Revista Científica da Escola Superior de Advocacia: Direito das Mulheres - Ed. 33

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as diferenças das circunstâncias sociais, econôEm resumo, não haverá atuação arbitrária e micas e culturais das partes. Somente se estiver desmedida quando da atuação parcial e positiva consciente da totalidade dessas circunstâncias, do magistrado, mas, de modo contrário, a condué que o juiz estará em condições de ser etica- ta pautar-se-á na equidade e razoabilidade. mente imparcial56.

4.3 A CONDUÇÃO PROCESSUAL PARCIAL E POSITIVA EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Conforme mencionamos no início deste estudo, a Constituição Federal impõe como objetivo da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade justa e solidária, visando a erradicação das desigualdades sociais. No entanto, o convívio social nos acorda para uma realidade triste, onde a garantia fundamental da igualdade é observada somente na teoria, não sendo ouvida e aplicada na prática cotidiana.

Ademais, como abordado anteriormente, a perpetuação cultural de degradante submissão do ser mulher é tamanha no território brasileiro que se fez necessária a promulgação de legislação específica para a proteção desta minoria social. A Lei Maria da Penha, ressoando o que determina a Constituição Federal, é verdadeira discriminação positiva, desequilibra a balança de homem-mulher para fazer equidade no tratamento jurídico.

Em análise sistemática, o reconhecimento da condição vulnerável da mulher vítima de violência doméstica e familiar com a consequente aplicação das prerrogativas dispostas na Lei Maria da Penha, nada mais é do que exemplo gritante da parcialidade objetiva do juiz na conNo entendimento de Soraia da Rosa Men- dução processual. des57, “o direito não passa incólume ao simboDo mesmo modo, a atuação positiva do malismo de gênero e menos ainda ao patriarcado”, gistrado também pode se dar, nestes casos, na razão pela qual o processo pode servir de instruinstrução processual, com a produção e valoramento para produzir e reproduzir as desigualdação adequada da prova. des cotidianas. Com efeito, Mendes aponta para o fato de Na visão penalista da doutrinadora, judiciáque até mesmo a produção da prova, que segue rio por vezes é palco de machismo e misoginia, parâmetros objetivos, pode ser maculada pelo pois “não é possível compreender os processos ponto de vista patriarcal, infectando todo o dede criminalização e vitimização das mulheres senrolar processual: sem que se considerem crenças, condutas, atitudes e modelos culturais, bem como o modus O sistema de justiça criminal, do qual o operandi das agências punitivas estatais em re- processo é instrumento, orienta-se a partir de lação a elas”58. estigmas criados e alimentados pelo patriarAs mulheres, grupo social considerado historicamente vulnerável em razão da extensa trajetória de opressão e violência que se alastra até os dias atuais, frequentemente são revitimizadas ao buscarem amparo jurisdicional.

Em verdade, a condição de vulnerabilidade cado. Eis aí o nascedouro e o lugar onde se atribuída ao gênero feminino não é, nem de lon- assentam, por exemplo, a desconfiança em ge, infundada. relação à palavra da mulher e a inexistência

de forma “humanizada” de colheita de seu

56 SOUZA. Ibidem, p. 231-232. 57 MENDES, Soraia da Rosa. Processo penal feminista. São Paulo: Atlas, 2020, p. 92-93. 58 “[...] portanto, seja quanto à criminalização, seja quanto à vitimização das mulheres, exige uma fundamentação criminológica igualmente feminista para qual é imprescindível considerar como o patriarcado manifesta-se de modo a institucionalizar o domínio masculino que se estende a toda a sociedade, garantindo que os homens assumam os espaços públicos de poder, e que as mulheres sejam relegadas ao privado” MENDES. Ibidem, p. 92.

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