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Introdução
Quando um tradutor aparece na mídia, quase sempre é para falar de tradução literária. Quando uma revista ou suplemento cultural faz uma reportagem sobre tradução, costumam ser chamadas as figuras de sempre da intelectualidade tradutória, geralmente para discutir a questão da invisibilidade do tradutor diante da figura venerável do autor ou algum problema de (in)traduzibilidade, com exemplos de frases belíssimas e muitas elucubrações sobre a melhor tradução de determinados conceitos.
Nada contra a instituição cultural que é a tradução literária, tão importante para a formação de um país como o Brasil. Também nada contra o fascínio que a tradução de belas-letras provoca nas pessoas. O que incomoda mesmo é ver a figura do tradutor aparecer na mídia predominantemente como alguém alheio ao mundo tecnológico e econômico, movido mais pelo deleite pessoal em traduzir. Por que os médicos ou engenheiros aparecem na mídia para dar consultoria, falar sobre certos perigos, orientar as pessoas – enfim, para ajudar os outros e, ao mesmo tempo, fazer marketing de seu trabalho –, e os tradutores aparecem para exibir sua própria sapiência intelectual, muitas vezes financiada por um trabalho bem mais prosaico que a tradução literária (ensino, cargo público, secretariado, medicina etc.)?
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Tudo bem que para ser bom tradutor – de qualquer especialidade, em qualquer área – é preciso ler muito e ter grande curiosidade intelectual. Tudo bem que a maioria dos tradutores que eu conheço sejam tão ou mais fascinados pelas palavras quanto as figuras que sempre comparecem em matérias da mídia. Mas a grande – a imensa – maioria dos tradutores em atividade não me parece devidamente representada na mídia.
Refiro-me aos tradutores de contratos, aos tradutores de manuais técnicos, aos tradutores de notícias, aos tradutores de documentos, aos tradutores de boletins médicos etc. Essas categorias de tradutores são muito mais numerosas que os literários e ajudam a movimentar uma economia assombrosa. Mas são os literários, a minoria, que mais aparecem na mídia.
É verdade que esse quadro tem mudado desde a virada para o século XXI, com a propagação da internet versão 2.0 e principalmente com o surgimento dos blogs, a mídia feita pelo próprio usuário. Foi aí que os tradutores profissionais não-literários começaram – mas só começaram – a chamar atenção da mídia tradicional e povoar o imaginário das pessoas de forma mais palpável. A Web 2.0 fez os tradutores sair da toca e mostrar a cara ao mundo. Nos blogs, no Twitter, no Orkut, Facebook e outras redes sociais, os tradutores profissionais comparecem em peso e mostram que são pessoas antenadas e com os pés no chão, diferentes da imagem intelectual que ainda predomina na mídia.
O comparecimento maciço dos tradutores nas redes sociais é, na verdade, sintoma das transformações do mercado de tradução como um todo, nos últimos anos. Em meio a essas transformações, aparecer e dizer a que veio passou a ser uma necessidade para a sobrevivência profissional. O mercado de tradução é hoje extremamente fragmentado, com tantas especialidades e tanta diversidade quanto a própria diversidade humana, e ter uma voz nessa imensidão é questão estratégica e vital.
Nos últimos dois anos, como editor do blog de tradução fidusinterpres.com, pude não apenas usar a minha própria voz como também ouvir a voz dos tradutores, inclusive a dos tradutores em formação ou em início de carreira. A ideia inicial era usar o blog como ferramenta de captação de clientes, mas logo criou-se uma verdadeira comunidade informal de tradutores em torno do blog, trocando informações, relatando casos do cotidiano, reclamando da vida (clientes maus pagadores, tarifas em baixa, projetos desinteressantes etc.),
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mas também comemorando vitórias (conquista de clientes importantes, traduções publicadas, cumprimento de metas de rendimento etc.). A ajuda mútua em terminologia e apoio moral são coisas comuns, assim como a troca intensa de links para glossários, artigos interessantes e oportunidades de profissionalização e aperfeiçoamento profissional. A comunidade virtual dos tradutores vai muito bem, obrigado, e veio para ficar.
Mas a mesma internet que favorece a criação dessa comunidade e o estabelecimento de contato entre tradutores e clientes localizados a milhares de quilômetros de distância uns dos outros é responsável também por fenômenos como o crowdsourcing, forma de contratação em massa de força de trabalho on-line, quase sempre com base em exploração de voluntariado. Ou então pela proliferação do fenômeno do “leilão às avessas”, a prática nociva da concorrência pelo menor preço que tem derrubado os preços de traduções em todo o mundo. Alguns dizem que o futuro da tradução é um retorno ao amadorismo, com mais pessoas sem treinamento tradutório entrando no mercado de trabalho e assumindo tarefas que hoje são realizadas por tradutores profissionais com qualificação formal. Outros apontam que devido à evolução da tradução automatizada por computador o futuro dos tradutores é se transformar em revisores de textos traduzidos por máquinas. E ainda outros apostam na extinção total da profissão de tradutor, porque o inglês, como língua internacional, evolui cada vez mais como lingua franca falada por todos que desejam algum sucesso na vida e, portanto, a economia com o tempo prescindiria de profissionais para traduzir essa língua para os idiomas nacionais ou viceversa.
O futuro da tradução profissional parece sombrio e pode assustar os mais fracos de espírito. Mas nem tudo está perdido. Afinal os tradutores movem o mundo: influenciam a língua e os modos de pensar, constroem pontes comerciais e ajudam a ciência a evoluir. Se isso não for argumento suficiente para convencer alguém da importância dos tradutores, nada mais convencerá. Os tradutores têm e merecem ter espaço de destaque na sociedade. Só não aparecem na mídia – pelo menos não com sua face majoritária!
A ambição deste livro é tentar mudar um pouco esse quadro, mostrando a face menos conhecida dos tradutores profissionais e pintando um quadro mais ou menos realista do mercado de tradução, com seus aspectos fascinantes e sombrios. Se pelo menos um tradutor em formação ou em início de carreira conseguir enxergar esse mercado com uma visão mais ampla e conscientizar-se do papel que
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lhe cabe no mundo e da necessidade de se comprometer com a profissão no longo prazo, a ambição já terá se concretizado. Afinal, no mundo conectado de hoje, uma ideia ou comportamento se propaga muito mais rapidamente e tem muito mais possibilidades de influenciar os outros.
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