma multa? Não...vejo

vos planos para o futuro.

nho através das canas que idilicamen-

extinguiu apenas ao amanhecer. Nos

agora que é afinal o pássaro novamen-

Cinco dias para caminhar no Faial não

te abririam espaço à minha passagem

momentos de silêncio entre o jogo

te, cujo grito me acorda e me confun-

são um desafio demasiado grande e

mas fica cada vez mais difícil avançar

dos Cagárros, ouço outro amigo: um

diu no meio do meu sonho.

há tempo para explorar um pouco os

através dos ramos cada vez mais den-

roedor que cava a sua cova mesmo por

O vento e a chuva tamborilam na ten-

caminhos e a beleza escondida da ilha.

sos: do lado direito o meu saco cama

baixo da minha cabeça: uma toupeira

da, o mar ecoa constantemente como

Na tarde do meu primeiro dia, descobri

atrasa-me, da esquerda são os ramos

ou talvez um rato?

trovões, o saco-cama está húmido

uma pequena península - um enorme

que puxam a minha tenda e os galhos

A tenda está inquieta como uma bandeira ao vento

e ratos e pássaros chegam cada vez

rochedo de altas muradas naturais,

retorcidos que por um lado parecem

coroado por um planalto arborizado

estender a mão para mim, por outro

com intermináveis ​falésias a pique: o

puxam a minha roupa, agarram-se

Morro de Castelo Branco!

onde podem e impedem-me de ir mais

Vou passar a primeira noite no meio desta romântica natureza selvagem

longe. São agora cinco as contrariedades simultâneas- minhas pernas ficam presas no caos de canas e eu admito a impossibilidade, desistir e voltar para trás. Levanta-se vento, que faz as canas dançarem e chocalharem os elementos riem-se de mim e aplaudem a minha presença desamparada. Levo uma hora a chegar ao ponto de partida, uma clareira para onde saio do castigo das canas- vejo agora lá em baixo um guarda com aspeto de militar, cujo motorista me observa com binóculos. Estou numa reserva natural e acampar talvez não seja permitido. Decido voltar para o mato e montar a minha tenda entre os arbustos...mesmo na hora certa: o céu

Naturalmente decido que vou passar

torna-se escuro e começa a chover.

a primeira noite no meio desta român-

Finalmente estou na tenda, acon-

tica natureza selvagem. Começo por

chegado no meu saco-cama -

explorar o trilho íngreme que liga este

mas em vez do esperado calor

enorme bloco de pedra à ilha maior:

sinto a humidade fria do chão

um ato de equilíbrio - na parte mais

a entranhar-se na pele-

íngreme, o abismo está perto em am-

não tenho um colchão

bos os lados - leve vertigem, alguma

isolante.

dúvida...?

A minha tenda está

O abismo está perto de ambos os lados - leve vertigem

inquieta como uma bandeira ao vento e cada rajada de vento produz um baque surdo. De repente, um grito agudo corta o ar - um Cagarro! E não está sozinho: rapidamente quatro outros

mais perto de mim: fico acordado nesta noite inebriante, a apreciar a dança e força da natureza e fico perplexo e animado com o vigor e dinâmica da vida - só não posso, infelizmente, é pensar em dormir hoje ... Texto original (Alemão): Moritz Weimann Tradução e Adaptação: Silvia Lino


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Festival Cine’ECO

Extensão do Festival de Seia aos Açores Maio e Junho de 2013 - Faial, Terceira e São Miguel

Fazendo Cinema

Numa iniciativa conjunta do Observatório do Mar dos Açores (OMA) e do Festival Cine’Eco|Seia, arranca no dia 3 de Maio a extensão deste Festival nos Açores, com a exibição do filme vencedor da última edição - NEVE EM SILÊNCIO, A INTOXICAÇÃO INVIfilme estará enquadrada nos XXº Encontros Filosófi-

Neve em Silêncio

cos da Escola Secundária Manuel de Arriaga (ESMA),

A INTOXICAÇÃO INVISIVEL DO ÁRTICO

SIVEL DO ÁRTICO (SILENT SNOW). A exibição deste

e terá lugar no Auditório da ESMA, durante a manhã e no auditório do DOP/UAç à noite, contando com a

Realização: Jan van den Berg & Pipaluk Knudsen-Ostermann; Género: Documentário; País: Holanda

presença de Mário Branquinho, Director do Festival.

O Cine’Eco – Festival Internacional de Cinema Am-

Depois deste arranque estão agendadas sessões

Poucos sabem como sobreviver nesse nada infinito

semanais, à quinta-feira, no auditório do DOP/UAÇ,

e nas grandes planícies brancasdo Ártico. Mas um

até ao dia 13 de Junho. No fim-de-semana do Espírito

assassino invisível está a destruir silenciosamente a

Santo está agendada uma sessão especial dedicada

comunidade Inuit na Groenlândia: resíduos químicos

ao tema, onde serão exibidos dois filmes de António

de todo o mundo vão-se acumulando invisivelmente

Escudeiro no pequeno Auditório do Teatro Faialense.

e envenenando os indefesos habitantes.

Mas não é apenas no Faial que decorrerá a extensão

cidas como o DDT que são utilizados em vários países do mundo, causam doenças e mortes prematuras.

biental da Serra da Estrela, é o único festival de cinema, em Portugal, dedicado à temática ambiental,

Pelas correntes oceânicas e junto com a neve, pesti-

no seu sentido mais abrangente. Realiza-se em Seia

do Cine’Eco|Seia. A programação será também apre-

anualmente, em Outubro, e de forma ininterrupta

sentada em simultâneo na Terceira e em São Miguel,

O projeto NEVE EM SILÊNCIO tem como objetivo,

desde 1995, por iniciativa do Município de Seia.

em colaboração com o Centro de Ciência de Angra do

através deste documentário, aumentar a consciencialização sobre a poluição causada por poluentes

O Festival, à beira de completar 2 décadas de exis-

Heroísmo (Observatório do Ambiente dos Açores), o

tência, procura promover novas ideias e acções

Cineclube da Ilha Terceira e o Expolab.

persistentes. Onde a ganância do lucro, mais uma

através do audiovisual, para fazer reflectir o público

Brevemente todo o programa em www.oma.pt

vez se sobrepõe ao interesse dos povos.

sobre as questões ambientais.

Carla Dâmaso

Azores Fringe

Fazendo Artes

Azores Fringe Festival é o primeiro festival de artes

1947. Hoje há mais de 250 festivais mundiais, uma

multâneo, o cachalote é um símbolo de persistência

em Portugal realizado no estilo da rede internacio-

rede com plataformas gigantescas de apoios a arte

e de ousadia. Que cachalotes e artistas continuem a viajar e a presentear-nos com a sua presença singu-

nal “fringe”. Fringe significa em português “franja”

e artistas. Com raízes especialmente em performan-

ou “margem”. Os conceitos dos festivais Fringe no

ce e artes plásticas, artistas apresentam espectácu-

lar. Além do mais, embora o cachalote não seja fácil

mundo são inspirados no Festival Internacional de

los e exposições, workshops/oficinas e outras ações

de avistar, a sua observação, pelas suas caracterís-

que vão de salas à rua. Fringe é uma mostra de cor e

ticas únicas, é bastante popular. É, pois, missão do

Edimburgo, uma mostra escocesa que surgiu em

emoção artística para dar a conhecer talentos a no-

festival garantir visibilidade às diversas artes par-

vas audiências. O Festival cria oportunidades para

ticipantes. À semelhança do cachalote, pois muitas

artistas investirem no desenvolvimento da sua arte,

vezes estão ocultas, estas são admiráveis e mágicas.

e para audiências aventurarem em novos territórios. O primeiro Azores Fringe Festival com Meca na vila

A associação miratecarts, organizadora do Azores

da Madalena no Pico mas também com evento saté-

Fringe Festival, quer sugestões para o nome da

lites em outras localidades como na Horta, Faial, vai

mascote assim como tem um concurso para qual-

acontecer de 19 a 30 de Junho 2013 e qualquer artis-

quer pessoa dar vida, dar cor, à mascote preenchen-

ta tem a oportunidade de fazer uma proposta para

do o seu corpo com próprio desenho, colagem, pin-

com participação.

tura, ou qualquer outra estratégia de decoração do

Azores Fringe Festival tem uma mascote que neste

transferir o ficheiro da mascote, e mais informações

momento necessita de nome e de cor.

sobre o Festival, e junte-se no facebook e participe

mesmo. Visite a página www.azoresfringe.com para

www.facebook.com/MiratecaArts Porquê o cachalote como mascote de um festival de artes? Os cachalotes têm a capacidade de percorrerem grandes distâncias, tal como terão que fazer alguns dos participantes no festival. É possível que os artistas se identifiquem com o mesmo, já que, em si-

Terry Costa


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Antes de Começar Almada Negreiros teatro para almas dos 10 aos 100 anos de idade.

Fazendo Teatro

Num teatro de marionetas, o tambor do Homem

Negreiros, cujo 120º aniversário do nascimento se

E estas viagens são tão válidas hoje como daqui a

acorda a humanidade onde menos esperaríamos

assinala este ano. No entanto, a homenagem que

outros 120 anos. Por isso é que vale a pena celebrar

encontrá-la: nos bonecos.

hoje lhe prestamos pelos 120 anos do seu nasci-

esta data, para mergulharmos uma e outra vez na

A imensa solidão do Boneco irá encontrar fim no seu

mento foi completamente acidental. Não vale a

essência da humanidade.

espelho de alma, a Boneca.

pena negar. Mas foi feliz a coincidência!

Foi sempre tão fácil para Almada falar das coisas

Este encontro trará a libertação da única coisa que

Não queremos com isto menosprezar o seu valor

com verdade e clareza! Não só no teatro, como na

ainda os prende e será o início da descoberta dos

artístico nem o texto que vos propomos apresentar,

pintura, na literatura... “Almada não escolheu ne-

seus universos, dentro e fora, antes de recomeçar.

muito pelo contrário. A escolha de “Antes de Come-

nhuma arte, mas todas as artes escolheram Almada”.

çar” em detrimento de outras propostas, prendeuNa preparação de mais uma produção do Teatro de

-se apenas a uma coisa: era a melhor. A mais bonita

E o Teatro de Giz escolheu o Almada, para celebrar com ele o maravilhoso mundo do teatro!

Giz, no ano em que comemoramos 15 anos de activi-

na forma, nas cores, nas palavras... a que nos fez (e

dade, deparámo-nos com o grande génio do Almada

faz) viajar mais longe, até onde o espectro emocio-

Encenação de Flávia Carvalho e Lia Goulart.Com Cé-

nal nos permitiu chegar.

sar Lima e Maria Miguel. Carla Dâmaso

Longa Vida para o Teatro de Giz

Fazendo Teatro

Resolveu, e bem, o Teatro de Giz associar-se às co-

O resultado é um espetáculo de grande beleza es-

memorações dos 120 anos do nascimento de Alma-

tética e plástica, montado, inteligentemente, pelas

da Negreiros (1893-1970), levando à cena a peça

encenadoras, Flávia Carvalho e Lia Goulart. Interpre-

“Antes de começar”, escrita em 1919 por esta figura

tações avassaladoras de César Lima (boneco) e Ma-

ímpar do modernismo português do século XX.

ria Miguel (boneca) que se transfiguram na composi-

As primeiras peças de Almada datam de 1912, e a úl-

ção das suas personagens. Irrepreensível o trabalho

tima de 1965. Na totalidade da sua produção nesta

de corpo e voz, bem como a relação com o espaço. Eis

área, o destaque vai para “Deseja-se Mulher” (1928)

o ator como centro, sujeito e criador onde habita o

e “Pierrot e Arlequim” (1931), que marcam uma ru-

texto, aquele que torna visível o invisível.

tura com a narrativa teatral naturalista, através de

Boa conjugação de trabalho de ator com a funcio-

uma escrita fragmentária e profundamente poética.

nalidade do dispositivo cenográfico, concebido por Tomás Melo, e com a eficácia do desenho de luz de

Essa poética está bem patente em “Antes de co-

Bruno Carvalho. É que, nos tempos que correm, a

meçar” (cena única). Num teatro de marionetas, um

arte é já o domínio da técnica. (Sou do tempo em que

boneco e uma boneca, fora do olhar do Homem (o

se dizia que a arte começa onde a técnica acaba…).

manipulador, o bonecreiro), ganham vida própria,

Não sei do que mais gostei. Se da fisicalidade e da

encontram-se, conhecem-se, brincam, descobrem

movimentação cénica de César Lima, se da tocante

o coração, crescem. Acima de tudo, libertam-se dos

e inocente ternura posta nas inflexões de voz de

fios da solidão que os cerca. Agora que não estão

Maria Miguel. Do que tenho a certeza é que o teatro

manietados, falam da amizade, do amor, da vida, das

não é mais do que um jogo, uma brincadeira. Atuar

relações humanas porque é precisamente esse o te-

é jogar, brincar e estar disponível. Em inglês, diz-se

atro de Almada – o dos sentimentos, das emoções e

“play”, em francês “jouer”, em alemão “spielen”. Só em

estados de alma.

português é que se diz representar (verbo que não

Fui ver e gostei. Desde logo, o público é colocado na

contempla o conceito jogo/brincadeira). Nota po-

perspetiva de quem vê o teatro de dentro para fora,

sitiva para os figurinos (de Carolina Aguiar, Susana

já que é convidado, antes do início do espetáculo, a

Valinhas e Joana Silva) a funcionarem na perfeição,

uma “visita” pelos labirintos da teia do Teatro Faia-

sendo de realçar a réplica do icónico fato do Almada

lense. E dos bastidores ninguém sai, pois a representação da peça ocorre dentro do palco, o qual é partilhado por atores e público.

“Só não entende o coração quem não sabe escutá-lo”.

Negreiros “futurista” no corpo de César Lima. Longa vida para o Teatro de Giz, que, buscando novos paradigmas, continua a reinventar a esperança. Victor Rui Dores


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Paulo Cunha

Músicos D’Angra

Fazendo Música

Paulo Cunha nasceu em Angra do He-

bossa nova, alguma pop urbana e até

seja pelo grupo de músicos, seja pelo

dueto e trio são muitos boas, só para

roísmo em Fevereiro de 1973 tendo

rock, e os Wave Jazz Ensemble (baixo)

género musical, consigo vislumbrar

mencionar alguns. Depois, o apa-

iniciado os seus estudos musicais no

géneros jazz com reinterpretações de

um grau de aceitação do público bas-

Conservatório Regional de Angra do

standards com algum repertório origi-

tante satisfatório...

recimento dos primeiros pequenos “grandes” estúdios caseiros altamente equipados, juntamente com as insta-

Heroísmo em 1987. Antes de rumar

nal. Colaboro também na organização

em 1991 para Lisboa e estudar Arqui-

de eventos musicais e workshops,

Qual é normalmente o reportório

lações da Escola Tomaz Borba e Aca-

tectura participou em diversos grupos

como por exemplo no + Jazz promo-

que costumas interpretar?

demia da Juventude e das Artes, quer

de folclore da ilha onde tocou inclusive

vido pela Daniela Silveira, e chego a

Considero-me um tipo que vem do

no ensino, divulgação ou mesmo no

com Luís Bettencourt no grupo musi-

fazer “agendamento” (não confundir

rock, e tive a prova disso novamente

registo, fazem com que a ilha esteja a

cal “Cantinho da Terceira” e participou

com agenciamento!) das bandas que

em 2009/2010 quando ao lado do

fervilhar de ideias, conceitos e parce-

em workshops de jazz ministrado pelo

integro e não só.

guitarrista Kit e com o baterista Tiago

rias musicais dignas de serem ouvi-

Lima (eu no baixo), conseguimos impor

das. E a prova é a de projectos, como

quarteto Mário Laginha e Moreiras Jazztet. No continente fundou como

A partir de que idade é que começas a

uma articulação rítmica muito forte ao

os October Flight, a saírem de portas

magister a TUCA - Tuna Universitária

dedicar-te de pleno coração à música?

acompanhar o cantautor Joel Moura

e em tournés pelo país e estrangeiro.

da Casa dos Açores e em 1998 tocou

Acho que desde que algumas per-

no Festival AngraRock. Nunca fui um

Quanto aos bares “contratantes”, pa-

viola da terra no disco “Crónicas de um

sonalidades/bandas

a

“guitar virtuoso”, mas em ritmo e acor-

rece que ainda teimam em não perce-

Homem Só” de Kit. Em 2000, reformu-

convidar-me ou a integrar alguns pro-

des, sobretudo a mão direita, conside-

ber que muitos destes projectos que

la a banda angrense onde ingressara

jectos em que acreditava, foi sempre

ro-me minimamente capaz. Claro que

arrastam o seu público, e que no fun-

começaram

em 1994 (Chili Mozart) sob o nome de

de forma espontânea que fui tocando

com a OAjz e todos estes projectos

do as bandas já não carecem de ter no

Enuma Elish (www.enumaelish.net),

ou participando em grupos. A minha

“satélite”, o repertório varia consoante

currículo o nome do bar A ou B. A lógica

vencendo a primeira edição do con-

aprendizagem na música deu-se so-

a natureza dos seus géneros, mas eu

para muitos deles deverá ser a contrá-

curso Angra Rock, obtendo um honro-

bretudo através do auto-didatismo,

diria que incide essencialmente no

ria, apostando no “culto” da música ao

so segundo lugar em 2002. Em 2001

impulsionado pelo ouvido...e hoje,

jazz contemporâneo.

vivo em função do público seguidor da

é um dos músicos a iniciar o projecto

confesso, que estou a tentar evoluir

pedagógico da Orquestra AngraJazz,

na leitura. Aprendi muito com Luís Gil

banda X ou Y. Qual é a visão que tens da música e Há dias tocaste em versão jazz de

sob a tutela de Claus Nymark e Pedro

Bettencourt a nível rítmico, dinâmicas

dos espaços musicais da Ilha Terceira?

Moreira e, em 2002, participa no quin-

e expressão. Depois, vivi numa resi-

Acho que só com grandes manifes- “O Sol “, do pastor do verbo José da

teto Victor Castro (Bossa Nova/Jazz).

dência universitária com 58 pessoas,

tações culturais é que se estimula o

Lata. Acreditas na reinvenção da

Em 2005, conjuntamente com Victor

abriu-me forçosamente os olhos, os

público a enveredar por uma arte pró-

música tradicional açoriana?

Castro, efectiva o “tributo a Carlos Pa-

sentidos e o ouvido para outros gé-

pria. No caso da música, os grandes

Transpus para a guitarra, a versão

redes” (www.tributoacarlosparedes.

neros, e aos primeiros sons que ouvia

festivais internacionais como o Ramo

que os Wave Jazz Ensemble fizeram

net). Juntamente com Susana Coelho,

de bossa nova, jazz ou até flamengo,

Grande ou o Angrajazz vieram justa-

do “Sol”. Uma das coisas que adoro fa-

fundou o Susana Coelho Trio (2009-

lá estava eu a tentar sacar acordes.

mente potenciar o interesse das pes-

zer é transpor, embora muito á minha

2011), e é na mesma altura que inicia

Aquando dos Enuma Elish, percebi

soas nesse campo. Daí a criarem-se

maneira, e confesso que se tivesse

outros projectos como o Bossa Quin-

que para apresentar algo novo ao

sinergias na partilha de conhecimen-

maior conhecimento seria mais fácil

tet, o sexteto BWF (Bruno Walter and

público, temos que ser forçosamente

tos/formação foi, como eu diria, inevi-

e mais bem feito. A música açoriana

Friends), e os “Wave Jazz Ensemble”.

muito autocríticos do nosso trabalho,

tável! Penso que com esta nova vaga

tem grandes cantautores, que pes-

Recentemente acompanhou a exibi-

e só permitir que ele seja exposto

de projectos mais abrangentes em

soalmente considero o topo da cria-

ção dos slides da visita à Ilha Terceira

não após um processo democrático,

termos de género originados por uma

tividade musical genuína das ilhas. Já

em 1972, da artista plástica Tereza Ar-

mas sim por unanimidade. Aquando

maior formação musical, pela primeira

instiguei sobre “a receita” a alguns de-

riaga, na Casa do Sal, apropriando-se

do projecto Tributo a Carlos Paredes,

vez o panorama musical na Terceira

les como ao próprio Bruno Walter Fer-

assim de forma guitarrística dos te-

juntamente com o Victor Castro, o

começa a tornar-se bem diversificado

reira, mas lá está: fazes porque o sen-

mas tradicionais “Bravo” e do popular

nível de exigência passou a ser mais

e de maior qualidade, permitindo que

tes, não se explica, e nesse campo “ou

de José da Lata, “Sol”.

abrangente, do ponto de vista cénico

haja uma procura mais direccionada

tem-se ou não se tem” o dom de com-

do concerto, onde para além de tocar

face ao estilo do projecto. Fadistas e

por originalmente. Também é preciso

“violão” de acompanhamento, tivemos

guitarristas começam a aparecer mui-

considerar paralelamente o processo

musicais em que estás envolvido?

de pensar na orgânica da actuação.

to mais. A qualidade da Filarmónicas

das “(re)interpretações”, das versões,

Integro a Orquestra do AngraJazz

Nesta “mini-produção”, propus-me

melhorou substancialmente quando

dos rearranjos, das transposições e

(OAjz) como guitarrista desde a sua

fazer a componente multimédia, com

muitos dos regentes são músicos

nesse aspecto é um universo quase

formação, há cerca de doze anos, pro-

edição e montagem de vídeo/áudio.

oriundos da OAjz. As parcerias em pro-

infinito, não merecendo contudo ser

jecto pedagógico que acabou por ori-

Com apenas 2 músicos, foi o projecto

duções musicais como a que se viu na

menosprezado face à composição

ginar há 2/3 anos a génese de algumas

que abracei mais bem sucedido (im-

Praia da Vitória, entre a Filarmónica

original. O termo “reinvenção” pode

bandas de relevante interesse no pa-

pacto) e mais rentável até hoje! É difí-

União Praiense e músicos de rock en-

implicar tratar a música tradicional

norama terceirense. Desses projectos

cil assumir quando se deu o processo

cabeçados por Luis Gil Bettencourt,

açoriana com alguma delicadeza, mas

Quais são actualmente os projectos

integro também com muito orgulho

em definitivo... embora de há 2/3 anos

caso do tributo aos Beatles, num ver-

acho que com “bom senso musical” in-

e satisfação: os Bossa Quintet (como

para cá com estes projectos todos, é

dadeiro espectáculo para qualquer

dependentemente do género, haverá

baixista) - com reinterpretações do

como se ao fim do dia, a rotina passas-

sala do país. As grandes jovens vozes

inúmeras linguagens que se podem

género bossa nova, MPB e samba, os

se a ser outra...virado exclusivamente

como as do Coro Pactis que abraçam

aplicar e adaptar. E a tecnologia está

BWF - Bruno Walter & Friends - (gui-

para os ensaios/concertos! Costumo

periodicamente produções musicais

aí, para nos auxiliar nesses processos

tarra) com repertório original de Bruno

dizer que tenho tido sorte, e especial-

em géneros distintos. Os Contratem-

de “experimentação musical”.

Walter Ferreira de géneros variados,

mente muito orgulho por pensar que

po com excelentes músicos no ritmo

desde blues ao jazz, passando pela

em todos os projectos por onde passo,

frenético da salsa. As formações em

Entrevista de Fernando Nunes


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84 ABRIL ‘13

Tesouro encontrado pela Música Vadia está no Banco de (Portugal) Artistas! duas dezenas de instrumentos musicais construídos no século passado Fazendo Música

na ilha do Faial. Fomos à procura das

(antigo Banco de Portugal) às terças,

so, compõem o espaço e o conteúdo

“enxadas de cantar” de Nemésio e dos

Sábados e Domingos, estão à espera

genuínos. Ou melhor, são uma parte

Meu instrumento de fogo,

homens que as forjaram e depois da

de ser vistos quase duas dezenas de

de um todo que fica verdadeiramente

Caixinha do meu chorar!

acção, descobrimos o tesouro – vários

instrumentos musicais construídos

completo quando o Sr. José da Silveira

(Vitorino Nemésio)

construtores Faialenses (alguns vivos

ao longo do século passado e tam-

ou o Sr. Luís Medeiros, artesãos destas lides que muito nos ensinaram e

Minha viola de luxo Minha enxada de cantar,

apenas nas memórias) que se dedi-

bém lá, podemos cruzarmo-nos com

A arte depende muitas vezes de ob-

caram a trabalhar as madeiras que

as histórias dos homens que a eles se

deram, passam por lá, para deixar um

jectos, ferramentas, de alfaias que

acostavam (uma mobília, uma caixa de

dedicaram. As várias formas, as partes

sorriso e mais um pouco de uma expe-

semeiam os sonhos, e neste contexto,

transporte...) ou que por cá existiam,

de cada instrumento, as madeiras uti-

riência sem preço.

a Musia Vadia (associação Faialense

produzindo os cordofones que ainda

lizadas, as afinações, a alegria e o gos-

que se dedica ao passado, presente

hoje se podem encontrar em deze-

to de criar estes objectos tão neces-

e futuro da música popular e tradi-

nas de casas Faialenses e no seio dos

sários à vida quotidiana de outrora (e

cional) quis saber mais sobre a reali-

agrupamentos folclóricos, espalhados

porque não de agora?), juntos com os

dade dos instrumentos tradicionais

por toda a ilha. No Banco de Artistas

sons que acompanham esse proces-

Miguel Machete

Susana Coelho Músicos D’Angra ser considerados “a versão masculina

Poucos se lembram que Susana Coe-

nhada por Paulo Cunha e Augusto Vi-

musical após longos anos de inter-

lho acompanhou Carlos Alberto Moniz

laça, tendo sido entretanto homena-

pretação de canções e composições

da Florbela Espanca”. A propósito da

e Maria do Amparo no Festival da Eu-

geada em 2010, pela Real Extudantina,

de outras pessoas. É com vontade de

actividade musical que se vive na Ilha

rovisão de 1981 ou que o seu timbre e

para além de ter participado numa

expandir o seu universo açoriano que

Terceira, a cantora afirma que esta se

a sua voz esteve presente nas séries

cerimónia simbólica dos 25 anos de

Susana Coelho gostaria que este disco

encontra numa fase muito repetitiva,

da RTP Açores (“Xailes Negros”, “O

Música original nos Açores, num con-

tocasse noutras áreas do canto e se

com pouco ou nada de inovador, aler-

Barco e o Sonho”, “Balada do Atlântico”

vite de Rafael Fraga numa produção

apoiasse em diferentes sonoridades,

ta no entanto para a existência do

ou “A Viagem Possível”) com letras e a

do Teatro Micaelense.

porventura em busca de uma paleta

songbook do cancioneiro açoriano da

assinatura de Zeca Medeiros. Melhor,

Certo é que Susana Coelho se prepara

sonora essencialmente açoriana e

autoria de Rafael Fraga e de Augusto

lembrar certamente que se lembram,

para lançar o seu novo álbum de ori-

que raiasse o universal. Acerca dos

Macedo em todas as lojas do triângulo

o que nos parece é que foi há muito,

ginais designado de “Agridoce”, após

temas de “Agridoce”, ainda em fase de

bem como uma aposta séria nas jam

muito tempo e que outras memórias

dois anos desde o seu último trabalho.

mistura, estes foram escritos por João

sessions para que assim se incentive o aparecimento de novos músicos e de

se sobrepuseram e que, por isso, é

Oriunda de uma família de músicos,

Lemos, com uma veia sentimental e

bom agora evocar certas recordações.

maestros e instrumentistas (pela

poética bastante acentuada. Susana

novas criações. Quando estará pronto

A memória mais recente que temos é o

parte paterna, avó inclusive) redes-

Coelho acrescenta que “são poemas

Agridoce? Talvez lá para o início do ve-

Susana Coelho Trio, a cantora acompa-

cobriu o dom familiar da composição

muito sofridos” e que estes podem

rão… Fernando Nunes


8. #

84 ABRIL ‘13

Entrevista +Jazz

Claus Nymark

Fazendo Música

Claus Nymark é Dinamarquês, músico, maestro, compositor e professor. Aos 10 anos de idade inicia-se na música, aos 19 anos muda-se para Portugal. E desde então tem participado em projectos como Dixie Band, Big Band do Hot Clube de Portugal, Orquestra AngraJazz, European Movement Jazz Orchestra, Lisbon Swigers entre ou-

foi um bocadinho ao acaso não foi uma

tros.

escolha completamente pensada.

Integra

desde

o

ano

Como se dá o seu primeiro contac-

dos em conhecer a vertente jazzística a assistirem aos ensaios da Orquestra

Há algum jovem de momento no

lectivo

2008/2009 o corpo docente do De-

quanto mais conheço mais gosto.

AngraJazz.

país que queira destacar?

partamento de Música da Universida-

to com os Açores, nomeadamente

Há vários, mas não gostaria de desta-

O Claus ainda encontra dificulda-

de de Évora, onde actualmente lec-

com a ilha Terceira?

car ninguém em desprimor de outros.

des para realizar concertos ou dar seguimento aos seus projetos?

ciona as cadeiras de trombone de jazz,

Foi no 2º festival do AngraJazz,em

Neste momento vemos uma nova

música & tecnologia, história do jazz,

2000, convidaram para vir com o grupo

geração de músicos jazz muito bons,

Eu acho que tendo em conta a crise, a

“Dixie Gang” tocar e dar um workshop.

muito competentes com uma óptima

cultura é a primeira a ser cortada. Eu tenho algumas ideias que gostaria de

ensemble e big band.

Depois voltei no ano seguinte com

formação ao nível de outros países.

Aos 15 anos começa a ter os seus

o grupo do Mário Delgado e a sua Or-

Foi uma coisa que mudou muito nos

fazer mas sei que será difícil concreti-

primeiros contactos com o Jazz e

questra e para dar outro workshop. As

últimos 10 anos.

zá-las. Por outro lado os meus proje-

rapidamente percebeu que era

pessoas gostaram e foi uma experiên-

uma das suas paixões. O Jazz é uma

cia gira.

Na sua opinião qual a maior dificul-

música que se explica ou acontece?

Em 2002 sugeri que se formasse uma

dade que encontra um músico de

tos com o AngraJazz têm corrido muito bem.

Primeiro acontece porque as pessoas

Orquestra do AngraJazz. Nesse mes-

Jazz nos Açores?

Que previsão faz a respeito do ce-

apaixonam-se pela música e depois

mo ano vim tocar com a Big Band do

Claramente a maior dificuldade é ter

nário Jazz português para os próxi-

começam a estudá-la Aos 10 anos começa a tocar trom-

Hot Clube de Portugal dirigida pelo Pe-

com quem tocar. Um dos papeís que a

mos anos?

dro Moreira e surge oportunidade de

Orquestra AngraJazz tem feito é juntar

Mais e melhor, a música e os músicos.

dirigirmos a Orquestra do AngraJazz.

músicos com um mesmo interesse. De

Não sei se estou a dizer que o pano-

tal modo que hoje em dia existe pelo

rama vai melhorar, que os músicos tenham mais oportunidades de trabalho,

pete e 4 anos mais tarde inicia-se no trombone, porquê a escolha dos

Quais as suas referências musicais ?

menos um grupo que são os Wave Jazz

metais?

Gosto de muita música diferente, tal-

Ensemble, são músicos que tocam na

não me parece que isso vai recuperar

Sinceramente eu escolhi tocar trom-

vez me inclino mais para uma coisa

Orquestra, que já tem conhecimento

tão bem quanto isso. Mas em termos

pete

pela

que se chama Big Band Clássica, Duke

suficiente para se aventurarem a to-

da qualidade dos músicos e da música

música e pelo trompete e depois

Ellington, Count Bassie... Gosto de Jazz

car sozinhos. Mas o problema é efecti-

sem dúvida mais e melhor.

sugeriram-me experimentar a tocar

tradicional, mas também gosto de coi-

vamente encontrarem outros artistas

Mais info

trombone por ter na altura acesso a

sas mais modernas... O Jazz hoje em

com quem tocar, acabando por ser um

http://www.clausnymark.com/

um professor muito bom de trombone

dia é uma junção muito vasta e é díficil

elemento desmotivador.

e agarrei essa oportunidade. Portanto

dizer gosto só disto ou só daquilo. E

Já agora convido os músicos interessa-

porque

interessei-me

Daniela Silveira

Charamba

Fazendo Música

duas cantigas de raiz terceirense: o

“Por ser esta a vez primeira

lho” da ilha Terceira a ser cantada e

Pelo mesmo diapasão afina o folclo-

Que neste auditório canto

bailada. E terá sido a primeira canção

rista terceirense João Carlos Moniz. “Meu Bem” e “O sol”, sobretudo no que

Em nome de Deus começo

nascida da convivência de terceiren-

A provar esta perspetiva está este

diz respeito à chamada “cadência frí-

Padre, Filho, Esp´rito Santo”.

ses com castelhanos nos séculos XVI

facto histórico: verificada a ocupação

gia”, ou seja, o movimento melódico-

e XVII.

filipina, os espanhóis residiram na -harmónico descendente da Tónica

Cantiga de apresentação e saudação,

Pelo menos é esta a opinião do musi-

ilha Terceira durante 60 anos, de que

à Dominante, movimento esse que é

a Charamba é a primeira moda do “ba-

cólogo César das Neves, autor desse

resultou a natural fusão das suas can-

exclusivo do modo menor.

livro de referência que dá pelo nome

ções com as terceirenses. Se escutar-

Na Terceira a Charamba abre o baile,

de Cancioneiro de Músicas Populares.

mos os acordes da Charamba, verifica-

fecha-o a Sapateia.

mos uma nítida influência espanhola. O mesmo se diga em relação a outras

Victor Rui Dores

é a primeira moda do “bailho”


.9 #84 ABRIL ‘13

Montra de Ler Cães Letrados

Fazendo Literatura

Os Dias Não Estão Para Isso

Cristóvão de Aguiar

Edição: Calendário, 2008 (176 páginas) «Os textos que compõem este livrinho, que ora vos

Nuno Costa Santos

apresento, foram extraídos, com ligeiras alterações,

Edição: Livramento, Ponta Delgada, 2005 (48 pági-

de vários livros meus [boa parte deles, por exemplo,

nas). Distribuição da Companhia das Ilhas

d’A Tabuada do Tempo e de Ciclone de Setembro] onde essas histórias sobre cães e cadelas se encon-

Sobre as rochas, / acabados de chegar / os nossos

tram — os inseparáveis e afectuosos companheiros

passos / ainda estão tensos / e motorizados, / como

da minha infância e juventude.».

se nunca / tivessem descolado / do estertor da cida-

Esta pequena declaração de Cristóvão de Aguiar

de. // Conservam / manchetes, buzinas, / o polvo do

pode servir-nos como guia de leitura de toda a sua

trânsito / e todo o calão de rotunda. // Escorregamos

obra. Em poucas palavras, direi que se trata do

pois / para as águas do porto / ansiosos por repetir /

complexo entrelaçar, quase promiscuidade, entre

a experiência. // Sabemos disso: / no mar das ilhas / o

a escrita dita diarística e a escrita de ficção. É sem-

milagre é caminhar / sob as águas. (poema O milagre)

pre Cristóvão de Aguiar homem/escritor que nesses dois registos se encontra e desencontra. De tal maneira e tão radicalmente o faz que diria que, com essa atitude, é a própria fronteira de géneros que se esbate, ou, num certo sentido, se clarifica e aprofunda aquela que para muitos é a mais forte possibilidade (ou validade) da narrativa ficcional: a implicação autobiográfica como derradeira possibilidade. Esta perspectiva, sobreleva e arrasta outra questão, que é a da tendencial anulação de fronteiras entre o real e o ficcional, isto é, de fazer derivar a diferença para outro patamar, onde são bem distintos os valores em causa, como seja, por exemplo, a possibilidade de considerar igualmente o real sensível como algo

só agora chegam ao mundo de Cristóvão de Aguiar, Cães Letrados é um saboroso aperitivo, recheado de bons sabores e bem nutrientes! Os contos podem agrupar-se em dois latos conjuntos: um, integra as estórias que o autor nos diz que vivenciou (mas só ele saberá a verdade – ou não…);

Dividido em quatro partes temáticas (Para os queixumes; Para os outros; Para os afectos, memórias; Para os conselhos), onde o quotidiano é muito relevante, este livro de Nuno Costa Santos é um marco importante do percurso de um dos mais destacados poetas das novas gerações açorianas e nacionais.

outros, em que os cães são vestidos com um pêlo mais alegórico e por aí ironizam com figuras (supostamente não caninas) – cães polícias e polícias cães, cães universitários… – que todos podemos facilmente reconhecer no nosso quotidiano. Para Cristóvão de Aguiar, os cães têm sido «(…) povoadores de solidões acumuladas.» Boa companhia, portanto.

que se constrói autoralmente, e, assim, ser possível

Carlos Alberto Machado/Companhia das Ilhas

modelar o experienciado e o imaginado com as mesmas regras que a ficção utiliza. Isto que parece apenas teoria é absolutamente claro na prosa de Cristóvão de Aguiar. E acrescento ainda isto, que é claro e público: o primeiro Relação de Bordo, livro em jeito de diário que relata os anos 19641988, foi pacientemente escrito nos finais da década de 1990, com o auxílio da sua prodigiosa memória, de notas de época, cartas e, acrescento eu como óbvio corolário, do uso da mesma oficina em que se fabrica toda e qualquer ficção. «A minha escrita tem de ser coada pela memória afectiva.» «Tenho de facto facilidade em me transportar a outras épocas da minha vida e revivê-las quase com a mesma intensidade com que as vivi. Basta-me um incentivo que incendeie a memória.», diz-nos o autor com toda esta clareza. Os diários ou quase-diários Relação de Bordo I e II, Nova Relação de Bordo e A Tabuada do Tempo são exemplares e eloquentes. Tal como as ficções Passageiro em Trânsito, Trasfega e Ciclone em Setembro. Podemos talvez dizer isto: Cristóvão de Aguiar é tão verdadeiro nuns como noutros livros. E a literatura ficcional é tão excelente tanto nuns como noutros. Ele sabe que as suas razões são «(…) razões que, por serem imaginadas, correm o risco de se tornar verídicas…» Os contos de Cães Letrados são, como disse, extra-

Outros Nomes, Outras Guerras Urbano Bettencourt Edição: Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2013 (48 páginas). Prefácio de Vamberto Freitas O presente volume contém uma selecção de poemas que vêm desde o seu primeiro livro, Raiz de Mágoa (1972) até ao recente África frente e verso, e inclui ainda uma breve sequência de inéditos. A poesia de Urbano Bettencourt requer o nosso reencontro de tempos a tempos, uma sucessão de olhares e pensamentos. Não se trata tanto aqui de uma poesia de conceitos ou ideias, mas sim de uma ideia ou conceito de poesia onde tudo cabe ou tudo poderá ser sugerido e insinuado, onde o melhor da nossa tradição literária converge para que possamos redefinir constantemente quem somos e donde vimos. Vamberto Freitas (do Prefácio)

As Ilhas Desconhecidas Raul Brandão

Edição: Comunicação, Lisboa, 1988 (168 páginas). Prefácio de António M.B. Machado Pires O livro de Raul Brandão possui a capacidade rara que têm alguns autores de nos fazer olhar para uma paisagem e descobrir o que a torna única – a sua «alma», como ele próprio diz, seja salientando um pormenor até aí despercebido, ou dotando-a de um sentido que a transfigura. A viagem em que o acompanhamos ocorreu entre 8 de Junho e 29 de Agosto de 1924, e permitiu-lhe visitar os Açores ilha por ilha. Raul Brandão chama-lhes “ilhas desconhecidas”, não só pelo seu isolamento (então muito flagrante), mas sobretudo por reconhecer nelas uma autenticidade já perdida ou desvirtuada em muitos outros pontos de Portugal. Domina estas «notas e paisagens» (subtítulo da obra) o deslumbramento do autor com o «espectáculo da luz», que «atinge

ídos de vários livros do autor: e não errarei muito se

talvez a perfeição». Brandão descreve nos mais ín-

afirmar que mais de metade destas pequenas fic-

fimos cambiantes estas “ilhas desconhecidas”, res-

ções pertencem… aos seus livros ditos não ficcionais – os diários. Quem leu os livros anteriores só tem a ganhar em ler esta sequência – como nova. Aos leitores que

peitando assim o mistério e a grandeza que nelas se abrigavam. Carlos Alberto Machado/Companhia das Ilhas


10. #

84 ABRIL ‘13

Aos Fazedores nas Ilhas de Bruma

Fazendo Crónica

Na esplanada de Porto Pim (Faial), às

de olhar assim todo amarelo quase

nunca sabermos dos calendários de

mim também, queria ver quantos pen-

dezassete horas e vinte e seis minu-

bem torrado, o paraíso em aguarela.

verdade, as datas eram isoladas: es-

samentos eu podia inventar – e pensar – ao mesmo tempo que ouvia aquela

tos de uma tarde morna de Setembro

Cláudia entendia que a curta duração

pectáculos de palco e de rua, grandes

de 2008, a beber montes de café e a

da vida era a razão pela qual as pesso-

e pequenos, silenciosos ou delirantes,

música tipo filarmónica dessintoniza-

fumar quase nada, assentaram praça

as deveriam ser autênticas. Entornou

filmes e serões de conversa com vinho,

da, ri. Caiu a carga de água que o céu

um grupo de “fazedores”. As nuvens

um licor de maracujá antes de excla-

petiscos e imaginação.

tinha prometido pela cor e pelo vento

cantavam, aquele algodão doce entre

mar:

Estávamos nessa distracção de risos

soprado, como um embrulho gigante

e emoções. O vento voava devagar, as

de redes de pesca que tivesse des-

o céu e a terra, feito da refracção do

- Hoje interessa o que acontece em nós

sol e da condensação da chuva, do cio

naquilo que vivemos.

folhas das árvores faziam um som que

pencado da prateleira de um armador

das marés e dos continentes.

Nazaré não podia deixar de rir. Cláudia

era mais um segredo do que um baru-

que estava lá muito em cima.

- Que paisagem deslumbrante.

era um vendaval de energia e opiniões

lho. O mar, que não se acaba nem se

- Paisagem deslumbrante é a que está

sem princípio nem fim.

abre a não ser na ilusão das margens,

- O meu problema é que tenho um cora-

ao meu lado, respondera Gabriel.

ção king size, confessava Sofia.

- Diz-me o que é Tanto?

desaguava serenamente na vila. No sítio dos voos pequeninos, as reu-

- Digo-te estamos Aqui.

- Isso passa-te, vaticinou Paulo.

niões fluíam por sabores bem diferen-

- O que andamos a fazer, explicas-me?

- Tudo o que temos é Agora. As coisas

tes, misturas que inventavam uma

essenciais são simples – Catarina sol-

poesia crioula, sem ser muito picante

tava ideias tão rapidamente quanto

na discussão, autênticos fóruns de

André explicou: - Um manifesto cultural de Artes, Le-

reflexão, questionamento e prazer

desaparecia de improviso.

tras e Ideias. Os olhos sempre a brilhar e a boca sempre a sorrir. Conversávamos

em

modo

lento,

como a soletrar palavras compridas e aumentadas. A noite chegava. A conversa no muro aquecia, à toa, de riso e atrevimento. Um dia por outro sentávamo-nos perto da praia. Quando digo perto, estou a falar de dois ou três palmos entre a nail do dedo grande do pé e a borda de água. À espera que acontecesse alguma coisa. E acontecia mesmo: alguns mosquitos tipo convidados extra e um galo estrilhando muito enganado nas horas.

- Esta associação tem barbatanas para

estético. Estreávamos gargalhadas,

nadar - Fernando era bom de dar abra-

partilhando o momento e a tarde, os

ços e isso, de certo modo, salvava-nos.

olhares e o silêncio, as ideias e o es-

Um manifesto cultural de Artes, Letras e Ideias

panto. Mais “fazedores” em criação, na Calheta (S. Jorge). Com uma certa ideia – alta – do ser humano e uma certa ideia – larga – da arte. E confiança na

O futuro não é algo invisível que gosta de ficar muito à frente de nós

nossa capacidade de juntar um pouco

Porque casualmente dentro das pes-

de sentido e de beleza à existência.

soas faz insularidade, felizmente tam-

- Um risco bom, pensou Joana. No fim de uma actividade dupla – rega-

bém açoreanidade, seja o sonho um ponto cardeal eternamente possível.

ta e jam session, o céu estava à espera

O futuro não é algo invisível que gos-

que as pessoas todas se recolhessem

ta de ficar muito à frente de nós mas

para poder ordenar às nuvens que co-

antes um lugar amplo, uma varanda,

meçassem a lançar uma grande chuva

talvez um bote baleeiro onde é preci-

molhada. Vim a correr numa transpira-

so enchermos cada pedaço de espaço

Há espaços que são sempre nossos.

A vida às vezes é como um jogo brinca-

ção respirada. Contente. Ao entrar em

com o riso do presente e todas, todas

E quem os habita, habita também em

do na rua, acontece de repente. O que

casa a t-shirt estava tão alagada que

as aprendizagens do antigamente. O

nós. Um caminho, apenas isso, que

distingue uma vida da outra é o mur-

voltei lá fora para deixá-la já pendura-

leva à ilha vizinha. O caminho das

múrio do sonho, a distância a que cada

da na corda, parei um pouco a receber

águas onde íamos mergulhar. No clube

um se coloca dele, o modo de fintar os

a chuva sobre a cabeça, escutando o

naval de S. Roque (Pico), escorregava outro dia e ano sobre distinto grupo de “fazedores”. fim da tarde, o sol esta-

Ao

abismos. Nós vivíamos num tempo fora do tempo, sem

ruído que ela fazia cá fora no mundo e de

dentro

recomeço do movimento perpétuo. - Uma casa está em muitos lugares. É uma coisa que se encontra. Os Fazedores nas Ilhas de Bruma não são um conjunto de

pessoas

mas

uma multidão de abraços, abertos à Vida.

va muito

Cristina

bonito

Lourido


.11 #

84 ABRIL ‘13

Filósofos da Rua e encontro de homens que do Mar gostam de contar estórias

Fazendo Literatura

O opúsculo tem o título de “Filósofos da Rua”, de Au-

inexcedível asseio, sendo publicamente reconheci-

creio “Nana” fundeado na baía de Angra, tendo des-

gusto Gomes, foi requisitado na Biblioteca de Angra

do por ter efectuado inúmeros salvamentos de pes-

coberto então que o livro não só era uma referência

do Heroísmo, num destes dias tristes de inverno e

cadores em perigo, como terá acontecido com o sal-

para os velejadores como era à altura um raro e pre-

de chuva grossa. A sua tiragem, à altura, foi de 1500

vamento de 23 de Janeiro de 1929, com o seu barco

cioso exemplar com indicações sobre o arquipélago

exemplares, tendo a impressão ficado concluída nas

“Angra”, quando arriscou socorrer e posteriormente

açoriano disponível nas bibliotecas daquele país

Sanjoaninas de 1984. Logo, pouco mais de um ano

salvar os tripulantes do lugre “Amphitrite I”, enfren-

nórdico. Infelizmente, e, com muita pena nossa, não

para completar trinta anos desde a sua edição. Este

tando a mais horrível das tempestades e a fúria do

há nenhuma tradução para português desse livro

livro é assim feito de tantas histórias – com um pre-

mar. Conhecido ainda pela sua abnegação e altruís-

editado em 1948, com o título “Med Sejlerin til Azo-

fácio de Emanuel Félix - e é um tesouro acessível e

mo, Chalandra terá sido imprescindível na tarefa de

rern” – “Com um Veleiro Até aos Açores”, pela editora

disponível a todos os leitores com a particularidade

recuperação da âncora do contratorpedeiro “Vou-

dinamarquesa Gyldendal.

de que de cada vez que se puxa por uma linha des-

ga”, bem como na ajuda que efectuou nas pesquisas

tes “filósofos da rua” terceirenses, as suas estórias

marítimas no sítio onde se despenhou um avião da

parecem não ter fim e, o que é mais curioso, podem

Base, tendo recebido dois louvores atribuídos pela

os filósofos da terra desaguar no mar, como esta que

Capitania do Porto de Angra, inclusivamente foi ga-

vos que passo a contar.

lardoado pela “Medalha do Rei George VI”, aquando

Por mero acaso, a atenção e o interesse concen-

da presença inglesa na Base Aérea 4.

tram-se nas páginas 192/193, junto do “filósofo Cha-

O contista Augusto Gomes, mestre na arte de con-

landra”. O velho marinheiro que usava boné, vestia

tar histórias, de as viver e de as dar a conhecer aos

camisola de lã grossa, calçava botas de cano e tra-

outros que gostavam de as ler, ficou surpreendido

é um tesouro acessível e disponível a todos os leitores

zia sempre consigo um cachimbo na boca. Nascido

quando soube que um escritor dinamarquês Knud

a 2 de Abril de 1892, José Gonçalves de Sousa faria

Andersen fez referências a Chalandra num dos

Augusto Gomes transporta-nos através dos “Filó-

agora 121 anos, ficou conhecido por “Chalandra”, vi-

seus livros, o mesmo acontecendo com Vitorino

sofos de Rua” até Chalandra e Knud Andersen, dois

veu na rua do armador, na freguesia do Corpo Santo,

Nemésio em “Mau Tempo no Canal”. Maior surpre-

homens que pautaram a sua vida pelo amor corajoso

Angra do Heroísmo, e esteve emigrado na pesca da

sa teve quando, trinta e cinco anos depois e, num

e devotado ao mar. Sem este seu entusiasmante re-

Lagosta em New Bedford, nos Estados Unidos. Re-

encontro acidental numa esplanada do Largo Prior

lato nunca saberíamos que um escritor-velejador di-

gressado à sua terra natal, prestou-se ao transporte

do Crato, entabulou conversa com quatro iatistas

namarquês ofereceu um exemplar desta sua obra à

de passageiros dos navios que aportavam no cais de

dinamarqueses dos onze tripulantes do iate de re-

família do Chalandra e que agradeceu em dedicató-

Angra. Os seus barcos (“Angra”, “Humberta”, “Vouga” e “Porto de Pipas”) ficaram conhecidos pelo seu

ria “a proverbial hospitalidade terceirense”. Contudo, uma pergunta marinheira impõe-se: o que terá escrito Knud Andersen em 1948 sobre a Ilha Terceira e…os Açores ? Texto de Fernando Nunes Ilustração de Paulo Branco


12. #

84 ABRIL ‘13

Cartas do exílio VIII

ir do Faial à China e voltar Tendo agora finalmente chegado ao outro lado do

melhores roupas em vez de ser as mais confortáveis,

continente, após 15.000 km de vias férreas, está na

em vez de carregarem sopas instantâneas andam

altura de regressar (afinal era a viagem que impor-

com malas de escritório de cabedal. Mas mais signi-

tava e não o destino), está na hora de voltar ao Faial.

ficante que tudo isto, é que está TUDO escrito em

Seria aborrecido agora, apanhar o mesmo comboio

Inglês. Mas os aeroportos parecem iguais no mundo

para trás (para não falar num avião), optei então

inteiro, as estações de comboios não.

por uma passagem num barco saindo de Shanghai.

Apenas quatro horas mais tarde cheguei a Shatou-

O que não estava planeado era o barco sair quatro

jiou (nem vale a pena procurar no mapa que não vai

horas antes de eu chegar, sem mim. O próximo porto

encontrar, fica perto de Yantian, que também não irá

onde irá atracar é Yantian, 1500 km a sul, então para

encontrar, bem, fica na área de Hong Kong), uma ci-

garantir que chegava a tempo de o apanhar e não

dade onde, pelas reações das pessoas na rua, nunca

atravessar meio mundo seguindo o barco, Singapu-

viram um rosto ocidental nem nunca ouviram uma

ra, Malásia, Suez, Líbano, Malta... já me imaginava

palavra inglesa. Isto melhorou a minha capacidade

apanhando-o em Valência só para depois desembar-

de linguagem de gestos por um pouco. Sem poder

car em Algeciras, porto destino final… Enfim, para evitar tudo isto admito que apanhei um avião.

não estava planeado era o barco sair quatro horas antes

conseguir ler uma “ementa sem foto” e recusando-me a comer cabeça de peixe, pés de pato ou pénis de cabra, eu confiei novamente nos vendedores de rua que cozinhavam mesmo à minha frente. Creio que um inspector de higiene da U.E. poderia desmaiar ou mesmo cair morto se visse o estado das panelas e frigideiras utilizadas, mas como toda a comida é muito picante e temperada, assumo que quaisquer possíveis bactérias são mortas após a digestão.

Fazendo Viagem

um inspector de higiene da U.E. poderia desmaiar ou mesmo cair morto se visse o estado das panelas e frigideiras utilizadas

O barco, chamado CC Cendrillon, registado em Lon-

Uma rampa de 54 degraus subindo ao longo de uma

dres, é um porta-contentores, tem um comprimen-

grande parede de ferro azul escura; uma vez no con-

Aviões são mais velozes que comboios, mais velozes

to de 334m LOA (Cumprimento Total), 8500 TEU

vés dei por mim olhando para quase 20 rostos curio-

que barcos, e ao final do dia encontrava-me num ae-

(Peso), tem como EBT (estimado tempo de atracar)

sos, mirando-me tão ansiosos como eu a eles. Mãos foram estendidas para serem apertadas mas antes

roporto. Os aeroportos têm, além de juntar pessoas

21.00 horas e como EDT (estimado tempo de parti-

que querem ir a algum sítio, nada em comum com

da) 06.00 horas na manhã seguinte - mas primeiro

de chegar à terceira mão fui chamada para dentro.

as estações de comboios. Não existem as salas de

tenho que encontrar o porto, difícil enquanto só se

Ali, um homem com aspecto oficial (pelos menos

espera cheias de pessoas mas sim salas espaçosas,

avista montanhas e não estando nem perto dum

tinha estrelas nos ombros e não estava usando um

os passageiros encontram-se vestidos com as suas

chinês fluente.

fato-macaco) apresentou-se como Oficial Chefe, desculpou-se que não tinha mais tempo e mandou o oficial de vigia para me levar até ao convés F. De elevador, claro. Uma vez lá em cima, outro oficial, apresentou-se como o oficial designado, apanhou a minha bagagem e levou-me até o meu camarote, indicou-me o interruptor de luz, o frigorífico, o telefone… e se necessita de alguma coisa, ligue. Fecha a porta e vai-se embora. Desde o momento em que meti o pé no primeiro degrau na rampa até ao momento que a porta do meu camarote se fechou não tinham passado mais que dois minutos. Sentia a minha cabeça a andar à roda com todos os diferentes títulos de oficiais e de todos os homens porque obviamente não era apenas a única passageira a bordo, mas também a única mulher. Ruth Barthenschlager


.13 #

84 ABRIL ‘13

Cuidando da Saúde da comunidade A discriminação é uma “epidemia de mentalidade”

ais ainda não são vistos com a mesma naturalidade

que facilmente se propaga através das atitudes, das

que os heterossexuais. Para que este desequilíbrio

conversas, da opressão e da imposição de papéis e

social comece a desvanecer-se, para que a socieda-

padrões sociais. É um vírus que tem grande poten-

de comece a tornar-se mais saudável, sem discrimi-

cial de desenvolvimento na mentalidade de cada um

nação e sem desigualdade de direitos entre os seus

de nós, e todos nós já nos demos conta a ter reações

cidadãos, para que comecemos a erradicar efetiva-

de discriminação em algum momento das nossas

mente esta epidemia que prejudica a vida de muitas

vidas. Todos nós já sofremos com a discriminação,

pessoas, é preciso que dentro da comunidade LGBT

tenhamos sido alvo dela ou tenhamos passado o

comece também a deixar de existir discriminação!

“vírus mental” para outras pessoas. É normal; viver

Estou a falar de algo que sinto ainda existir muito na

em sociedade tem destas coisas. É preciso ter noção

comunidade LGBT açoriana, uma comunidade que

disso para poder combater este tipo de “epidemias

ainda não está suficientemente unida, a meu ver. É

de mentalidade” e fortalecer a nossa imunidade

perfeitamente compreensível, pois está a dar os

contra estes sentimentos retrógrados, opressores

seus primeiros passos para fora do armário…

e destrutivos. Dentro da comunidade LGBT açoriana ainda vejo

Falem uns com os outros! É fundamental! Compre-

existir muita discriminação, muito isolamento. É

endam cada diferença; por trás de cada diferença

tipos de características humanas, mas neste caso

ainda uma comunidade muito separada dentro de

encontra-se um coração e um sentimento seme-

vou falar daquela que oprime a identidade e a orien-

si mesma. Isto não é bom; não é saudável. Uma co-

lhante ao nosso! Não discriminem quem é um pouco

tação sexual de cada um de nós. Estou a falar da

munidade LGBT deve ser tolerante e reconfortan-

diferente de vós só porque se veste de forma dife-

Existem vários tipos de discriminação contra vários

Homofobia, termo generalizado para a discrimina-

te para todos. É preciso ter noção disto e começar

rente, só por que vive de forma diferente ou porque

ção contra homossexuais, e neste caso vou falar de

a fortalecer a comunidade LGBT nas nossas ilhas;

ama de forma diferente. Cada um de nós é respon-

toda a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais

quando mais saudável ela for, mais tolerância terá

sável por eliminar a discriminação, a desigualdade de

e Transgéneros/Transexuais, etc).

dentro de si, mais unida será. A nossa comunida-

direitos e a solidão que se instalou na vida de muitas,

de LGBT é ainda uma criança muito jovem. Por isso,

mas muitas pessoas que vivem profundamente iso-

A comunidade LGBT representa uma fatia muito

protejam-na: sejam tolerantes uns com os outros e

ladas em si mesmas, aqui, nas nossas ilhas, nas nos-

considerável da sociedade açoriana, como em todo

unam-se. É fundamental. Só assim se começa a for-

sas cidades, nas nossas famílias. E a solidão (quando

o mundo. Contra esta comunidade, existe ainda

talecer uma pessoa, uma família, uma comunidade e,

nos sentimos sós no meio da multidão) não é, de

muita homofobia; os relacionamentos homossexu-

por fim, uma sociedade.

todo, recomendável… para ninguém. Alexandra Boga

Ser Dador de Medula Óssea Uma Opção Para Dar Vida

Fazendo Saúde

O Centro Nacional de Dadores de Células de Medula

INCRIÇÃO – Consiste no preenchimento de um ques-

melhança entre doente/ Dador, prossegue-se para

Óssea, Estaminais ou Sangue do Cordão (CEDACE)

tionário, que será avaliado por um médico que selec-

a recolha de M.O.

encontra-se sediado no Centro de Histocompatibili-

ciona os dadores aptos para posterior colheita de

A recolha de células progenitoras poderá ser efectu-

dade do Sul, tendo como uma das actividades coor-

análises.

ada por dois processos diferentes:

denar e organizar o recrutamento e aconselhamen-

A colheita será enviada juntamente com o respecti- •Colheita do interior dos ossos pélvicos;

to de dadores de medula óssea (M.O).

vo questionário para o Centro da Histocompatibili- •Colheita de sangue periférico, sendo este o proces-

Em 2007 o Serviço do Imunohemoterapia do Hospi-

dade do Sul onde se realizará a sua tipagem e conse-

tal da Horta estabeleceu uma parceria com o CEDA-

quentemente registo na base de dados de Dadores

O Dador tem o direito de decidir de que forma pre-

CE com a finalidade de angariar novos Dadores pos-

de M.O.

tende efectuar a dádiva.

sibilitando assim aos residentes das ilhas do Faial e

ACTIVAÇÃO – ocorre quando um grupo de Dado-

Desde 2007 até ao momento o Serviço de Imuno-

Pico contribuírem com a sua dádiva.

res com características tecidulares idênticas a um

hemoterapia do Hospital da Horta angariou 1223

determinado doente é seleccionado para exames

inscrições das quais 1047 encontram-se inscritos na

so mais comum.

É saudável? Tem mais de 50kg?

laboratoriais de compatibilidade. O Dador será con-

base de dados de Dadores de M.O, 78 eliminados e

Tem entre 18 a 45 anos?

tactado pelo CEDACE ao qual será efectuado um

98 não compareceram para efectuarem a colheita.

Se reúne estas condições dirija-se ao Serviço de

questionário telefonicamente e informado que de-

Dos potenciais Dadores o serviço registou 34 acti-

Imunohemoterapia para efectuar a sua inscrição e

verá dirigir-se ao Serviço de Imunohemoterapia para

vações das quais 3 foram efectivamente Dadores de

tornar-se Dador de M.O.

efectuar nova colheita. Se existir uma perfeita se-

Medula Óssea.

Filomena Maduro


14. #

84 ABRIL ‘13

Há uma Identidade Açoriana?

Fazendo Crónica

No contexto actual, as Tecnologias de Informação desempenham um papel fundamental na divulgação dos usos e costumes dos povos. Hoje é possível conhecer o modus vivendi de culturas que distam milhares de quilómetros. Seria, por isso, expectável que se verificasse uma mistura de culturas, em que cada povo adoptaria determinados hábitos ou formas de estar de outros, por se identificar com eles. Verificar-se-ia, assim, uma perda de identidade, primeiro a nível local, depois a nível regional e até a nível nacional. No entanto, verifica-se uma vontade das populações preservarem aquilo que é genuíno e intrinsecamente seu, apesar da aquisição do conhecimento de novas formas de estar e novas culturas. Os Açores são particularmente interessantes neste aspecto. Poderá dizer-se que, analisando o caso dos Açores, é possível extrapolar essa análise para uma dimensão macroscópica. Começando pela identidade açoriana em geral, verifica-se que há claramente uma cultura que é comum a todo o Portugal. Um visitante dos Açores não terá dúvidas que está em Portugal. No entanto, há diferenças claras, motivadas por diversos factores, como a colonização diversificada, a insularidade e a própria evolução da cultura local. Há uma cultura

ilustração Carlos Carreiro

comum aos insulares, caracterizada pela necessidade de entreajuda para compensar as vicissitudes

como o clima ou a origem da colonização. Pode con-

originadas pelo isolamento. Obviamente que, apesar

cluir-se que há então uma identidade nacional e uma

dessa característica, cada arquipélago tem caracte-

identidade regional própria.

rísticas intrínsecas que condicionam a cultura local,

A percepção da cultura Açoriana é entendida pelos Continentais geralmente como um todo. No entanto, é claramente notória uma diferença cultural entre cada ilha. Mais uma vez, os factores distintos que levaram ao povoamento de cada ilha, bem como as diferentes condições naturais, condicionaram o seu modus vivendi. Cada ilha tem, portanto, a sua própria cultura e a sua própria personalidade. Podemos generalizar e apelidar os micaelenses de “desconfiados” e “frios”, os terceirenses de “festivos” e “desligados” ou os faialenses de “elitistas”. Pese embora

de de locais ilustres que são figuras importantes na

o facto de que as generalizações estão sempre su-

nossa História, como o nosso primeiro Presidente da

jeitas a erros por falta de uma análise ponderada e

República.

amostragem insuficiente, a verdade é que existem

Obviamente que a globalização contribuiu para uma

razões histórico-sociais para justificar estas dife-

homogeneização da cultura e características sociais,

renças.

mas a identidade local nunca deixa de estar presen-

A Terceira sempre foi um local de passagem, funcio-

te.

nando como um entreposto dos navios provenientes

Há que notar que, mesmo dentro de cada ilha, há

das Índias, África e Américas. Como tal, as relações

também diferenças a assinalar entre freguesias ou

de amizade eram rápidas, intensas, mas efémeras.

localidades. Estaríamos então a fazer um estudo em

Já em São Miguel, o convívio entre as gentes era

escala microscópica, o que seria certamente motivo

por um período maior. Quem vinha, vinha para ficar.

para uma nova análise dedicada.

Dessa forma, isso obrigaria ao novo elemento prestar provas em como era merecedor da confiança dos locais. Por outro lado, é habitual dizer que a amizade com um micaelense dura para a vida toda. O Faial caracteriza-se por ser um porto de passagem mas mais vocacionado para embarcações recreatiilustração Inês Ribeiro

Cada ilha tem, portanto, a sua própria cultura e a sua própria personalidade

vas, envolvendo um certo tipo de pessoas com um nível cultural elevado. É também notória a quantida-

Nuno Sardinha


.15 ABRIL ‘13

Entrevista com o Morcego Victor Rui Dores

Fazendo Entrevista

O que é que pequeno-almoçaste? O habitual: um sumo de laranja, uma tosta com doce de figo e um brioche. Se o Conde Drácula viesse cá às ilhas onde o levarias? Ao restaurante “A árvore” comer um cozido à portuguesa.

“Nome” Victor Rui Dores “Idade” 54 anos

Qual é a semelhança entre o Pico e o Faial?

“Profissão”

São duas ilhas irmãs que se odeiam com ternura.

Professor do ensino

Se não gostas de chuva o que é que estás aqui a fazer?

secundário

Estou à espera do comboio na paragem do autocarro. Na escola que outra “disciplina” deveria ser obrigatória? Poesia. Porque é que tens alguns projectos na gaveta? E quem é que te disse que os tenho? O que é que mais odeias na internet? O facebook. Aquilo é uma coscuvilhice pegada. Que forma de arte é que te aguça os caninos? Todas as artes de palco. O que é que gostavas de ter nascido? Gostava de ter nascido gnu. Gostavas de ir morrer longe? Sim, tenciono ir morrer a Katmandu daqui a 40 anos. Se não for antes.

Gatafunhos

Tomás Melo


Horários

Índice 84

.2

Fazendo Crónica Horta — ­ Madalena

Uma Noite no Morro

.3

7h30 10h30 13h15 15h15 17h15 Fazendo Cinema Festival Cine’ECO

.4

Fazendo Arte Azores Fringe

.4

Fazendo Teatro Almada Negreiros

.5

Madalena — Horta Fazendo Teatro

8h15 11h15 14h00 16h00 18h00

Teatro de Giz

.5

Fazendo Música Paulo Cunha

.6

Fazendo Música Tesouro Cedros — Horta

Horta — Cedros

P. Norte — Horta

Horta — P. Norte

7h00; 12h45; 16h00;

11h45; 15h20 (Hospital);

7h00; 12h45;

11h45; 17h30;

Sábados: 8h00

18h15;

Sábados: 8h00

Sábados: 13h15

Sábados: 13h15

Fazendo Música Susana Coelho

— Madalena

Madalena — S. Roque

.7

Fazendo Música Claus Nymark

Piedade — S. Roque

.7

Piedade — Lajes

Madalena — Lajes

— Piedade

— Madalena

— Piedade

6h15; 13h30;

10h00; 17h45;

5h45; 12h55;

10h00; 17h45;

Domingos e feriados: 13h15

Domingos e feriados: 9h30

Domingos e feriados: 12h55

Domingos e feriados: 9h30

.8

Fazendo Música Charamba

.8

Fazendo Literatura Montra de Ler

.9

Fazendo Crónica Aos Fazedores

.10

Fazendo Literatura Da Rua e do Mar

.11

Fazendo Viagem Cartas do Exílio VIII

.12

Fazendo Social Cuidando da Saúde

vai.se.fazendo@gmail.com fazendofazendo.blogspot.com

.13

Fazendo Saúde Ser Dador de Medula .13 Fazendo Crónica Identidade Açoriana .14 Fazendo Entrevista Com o Morcego

.15

Gatafunhos

.15


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