- continente oculto -

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trabalho de conclusĂŁo dezembro 2015

c o n t i n e n t e oculto



Trabalho de ConclusĂŁo Escola da Cidade

2015

orientadora Marina Grinover aluna Gabriela Santana


SUMÁRIO Discursivo

no.

L. Inquietação

01

Obsolescência, transformação,

02

Figuras

Localização

Uma linha

Registro Fotográfico

Permanência e Transformação

Referências

A

B

C

D

E

F

ressignificação

Um lugar

03

Tempo e eventos

04

Primeira mirada

05

Sobre a simultaneidade

06

Continente

07/08

Sobre o oculto

09

Sobre representação

10

Estabilidade e Instabilidade

11

Concentração e Dissipação

12

Do objeto para a ação

13

Figura da Dissolução

14

Proposição

15

no. X

nota: os conteúdos do sumário são referenciados pelo texto (no.) e a imagem (L.) que o acompanha. as imagens e textos estão indicados a partir de sua estrita referência mas também de suas relações ao longo do trabalho. nota2: em anexo gráficos que se referenciam a discursos no caderno


Gráfico Continente

Um conto

Representar e Significar

Estabilidade e Instabilidade

Deslocamento Sonoro

Permanência

Um projeto oculto

G

H

I

J

K

L

M

gráfico em anexo texto se refere a imagem imagem se refere a texto

L. X


no. 1


Inquietação

Este trabalho é uma ilustração de curiosidades, hipóteses e investigações que foram despertadas pelo ensino de arquitetura nos últimos anos. Durante um intervalo da faculdade no ano passado, através do programa de vivência externa, reconheci que há distintas maneiras de interpretarmos o mundo físico que vivemos, e, que portanto, a expressão arquitetônica - seus códigos, sua gramática e linguagem – interage com uma série de outros aspectos que compõem a realidade. A criação de um espaço se inicia no entendimento da maneira a qual este deve ser usado e isto é traduzido para a gramática da arquitetura para que esta concepção seja concretizada em um espaço físico. Neste momento, busco assimilar estes códigos e as ferramentas utilizadas para precisão, para falar da subjetividade das experiências no campo físico. Não pretendo estabelecer um método científico de medida de sensações vividas na cidade, mas sim, criar representações gráficas passíveis de visualizar imageticamente estas experiências. Nesta perspectiva, as conceituações e exploração no campo da representação, indicaram um caminho de significação de um espaço e mais adiante, uma possibilidade de processo para a geração de um projeto de arquitetura.

“A arquitetura é uma expressão direta da existência, da presença humana no mundo. É uma expressão direta no sentido de que se baseia em grande parte numa linguagem do corpo da qual nem o criador da obra nem a pessoa que a vivencia estão conscientes” Juhani Pallasmaa


Obsolescência, transformação e ressignificação

1. SECCHI, Bernardo. 2000. pág. 22.

2. SECCHI, Bernardo. 2000. pág. 21

Recentemente li em um texto de Bernardo Secchi sobre a passagem da cidade moderna para a contemporêanea, onde “A cidade contemporânea parece para muitos como um confuso amálgama de fragmentos heterogêneos, no qual não é possível reconhecer nenhuma regra de ordem, nenhum princípio de racionalidade que a faça inteligível. No entanto, confusão é uma palavra inventada para indicar uma ordem que não se compreende”.1 No mesmo, “A cidade moderna x a cidade contemporânea”, Secchi discursa sobre o papel das figuras (da continuidade, do equilíbrio, da concentração, do corpo, da fragmentação, etc.), por trás das ideologias e direcionamento das construções das cidades. Ele afirma que a prática da construção de uma cidade quase sempre adquiri seu sentido por uma narrativa. Nesta estrutura discursiva, “uso esse termo como na retórica: a metáfora ou a metonímia são figuras; a sinédoque ou a hipérbole, através das quais objetos, situações ou eventos - por exemplo, a cidade 2 e o corpo humano, a parte e o todo -, vêm relacionados entre si”. As figuras são usadas para se referir a formas de pensar, formas da cidades, de suas partes e arquiteturas. Se a cidade contemporânea é objeto de contínua transformação, de reposicionamento de valores e de espaços estacionados em outro tempo, à espera de ressignificação, é possível definir a produção contemporânea dentro de um movimento norteador? Foram nestes termos – obsolescência/transformação/ressignificação – que encontrei minhas inquietações acerca da arquitetura e de sua atuação no espaço urbano. (Aqui se lê obsolescência como desativação de sua função vigente; transformação como alterações de estado e ressignificação como adequação ou reposicionamentos de valores). Estas inquietações (em formato de um trabalho conclusivo de alguns anos dedicados ao estudo de arquitetura e urbanismo) são apresentadas a partir de hipóteses, experimentações de leituras e conceitos, como tentativa de conceber a complexidade de interações materiais e nãomateriais em um certo lugar na cidade de São Paulo.

no. 2


Figuras

figura da continuidade

figura da concentração

figura do equilíbrio

figura do corpo

figura da fragmentação

L. A


Um lugar

3. SECCHI, Bernardo. 2000. pág. 30.

Para evidenciar a transformação e resignificação como um conjunto de práticas investidas no espaço urbano, a Avenida Paulista é um exemplo explícito de experimentações, representações e significações de desejos de cidade. Para além de sua importância histórica e geográfica em São Paulo, ela foi palco de reformas surpreendentemente rápidas afim de ajustar-se aos discursos de cada época. No entanto, no trecho oeste, onde encontram-se as avenidas Paulista, Consolação, Rebouças e Dr. Arnaldo, as transformações inacabadas ou até mesmo negligenciadas, se apresentam como objeto de estudo da obsolescência: as reformas desconfiguraram fisicamente e historicamente o que era o “início” da Paulista. A sua função, como ponto de início da avenida, diluiu-se nas construções de túneis e acessos a outras avenidas; sobrando ali pedaços de quarteirões, de praças, de boulevares e de histórias. Sendo assim, a condição espacial da praça Marechal Cordeiro de Farias é reproduzida e reconhecível em muitos outros pontos da metrópole. Como marca da obsolescência, da transformação e da ressignificação, “a regularidade torna-se também medida da normalidade e do desvio; por um lado, temos o anormal que se distancia ou não aceita a ordem estabelecida, que pode ser considerada patológico e deve ser mantido a uma certa distância, isolado e reprimido; por outro, a substituição da idéia iluminista de uma incompreensível e meta-histórica natureza humana por aquela de uma normalidade empiricamente mensurável, por aquilo que, tendo se tornado comum à luz de informações cada vez mais numerosas, elaboradas de modo cada vez mais sofisticado, pode parecer certo”.3

no. 3


Localização

Praça Marechal Cordeiro de Farias

L. B


Tempo e eventos

4. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. 2002

5. TOLEDO, Benedito de Lima. 1987. In. Trecho entre as ruas Minas Gerais e Augusta

6. CAMILO. Olair Falcirolli. 2003. pág. 34

Iniciei minha pesquisa na biblioteca, afinal, para compreender as transformações da Avenida e entender quais foram os processos que resultaram o desenho da Praça Mal. Cordeiro de Farias, era preciso recorrer ao passado - às suas histórias, fotografias, mapas e relatos. Me animava com o que encontrava: histórias de tropeiros que cruzavam o espigão “acerca de três quilômetros do centro, tomando uma íngrime subida que fazia parte do caminho para Sorocaba chegava-se àquele que era considerado o ponto extreme da província: a ermida da Consolação”;4 de um monumento em 1920 neste mesmo ponto da avenida, as famílias cafeeiras e seus casarões de arquitetura eclética; “é opinião corrente, e desta não somos mais que ‘eco’, que num futuro muito próximo os numerosos palacetes que se elevarão de cada lado desta avenida formarão um bairro elegantemente 5 aristocrático”; as legislações e como estas permitiram transformações estéticas das construções, o projeto da Nova Paulista, “a soma gasta estava orçada em 50 milhões de cruzeiros, sendo que destes, apenas os 10 milhões diziam respeito aos tubules; o restante foi gasto em desapropriações e na remoção de interferências, que segundo os mesmos administradores, foram úteis para a avenida, principalmente 6 do ponto de vista de estética urbana” Ao fim, esta pesquisa histórica se resume em uma linha, interrompida por pontos em eventos, fatos, estatísticas e datas afixados no tempo, e a assimilação destas informações se dá na narrativa histórica, por meio da palavra.

no. 4


Uma linha

1891

\

Inauguração da Avenida Paulista

18911937

\

Construção de inúmeras residências

1920

\

Monumento em homenagem a Olavo Bilac

1937

\

Lei municipal que torna a Avenida em “zona estritamente residencial”

1950

\

Edifícios Residenciais Saint Honoré, Dumont Adams, Chipre, Três Marias, Nações Unidas, Paulicéia

1952

\

Lei municipal que permite construções e instalações de prédios institucionais e de serviços

1962

\

Lei municipal que autoriza funcionamento de lojas e edifícios comerciais

1968

\

Retirada dos bondes elétricos

1973

\

Início das obras de alargamento e rebaixamento da Avenida, trecho da Rua da Consolação

1982

\

Demolidos últimos casarões significativos

1991

\

Início das operações do Metrô Paulista

2008

\

Projeto de reurbanização dos passeios e equipamentos urbanos

2015

\

Implantação de ciclovia

L. C


Primeira mirada

As fotografias foram feitas com uma Olympus Pen que cada frame é composto por duas fotografias. A combinação destas fotos revelam minhas primeiras impressões: um lugar fragmentado por desníveis, por contradições. Um lugar que tem cicatrizes que se revelam em grandes sombras, marcas do tempo em pisos craquelados, construções de distintas épocas, camada sobre camada de tintas que inibem alguma expressão. Mas há um sentimento de expansão ao chegar nesse lugar, uma paisagem que se estende que pode ser assistida deste palco. Mesmo com tanto movimento em volta, há algo de acolhedor neste continente.

no. 5


Registro fotogrรกfico

L. D


L. D


L. D


L. D


L. D


Sobre a simultaneidade

A compreensão de um lugar a partir de sua retomada histórica, me pareceu ineficaz para se tratar das transformações físicas/espaciais deste trecho da cidade. Como disse anteriormente, esta história se dá numa linha do tempo; mas esta pesquisa trata justamente de uma tentativa de apreensão da complexidade das várias camadas que compõe a cidade contemporaneamente e simultaneamente. Portanto, a história, mesmo que invocada, permanecerá como um pano de fundo; pois, para se pensar no futuro e na ressignificação de um espaço, é necessário partir do presente - que é a única coisa da qual temos a experiência, mesmo que imperfeita. “O território é um palimpsesto: as diversas gerações o têm escrito, corrigido, apagado e acrescentado”. Os mapas também me pareciam pouco representativos destas transformações espaciais no tempo - evidentemente, os mapas são um retrato de um momento fixo da cidade, contrariando-se do constante movimento de readequação da região da Avenida Paulista nos anos 20 até os anos 80. O registro fotográfico e as visitas a região revelaram que há elementos de distintas épocas que atuam e influenciam conjuntamente na composição e no uso deste espaço. Percebi então, que para recriar esta linha do tempo com uma expressão gráfica, os mapas deveriam ser relidos a partir dos elementos que persistiram ao longo do tempo, em contraste com aqueles que desapareceram, para assim revelar o estado presente desta área. Afinal, percebi que a cidade contemporânea, se trata de fato, da simultaneidade de informações, na presentidade e como esta comporta uma sobreposição de camadas. Com mapas dos anos 1930, 1950, 1970 e de 2000, construí a minha imagem deste lugar evidenciando em uma camada as permanências e em outra, as transformações. Ao final faço minhas análises dos resultados destas camadas históricas para avaliar a significação deste lugar.

7. SECCHI, Bernardo. 2000. pág.15

no. 6


ANEXO 6 E

Permanência e Transformação

ANEXO 6 E L. E


Continente

7. Dicionário da Língua Portuguesa.

sobra

-- s.f., acto ou efeio de sobrar; pl. sobejos; restos

rincón

-- espanhol, lugar retirado ou oculto de uma casa, cidade, região

fragmento -- s. m., processual, local, subtração e acréscimo - novo sentido ao todo remoto

-- adj., que sucedeu há muito; que está muito distanciado; afastado; longínquo.

7. Dicionário Analógico da Língua Portuguesa.

continente

-- s. m., espaço definido; terrestre; que contém; receptáculo. relação entre a superfície de um continente e o mar.

8. SCHALANSKY, Judith. 2009. pág. 08

“Não inventei nada. Mas descobri tudo: encontrei estas histórias e as fiz minhas, 8 assim como um conquistador faz da terra encontrada, sua”. Robert Morris, em seu artigo “O tempo presente do espaço”, usa a figura do continente para analisar o espaço e seus elementos construídos, discursando sobre a percepção e a experiência no espaço em relação ao tempo. Escolhi usar esta mesma figura para falar da praça Marechal Cordeiro de Farias: ali há margem que desenha seus limites, uma superfície continental circundado por um sistema viário e objetos que constituem seu inventário e influenciam no uso e na permanência no continente. Este pequeno continente, para ser encontrado em um extenso mapa da cidade, é referenciado à partir de coordenadas, de cotas e curvas de níveis, dos nomes das ruas que aparecem em seu quadrante, sua orientação em relação ao norte e de uma numeração que o codificada dentro do mapa maior. As especificidades que o fazem um continente, extrapolam estas referências cartesianas; assim como uma linha é insuficiente para comunicar as transformações no tempo. A cidade contemporânea é a confusa articulação de uma série de camadas e na oposição, o propósito destes códigos cartesianos “é de dar significado ao mundo, 9 mas eles podem se tornar opacas para ele, encobri-lo e até mesmo substituí-lo”. Afinal, como coloca De Certeau, na cidade “sua massa fervilhante é uma coleção inumerável de singularidades. Seus caminhos entrecruzados dão sua forma aos espaços. Eles unem lugares e, assim, criam a cidade por meio de atividades e movimentos diários.”10 Sendo assim, para atuar ou intervir em um espaço urbano, proponho apreender o significado das camadas ocultas que “não são localizadas; 10 são, antes, os responsáveis pela espacialização” e que se revelam apenas na experiência no espaço.

9. FLUSSER, Vilém.2007. pág. 143

10. HARVEY, David. 1989. pág. 197

no. 7


Referências

NORTE SEA LEVEL

LATITUDE

LONGITUDE

OESTE

LESTE

SUL

L. F


A imagem ao lado ilustra a impressão de uma área fracionada pela congestão do desenho do sistema viário desta região. De um lado, a região da Av. Paulista em movimento, em transformação, em velocidade. De outro, no sentido do bairro Pacaembú, uma área mais calada, solidificada. A praça Marechal Cordeiro de Farias, originalmente o ínicio da Av. Paulista agora se apresenta de forma descolada e autônoma, como um continente que contém sua própria existência. E, o quarteirão da rua Vinícius de Morais, ilhado, pairando entre avenidas e viadutos.

no. 8


Continente

L. G


Sobre o oculto

11. MORRIS, Robert. 1978. pág. 412.

12. PALLASMAA, Juhani. 1986. pág. 485.

Os movimentos, as escolhas de caminhos e o aquietar-se neste continente, são a expressão influenciada pelos limites colocados pelos elementos físicos/materiais e em um nível de consciência baixo, sob aspectos imperceptíveis/imateriais. Chamo estes aspectos de ocultos, justamente por sua inegável existência e atuação, entretanto não são vistos, esbarrados, apoiados nem tangíveis; apenas experienciados no momento presente. Percebi a praça como continente para além de sua superfície, medidas e objetos. O enxerguei também pelo seu desenho ampliado, distorcido, tridimensional e comportamental, traçado também pela luminosidade, pelos estímulos sonoros, pelas estabilidade e instabilidade da superfície e pelo comportamento de seus usuários. Afinal, são estes os aspectos que iluminam as alternativas de uso de um espaço, e até mesmo a manipulação destas camadas ocultas para a criação do espaço desejado; por exemplo, a adoção de um sistema de calefação. Assim, o conhecimento desse espaço, como disse Morris, “é menos visual e mais cinestésico-temporal do que em relação às construções que têm gestalts claras, como formas exteriores e interiores. Qualquer coisa que é conhecida mais pelo comportamento do que pela imagem encontra-se mais ligada ao tempo, constitui-se em mais uma função da duração do que daquilo que pode ser apreendido como um todo estático. O nosso modelo de presentidade começa a ser preenchido. Ele tem a sua localização no comportamento facilitada por certos espaços que aglutinam o tempo mais do que as imagens.”11 A análise fenomenológica, tem a abordagem justamente de se atentar a estas dinâmicas que estão para além de sua presença física, e sobre isso, Juhani Pallasmaa, diz que “a fenomenologia da arquitetura é ‘olhar, contemplar’ a arquitetura a partir da consciência que a vivência, com o sentimento arquitetônico em oposição à análise das propriedades e proporções físicas da construção ou de um quadro de referencia estilístico. A fenomenologia da arquitetura busca a linguagem interna da construção”.12

no. 9


A atuação do invisível no visível

Trinta raios convergentes no centro Tem uma roda, Mas somente os vácuos entre os raios É que facultam seu movimento. O oleiro faz um vaso, manipulando a argila, Mas é o oco do vaso que lhe dá utilidade. Paredes são massas com portas e janelas, Mas somente o vácuo entre as massas Lhes dá utilidade – Assim são as coisas físicas, Que parecem ser o principal, Mas o seu valor está no metafísico. Too Te Ching

L. H


Sobre representação

As ferramentas de representação conhecidas pela arquitetura são do tipo construtivas, tem como finalidade uma imagem totalizante e esquemática da viabilidade de um espaço e sua expressão se dá em planos, elevações e códigos construtivos. Portanto, discursar sobre o oculto, uma vez que este precisa se apresentar como uma imagem, se torna um desafio representativo - ainda mais quando a abordagem é uma manifestação particularmente individual. Neste ponto, se o oculto é percebido apenas na experiência temporal do espaço, não há nenhuma gramática adequada de representação ou de sua reprodução. Se a revelação destas experiências espaciais são representadas, as proposições construtivas (projeto de arquitetura) poderiam ser consideradas mais como significações do que representações; justamente por se tratar de códigos e signos construtivos. Parte do tema desta narrativa é a compreensão das transformações físicas da cidade contemporânea para acomodar um novo desejo de significação de um determinado espaço. A representação se aproxima de uma interpretação e não se pretende mimetizar a realidade, já a significação depende de uma proposição que pode ser aplicada a realidade. Ou seja, a representação aqui aparece como elemento gráfico, plástico, sugestivo, interpretativo, e, para isso, a manipulação e abstração das ferramentas (de extrema precisão utilizadas na arquitetura) e a incorporação de métodos de sistematização, são neste trabalho, a atividade essencial para representar a oculto como ferramenta de significação do espaço.

no. 10


Representar e Significar

não-arquitetura

representar

oculto diagrama imaterial percepção

detectar eventos monitorar ações sistematização experiência

espaço

significar

arquitetura

codificação projeto proposição construtiva resposta

físico estrutura material vivência

L. I


Estabilidade e Instabilidade

13. SERRA, Richard. 1973. pág. 184.

14. SERRA, Richard. 1973. pág. 182.

A cidade é uma sobreposição de matéria desde seu subsolo desconhecido até os elementos visuais, concretos que compõe uma paisagem. É a linha da superfície que delimita o encontro da camada inferior com a camada superior que se exibe como um desenho e decisões de materialidade e sua composição. A questão da instabilidade versus estabilidade, aqui, se refere à sensibilidade desta linha superfície e de como as decisões de composição material para a construção de uma cidade, podem interferir na maneira que experenciamos a dualidade peso x leveza. Robert Smithson, ao tratar da landart faz um paralelo entre a cidade e a terra para dizer que “a verdadeira dilaceração da crosta da terra algumas vezes é muito arrebatedora e parece confirmar o fragmento 124 de Heráclito: ‘O mundo mais belo é como um monte de pedras lançado em confusão’. A cidade dá a ilusão de que a terra não existe. Heizer chama os seus projetos de terra de ‘a alternativa ao sistema absoluto da cidade’”.13 Uma superfície que está enraizada com maior densidade material no subsolo, dá a impressão de uma área mais estável, por outro lado, camadas de concreto intercaladas com material de menor densidade ou com o imaterial (ar, por exemplo) causa uma sensação de instabilidade desta linha da superfície. Como foi elucidado no capítulo da retomada histórica, o entorno do continente Marechal Cordeiro de Farias foi sujeito de grandes obras infra estruturais (viadutos, pontes, túneis e a demolição integral e parcial de quarteirões), e por fim, evidenciando áreas que ficaram intocadas ao longo do tempo e outras que parecem sobrevoar. O grande movimento da cidade nesta parte dela, faz com que a região mais próxima, a Avenida Paulista trema e ruía. A praça, em contraponto, está acolhida, fincada e estável. Nestes mesmos termos, o continente permanece quieto, imóvel, em relação ao seu entorno em constante movimento imaterial (em forma de transições, velocidade, passagem). “A superfície da terra e as ficções da mente têm um modo de se desintegrar”14 na experiência e percepção desta área e, que, por fim, revelam as áreas caracterizadas por transitórias (instáveis no ponto de vista da linha da superfície) ou de permanência (estável).

no. 11


ANEXO 11 J L. J


Concentração e Dissipação

Um outro aspecto oculto, mas notadamente atuante na criação de espaços imateriais, são os estímulos sonoros gerados por um conjunto de agentes (subsolo viário, maquinaria e obras, automóveis, transeuntes, telefones, ar-condicionado, até mesmo dos pássaros). Ao caminhar da Avenida Paulista ou da Consolação em direção ao continente, se atento, é possível perceber o efeito espacial desses sons: em um extremo, seus estalos, choques, latejo e pulsação criam espaços fictícios comprimidos e concentrados; no outro, um espaço aquietado, amplo e dissipado. As figuras da concentração e dissipação em oposição, reforçam o argumento de que o desenho deste continente toma dimensões para além de sua superfície (em seu estado presente, o único plano vivenciado fisicamente é a superfície) – este desenho, se estica, se estende, se amplia para todas as direções. Os sons correm e percorrem tanto no nível de seus agentes até evaporarem para alcançar níveis distantes de sua fonte.

no. 12


ANEXO 12 K L. K


Do objeto para a ação

15. PIGNATARI, Decio. 2004. pág. 155

Os mapas anteriores (a linha do tempo construída a partir da permanência e das transformações, o da estabilidade e instabilidade e o da concentração e dissipação) elucidam a imagem de que um espaço pode ser visto e entendido para além de seus limites físicos/construídos, cartesianos. Desta forma, o continente, se configura tanto no âmbito de uma narrativa histórica, como na dualidade entre espaços de maior ou menor conforto segundo os estímulos causados pela superfície e pelo deslocamento sonoro. Já este último mapa parte da interpretação dos elementos que compõe seu inventário, dos objetos que tem função estrutural – de delimitação espacial, de iluminação, de apoio, de sombrear e assim por diante. Na observação e registro de como os usuários se comportam e usam este espaço, é possível traçar a atuação destes objetos no espaço. Na perspectiva da semiótica, Decio Pignatari em “A mensagem Arquitetônica” coloca que “o arquiteto, individual ou coletivo, é o criador-emissor da mensagem, na qual materializa uma certa manifestação qualitativa da mensagem arquitetônica, incluindo “traduções” extracódigos, linguagens e signagens (visual, verbal, comportamentístico, etc.) que, no entanto, são subsidiários e minoritários. Já o receptor, ou o público em geral, “lê” a mensagem através do uso efetivo. Como, porém, o código arquitetônico não é hegemônico em seu repertório, tende ele a traduzi-los em termos extracódigo, em termos de outros códigos e signagens – que aqui já não são subsidiários”.15

no. 13

Uma mureta por exemplo, a partir de um entendimento a priori, delimita um espaço, pois emite a mensagem de que por ali não é possível transpassar. “Pode-se dizer que, à mensagem do emissor (no nosso caso, a mureta), o receptor retruca com uma contramensagem” que se manifesta em uma maneira distinta de se ocupar aquela mureta: apoiar os pés, braços, costas e até outros objetos, se debruçar, sentar, etc. São estas atuações que indicam o desdobramento desses elementos para além de sua função. Este último mapa, pretende estabelecer a relação entre os objetos e a maneira a qual este espaço é interpretado revelando as áreas de maior Permanência. Para isso, os objetos identificados no continente são ilustrados em um inventário, logo, catalogados a partir de sua atuação (impedir, desviar, transpassar, equilibrar, abrigar, ocultar) e as atuações foram medidas a partir de sua influência (limites 10, 5, 0). Para ilustrar, a mureta tem uma atuação de impedir que é aplicada ao limite 10, portanto a mureta implica também em um limite 5 porque é necessário desvia-la em seu percurso. Os limites foram classificados a partir de cores e aplicados nos dois planos os quais os objetos atuam: o da copa das árvores e o da superfície. Por fim, a sobreposição destes dois mapas comprova as áreas de maior permanência: onde não há obstrução de caminho (limite 0), combinado com as copas das árvores (limite 10) que sombreiam, se configura no espaço onde havia maior permanência.


PermanĂŞncia

ANEXO 13 L L. L


Figura da Dissolução

Apresento este trabalho com a inquietação a respeito das figuras, com curiosidade em entender e traçar os procedimentos de interpretação da cidade contemporânea. Neste ponto, devo assumir, que todas as figuras (da continuidade, da concentração, do equilíbrio, do corpo e da fragmentação) mencionadas todavia são exercidas na criação de espaços no urbano, afinal, é consensual a noção de que a cidade contemporânea se trata justamente da expressão da multiplicidade de desejos e respostas para a mesma. Mas, ao final desta jornada, devo incluir uma nova figura: a da Dissolução. As percepções deste pequeno trecho da cidade - que para além de seu porte, manifesta muitas questões reproduzidas na cidade de São Paulo – todas apresentam a dissolução de um aspecto concreto/físico/material para seu extremo sensível, imaterial: um continente que é oculto, uma narrativa histórica para iluminar suas transformações que são ocultas a estética da cidade, do estável para o instável, da concentração para a dissipação, do objeto para a ação. Este contínuo movimento entre o material e o imaterial, é intrínseco ao tema da obsolescência, à transformação, à ressignificação.

no. 14


Proposição

15. MORRIS, Robert. 2008. pág. 406

Para pensar e logo, atuar, neste continente, um espaço essencialmente público, devo reiterar o que Robert Morris, em “O tempo presente do espaço”, discursa sobre a experiência espacial: “Como existem dois tipos de selves (o eu e o mim), existem dois tipos fundamentais de percepção: aquela que diz respeito ao espaço temporal e aquela que diz respeito aos objetos estáticos imediatamente presentes. O eu que é essencialmente sem imagem, corresponde à percepção do espaço se desdobrando no contínuo presente. O mim, um constituinte retrospectivo (de linguagem, imagens, juízos, que nunca podem coexistir com a experiência imediata, mas a acompanha em partículas e pedaços), estabelece um paralelo com o modo de percepção do espaço. (...) No primeiro caso quem percebe circunda (eu), no segundo é circundado (mim).”16 Isto para dizer, que, um espaço visitado e usado por trinta pessoas em um dia, passa a ser também, trinta espaços - percebidos - diferentes. A significação, como um projeto, deve reverenciar a importância e influência dos elementos imateriais na atuação e uso destes espaços livres. Dessa forma, uma intervenção que se manifesta no âmbito oculto, permitiria a múltipla ressignificação.

no. 15


O mapa da Permanência revelou os pontos de concentração dos usuários na praça (permanência existente), e, assim, escolhi outros pontos para adicionar objetos que possam promover maior interação entre o público e o continente (permanência proposta). A intervenção são postes de diferentes alturas que geram energia a partir da incendência de luz solar e transmitem internet. Os objetos são estruturais, físicos, mas sua função é exercida no âmbito oculto, possibilitando dessa maneira, a interpretação de uso do público.

no. 15

proposta

permanência

“O discurso cultural envolve uma hierarquia de representações. Essas representações procedem das intenções individuais para as manifestações, para as reproduções e para as interpretações daquelas manifestações individuais. A cada nível de transformação nessa cadeia de representações que se ampliam, um ruído adicional entra no sistema. (...) Duchamp notou esses ruídos que intervinham entre a intenção e a realização do artista e, mais uma vez, entre a realização e a interpretação do público”

existente

16. MORRIS, Robert. 2008. pág. 416


Um projeto oculto

L. M


Postes de iluminação de 8 e 2,5 metros com o dispositivo de células solares que convertem luz solar diretamente em energia elétrica por intermédio do efeito fotovoltaico

Postes de energia elétrica de 2 metros de altura, com tomadas para conexão. Energia gerada pelo mesmo sistema dos postes de iluminação.

L. M

Postes de 1,5 metro de conexão WiFi.


Um projeto oculto

A chave Voltando certa vez para casa, á noite, um vizinho encontra o mulá de quatro no chão, como se procurasse algo. - Perdeu alguma coisa, Nasrudin? - Oh,sim. – responde ele – Minha chave. Já fiz de tudo e não consigo encontrá-la. O vizinho, que era uma pessoa generosa, solidária, põe-se também de quatro com Nasrudin, para ajudá-lo a encontrar a chave. Passam-se vinte, trinta minutos, e o vizinho volta a perguntar: - Tem certeza de que a perdeu aqui? Responde o mulá: - Aqui? Não. Eu a perdi lá em cima, perto de minha casa. - Mas então por que razão nós a estamos procurando aqui? Pode por acaso me esclarecer isso? E o mulá: - É que aqui há mais luz. Como queria que eu encontrasse o que quer fosse naquela escuridão toda lá de cima? Conto de Mulá Nasrundin

L. M


Bibliografia

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AZEVEDO, Francisco F. dos Santos. Dicionário Analógico da língua portuguesa. Editora Lexikon. Rio de Janeiro, 2014.




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