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Prefácio à 1a edição (2010

Este livro foi inspirado por minha atividade de mais de dois anos como editor do blog de tradução Fidus interpres (http://fidusinterpres.com). Foi inspirado também pela interação online e off-line com tradutores profissionais, estudantes e aspirantes a tradutores. O assunto aqui é a tradução como atividade profissional, prática, cotidiana, com problemas e desafios concretos – inclusive financeiros e organizacionais – e vinculada à sobrevivência do tradutor. Este não é, portanto, um livro sobre a “arte de traduzir”, nem sobre a (in)traduzibilidade de certas expressões. Ele não contém exercícios de tradução, que ficam a cargo das universidades e cursos. Tampouco haverá aqui exemplos anedóticos de erros de tradução – isso fica para os diletantes que nunca se envolveram de fato com o universo da tradução e, portanto, preferem abordá-lo de um ponto de vista jocoso, irônico ou demasiadamente crítico.

Escrevi este livro pensando principalmente naqueles que pretendem seguir a carreira de tradutor e naqueles que já a iniciaram, mas ainda estão tomando os primeiros passos rumo à profissionalização. Sei muito bem a importância que tem esse tipo de leitura no início da carreira. Eu próprio me beneficiei muito de livros como Escola de tradutores e A tradução vivida, ambos do mestre Paulo Rónai. Não tenho

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como calcular o valor do aprendizado (e do prazer) que tive, naquela época, lendo sobre minha futura profissão de um ponto de vista concreto e pessoal, em vez de teórico e didático, como era de se esperar. No Brasil, Rónai foi o pioneiro nesse tipo de literatura, do qual, atrevome a dizer, fazem parte também os diversos blogs de tradução que proliferam na internet hoje em dia. A diferença entre o pioneiro Rónai e os atuais blogs de tradução – descontada, obviamente, a sapiência insuperável do mestre – é que os blogs têm impacto imediato e se tornam instantaneamente acessíveis a qualquer pessoa em todo o planeta, permitindo uma interação igualmente instantânea entre autor e leitores, coisa que o velho Rónai certamente nem sonhava nos idos de 1952, ao publicar o ótimo Escola de tradutores. Acontece, porém, que o blog pode ser um veículo extremamente caótico e apressado. E é por essa razão que volto agora ao bom e velho formato “livro”, que é mais sereno e cuidadoso, para fazer um registro um pouco mais aprofundado de muitos temas que são tratados apenas rapidamente no Fidus interpres.

Além dos tradutores em formação ou em início de carreira, os tradutores de um modo geral também compõem o público-alvo deste livro, uma vez que ele foi pensando como uma “carta aos tradutores”, expondo minhas visões pessoais sobre a tradução profissional, com reflexões relevantes para profissionais da área, independente do grau de experiência. Aliás, desde já, fica aqui o alerta de que muitas dicas e informações contidas neste livro podem parecer óbvias a certos leitores, mas tenho certeza de que muitas outras serão novidade para os demais.

O livro é dividido em três grandes partes. Na primeira (capítulos 1-5), ofereço uma introdução ao universo da tradução profissional, tentando responder a perguntas como: o que é um tradutor profissional? Em que áreas atuam os tradutores e o que traduzem? Como alguém se torna tradutor? Como é um típico projeto de tradução? Por que as agências internacionais só querem tradutores falantes nativos da língua de chegada? Vale a pena se associar a entidades de tradutores? Como se especializar? O que é tradução “juramentada”?

Na segunda parte (capítulos 6-9), o assunto é a tradução como ofício. Nela trato de aspectos do dia-a-dia do tradutor profissional: as técnicas para resolver problemas de tradução, as ferramentas tecnológicas e de auxílio à tradução, a questão da pesquisa e gestão de terminologia especializada, o perigo do “tradutorês” e alguns métodos de controle de qualidade em traduções.

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Na terceira e última parte (capítulos 10-12), dedico-me à tradução como negócio, tentando mostrar a faceta comercial do profissional da tradução, que normalmente é visto apenas como “artista” ou “artesão”, e esclarecer as diferenças entre os formatos comerciais dessa atividade econômica. Aqui discuto os itens nos quais se deve pensar quando se quer abrir um escritório de tradução, a questão da política de preços, algumas estratégias de marketing on-line e off-line para captação de clientes e socialização com colegas, os elementos mais importantes do currículo de um tradutor, certas práticas negativas do mercado de tradução e tópicos de administração financeira aplicada à tradução profissional.

Concluo com um Índice remissivo, pensado como instrumento para facilitar a busca de assuntos específicos nesta obra, mas também como uma espécie de glossário da tradução profissional e chave para se aprofundar nesse universo.

Espero que este livro seja útil a tantos quantos se interessarem pela carreira de tradutor. Faço, porém, a ressalva de que as informações, dicas e sugestões que dou aqui não devem ser interpretadas como padrão absoluto do mercado, nem como modelo de conduta ditado por mim, mas como simples resultados de minhas experiências e observações em dezessete anos de atuação profissional. Lembre-se sempre disso, mesmo quando minhas observações forem especialmente categóricas. Não que eu tenha credencial melhor que outros para escrever uma obra como esta, mas o fato é que eu passei por uma boa escola de tradutores e ganho a vida como tradutor profissional desde os dezoito anos de idade (metade da minha vida), percorrendo desde então uma estrada relativamente longa e larga (em vários ramos de atuação como tradutor, conforme relatarei mais adiante). Além disso, sou grande fã da profissão que escolhi e tenho muito a dizer sobre ela. Quero vê-la valorizada, principalmente por aqueles que se interessam em abraçá-la como modo de ganhar a vida. Quero que as pessoas vejam a tradução como atividade prática e especializada. Quero ver o profissional da tradução reconhecido não como um artista solitário e cercado de livros, que passa horas ou dias apenas pensando em como traduzir determinado termo, mas sim como um sujeito antenado com a realidade cultural e tecnológica do mundo e que usa seus conhecimentos de línguas e de comunicação a serviço de clientes com necessidades específicas e muitas vezes imediatas – enfim, como profissional inserido em um mercado competitivo e que é forçado a tomar decisões rápidas e eficazes, como alguém que está nesta profissão não

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só por amor ou deleite pessoal, mas também para ganhar dinheiro e se dar bem na vida.

Quanto ao título do livro, tomei-o emprestado de Horácio, que escreveu, no ano 18 a.C., em sua De arte poetica liber (também conhecida como Ars poetica): ... nec verbo verbum curabis reddere fidus interpres... [… nem traduza palavra por palavra, como um fiel intérprete...]

Em latim, fidus interpres significa, literalmente, “fiel intérprete” ou “fiel tradutor”. Embora esse termo seja usado por Horácio com conotações negativas e remeta à fidelidade excessiva do tradutor sem imaginação que traduz literalmente, outros autores usaram-no com um sentido positivo – São Jerônimo, o padroeiro dos tradutores, por exemplo. Além disso, o termo sozinho pode denotar fidelidade em um sentido mais amplo: fidelidade ao texto de partida, muitas vezes na contramão da tradução palavra por palavra, exigindo que o tradutor tome certas liberdades e faça certas adaptações. Um terceiro sentido, livremente interpretado, da expressão fidus interpres é o de “vosso fiel tradutor”, como se um tradutor estivesse escrevendo uma carta na qual expõe sua visão particular de seu universo profissional – e isso é exatamente o que acontece tanto no blog Fidus interpres como neste livro que você tem agora em mãos. Aproveite e boa leitura!

Fabio M. Said Rheinbach/Alemanha, abril de 2010

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