Fazendo nº75

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Sentido da vida

JUNHO

75

Sentido único?

O BOLETIM DO QUE POR CA´ SE FAZ DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

edição conjunta com o jornal arauto. tema: o sentido da vida. a vida inteligente, humana, sentida, em filme, desobediente, musical, encantada, coreografada, revolucionária, literária, orgulhosa, balanceada, esquecida, agendada, gatafunhada. a vida do faial e do pico aqui publicada.


O Sentido da Vida Cada um de nós tem sempre uma janela aberta para aquilo a que chamamos vida! Mas somos nós que formamos o nosso próprio caminho, moldando a nossa própria forma de viver. Há quem acredite que nos guiamos a partir de um “Deus”, uma figura superior que é responsável por tudo o que nos acontece. Outros acreditam que nós é que mandamos na nossa forma de viver… E você, em que acredita!? Será que somos capazes de fazer da nossa vida aquilo que queremos!? Todos com opiniões diferentes mas com determinadas coisas em comum! Ser feliz, estar bem de saúde, ter uma família, etc. Na minha opinião o homem é o seu próprio “Deus”, nós é que escrevemos em folhas brancas o nosso destino. Tomamos vários caminhos, abrimos várias janelas, para chegar a um objetivo, aquele que nos dá uma razão de seguir em frente. As coisas que fazemos de maneira certa ou errada vêm daquilo em que acreditamos, e nós é que fazemos as nossas próprias consequências. O sentido da vida é algo que nos faz pensar um pouco naquilo que achamos o mais correcto, o mais apropriado para nós, mas é uma questão muito pessoal pois não vivemos todos da mesma maneira. Daí fica a pergunta, “O que é o sentido da vida!?” Carolina Silva Aluna da EBS São Roque do Pico

Capa

“Punks of Faial, they don’t know my name”

Steven Meyer

+ 2 + FAZENDO + JUNHo 2012 +

Crónica

Sinais [de vida inteligente]

Num livro de divulgação científica que o tornou célebre – O Gene Egoísta – Richard Dawkins defendeu que a prova de que a vida inteligente na Terra atingiu a maturidade está em termos compreendido em que consiste o sentido da vida. Mas compreender o sentido da vida é compreender a razão de ser da nossa existência (e, claro, dos outros seres vivos). Não estaremos a colocar a fasquia demasiado elevada? Será que Dawkins pode ter razão? Sim, seguramente. Sabemos hoje – de facto, desde Charles Darwin – por que razão a vida na Terra se tornou no que é (em toda a sua variedade e extensão). Darwin percebeu que todos os organismos vivos alguma vez existentes no planeta possuem um ancestral comum, tendo evoluído a partir de uma primeira célula capaz de fazer cópias de si mesma – um acontecimento que terá ocorrido há alguns biliões de anos atrás. O zoólogo G. G. Simpson, por sua vez, afirmou que se deve ignorar as tentativas anteriores a 1859 [data da publicação de A Origem das Espécies, o livro que tornaria Darwin famoso] para responder ao problema do sentido da vida. Porquê? Bem, porque estariam todas erradas. Mas este otimismo pode não ser totalmente convincente. Afinal, há muito que os filósofos nos habituaram a distinguir causas e propósitos. Entre as explicações causais da ciência e a procura de uma justificação última para a existência humana existe uma diferença crucial. Há duas maneiras de lidar com esta objeção. Uma é mostrar que a resposta para a questão de saber se a vida humana tem uma finalidade se deduz da resposta dada à pergunta pelas causas. Por outras palavras, a teoria da evolução permitir-nos-ia saber por que existem organismos tão complexos como os Homo sapiens e também qual a sua razão de ser. Esta é a hipótese defendida por Dawkins. A alternativa consistiria em argumentar que a

pergunta pela razão de ser de algo existir é tipicamente filosófica e deve ser procurada independentemente do que a ciência possa dizer sobre questões conexas ou aparentadas. Filósofos como Schopenhaeur ou Heidegger preferiram optar pela segunda via.

Como decidir? Uma primeira observação é a seguinte: mesmo que a pergunta pela razão de ser da existência seja tipicamente filosófica, nenhuma teoria filosófica é independente do estado geral das ciências, em particular dos resultados das suas melhores teorias: uma doutrina filosófica que não queira ser acusada de esterilidade ou inconsequência, terá de ser consistente com a teoria de Darwin, cuja base empírica é hoje muitíssimo ampla: do registo fóssil à biogeografia, da embriologia à anatomia comparada passando pela biologia molecular, a evolução é a teoria científica com uma maior sustentação empírica a apoiá-la. As tentativas de a refutar serviram apenas para a fortalecer.

Na realidade, a evolução não tem objetivos a longo prazo

A segunda consideração é saber se uma teoria de tipo finalista ou teleológico (acerca do sentido da existência) é consistente com o darwinismo. A ideia de Dawkins é que não é. Darwin mostrou que o mecanismo da evolução é a seleção natural. Isto significa que os membros de cada espécie são obrigados a lutar entre si pelos recursos do meio natural. Sucede que nesta luta só os mais aptos sobrevivem. Algumas características conferem, portanto, aos organismos que as possuem, vantagens competitivas sobre os restantes, com consequências para a sua taxa de reprodução: os indivíduos melhor equipados deixam mais descendência. Em resultado da luta pelos recursos do meio, a composição genética das populações altera-se ao longo do tempo e é nesta variação que reside a evolução. Dawkins pensa que a resposta para o problema do sentido da vida é a evolução precisamente porque a selecção natural opera ao nível nos genes. Isto significaria que todos os organismos complexos, incluindo a espécie Homo sapiens, seriam apenas máquinas de sobrevivência construídas com base nas instruções contidas no ADN com o propósito de maximizar a perpetuação dos genes nele inscritos. Do ponto de vista biológico, o que importa é que os genes que trazemos connosco sejam transmitidos e possam sobreviver. Mas falar em propósito a este nível não passa de uma metáfora. Na realidade, a evolução não tem objetivos a longo prazo. Se Deus tivesse optado pela seleção natural com o fim de dar origem aos seres humanos, podia não o ter conseguido, pelo menos às primeiras tentativas. Ainda assim, Dawkins pode estar enganado. Foi a este debate estimulante e difícil que o Fazendo e o Arauto (um jornal de divulgação cultural e um jornal escolar) decidiram dar voz em conjunto. E fazê-lo é seguramente um sinal de vida inteligente. Paulo Ruas


Vida humana

um valor primordial Um dos mais intrigantes e fabulosos mistérios é o da vida humana. Questões como quando é que ela se inicia, qual o seu valor e com que sentido deve ser vivida, surgem muitas vezes nas nossas mentes, sem, contudo, encontrarem uma resposta objetiva e satisfatória. É um facto incontestável que o ser humano é singular, no sentido em que se foi distanciando progressivamente dos outros animais ao conquistar uma inteligência superior, capaz de desenvolver consciência ética e de se reconhecer um ser-no-mundo em relação com os outros. Ao longo do seu percurso evolutivo, o Homem foi tomando consciência da sua dignidade, do seu valor particular enquanto ser racional e livre. Curiosamente, se isto é consensual, o momento em que tem início a vida de um ser humano ainda está sujeito a posições díspares. Enquanto que para alguns o início da vida humana é marcado pela nidação, para outros é o início da atividade cerebral que faz esse marco e ainda há quem defenda que só a partir do momento do parto é que se pode reconhecer a vida de um ser humano. No entanto, à semelhança de Hipócrates, o pai da medicina, muitos consideram que a vida humana se inicia com a fecundação, na medida em que, neste momento, todos os elementos genéticos para definir o futuro ser já estão presentes nas duas células que se encontram. Esta é a posição que a Igreja Católica defende com convicção relativamente ao início da existência de um ser humano, digno de respeito a partir do momento em que é concebido. Seguindo esta linha de reflexão, a vida tem um significado muito especial para os cristãos católicos, sendo o primeiro dom de Deus, que é quem concede aos seres humanos o valor inestimável da sua existência. Todo o verdadeiro crente sente, por isso, que tem para com Deus uma enorme dívida de gratidão, pois não fez nada para merecer existir, mas Ele quis que existisse, naquele momento, naquele local e naquela família. Deus, contudo, não exige reconhecimentos nem fama pessoal em troca. Ao invés disso, ele apenas pede que agradeçamos a nossa vida, respeitando-a, cultivando-a e admirando-a, como quem zela pelo melhor presente que jamais lhe tenha

s i d o oferecido. É com este propósito que a vida ganha um sentido inabalável, merecendo respeito total em qualquer situação. Deste modo, a pessoa humana é dotada de um valor incomparável e incomensurável, e o mais interessante é que, como muito bem disse João Paulo II em O Evangelho da vida, o Evangelho do Senhor “encontra um eco profundo e persuasivo no coração de cada pessoa, crente e até não crente. Mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo o ser humano sinceramente aberto à verdade e ao bem pode chegar a reconhecer o valor sagrado da vida humana, desde o seu início até ao seu termo e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente respeitado este seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política.” De facto, sem assegurar a vida humana, não faz sentido e é impossível a realização dos outros valores que regem as sociedades. Prova disso é o facto de as variadas situações injustas da história da humanidade se desenvolverem e progredirem a partir do momento em que é atentado o valor da vida humana. Quando o ser humano faz um mau uso das suas capacidades, torna-se inimigo de si mesmo e dos outros, perdendo a consciência da sua elevada responsabilidade de colaborador da obra criadora de Deus. Em suma, não há forma de encontrar um sentido válido para a vida sem antes reconhecer a dignidade da pessoa humana e o infinito valor da sua existência. Deus é quem nos dá um grande suporte a este nível, desafiando-nos a encontrar e partilhar a grande riqueza que é cada um de nós, um ser único e irrepetível. Simone Silveira Rodrigues Baseado num trabalho da disciplina de Educação Moral Religiosa e Católica

Diva ou o

Sentido . da Vida

A hipótese é: - Terá o sentido da Vida lugar para a figura activa da Diva?

Todas as possibilidades de dissertação em torno da hipótese formulada existem potencialmente em cada um de nós. Quanto à minha perspectiva, dedico-a desde já à Diva, a *J!*, minha Diva! Não posso deixar de ser Romântico, não que pense que este seja o sentido único para o sentido da vida mas simplesmente é este o sentido que me conduz e contradiz e volta a insistir, sem que para isso esteja sempre atento… Contudo, a atenção é um elixir gerado do caldeirão dos sentidos. Dessa luta entre os 5 creio nascer no corpo o vibrato da atenção – um inconsciente ciente da presença de um sentido de vida nosso, próximo da nossa ligeira liberdade e consequente atmosfera impressa na nossa expressão e acção. A possível e subtil edificação do Romântico vive nessa tangência. E de tangências vivem, também, os lugares que cruzamos. Sugiro que o ambiente por nós gerado e organizado possa ser, de igual modo, uma expressão – acção da nossa sensibilidade e forma de sugerir o Sentido da Vida. Em derradeira análise do processo, este nunca é um acto isolado por mais dissidente ou anónimo que possa o indivíduo ser.

quando tal acontece só apetece apelar para que jamais termine Daí, o sentir da inspiração advindo da alquimia para a força e para o brilho que a Diva oferece ao nosso sonhar – reflectir – agir… A energia da Diva vive-se em precipício contemplativo onde todo o brilho do mundo existente e inexistente brilha no nosso olhar. E quando tal acontece só apetece apelar para que jamais termine, tal é a emoção e réplicas de simples comoção! A espontaneidade toma conta de cada acção nossa sem nos apercebermos da sua realização. Para mim o mais edificante de todas as possíveis diferenças e acções Românticas é a natureza comum a todos.

a Diva pode libertar-nos o suficiente para sorrirmos ao paradoxo Sentido da Vida Todo o Sentido da Vida ganha Razão de existir numa união onde a atenção poderá ser vista como o pêndulo entre emoção e razão. Acredito, e não ignoro a dimensão de crença, que a emoção não perde ânimo frente à detractora razão, podendo uma com a outra formar um outro ser entre nós … Para isso a Diva pode, simplesmente, libertar-nos o suficiente para sorrirmos ao paradoxo Sentido da Vida. E nós, libertamo-la a ela. (ps: por vezes prostrados no divã!) Albino + 3 + FAZENDO + JUNHo 2012 +


CINEMA

Os filmes dão sentido à vida?

Poderá um filme ser uma pista na demanda do sentido da vida? Que filmes foram decisivos nas vidas destes realizadores? Que indicações lhes deram? Em que sentido? Aurora Ribeiro

Pedro Fernandes

Gonçalo Joaquim Sapinho Tocha As I Was Moving Ahead Occasionally I Saw Brief Glimpses of Beauty de Jonas Mekas (EUA/Lituânia, 4h48min, 2000) O filme da vida de quem o faz que se torna o filme da vida de quem o vê. É sempre nesta linha horizontal do ecrã para os nossos olhos ávidos de outras vidas que se joga o cinema. E este filme é a grande experiência, a explodir de arquivos de imagem, gritos, cânticos, amores, filhos, sol, água e celulóide. Pelo menos foi a minha grande experiência como espectador, 5 horas a sonhar e a imaginar tudo o que ali foi feito e tudo o que há ainda para fazer, no cinema e na minha vida.

No Diário de um Pároco de Aldeia de Robert Bresson acontece uma coisa que não vi em mais nenhum filme. Há uma pessoa que parece ter consciência do pouco poder que tem sobre a sua vida. Enquanto via o filme, pus-me a pensar que nós não decidimos nascer. Também não decidimos morrer. Não criámos o mundo. Não inventamos sequer as ideias que temos dentro de nós. Tudo são possibilidades que já existem antes de acontecerem. Como viver sabendo que aquilo a que chamamos liberdade é uma dificuldade e não um direito? E quando senti isso no filme, percebi que o problema não é o “eu”. Misteriosamente, senti que a única coisa que interessa são os outros, cada pessoa que se encontra, porque após cada encontro, tudo vai continuar no tempo, com consequências sem fim. Como viver então?

Bruno Cabral Mónica O que dá sentido à vida depende de cada um/a, mas a pergunta é fundamental, para que todas e todos possamos pensar o mundo e como queremos construí-lo em conjunto. Não conseguindo escolher um filme em particular, escolho um género: o documentário. Porque o que dá sentido à vida é questionar, agitar, incomodar, sonhar, mudar, participar, dar um exemplo, ou o exemplo, mostrar. É também criar redes, solidariedades, reflexão e debate, e procurar algo de palpável, no meio das perguntas, para procurar um mundo mais justo, mais horizontal, mais inteligente, mais emancipado, mais são, mais respeitador de todas as espécies e da nossa mesmo, um mundo sempre mais. + 4 + FAZENDO + JUNHO 2012 +

Santana Baptista

Início de E a vidaContinua, de Kiarostami. A seguir, a conversa no carro: “Viagem a Itália”, de Rossellini. Filmes sobre nada, podia dizer, filmes de viagens. O cinema estava ali pela primeira vez: primeira aula de história do cinema, nove da manhã, terceiro ano. Terá sido a comunhão dos dois filmes ou talvez a vida das pessoas que eu conhecia, do povo, e a beleza do rosto de Ingrid Bergman?… Passou apenas a existir o depois: esqueci redacções onde trabalhava desde os 18. Comecei a

Duarte Diário de um Pároco de Aldeia de Robert Bresson

ver filmes onde ainda hoje os absorvo, onde ainda hoje aprendo o cinema, Cinemateca. No dia do último exame corri para a Escola de Cinema com o dossier da candidatura, e aí ainda a tentar abrir caminho, num dos exame de admissão “Uma Mulher sob Influência”, de John Cassavetes. Não consegui escrever, era preciso continuar a ver aquela mulher. Nunca tinha visto uma mulher a ser filmada amada assim, não era a beleza da Bergman, era outro indizível, um mistério que descobria na luz, no movimento do corpo e da alma da Gena Rowlands uma verdade qualquer, na câmara livre a absorver a vida mesmo que os seus pedaços fossem de vazio e sofrimento: o que é um pai que não sabe ser pai que acabou de internar a mulher? O que é uma mulher deprimida, perdida, que nem na família tem uma âncora? O que é uma mulher, uma pessoa? Um dia Cassavetes falou da mulher. Não é único (Godard, Antonioni, Mizoguchi, Rossellini...) mas ali naquele momento foi. Senti que estava certa, não sabia o caminho mas era o lugar do cinema. O meu.

O Trás-os-Montes do António Reis e da Margarida Cordeiro fez-me sentir, como nenhum outro filme, que eu não sou só “eu”, mas a ponta de um ser contínuo feito de todos os meus antepassados, até à origem do mundo. E que desde essa origem que há um sentido para a vida, milenar, que naturalmente sabemos - tal como sabemos comer - e que é apenas recentemente, por estarmos distraídos com o materialismo e as novidades capitalistas, que o estamos a esquecer. Mas nisto, mostrou-me que se prestarmos atenção ainda vamos a tempo de o reencontrar dentro de nós. Fiquei a saber que afinal já tinha o que procurava: um lugar no mundo, o meu, na minha família e cultura, no sítio onde estou e não noutro, onde afinal tudo faz sentido. Nele posso fazer continuar esse ser infinito do qual faço parte. Em vez de o matar.

Luís

Bicudo Pensei em várias hipóteses mais sérias mas para mim a escolha óbvia não deixa de ser Monty Python’s The Meaning of Life. É um filme ridículo, televisivo e sem sentido. Mas se eu morrer a rir já a vida valeu a pena.


As Serviçais (EUA, 2011) argumento e realização de Tate Taylor

ou a desobediência civil

Película distinguida no Screen Actors Guild Awards, Globos de Ouro para melhor actriz (Viola Davis) e melhor actiz secundária (Octavia Spencer), nomeada para 4 óscares obteve o de melhor actiz secundária. O filme decorre no Mississipi, EUA, durante a década de 60.

Terminada a faculdade, Skeeter (Emma Stone) decide tornar-se jornalista, contrariando as convenções para jovens brancas da classe média/ alta. De regresso à sua cidade natal apercebe-se da ausência súbita de Constantine, a empregada-escrava negra que a criou, pede ajuda a Aibileen (Viola Davis) e a Minny (Octavia Spencer) ambas empregadas negras e amigas de Constantine. É desta maneira atípica que emerge entre as 3 mulheres uma cumplicidade e amizade improváveis. Através de um projecto absolutamente inédito irão abalar aquela sociedade minada de preconceitos, quando Skeeter decide escrever um livro (The Help) sobre a perspectiva das empregadas, mostrando o racismo que elas enfrentam enquanto trabalham para famílias brancas. É contado na 1ª pessoa, onde os testemunhos de mulheres que, apesar de criarem as crianças destas famílias como se fossem suas, são ostracizadas devido à cor da pele. No centro da questão está o feminino. A luta pela igualdade de direitos, solidariedade, união e consciencialização da necessidade irrevogável de mudança: “You`re strong, you`re intelligent, you`re important”. No entanto, “As Serviçais” peca por alguns estereótipos compassivos plenos de “humanidade”, uma projecção idealista numa mise-en-scène prevísivel.

Época charneira na afirmação dos direitos cívicos nos EUA, caminho iniciado com a luta de Martin Luther King mas ainda não totalmente percorrido. A evolução social e de mentalidades colocam este período à distância suficiente para rever esta história como algo que já foi e dificilmente tornará a ser. Mas quão vulnerável é a civilidade dos cidadãos e frágeis as sociedades que integram!

A questão do racismo não se resume à luta linear entre brancos e negros ou entre patrões prepotentes, empregadas socialmente abusadas e pessoas normais (as que têm essa sorte) que tentam lutar diariamente contra este estado de Coisas. Na verdade, o peso de aceitar ou NÃO tradições tão arreigadas como as normas de segregação racial e outras “leis” igualmente aberrantes tornam suspeitas as relações sociais, criando um clima de conflito permanente. Em parte é ainda esta triste realidade que se vive actualmente. E não é apenas nos EUA. Os comportamentos discriminatórios que presenciamos no nosso quotidiano devem levar-nos a repensar as nossas próprias atitudes. Visionámos o filme no auditório da Biblioteca Pública das Lajes do Pico, durante a projecção era audível algumas manifestações de júbilo quando a justiça era temporariamente reposta e de reiteração por atitudes de confronto positivo. Não pudémos deixar de nos questionar se aqueles indivíduos tão prontamente próactivos, teriam a mesma coragem ou indignação ou desobediência civil se colocados no contexto sociológico (esclavagista, KKK), em famílias conservadoras (anos 60, Sul dos EUA) onde nada tivessem a perder pela simples desrazão de deterem o Poder. Quem são “As Serviçais” de hoje?

Os excluídos/injustiçados de ontem, sê-lo-ão ainda hoje? E quais serão amanhã? Índios, aborígenes, judeus, ciganos, tibetanos, emigrantes, dissidentes de regimes totalitários, sem abrigo, trabalhadores precários, muçulmanos, artistas,... Quem contesta/ protesta/ se rebela? E quando for a tua vez, “jogarás” na posição de vítima, opressor ou indiferente? Cobres, passas ou resistes? Poderás ainda escolher? Permitir-te-às SER?

Na Grécia Clássica, Sófocles (495406 A.C.) descreveu magistralmente um dos dilemas-conflito que marca a identidade europeia, resumo: Antígona, filha de Édipo, afrontou o rei de Tebas, Créon. Regressando a Tebas, após a morte do pai (Édipo), Antígona e sua irmã Ismena tentam reconciliar os seus irmãos Etéocles e Polinices, que se encontram desavindos (Polinices, atacando a cidade e Etéocles, defendendo-a). Ambos morrem em combate e o tio Créon, tornado Rei, pune Polinices, proibindo o seu enterro. Antígona, movida pelo amor ao irmão e pelo horror à crueldade do decreto real, enterra secretamente o irmão. Entre a lei do Estado e a lei divina (a da sua consciência, de Justiça), optou por esta arriscando a vida. O diálogo entre Antígona e Créon é violento. Antes de desferir a sentença de morte, por desobediência, o rei pergunta: “E tu, responde-me, numa palavra e sem rodeios: conhecias a proibição que fiz publicar?” Antígona responde com altivez. “Conhecia. Como podia ignorá-la? Toda a gente a conhecia.” O Rei desfere, então, a pergunta final: “E ousaste infringir as minhas ordens?” A resposta de Antígona tornou-se o fundamento das futuras “desobediências civis”: “Ousei,

porque elas não emanavam de Zeus nem da Justiça; e não acreditei que um simples mortal como tu pudesse ter autoridade suficiente para se permitir transgredir as leis não escritas mas imortais dos deuses.” A argumentação da princesa é clara: entre um mandato falível do Estado e o imperativo mais alto da nossa consciência (o nosso íntimo conceito de justiça e de bem), a escolha só pode ser uma: seguir o imperativo da consciência. Este príncipio de “desobediência civil” atingiu algum estatuto de lei internacional, por ocasião dos famosos julgamentos de Nuremberga, nos quais não foi considerado como atenuante aos crimes cometidos pelos réus nazis o facto, por eles alegado, de terem apenas “cumprido ordens”. Nesse tribunal foi afirmado, de modo imperativo, o princípio de que um indivíduo pode, em certas circunstâncias, ter de responder, em tribunal, por não ter desobedecido às leis do seu país. Numa versão contemporânea do mito de Antígona, da autoria do dramaturgo francês, Jean Anouilh, a protagonista, pouco antes de ser executada declara: “Sem a pequena Antígona, vós estaríeis todos muito tranquilos.” É, precisamente, o papel das Antígonas deste mundo impedir-nos de ficarmos demasiado tranquilos, quando aquilo que as iniquidades vigentes estão a pedir é o desassossego, a intranquilidade geradora de acção e justiça. Resistir ainda é uma missão para os nossos dias. Que não se perca o sonho, a utopia, a capacidade de mudança, por um mundo melhor, pela construção da felicidade. Temos essa responsabilidade! Cristina Lourido + 5 + FAZENDO + JUNHo 2012 +


Ciclo de Ci CINEMA

O Sentido da Vida

As asas do desejo Wim Wenders

Estreado em 1987, As asas do desejo [no original Der Himmel Über Berlin, O Céu sobre Berlim] é o mais conhecido filme de Wim Wenders, que com ele obteve o prémio de melhor realizador no Festival de Cannes desse ano. (Em 1984, PARIS, TEXAS fora considerado o melhor filme do festival.) Para uma certa faixa de público, AS ASAS DO DESEJO é ainda hoje um objeto inclassificável, sobretudo pela forma como trata um dos mais antigos problemas da filosofia: o sentido da vida. Passado na Berlim do final dos anos oitenta, nas vésperas da reunificação alemã, a cidade serve de cenário para uma reflexão sobre quem somos e o que nos torna humanos. Entre a memória da barbárie nazi e a aparente cristalização do desejo de emancipação que marcou os anos derradeiros da URSS, o filme situa-nos numa espécie de terra de ninguém algures entre a infância, os despojos de um quotidiano atomizado e disperso, e as promessas e hesitações da história mundial. É este mundo ao mesmo tempo transparente e esquivo, onde o correr dos dias aparece suspenso para melhor se dilatar através de um estilhaçamento sem fim, que Wenders retoma para subverter alguns dos alicerces do pensamento ocidental. Habitado de uma ponta à outra por um desejo de imanência, AS ASAS DO DESEJO faz-nos compreender que o sentido da vida é ininteligível fora do contexto da vida, e que é ao sairmos dela para melhor a observarmos que ele se perde. Eis, ao que parece, o erro de perspetiva que Damiel condena à irrisão. Este anjo suave e melancólico, que sobrevoa Berlim sem verdadeiramente nela se perder, sofre com a distância que o separa de uma humanidade que admira mas que não compreende. Ao contrário do que fez norma na metafísica clássica – as exceções são Espinosa e Nietzsche –, para quem só um deus poderia justificar [melhor: + 6 + FAZENDO + JUNHO 2012 +

fazer-nos aceitar] todo o intolerável da condição humana, Damiel é incapaz de dar sentido ao que vê exceto quando se deixa contaminar por um desejo de imanência. Tornar-se humano, é esse o seu projeto. Beber café, esfregar as mãos para as aquecer nos invernos frios de Berlim, amar – eis o que verdadeiramente conta. Esta recusa serena de um ponto de ancoragem último para a vida [um desígnio transcendente, uma promessa de eternidade], que tanto marcou o cinema de um certo Bergman ou o último Malick, dá ao filme de Wenders um significado a que o título – o da versão inglesa, mais comum – parece incapaz de fazer justiça. Na verdade, se Damiel é em primeiro lugar um anjo, sê-lo-á tanto menos quanto o desejo de imanência nele irrompe. Um desejo de mergulhar no tempo e na contingência do mundo, acima de tudo; de se perder nesse fluxo ininterrupto que arrasta os seres e os devora, que os traz à vida para logo de seguida os estilhaçar. Em vez da metafísica tradicional, para quem um mundo sem transcendência parece quase sempre insuportável (a vida sem música seria um erro, escreveu Nietzsche), Damiel é, pelo contrário, incapaz de dar sentido ao seu deambular vazio pelos céus de Berlim – a eternidade como duração – pela intangibilidade dos seres e das suas relações. Dois momentos capitais nesta descida à espessura de tudo. Quando Damiel consola um moribundo vítima de um acidente de viação com os fragmentos da beleza do mundo: a névoa que desce sobre o vale à medida que se sobe a montanha, as batatas nas cinzas, o Cruzeiro do Sul e a ilha de Tristão da Cunha, Stromboli – uma homenagem provável a Rossellini – Albert Camus e a luz da manhã [mas não a eternidade, uma outra vida]; e quando, feliz, compreende no mostrador do relógio acabado de trocar pela armadura de anjo que a duração é a duração é a duração.

Este humanismo em simultâneo pueril e poético é, na verdade, um eficaz mecanismo de desconstrução. A referência a Camus, ele que foi a vítima involuntária de outro impasse, serve para o confirmar. Sabe-se o que Camus pensava do suicídio. O problema do sentido da vida e, portanto, do seu valor, é a questão filosófica fundamental que cada homem, num ou noutro momento, tem de enfrentar. Quando o momento vem, é em geral o produto de um trabalho silencioso. Mas só tem a dimensão que Camus lhe atribui porque a vida humana, não sendo necessariamente um erro (sem deixar a espaços de parecer intolerável), é essencialmente absurda. Num sentido preciso, aliás: sem uma razão capaz de a justificar, ei-la transformada no palco onde todos os homens vêm reconhecer que as suas expectativas são impossíveis de satisfazer. A ressaca da eternidade está agora à distância de um pequeno passo. E Camus na iminência de se tornar o seu oficiante.

Wenders, no entanto, não é niilista. Para reflectir sobre as expectativas humanas como um todo é preciso sair do contexto da vida em que elas adquirem sentido. Satisfeitas ou não, é só nesse contexto que temos de as fazer nossas e de as carregar. Servem para isso, não têm de servir para tudo, sempre, em todos os contextos. Não têm de servir para quando estivermos mortos e tivermos deixado de precisar delas. Quando, vistas de fora, nos parecem destinadas ao apagamento e isso nos faz sentir irrisórios, algo deixou de funcionar. Da duração passámos à eternidade: tornámo-nos anjos [mais exactamente: o tipo errado de anjo]. Mas isto apenas acontece porque não soubemos reconhecer na vanidade última de tudo a forma, demasiado humana, da reflexão. Que aspecto terão os seres humanos aos olhos de um anjo? E que valor terão os nossos anseios e expectativas sabendo-se que nada perdura?

Wenders compreendeu que, num certo sentido, estas perguntas são uma só. De facto, ambas resultam dessa dobra que a reflexão nos faz descrever sobre nós próprios quando nos vemos de fora, sub specie aeterni [quando nos tornamos anjos], sendo que aquilo que fazemos só tem sentido sobre o fundo determinado de um contexto. Mas que fundo pode servir-nos de contexto quando é a vida, como um todo, que tentamos abarcar? Nenhum, seguramente. E no entanto, como escapar ao desejo de sair de si próprio, ao desejo de, por um instante apenas, contemplar a silhueta improvável de um tempo sem duração?

É neste ponto que o filme lembra irresistivelmente o Fédon de Platão, esse monólogo mais que improvável onde reencontramos um Sócrates já exausto, suspenso entre a hipótese de um exílio sem solução e a aposta na eternidade. AS ASAS DO DESEJO explica-nos que Sócrates se enganou. Não há um contexto de todos os contextos como não há um conjunto de todos os conjuntos. Entre o vazio e a eternidade – eis, portanto, os termos de um falso dilema. Wenders não faz mais que repeti-lo, aliás, e de um extremo ao outro do filme – desdobrando os dispositivos retóricos, sobrecarregando-os, multiplicando os seus avatares. O circo, a infância, a poesia e o amor, é sempre o mesmo jogo de espelhos onde cada cúspide na trama do desejo não cessa de se metamorfosear. Num desejo de morte, também. Não será trocar a eternidade pelo amor uma forma de desejar morrer? Protagonizado por Bruno Ganz, Solveig Dommartin e Otto Sander, o filme conta com a improvável participação de Peter Falk (no papel de um antigo anjo que quis ser homem) e uma brevíssima aparição de Nick Cave e dos Bad Seeds para cantar From Here to Eternity. Cherchez la femme. Paulo Ruas

Porque calcei meias vermelhas com sapatos pretos? (um suicida do filme)


inema

Auditório da Escola Secundária Manuel de Arriaga

4 Junho Amadeus Milos Forman

Sexta feira

Quarta feira

Terça feira

Segunda feira

21:30

5 Junho A Barreira Invisível Terrence Malick 6 Junho Blade Runner Ridley Scott 8 Junho As Asas Do Desejo Wim Wenders

A Barreira Invisível

Amadeus

Baseado no livro homónimo de James Jones, o filme tem como pano de fundo a batalha de Guadalcanal. Ao situar-nos no Pacífico durante a 2ª Guerra Mundial, A BARREIRA INVISÍVEL faz-nos entrar na História para melhor sublinhar que o seu tema é a eternidade. Por que existe alguma coisa em vez de nada? Por que estamos aqui? Que significado atribuir a tudo isto? Conduzidos pelas vozes em off dos protagonistas, o filme faz-nos vaguear por entre os destroços de vidas despedaçadas e vacilantes, como um hino à glória dos seres. Poderá cada pensamento, cada consciência, ter origem na mesma fonte, ser a expressão de uma única substância? Fechado sobre si mesmo, sem compreensão nem reciprocidade, cada personagem é um estranho no olhar de todos os outros e, em consequência, um estranho para si próprio. Nomeado para sete Óscares da Academia de Hollywood, viria a ganhar o Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim.

Baseado na peça homónima de Peter Shaffer, o filme propõe-nos uma reflexão irónica sobre as relações entre o génio e a mediocridade inspirada nas vidas dos compositores Wolfgang Amadeus Mozart e Antonio Salieri. Sem pretender fazer história, AMADEUS é um retrato vívido do ambiente cultural de Viena no século XVIII, até à morte prematura de Mozart, com 35 anos. Ilustração da teoria das inteligências múltiplas de Gardiner, que Salieri antecipa sem realmente compreender, o filme parece destinado a confirmar a ideia de que uma vida sem música seria absurda. Recebeu oito Óscares da Academia de Hollywood, incluindo os de melhor filme e de melhor realizador.

Realização: Terrence Malick

Realização: Milos Forman

Blade Runner

Realização: Ridley Scott Baseado num livro de ficção científica de Philip K. Dick [Do androids dream of electric sheap?], o filme tem por tema o emergir da consciência de si num grupo de andróides que começaram a desenvolver vida emocional e, gradualmente, a interrogarem-se acerca das suas origens e destino. Reflexão sobre a possibilidade de as formas mais elevadas de consciência serem um produto de processos químicos sintetizáveis laboratorialmente, nunca como em BLADE RUNNER o cinema deixou transparecer que a procura pelo sentido da vida é apenas a versão adulta civilizada do questionamento infantil sobre de onde vêm os bebés. O filme foi galardoado com dois Óscares da Academia de Hollywood nas categorias de melhores direção artística e efeitos visuais. Paulo Ruas + 7 + FAZENDO + JUNHo 2012 +


, MUSICA

Spoek Mathambo

Vamos falar de nova música urbana, sem pretensões de uma actualidade demente (como quem faz um “refresh” ao panorama musical de 5 em 5 minutos) mas tentando descobrir onde estão focos mais interessantes dos anos recentes. Embora só mais recentemente se comece a falar em larga escala sobre dubstep, a verdade é que, salvo raras excepções, o poço de onde saíram

Ecos da

Do cinzento de Londres p

Burial, Kode9& Space Ape, Benga, Skream ou The Bug já secou à algum tempo restando para posteridade da MTV grosseiras caricaturas daquilo que foi um dos géneros mais interessantes da década passada. Das cinzas desses baixos grossos e inflexões dub vindos de Londres uns dedicaram-se à redundância e tentaram-se virar para as pistas de dança, outros começaram a criar um novo som mais cerebral e

introspectivo a que se chamou de pós-dubstep, falemos dos últimos. James Blake foi chamando à atenção dos olhos mais atentos com alguns singles e EP’s de uma electrónica ora mais esquisita, ora mais dançável, até fazer meio mundo se render à sua música com o lançamento do seu auto-denominado disco de estreia e desse estrondoso single roubado a Feist “There’s a Limit to Your Love”.

Canções melancólicas e contidas, construídas com retalhos industriais, ecos urbanos e texturas oníricas e que misturam influências de Joni Mitchel a Burial. A partilhar o mesmo ADN sonoro mas menos dados à construção de canções encontramos os Mount Kimbie, dupla de Londres também. São considerados os principais precursores do pós-dubstep e têm um som ainda mais retalhado, de produção

Animal à solta pela

Manuel Rebelo uma nota biográfica Entrevista a Ana Deus - Projecto Oss

Manuel Rebelo nasceu em Aviz, por volta do ano de 1575 e morreu em Évora, antes de 6 de Novembro de 1647. Estudou com Manuel Mendes na claustra da Sé de Évora. Por volta do ano de 1596 tornou-se mestre de capela dessa Sé, posto que manteve até à sua morte. Rebelo recebe em Madrid os mais altos elogios do poeta Manuel de Faria e Sousa, que o considera o quarto maior compositor português (sendo os restantes três Manuel Mendes, Manuel Cardoso e Duarte Lobo). A 16 de Abril de 1647 D. João IV atribui-lhe um dote para a sua sobrinha como recompensa por serviços prestados. Da obra musical de Manuel Rebelo apenas sobrevivem na Sé de Évora um Magnificat Primi Toni para quatro vozes e o Sanctus de uma missa a cinco vozes, ambas obras de grande poder de expressividade. Contudo, pelo catálogo da Biblioteca musical de D. João IV, é-nos dado um vislumbre sobre a obra de Rebelo: uma Missa Primi Toni a doze vozes, um Miserere a três coros duas Ave Regina Coelorum a quatro e oito vozes respectivamente, um salmo a oito vozes, dois motetes fúnebres e sete villancicos (sendo um deles em dialecto negro). Obras entretanto perdidas com o terramoto de 1755, mas que atestam a mestria composicional de Manuel Rebelo. Luís C. F. Henriques www.luiscfhenriques.com + 8 + FAZENDO + JUNHO 2012 +

Ana Deus (ex-Ban e Três Tristes Tigres) e Alexandre Soares (ex-GNR, Zero e Três Tristes Tigres), voltam a cruzar-se, agora em duo, para formar o projecto “Osso Vaidoso”. Com os olhos postos em novas perspectivas sonoras, lançam o disco “Animal”, que assenta numa forte componente lírica, com textos de Regina Guimarães, Alberto Pimenta, Valter Hugo Mãe e Ana Deus, consignada às guitarras que fogem ao lugar comum e reforçam a mensagem. Depois de uma passagem pelo Arco 8, em Ponta Delgada no dia 1 de Junho, Osso Vaidoso vai estar entre nós, no dia 2 de Junho, no Bar do Teatro Faialense. Entrevistámos Ana Deus para sabermos um pouco mais deste projecto:

Como progenitores, o que sentiram com o lançamento do “Animal”? Sentimos que fez muito por nós, apesar de termos sido nós os obreiros de praticamente tudo. Os discos ainda dão muito jeito para promover e fazer rodar um trabalho, apesar de todas as mudanças. E estas edições de downloads gratuitos e com um preço de capa muito barato são “do caraças”.

Fazendo: Osso Vaidoso nasceu de forma espontânea ou foi o resultado de um longo trabalho prévio? Ana Deus: Foi um rápido trabalho de parto! Começou por um convite feito ao Alexandre para participar com um convidado num espectáculo no S. Jorge, chamado “Sexta, meia noite e uma guitarra”, arranjámos um nome meio à pressa, e juntámos alguns textos, fizemos as músicas. E acabámos por ficar com um bébé ao qual tivemos de dar algum colo. Fizemos espectáculos durante um ano mais coisa menos coisa até surgir o convite para gravar para os discos Optimus feito pelo Henrique Amaro

Existe uma preocupação da vossa parte em criar algo diferente na música, ou este disco é apenas o resultado natural das circunstâncias e estados de espírito? Tudo junto vale. Fazemos com o que temos e com o que somos. E não indo atrás de ninguém muitas vezes temos de fugir, também ao que já fizemos.

Consideras que ainda há espaço para a inovação na música portuguesa? A inovação faz parte da música como faz parte do mundo, a tecnologia não pára, as linguagens avançam. Não parece é haver espaço nos media, tão atafulhados de clones e modelos estafados.

Como vês o actual “boom” de projectos de música cantados em português e do recurso cada vez mais visível a influências da música tradicional portuguesa? Vai sendo superada a vergonha de ser português, espero que contagie outras

artes e práticas. Desde que o tempo não volte pra trás... O formato “duo” é apenas resultado do conceito ou prende-se com questões de economia de meios, num momento em que a dita crise económica dificulta a vida dos músicos em Portugal? Fomos vendo que funcionava e que agilizava muito as coisas. Ao princípio ainda “ouvíamos” contrabaixo ou coros e projectávamos arranjos, mas com o andar da carruagem percebemos que tínhamos mais vantagens do que desvantagens em sermos só dois. A grande descida dos valores dos cachets e a cada vez menos paciência para andar com kilos de material às costas claro que ajudaram Trabalhar em duo facilita ou dificulta os consensos? Facilita e muito, tudo é mais rápido, discorda-se e concorda-se, e combina-se. Falamos muito mais durante a construção dos temas. As letras são escolhidas e “amparadas” com muito mais cuidado. Dizemos o que queremos dizer ou o que queremos partilhar de outros. Até onde gostariam de levar este projecto? A todos os países de língua portuguesa e mais aos outros que o não são, eh eh Pedro Gaspar


a Urbe

para o sol da Califórnia Vamos mudar de continente. Em Los Angeles no final da década passada começou simultaneamente a aparecer um grupo de artistas que apanharam os ecos vindos do outro lado do

as ilhas

so Vaidoso

Atlântico, misturaram-lhe um pouco de sol, hip-hop avant-garde a la SaRa e referências duma Warp dos anos 90. No epicentro deste movimento (?) encontramos o sobrinho de John e Alice Coltrane, Flying Lotus (de cuja obra-prima Cosmogramma já se escreveu nesta página), e a sua editora, a Brainfeeder. Juntamente com Gaslamp Killer (outro artista da Cidade dos Anjos)

produziu o aclamado disco de estreia de Gonjasufi “A Sufi and a Killer”, obra paradigmática dos nossos tempos que junta hip-hop low-fi, punk-rock, electrónica e música étnica. Também produzido por Fly-Lo e a editar pela Brainfeeder (e a ver em Lisboa no Music Box a 15 de Junho) encontramos o virtuoso do baixo eléctrico Thundercat: acid-jazz em versão de banda-sonora para filmes de ficção

científica e disco-sound próprio para viagens místicas. (P.S. Uma última referência para um disco recentemente saído da África do Sul, “Father Creeper” do viajante Spoek Mathambo, mais um disco de retalhos (sim, é o pós-modernismo) de música urbana, indie-rock, hip-hop e “Zef”, capaz de dar um murro no estômago e fazer dançar ao mesmo tempo.) Pedro Lucas

“Santiana” ao Pedro Lucas

Ilustração: Rachael Wong

delicada e exploração sonora mais descomprometida. “Lovers & Crooks” foi o disco de estreia e tanto serve para nos perdermos na sua audição como de pano fundo para ler um livro.

Gonfasufi

“Santiana” é um canto de trabalho marítimo que, segundo o padre José Luís de Fraga (1901-1968), no seu estudo Cantares Açorianos (1), foi importado por velhos baleeiros da ilha das Flores que haviam embarcado em baleeiras norte-americanas e que, nas suas longas viagens, conviviam com gentes das mais diversas proveniências e nacionalidades: americanos, caboverdianos, italianos, chineses, japoneses, “canecas”, russos, etc. Aquele autor testemunha que seu avô, velho baleeiro florentino, relatava que “Santiana” era cantada a bordo das baleeiras norte-americanas “ao rodar do bolinete, quando içavam o toucinho das baleias”.

era cantada a bordo das baleeiras norte-americanas Hoje julgo poder afirmar que “Santiana” resulta de um shanty americano, até pelas corruptelas fónicas e fonéticas de vocábulos

ingleses: “mesura” (o rio Missouri?), “bilrou” (Bill, row?, ou We´ll row?, de remar). No seu disco “Com o rosto a este vento” (2004), a cantora Maria Antónia Esteves gravou “John kanaka”, um shanty anglo-polinésico contendo uma ou outra palavra havaiana (“kanaca” significa homem, e foi aportuguesado em “caneca”) e que fazia parte dos cantos dos velhos baleeiros norte-americanos. Terão sido estes que, no período áureo da baleação norte-americana do século XIX, trouxeram para os Açores esta bela canção marítima quando por cá baleavam e aportavam para engajar tripulação. E, a propósito, não deixa de ser sintomático que, no romance Moby Dick, de Herman Melville, seguem, a bordo do “Pequod”, dois marinheiros açorianos que passam o tempo a cantar e a tocar viola… “Santiana” seria depois adoptada e adaptada por baleeiros e outros marítimos florentinos, sendo ainda hoje cantada na mais ocidental ilha dos Açores. De referir a excelente interpretação que desta canção faz Carlos Medeiros, no seu disco O cantar na m´incomoda (1998). Victor Rui Dores

+ 9 + FAZENDO + JUNHo 2012 +


TEATRO

Ilha do Pico:

Descobrir o

(En) Canto Aldeia picarota posta a norte, não muito longe da Ponta da Piedade, enfiada em lugar íngreme, acidentado quanto baste, nomeada de forma gentil exposta por ser território cândido, aprazível, querido por quem ali nasceu e, certamente, por quem ali passa como simples visitante. Quando se entra pela aldeia adentro deparamo-nos com uma paróquia que possui o nome de Amaro, o santo padroeiro.

dos mais sublimes e singelos lugares deste colosso insular A freguesia de Santo Amaro na Ilha do Pico está disposta à beira mar e carrega consigo um passado ligado à pesca e à construção naval, produção do gado e às searas onde ainda se cultivam cereais, entre tantas outras coisas. Há nesta pequena aldeia um sentido de harmonia, de equilíbrio e de proporção que faz naturalmente cobiça a lugar de dimensões semelhantes no arquipélago. Alguém nosso conhecido leva-nos até à casa de uma artesã local, habituada a trabalhar com palhinha, ambas conhecidas na povoação pelas irmãs Alzira e Conceição Neves. Trabalham com corantes naturais, mostram vários trabalhos e uma pulseira em que são precisos dois metros de trança. Ensinam-nos que o tempo passou mas os saberes tradicionais podem continuar...

Por instantes, pensamos na dureza e agrura dos dias antigos por ali Eis-nos entretanto chegados à Baía do Canto, um dos mais sublimes e singelos lugares deste colosso insular. Aqui respira-se intimidade e secretismo numa abordagem a São

+ 10 + FAZENDO + JUNHo 2012 +

a certeza de que tudo está onde devia estar

Jorge tão presente no horizonte que, de tão habituados a esquecemos, completada pela visão às suas fajãs de fisionomia particular. Nada melhor do que entrar nesse registo azul ferrete de um dia primaveril, onde se combina a paisagem intercalada da terra com o mar, numa simbiose perfeita de uma geometria há muito colorida. E depois há o caminho até à terra alta, crescer, crescer até ao céu descoberto e ali demorar todo o tempo do mundo, serenar com o verde derramado sobre a retina, adormecer no topo com o sossego e o silêncio da ilha em frente. E, logo depois, descemos de novo ao Canto, pois são raros os recantos assim, árias do nosso contentamento, deslumbrantes e precisos na poesia que deles fazemos. Por instantes, pensamos na dureza e agrura dos dias antigos por ali. Mas de nada vale o consolo se não acrescentarmos que um Canto destes é a reconciliação da vida connosco, a certeza de que tudo está onde devia estar, à semelhança do som e do sentido, do espaço e do volume e a que a nada nos deixa indiferentes. Daí o seu en (canto)… Fernando Nunes

Workshop MiratecArtes

VIAGENS

Uma oficina teatral, ou como se diz hoje em dia “workshop”, dá a oportunidade para encontrar talentos escondidos que temos na nossa terra. Há vários grupos de pessoas que participam em workshops. Primeiro, aquela pessoa que nasceu para o palco, não interessa se a disciplina é dança, música ou teatro. Estas pessoas querem é representar e estar no público. Depois há as pessoas mais tímidas que não participam na filarmónica ou rancho local mas têm curiosidade do mundo de performance, atuação e representação, que até à última da hora não confirmam presença mas dão uma chance de se deixar participar numa aula à porta fechada em que os únicos espetadores também são participantes. E o terceiro grupo são aquelas pessoas que influenciadas pelos amigos vão acompanhar e participar no desafio. E assim a primeira oficina teatral de MiratecArts aconteceu na ilha do Pico onde 24 pessoas participaram – um sucesso. Desde jovens da escola até adultos de mais de 50 anos de idade, todos juntos numa sala do Centro de Formação Artística da Madalena passaram uma noite cheia de exercícios a explorar o corpo com movimento e gestos e a trabalhar em unidade para um objectivo: aprender algo do processo de como se elabora uma cena de teatro de imagem para o palco.

vai.se.fazendo@gmail.com

A expressividade de cada pessoa é única àquele ser humano. Uns participam mas nunca se deixam ser livres. Outros, como o caso de um professor dos meus tempos do Externato da Madalena, conseguiram se livrar daquele bichinho que nos ataca e não nos deixa fazer o que queremos fazer, aquele preconceito que temos de nós próprios e que pensamos “ai e se os outros vissem, o que diriam”. Só podemos ser felizes e livres se deixamos o nosso corpo mandar e não necessáriamente a mente. Assim foi com o meu professor que participou em alta se expressando muito mais do que alguns dos jovens presentes. “É bom de fazer algo diferente, adorei bastante a experiência” ele confessava no final da noite. O teatro dá liberdade ao povo assim como ensina sobre o mundo que nos rodeia. O meu desafio para todos vós é de participem. Não interessa a disciplina. Pode ser uma aula de dança como a chamarrita ou algo de estilo contemporâneo; que tal uma experiência de exploração da voz? Deixem-se levar para o mundo de performance e desfrutar de novas experiências, só assim é que nos vamos entender melhor uns aos outros. www.mirateca.com Terry Costa

a Cores...

a Preto...

com Design


DANCA ,

Entrevista com o

Pedro Rosa

Coreógrafo

O coreógrafo e bailarino Pedro Rosa regressa aos Açores com a sua última criação depois de ter estado recentemente na ilha Terceira. Hyper Nova Utopic Empire vai poder ser visto no dia 9 de Junho no Teatro Faialense, sendo acompanhado por um workshop de dança contemporânea aberto a todos os interessados em dança e movimento. Estreado em Abril de 2011 no Balleteatro, no Porto, esta é a oitava vez que Hyper Nova Utopic Empire sobe ao palco. O que é que esteve na origem desta criação? O primeiro impulso para criar este espectáculo foi a ideia de explorar uma imagem que me assaltava recorrentemente de dois corpos que estavam dentro de fatos espessos e opacos que ocultavam a sua identidade. Quando comecei a desenvolver essa imagem, cheguei rapidamente à noção de que eram dois astronautas que, como num filme de ficção científica, construíam ali o futuro da humanidade. Como é que isso se concretizou em palco? A ideia de criar um espectáculo de dança baseado no conceito e estética do cinema de ficção científica foi certamente um desafio, pois queríamos que no final houvesse aquela envolvência e fascínio que o cinema nos proporciona. Isso implicou um grande trabalho não só a nível da coreografia como a nível plástico e sonoro. No final acho que criámos um objecto muito estranho e invulgar, que não procurando ser consensual, será certamente uma experiência marcante.

incluido...

Página inteira...

Foi difícil essa passagem da ideia para o espectáculo? Sim e não. Todos os espectáculos são processos evolutivos, não transcrições literais do pensamento e da linguagem. Depois de delinearmos ideias, conceitos e objectivos, temos que deixar o processamento decorrer, observá-lo, transformá-lo mas também deixá-lo respirar por si. Um espectáculo não tem dono. Se tudo correr bem, ele vive por si próprio, para lá das próprias intenções iniciais do criador.

um espectáculo de dança baseado no conceito e estética do cinema de ficção científica Estes astronautas têm uma missão? Diria que têm várias. Essencialmente têm um percurso (e talvez um destino). Na construção deste trabalho, como é que foi trabalhado o movimento, tendo em conta, sobretudo, os fatos de astronauta que os bailarinos envergam? Isso foi determinante na nossa pesquisa. Durante o período de ensaio trabalhámos muitas vezes com fatos de esqui vestidos, para sentirmos o volume, o peso, a resistência, o calor e a distorção do corpo provocada pelos fatos. No fundo, estes corpos estão sempre em transformação, a passar por metamorfoses, facilitadas pelo

O meu último projecto é ensinar adultos a andar de bicicleta. Estou a marcar as primeiras aulas para este fim-de-semana... distanciamento do corpo humano e da identidade do indivíduo que os fatos provocam. E é certamente um espectáculo duríssimo física e mentalmente para os bailarinos. Nesta criação houve alguma outra obra de outro autor que servisse de inspiração? Sim. Aqui a inspiração veio muitas vezes do cinema através de filmes como o “2001 Odisseia no Espaço”, do Kubrick, ou o “Playtime”, do Jacques Tati, e de uma série de outros livros e filmes que exploram o universo da ficção científica. Falemos agora do seu percurso como bailarino e coreógrafo. A sua vocação revelou-se tarde. O que é que a motivou? Tive a minha primeira experiência com a dança aos 18 anos. Foi num workshop que até estava à partida mais direccionado para actores mas, como começámos também a explorar a dança contemporânea, acabei por me aperceber repentinamente de que era aquilo mesmo que queria fazer (o resto da vida). Foi um choque até para mim mesmo. Mas decidi agarrar-me a isso de unhas e dentes.

FAZENDO

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Como é que descreveria o seu percurso até ao momento em que se encontra actualmente? Isso é complicado. Nem sei bem onde é que me encontro actualmente. O trabalho de um artista é fazer, aprender e explorar continuamente. É um trabalho perpétuo. Tem início quando nascemos (ou até antes disso) e não se sabe quando acabará. O caminhar é que me interessa. O Pedro não é só coreógrafo nem é só bailarino... Nem só professor, nem só produtor, nem só investigador, nem só filho, nem só marido, nem só amigo. Ainda recentemente organizei dois concertos dos Osso Vaidoso na Horta e em Ponta Delgada. O meu último projecto é ensinar adultos a andar de bicicleta. Ando para aí a distribuir cartazes. Estou a marcar as primeiras aulas para este fim-de-semana e estou muito entusiasmado com esta nova experiência. Porque é que o Pedro não aparece como intérprete nesta criação? Gosto de estar de fora, de me poder dedicar completamente à criação. Para além disso fiz a produção toda, cenografia, adereços, etc. Foi duríssimo. Fui coreógrafo, produtor, carpinteiro, costureiro e escultor. Acho que com tanta coisa em mãos no fim do dia já não teria mais condições físicas ou psicológicas para dançar. Talvez na próxima. Margarida Ramos + 11 + FAZENDO + JUNHo 2012 +


, ARTES PLASTICAS

Álvaro Tavares Entrevista sobre o 25 de Abril de 1974 Gostaria de começar por lhe agradecer a possibilidade de realizar na ESMA uma exposição com as suas fotografias e do seu irmão, tiradas no dia 25 de abril de 1974, em Lisboa. O senhor era fotojornalista no jornal República, tinha 29 anos e o regime estava a desabar. Este era um acontecimento esperado, ou foi apanhado de surpresa pelo golpe militar? Nos meios que eu frequentava e, sobretudo, entre as pessoas que trabalhavam no jornal República, ansiava-se pela queda do regime de Salazar e Caetano. Tratava-se, por isso, de um acontecimento que se desejava. Quanto ao ser ou não esperado, creio que apenas os coordenadores do MFA e um círculo muito restrito de pessoas saberiam ao certo o que iria passar-se, e quando os acontecimentos iriam ocorrer. Eu reconheço que fui “apanhado” de surpresa. Mais tarde vim a saber que o jornalista Álvaro Guerra, que trabalhava comigo no República, foi uma das poucas pessoas civis que tiveram o privilégio de receberem algumas indicações sobre o golpe. A comunicação social esteve desde sempre sujeita a uma vigilância muito firme por parte do regime de Salazar e Marcelo Caetano. Como era ser jornalista em Portugal no início dos anos setenta, com a censura, a PIDE/DGS (a polícia política da ditadura), as prisões, etc.? Não era fácil! Haviam muitas palavras simples, como por exemplo “bairro de barracas” que não podiam ser escritas em jornais. Tudo o que fosse suscetível de abalar os chamados bons costumes ou de pôr em causa as “verdades” do regime era pura e simplesmente proibido. Às vezes, a Censura dava-se ao requinte de propositadamente atrasar a libertação da primeira página do jornal para comprometer a própria edição. A guerra colonial arrastava o país desde há alguns anos para um beco político, social e económico sem saída, e com ele o fascismo português. Esta tragédia, no entanto, iria contribuir largamente para formar a consciência política dos militares, oficiais e praças, até aí inexistente. Gostaria que retratasse esse período e o ambiente vivido pela tropa em África (e no país). O horizonte da juventude esteve truncado em Portugal entre 1961 e 1974. Jovens foram arrancados das universidades e não só, e enviados compulsivamente para o serviço militar, a tropa. Ficavam com “a vida estragada” como então se dizia. Depois iam para Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau, para uma guerra que não queriam nem desejavam. Em geral, os jovens, aos 20 anos, não escapavam à tropa, não escapavam à mobilização. Alguns cumpriram quatro anos de serviço militar, situação que lhes interrompia os estudos, nuns casos, e, em geral, lhes dificultava muito a sua inserção na vida ativa. O lado mais perverso da guerra ficou patente nas mortes e incapacitados que causou, nos traumas psicológicos, nas viúvas e nos órfãos que provocou.

Álvaro Tavares nasceu em Lisboa a 18 Agosto de 1945. O seu interesse pela fotografia levou-o à profissão de foto-jornalista, que iniciou em 1973 no extinto periódico “Républica”, transferindo-se em 1975 para o t a m b é m j á e x t i n t o “A L u t a ”. E m 1 9 7 9 ingressou no “Diário de Notícias”, onde exerceu o cargo de Editor Adjunto da Fotografia, mantendo-se neste jornal durante 28 anos, até à sua reforma em 2007, encerrando aí três décadas de actividade profissional que lhe permitiram ser testemunha e memória dos mais importantes momentos da nossa História contemporânea, como o da revolução dos cravos, objecto desta exposição. José Tavares nasceu em Lisboa a 21 de Março 1939, falecendo prematuramente a 6 de Junho de 1993. Foto-Jornalista, exerceu a sua actividade profissional no extinto “Diário de Lisboa” de 1 de Agosto de 1972 a 1 de Abril de 1990. Foi também testemunha e memória da nossa História contemporânea, capturando com a sua câmara alguns dos seus momentos ímpares, como este 25 de Abril testemunhado pela sua objectiva e pela do seu irmão Álvaro Tavares.

As contradições políticas entre os militares de abril e o general Spínola, que assumiu o poder em seu nome, não demoraram muito a fazer-se sentir. Um dos efeitos iniciais foi a demora na libertação dos presos políticos. Assistiu diretamente, ou na imprensa, a esse momento. Fale-nos dele. Spínola não queria libertar imediatamente os presos políticos, porque entre os detidos no Forte de Caxias encontrava-se Palma Inácio que o general do monóculo considerava um salteador de bancos, logo, preso comum. O golpe militar do 25 de abril provocou uma onda de participação popular que nem os militares tinham podido antecipar. As iniciativas espontâneas dos cidadãos no plano social e da intervenção política multiplicaram-se pelo país de forma entusiástica. Como viveu esse período? Enquanto jornalista do República, o senhor esteve, digamos assim, no olho do furação. Foram tempos de grande “embriaguez” pelo encantamento social, pela esperança e alegria manifestadas pelas pessoas, em toda a parte do País. Chegara a Liberdade, todos tínhamos consciência disso. Era a festa. No jornal não tínhamos mãos a medir, trabalhávamos o mais que podíamos até à exaustão, mas com a alegria de quem sabia e sentia o privilégio de estar a viver momentos históricos. Em 38 anos, o país mudou significativamente. Com a normalização democrática e a globalização liberal da economia, a entrada no Euro e as hesitações da democracia na União Europeia, instalou-se um certo desapontamento sobre um abril que teria ficado por cumprir. Que balanço faz da abertura de abril? Avançámos? Estamos a andar para trás? Ambas as coisas? É preciso cumprir a esperança de Abril, é preciso continuar a abrir as portas que Abril abriu, continuar a construir um Portugal onde todos caibam, onde todos tenham paz, pão e habitação. Um Portugal com pessoas feitas cidadãos de corpo inteiro que participem e colaborem na construção do futuro. Não bastam apenas os direitos políticos, é urgente consolidar os direitos económicos e os direitos sociais. Paulo Ruas Fotografia do 25 de Abril de 1974 - Álvaro Tavares + 12 + FAZENDO + JUNHO 2012 +


Monty Python e o Sentido da Vida (The Meaning of Life, 1983)

LITERATURA

“The Meaning of life” O Fazendo convidou os seus colaboradores a enviarem os artigos deste mês subordinados ao tema “O Sentido da Vida”. Como a mim me cabe cingir-me à Literatura, fiquei com este novelo: O sentido da Vida expresso na Literatura. Convenhamos que é um tema porreiro... Alguém aí tirou Doutoramento no assunto? Melhor: alguém chegou a acabar a Instrução Primária? Eu cá confesso as minhas limitações, mas farei o meu melhor (até porque estamos em colaboração com o Arauto e vamos chegar às jovens mentes da ESMA… quanta responsabilidade). A primeira coisa que me ocorre são os Monty Python que têm, precisamente, um filme com este título de onde se conclui que o melhor é encarar a vida com muito humor, porque se formos dedicar-nos a teorizações fazemos perigar a nossa sanidade (e não chegamos a conclusão nenhuma!) Humor é a chave. Seguindo esta lógica, em todas as situações da minha vida adulta nas quais me interroguei filosoficamente sobre o sentido da vida, optei por olhar para o lado mais luminoso do mundo. Não acreditem nas pessoas que vos dizem que só há trevas e desgraças – primeiro porque não é verdade; segundo porque mesmo que vivamos situações de tortura (e ela pode acontecer a qualquer um) temos sempre a capacidade de criar um espaço interior equilibrado e bom, pois por muito que façam da nossa existência um inferno ninguém nos pode tirar a capacidade de pensarmos o que quisermos. Mas encomendaram-me um texto sobre Literatura e vou tentar ser obediente. Existem muitos livros sobre o sentido da vida. Alguns

declaradamente bem dispostos, como “Hitchhiker’s Guide to the Galaxy” de Douglas Adams, onde o planeta Terra acaba e um grupo de gente pouco ortodoxa vai viajar pelo espaço. Prova-se que pouco é preciso para viver e que o essencial é manter a calma, o humor e o espírito de entre-ajuda. Porque o humor tem uma ética subjacente, é claro que os egoístas se dão mal… Outros livros são sobre o modo como se lida com o sofrimento. Todos nós passamos por momentos de sofrimento extremo (uns mais do que outros, porque nisto, como em tudo na vida, não existe uma balança equitativa). Em livros como “The End of the Affair” do incontornável Graham Greene (uma história de amores e Amores passada na II Grande Guerra) ou “The People of the Lie” do médico Scott Peck (sobre pessoas perturbadas, nomeadamente pais que maltratam filhos sub-reptícia e constantemente, mesmo na idade adulta), é-nos dada a percepção de que fugir das más sensações nunca é a resposta para terminar com elas. Temos mesmo de enfrentar a realidade e o sofrimento que tal traz. Só admitindo as nossas dores é que nos damos conta que temos força para as ultrapassar. Além disso, ficamos a conhecer mais de nós, dos outros e dessa coisa que se convencionou chamar vida. Criamos defesas, mas daquelas a sério, feitas de coragem e não de fugas. Há ainda livros sobre viagens e epifanias. Pessoalmente, poucos encontrei sobre o sentido da vida que fossem tão reveladores como os de Herman Hesse. Desde “O Lobo das Estepes” ao “Jogo das Contas de Vidro”, passando pelo “Siddharta”

e pelos “Contos”, todos eles são um hino aos vários estímulos da vida, a tentar colher o máximo possível de sensações e emoções, a não abdicar da nossa condição de seres pensantes e do nosso direito à diferença, a caminharmos sempre no sentido de uma evolução enquanto seres humanos. Pessoalmente, creio nestas duas coisas: no direito à diferença e na evolução. Incomodam-me aqueles que ao longo da vida pensam e agem sempre do mesmo modo, porque acredito que, idealmente, o ser humano se vai modificando num sentido ascendente. No entanto, e porque também acredito que cada um tem direito a ser como quer – desde que não magoe o próximo, o que me parece premissa essencial - guardo o incómodo para mim, porque não tenho de emitir juízos sobre o sentido da vida de ninguém… a não ser sobre o meu e sobre o do meu filho, visto que escolhi conscientemente ser responsável por ele enquanto ele necessitar. Os judeus expressam-no com os seus ditados. A Ética dos Pais, velho livro judaico, tem esta frase que explica o que estou a tentar transmitir “Se eu não for para mim, quem será para mim? E se eu for só para mim, quem sou eu? E se não agora, quando?” Claro que livros são palavras e as pessoas valem bem mais do que palavras. O sentido da vida é viver e, para além disso, viver o melhor possível - aqui incluindo, por laço, as vidas daqueles que nos dizem directamente respeito pelo amor que lhes temos e, logo, como dizia Saint-Exupéry n’O Principezinho, “quem cativamos”. Cada um de nós é a própria resposta à pergunta filosófica

do sentido da vida. Sentido e não ciência. Pois toda a gente sabe que essa coisa de ciência da vida (Bios e Logos segundo os étimos gregos que deram em “Biologia”) é, como diria o poeta Alberto Caeiro, uma falta de nitidez. A vida não tem ciência nenhuma e o melhor deste mundo que muda a toda a hora é acordarmos dia a dia. O primeiro que conseguir escrever um livro de instruções e regras para a vida andou a perder tempo… e sentido na vida! Por isso, o sentido da vida somos nós. Viver é, essencialmente, escolher: não há volta a dar a esta necessidade que é, também, um inegável direito. Quem tem 15 (ou mesmo, vá lá 65) anos e procura um sentido para a vida através da Literatura, experimente ler “Ética para um Jovem” que Fernando Savater escreveu para o seu filho adolescente. Termina assim: “Tenta gastar a tua vida a não odiar e a não ter medo.” Para bem escrever e bem ler, é preciso antes viver muito. Viver e viver com gosto é o sentido da vida. Acho eu, mas deve haver opiniões de gente mais habilitada. Entretanto, assim no fim da folha, lembrei-me de um poema de Clarice Lispector que uma amiga (daquelas amizades de há 20 anos, que estão lá nos momentos em que tudo cai, apesar de nem sempre concordarmos e é isto, também, o sentido comovente e grande da vida) me ofereceu recentemente e que diz assim: “A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque um belo dia se morre.” Carla Cook + 13 + FAZENDO + JUNHo 2012 +


INTERVENCAO ,~

Pride Azores

em Acção A Associação LGBT Pride Azores foi fundada em Dezembro 2011 e tem por finalidade o apoio e integração social da população LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgénero) e das suas famílias nos Açores, através de programas educativos, sociais e culturais. O lema da Associação é educar, libertar e celebrar. A Associação desenvolve várias actividades incluindo ações pedagógicas nas escolas da região, tertúlias e outras ações que já chegaram a 7 ilhas nestes primeiros 6 meses de vida. O Dia Internacional Contra a Homofobia, que aconteceu no passado 17 de Maio, com uma apresentação na cidade da Horta, teve grande visibilidade. O cartaz oficial de Pride Azores, a ser colocado em bibliotecas, escolas e outros locais públicos, assim como o Projeto Famílias, a apresentar em breve, deu início às publicacões a desenvolver com o apoio da Direção Regional de Solidariedade, assim como formar jovens para fazerem apresentações escolares sobre assuntos LGBT. O projecto mais visível que estamos a planear é o Festival Pride Azores de 28 de Agosto a 2 de Setembro a acontecer em S. Miguel e que incluí uma Conferência e a Marcha de Orgulho LGBTS a 1 de Setembro na cidade de Ponta Delgada. Junte-se ao movimento e associe-se por apenas 10€ anuais, seja voluntário ou participe nos programas. www.prideazores.com Associação Pride Azores

+ 14 + FAZENDO + JUNHo 2012 +

Balanço dos Encontros Filosóficos Fui convidada a fazer um balanço dos XIX Encontros Filosóficos, que decorreram entre 30 de Abril e 5 de Maio, subordinados ao tema “Oceanos e Sustentabilidade: Humanidade e Futuro”. Sem qualquer hesitação, afirmo que o projeto correu muitíssimo bem. Aliás, como todo o trabalho que o antecedeu – reuniões preparatórias com o pró-reitor da Universidade dos Açores, Ricardo Serrão Santos, coordenador do projeto para as questões científicas, e com o investigador Filipe Porteiro, Diretor do Observatório do Mar dos Açores, (OMA), com o objetivo de definir o programa do Fórum e da Formação de Professores. O programa dos XIX Encontros Filosóficos assentou sobre três pilares fundamentais: o projeto de Formação de Professores, consolidado nas parcerias estabelecidas com a Universidade dos Açores, o Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP), a Direção Regional dos Assuntos do Mar (DRAM), o OMA e o IMAR., com uma oferta formativa vastíssima, inovadora, e de elevada qualidade. Os docentes de Física, Química e Biologia encontraram-se com António Pascoal, docente da Universidade Nova de Lisboa e diretor da empresa Ydreams, para refletirem sobre os novíssimos ambientes interativos. Maria Antónia Jardim, da Universidade Fernando Pessoa, trabalhou as questões do Imaginário e do Sonho, associadas à educação; Carla Gomes, investigadora do DOP, orientou uma oficina sobre “Metodologias para a Intervenção em Educação Ambiental”; Frederico Cardigos, Gilberto Carreira, Helena Cepeda, Marco Aurélio Santos e Fernando Almeida Cardoso, realizaram no Pico e no Faial a ação “Oportunidades Pedagógicas proporcionadas pela DRAM”. A ação “O cachalote como ícone transdisciplinar”, foi promovida pelo OMA. Decorreram ainda duas ações

no âmbito da Filosofia, embora de carácter multidisciplinar, orientadas por Pedro Galvão, “Obrigações éticas em relação aos animais e ao ambiente”, e Paulo Ruas, “Introdução à semântica da lógica proposicional”. Do programa constavam também oficinas dirigidas aos alunos. Um desses projetos decorre ainda - sob a coordenação científica e pedagógica dos docentes Filipe Porteiro (UAÇ) e Pedro Medeiros (ESMA) - e envolve os alunos das turmas 10º A e 10º B no acompanhamento da atividade científica de investigadores do DOP e na divulgação do resultado desse trabalho, através de um blog. A oficina de Cinema, orientada por Aurora Ribeiro e de Escrita Criativa e Hipermédia, orientada por Rui Torres, docente da Universidade Fernando Pessoa, foram dirigidas aos alunos de Artes. Decorreram ainda workshops de Empreendedorismo e de Filatelia, sob direção de Pedro Medeiros e Carlos Lobão (ESMA). Vários grupos de alunos saíram para o mar, para observação do oceano e de cetáceos. O fórum - pela excepcional qualidade dos seus participantes - é o pilar central deste projeto. Foi estruturado sobre 3 áreas temáticas: divulgação científica e tecnológica; educação e, por fim, arte, criação artística e empreendedorismo responsável e solidário. Participaram no fórum, os cientistas António Câmara, António Pascoal, Fernando Barriga, Filipe Porteiro, Hélder Silva, Pedro Afonso, Ricardo Serrão Santos. e a deputada Maria do Céu Patrão Neves. Os professores Paulo Borges e Maria Antónia Jardim refletiram sobre os desafios que se colocam à Educação no século XXI. O professor do ISCTE, Rogério Roque Amaro, e Eduardo Guimarães dissertaram sobre um conceito de Empreendedorismo “engajado”

com a preservação do Ambiente e dos Ecossistemas. Telmo Morato (Flying Sharks) e Henrique Ramos (Seaexpert) apresentaram projetos empreendedores. A arte foi evocada na sessão “A presença dos oceanos na arte e na literatura açorianas”, através das participações de Carla Cook, do escritor açoriano João de Melo, do compositor Antero Ávila, do músico e cineasta José Medeiros e Williams Nascimento. No Centro do Mar foi inaugurada uma exposição de fotografia de Nuno Sá e decorreu uma sessão sobre ” Estética, Poética e Sensibilização Ambiental e Científica”, com Rui Torres e Irene Kouhoutec. Genuíno Madruga e Pedro Afonso deslumbraram os jovens do 9ºano de escolaridade com narrativas aventurosas. Joe Bunni, ambientalista e presidente da ONG “SOS Océans”, apresentou no auditório do DOP, para uma vasta assistência, a comunicação “Temoignage d’une Merveille en Danger” A Unânime Praiense encerrou, simbolicamente, os XIX Encontros Filosóficos, executando a peça de Antero Ávila, “Três Oceanos”. Simbolicamente, porque o encerramento deste projeto dá início à grande aventura do conhecer, do criar e do ganhar consciência do sentido de ser-aí no mundo, num tempo de profunda incerteza. Apenas por curiosidade, o termo consciência deriva de “conscire,” que significa “com” ou “em companhia de”; e “scire”, isto é, do “saber” ou “conhecimento”. Donde se poderá concluir que só iniciando a grande viagem do “conhecer algo por si mesmo”, se ganhará consciência do sentido de ser-aí com o outro e será possível assumir um destino humano e planetário, eticamente comprometido com o futuro. O grande desafio: navegar em três oceanos: ciência, educação, arte. Porque… “Caminante no hay camino / sino estelas en la mar” Maria do Céu Brito


DOP / UAç

^ CIENCIA

As pérolas esquecidas em arquivos cheios de pó A jurisdição nacional sobre os mares que rodeiam o arquipélago dos Açores abrange presentemente uma sub-área de Zona Económica Exclusiva de quase 1 milhão de km2 e uma área de extensão da plataforma continental que extende a soberania portuguesa sobre os fundos marinhos para aproximadamente o dobro deste valor. Assim como é importante cartografar a ocupação do solo terrestre em categorias como florestas de laurissilva, pastos, campos de trigo, pinhais, matos ardidos ou ambientes urbanos, é também importante, para melhor ordenar e gerir as actividades que aí decorrem, classificar e delimitar as manchas dominadas por diferentes espécies nas grandes extensões submersas. No entanto, exceptuando o caso dos pequenos oásis hidrotermais, as publicações científicas que analisam as comunidades biológicas que recobrem os fundos situados para além das estreitas plataformas que rodeiam as ilhas são escassas, pouco se conhecendo do mosaico vertical e horizontal formado por um conjunto de espécies sensíveis. Tal desconhecimento torna-se particularmente relevante quando sabemos que a essas profundidades decorrem uma série de actividades antropogénicas como a pesca, a extracção de inertes, a colocação de cabos submarinos ou a acidificação dos mares com o potencial para gerar impactos importantes. Neste cenário de falta de informação, o esforço para catalogar, caracterizar e mapear estas comunidades tornou-se prioritário para uma série de projectos europeus e nacionais centrados na cartografia de habitats marinhos, como por

Exemplos de biocenoses de profundidade encontrados na região dos Açores (Créditos: EMEPC; IMAR/DOP-UAz; GreenPeace ©Gavin Newman; SEAHMA-PDCTM/FCT-Portugal)

Esta pode mesmo ser a derradeira forma de vislumbrar ambientes de referência ainda virgens exemplo CORALFISH, HERMIONE, MeshAtlantic, CORAZON, CONDOR, que investiram significativamente numa exploração mais ampla do mar profundo. Mas em tempos de dificuldades financeiras, é também verdade que revisitar arquivos históricos pode oferecer informação barata e não menos valiosa para a caracterização do mar profundo e a validação dos modelos estatísticos e interpretações conceptuais sobre o mesmo. Revisitar grandes bases de dados biológicas como as produzidas pelas campanhas do Príncipe Alberto I do Mónaco em finais do século XIX/ início do século XX e os extensos arquivos de imagem existentes numa série de institutos europeus e norte-americanos foi por isso considerada uma parte naturalmente complementar e relativamente barata (se comparada com os custos de executar novas missões de mar) deste esforço. Afinal de contas, quase 120 anos de amostragens de fundo e mais de 6 décadas de levantamentos visuais dispersos pela região dos Açores estão potencialmente disponíveis para serem revisitados, com a vantagem de todas as novas abordagens, metodologias e compreensão do mar profundo que se acumularam desde a sua recolha. E nem o facto de estes dados terem sido recolhidos há décadas não lhes retirou relevância… Mesmo em diapositivos descorados do final

dos anos sessenta ou em imagens VHS pouco nítidas do início dos anos noventa foram encontradas autênticas pérolas para o inventário e o mapeamento de habitats de profundidade. Sobretudo porque nos primórdios da exploração da crista médio-atlântica com submarinos tripulados ou câmaras suspensas, o “vaguear” por variados contextos do ponto de vista geomorfológico fazia parte do trabalho. Ambientes diversos como planícies abissais, flancos das ilhas, montes submarinos e diversos segmentos da crista foram mais visitados nesse período do que nas duas últimas décadas, altura em que a utilização nos Açores de submarinos tripulados e veículos controlados à distância (ROVs) divergiu predominantemente para 3 ou 4 pequenos campos hidrotermais. Até ao momento, o levantamento das prospecções visuais executadas nos fundos marinhos dos Açores para além dos 150m de profundidade permitiu identificar mais de 650 mergulhos onde se recolheram imagens do fundo. Depois de visionados arquivos na Universidade dos Açores (DOP/ UAç), na Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), no Centre d’Océanologie de Marseille (COM) e uma parte do arquivo do Instituto Francês para a Investigação do MAR (IFREMER), o catálogo de biocenoses conta já com 56 povoamentos distintos dispersos por fundos que vão desde

o bordo das plataformas insulares até planícies abissais a mais de 3.300m de profundidade. Dominados por macrofauna diversa, incluindo corais, esponjas, bivalves, ascídias, braquiópodes, crinóides, ouriços-do-mar, anémonas e holotúrias, várias destas biocenoses têm importância para a conservação dada a densidade, porte e longevidade das espécies presentes. A lista de ocorrências destas biocenoses totaliza presentemente 100 jardins de coral, recifes de corais duros, agregações de esponjas de profundidade e campos hidrotermais, todos eles habitats prioritários através da Convenção OSPAR para a Protecção do Atlântico Nordeste. Dado que a distribuição vertical de cerca de 70% destas biocenoses se sobrepõe com a gama de profundidades alvo das principais pescarias comerciais com artes de fundo na região dos Açores (até cerca de 1000m de profundidade), decorrem actualmente estudos de quantificação dos impactos físicos evidenciados por estas comunidades. Ao mesmo tempo, permanece o grande interesse em comparar os povoamentos observados em determinados bancos de pesca dos Açores antes da intensificação das pescarias de profundidade das últimas três décadas e os actuais. Afinal de contas, esta pode mesmo ser a derradeira forma de vislumbrar ambientes de referência ainda virgens num mundo irremediavelmente marcado pela acção antropogénica. Fernando Tempera (IMAR/DOP-UAz) + 15 + FAZENDO + JUNHo 2012 +


Agenda JUNHO FAIAL

PICO

Sex_2 Jun.

Sex_8 Jun.

Dom_3 Jun.

Sáb_9 Jun.

23h Bar do Teatro Faialense OSSO VAIDOSO concerto a partir das 12h30 Cedros FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO com arraial, cortejo, filarmónica, chamarritas e karaoke 18h30 Bar do Teatro Faialense ACIDIFICAÇÃO DOS OCEANOS com Dra. Marina Silva 21h30 Teatro Faialense JON GOMM concerto

Seg_4 Jun.

21h30 Auditório da ESMA AMADEUS filme de Milos Forman

Ter_5 Jun.

21h30 Auditório da ESMA AS ASAS DO DESEJO filme de Wim Wenders

Sáb_9 e Dom_10 Jun.

Sáb_2 Jun.

21h30 Auditório Municipal das Lajes do Pico OS DESCENDENTES filme de Alexander Payne

COORDENADORES Albino, Carla Cook, Fernando Nunes, Filipe Porteiro, Helena Krug, Lídia Silva, Pedro Gaspar, Pedro Afonso

Dom_10 Jun.

Dom_3 Jun.

REVISÃO E AGENDA Sara Soares

10h às 17h Teatro Faialense DANÇA CONTEMPORÂNEA workshop com Pedro Rosa

20h30 Sociedade Amor da Pátria SININHO E O TESOURO PERDIDO dança clássica

Seg_11 Jun.

21h30 Teatro Faialense BANDA DA FORÇA AÉREA concerto

Qua_6 Jun.

17h Teatro Faialense LORAX (VP) filme de Chris Renaud

21h Biblioteca Pública A.R.J.J.G. MUDAR, A INADIÁVEL OPÇÃO lançam. do livro de Dr. Luís Parreirão 21h Auditório do DOP SEA CHANGE documentário

Gatafunhos Tomás Melo

Ficha Técnica

21h30 Auditório Municipal das Lajes do Pico JON GOMM concerto

Sex_15 a Dom_17 Jun.

Sex_8 Jun.

9h Auditório do Museu dos Baleeiros LIMITES E AFECTOS estratégias para pais e educadores com Dra. Cristina Fonseca

21h30 Teatro Faialense HYPER NOVA UTOPIC EMPIRE dança contemporânea

21h30 Auditório da ESMA A BARREIRA INVISÍVEL filme de Terrence Malick 21h30 Auditório da ESMA BLADE RUNNER filme de Ridley Scott

Sex_1 Jun.

Quinta de São Lourenço ENCONTRO DO MUNDO RURAL

Sáb_16 Jun.

Sáb_16 e Dom_17 Jun. 21h30 e 17h Teatro Faialense ARMADILHA teatro de giz

Dom_17 Jun.

21h30 Teatro Faialense A DAMA DE FERRO filme de Phyllida Lloyd

17h Auditório Municipal das Lajes do Pico OS MARRETAS (VP) filme de James Jobin

Sex_8 a Dom_10

Escola Primária de São Roque INICIAÇÃO AO SHIATSU workshop

Sáb_9 Jun.

18h Auditório Municipal das Lajes do Pico MULHERES NA PESCA documentário de Maria Simões

Sex_15 Jun.

21h30 Auditório Municipal das Lajes do Pico A DAMA DE FERRO filme de Phyllida Lloyd

Dom_17 Jun.

17h Auditório Municipal das Lajes do Pico LORAX – EM BUSCA DA TRÚFULA PERDIDA (VP) filme de Chris Renaud

FAZENDO - DIRECÇÃO Aurora Ribeiro Tomás Melo

CAPA Steven Meyer COLABORADORES Bruno Cabral, Carolina Silva, Cristina Lourido, Fernando Tempera, Gonçalo Tocha, Joaquim Sapinho, Luís Bicudo, Luís C. F. Henriques, Maria do Céu Brito, Margarida Ramos, Mónica Santana Baptista, Paulo Ruas, Pedro Fernandes Duarte, Pedro Lucas, Pedro Rosa, Simone Silveira Rodrigues, Terry Costa, Victor Rui Dores PROJECTO GRÁFICO Lia Goulart PROPRIEDADE Associação Cultural Fazendo SEDE Rua Concelheiro Medeiros nº 19 9900 Horta PERIODICIDADE Mensal TIRAGEM 500 exemplares IMPRESSÃO Gráfica O Telégrapho CONTACTOS vai.se.fazendo@gmail.com fazendofazendo.blogspot.com 292 392 718


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