O Feminismo em Santa Catarina:
fragmentos de uma história vivida fragmentos de uma história vivida
Clair Castilhos
Livreto_Clair2.indd 1 07/12/2019 13:10:50
Livreto_Clair2.indd 2 07/12/2019 13:10:50
O Feminismo em Santa Catarina
fragmentos de uma história vivida
Publicação comemorativa dos 30 anos da Casa da Mulher Catarina
Autoria: Clair Castilhos
Para comemorar os 30 anos de existência da Casa da Mulher Catarina, da qual sou presidenta nesta atual gestão, nosso grupo decidiu publicar o presente material.
Trata-se de uma breve história do movimento feminista e de mulheres em Santa Catarina, num espaço de aproximadamente 30 anos.
O relato não tem as características de uma História, no sentido acadêmico, por isto “O Feminismo em Santa Catarina: fragmentos de uma história vivida”: como o nome indica, são lembranças, fatos, recortes de jornais, fotografias, boletins informativos de atividades políticas e ações de militância.
Ao reunir todos esses fragmentos verificamos que havia uma trajetória vivida digna de ser registrada. Mostra a movimentação de mulheres de Santa Catarina que em diferentes momentos foram sujeitas de sua própria presença nos espaços políticos, artísticos, intelectuais, acadêmicos, populares, comunitários e partidários.
O mais importante desta publicação é a tentativa de legar para as mulheres que virão um retrato do esforço, da persistência e do protagonismo de diferentes mulheres de nosso estado na construção dos nossos feminismos.
Muitas lacunas existem, mas certamente, o que foi reunido de dados e informações irá contribuir para os estudos das lutas das mulheres catarinenses e, porque não, brasileiras.
Livreto_Clair2.indd 3 07/12/2019 13:10:50
Livreto_Clair2.indd 4 07/12/2019 13:10:50
03 SUMÁRIO Introdução 05 Algumas interfaces das lutas específicas e lutas gerais 07 O movimento de mulheres em Santa Catarina 08 Inserção nos espaços institucionais 16 Um pequeno parêntese para a participação política 17 Final do Século XX 19 Casa da Mulher Catarina 21 Sobre a autora 22 Livreto_Clair2.indd 5 07/12/2019 13:10:50
04 Livreto_Clair2.indd 6 07/12/2019 13:10:50
INTRODUÇÃO
Para falar da História do feminismo em Santa Catarina, optei por contar e descrever uma história vivida, reproduzida na forma de fragmentos e lembranças.
O intervalo de tempo é aproximadamente de 1970 a 2000.
A Década das Nações Unidas para a Mulher (1976-1985) foi um grande estímulo para o desenvolvimento do movimento de mulheres — no mundo, no Brasil e em Santa Catarina. Durante este período, o movimento de mulheres/feminista cresceu, acumulou força política e adquiriu visibilidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) simultaneamente reconheceu sua existência e passou a incluí-lo em sua agenda.
Também a partir dessa década, o movimento feminista começou a superar a perplexidade com as descobertas das causas e motivações da discriminação e opressão histórica sobre as mulheres, com a procura incansável de informações nos documentos históricos, religiosos, filosóficos e na literatura mundial, assim como na observação dos costumes e hábitos do cotidiano. E todo o mundo patriarcal foi descortinado, analisado e denunciado na sua rudeza e cruel iniquidade.
Nessa época ocorreu no Brasil uma intensa produção de literatura feminista, pesquisas, materiais e práticas educativas. Pode-se afirmar que, a partir daí, surgiu a assim denominada “pedagogia feminista”. Essas tarefas se desenvolviam nos grupos, com oficinas, vivências, observação do próprio corpo e do fortalecimento da auto-estima. Exercícios para descobrir uma identidade comum e como se mostravam as diferentes formas de discriminação e exclusão. Foi uma busca incessante de espaços e de afirmação.
05
O Feminismo em Santa Catarina: fragmentos de uma história vivida
Livreto_Clair2.indd 7 07/12/2019 13:10:50
06
Livreto_Clair2.indd 8 07/12/2019 13:10:53
O Feminismo em Santa Catarina:
ALGUMAS INTERFACES DAS LUTAS ESPECÍFICAS E LUTAS GERAIS
Os anos 70 marcaram a expansão do movimento de mulheres no Brasil e sua inserção na luta contra a ditadura militar e pela redemocratização do país. Santa Catarina esteve presente em toda essa trajetória.
Os movimentos feministas dos anos 70 e 80, em geral, somaram a luta pela democracia à luta contra a desigualdade de gênero. Foi o tempo em que surgiu o Movimento Feminino pela Anistia que também teve presença marcante em SC. No Brasil, esses movimentos foram reinterpretados, em função das crises e reivindicações específicas vividas pelo país. Entre estas especificidades, podemos considerar causas relevantes como a alteração política sofrida pelo país após o golpe militar de 1964 e a violenta e progressiva deterioração da qualidade de vida da população. No caso brasileiro e de Santa Catarina, um outro importante movimento social veio se associar a esses no mesmo período: o movimento sanitário, que lutava pela reforma sanitária, norteado por uma visão ampla de saúde.
O movimento de mulheres, tanto nacional como catarinense, sempre manteve estreita relação com a temática de saúde. Em 1986 ocorreu a 1ª Conferência Nacional de Saúde da Mulher, como desdobramento da histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde. Em SC foram realizadas as etapas regionais das duas conferências.
De um modo muito especial, o movimento feminista, seja pela associação de interesses com o movimento sanitário nos anos 80, seja pela dupla militância de parte de seus quadros desempenhou papel relevante na conformação do Sistema Único de Saúde - SUS, assim como o faz hoje, junto ao controle social dos serviços.
07 fragmentos de uma história vivida
Livreto_Clair2.indd 9 07/12/2019 13:10:53
O Feminismo em Santa Catarina:
O MOVIMENTO DE MULHERES
EM SANTA CATARINA
No nosso estado, o movimento de mulheres sempre esteve bastante vinculado ao movimento nacional. O ano de 1975, 1º ANO INTERNACIONAL DA MULHER, demarca o início do chamado “novo feminismo”.
Nessa época, a participação mais orgânica e incisiva era das mulheres do PMDB. Tanto que, já preocupadas com a reforma partidária e as eleições, enviaram em 21 de março de 1980 um documento ao Tribunal Superior Eleitoral manifestando repúdio ao artigo 28 ítem 4 do Decreto nº 10.785, que dava instruções para a extinção e funcionamento dos partidos políticos e limitava a participação das mulheres apenas como órgão de cooperação, enquanto outros grupos organizados, como a juventude e os trabalhadores eram instâncias deliberativas, tais como parlamentares, executivas dos diretórios, entre outros.
Em Santa Catarina o movimento de mulheres como um todo, começou a ter mais visibilidade após o 1º Encontro Estadual da Mulher Catarinense, realizado em Itajaí, em 19 de outubro de 1980. Até então, era conhecido apenas um grupo feminista autônomo, o “Coletivo Feminista Amálgama”, composto por professoras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O Jornal de Santa Catarina, de circulação estadual, naquela terça-feira, dia 21 de outubro de 1980, estampou a seguinte manchete: “500 mulheres reúnem-se no seu primeiro encontro”. Foi a primeira grande manifestação pública, onde estiveram presentes mais de 500 mulheres. O encontro teve um forte e decidido apoio, na época, do PMDB, através do movimento de mulheres do partido (que se iniciava já com influência do movimento feminista), de professoras e estudantes da UFSC, e das secretarias de desenvolvimento social, principalmente dos municípios de Lages e Joinville.
Os temas centrais do encontro foram: a mulher e a saúde, a mulher e o trabalho, a mulher e a sociedade. Além das mulheres que participaram desse encontro, fizeram-se presentes vários representantes políticos, homens na sua maioria, que acompanharam os trabalhos.
O evento foi suprapartidário e promovido por diferentes entidades, tais como a
08
Livreto_Clair2.indd 10 07/12/2019 13:10:53
Comissão de Justiça e Paz, União Catarinense de Estudantes (UCE), Diretório Central de Estudantes (DCE), Sindicato do Vestuário de Criciúma, Associação dos Licenciados de Santa Catarina (ALISC), Associação dos professores da Universidade Federal de Santa Catarina (APUFSC), e os partidos PT, PDT e PMDB.
É interessante ver que, através de ações do movimento de mulheres, embora incipiente, esse encontro foi mobilizador de um conjunto de entidades. Não eram feministas, talvez tivessem uma perspectiva eleitoral e de ampliação de seus quadros com a inclusão das mulheres, mas essa característica do período ajudou a disseminar as ideias e as reivindicações das mulheres. Mas com o grande número de mulheres presentes predominou de forma marcante um discurso nitidamente feminista.
Após o sucesso do 1º Encontro da Mulher Catarinense foi constituída uma comissão, formada por várias entidades e representantes dos municípios presentes, para coordenar a continuidade dos trabalhos. Ampliou-se, assim, a diversidade das entidades organizadoras. Entre estas cabe destacar, além das anteriores, Clubes de Mães, Sociedade Catarinense de Sociologia, Sindicato do Comércio, Sindicato Médico e Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES. Desta maneira houve comemorações referentes ao dia 8 de março em vários municípios e no ano de 1981, em 16 de agosto, foi realizado o II Encontro da Mulher Catarinense, em Chapecó.
No encontro de Chapecó, ampliou-se a pauta de discussões, tendo sido abordados assuntos desde problemas gerais como a luta contra a carestia, creches, salário igual para trabalho igual, contra o desemprego, pela reforma agrária, além de saúde, exploração do corpo da mulher nos meios de comunicação, educação diferenciada para meninos e meninas, entre outros. O público era composto de mulheres, na sua maioria originárias do meio rural. Muitas camponesas eram vinculadas às Comunidades Eclesiais de Base. Portanto, uma base religiosa, originária da Teologia da Libertação. Já de início foi avisado que era vetado falar sobre aborto.
O tema proibido motivou a formação, num dos alojamentos do seminário onde se realizava o encontro, do embrião do Grupo Feminista Vivências, o segundo de Florianópolis. No entanto, as deliberações contemplaram as principais pautas do movimento e também pautas gerais, nacionais e internacionais. Chamou a atenção a leitura pelo Padre Jandir Santin de uma mensagem enviada pelas mulheres de El Salvador pedindo apoio e orações para a luta de libertação daquele país.
Ainda em 1981, a Associação dos Licenciados de Santa Catarina (ALISC), que posteriormente transformou-se no Sindicato dos Trabalhadores da Educação, cuja
09 fragmentos
de uma história vivida
Livreto_Clair2.indd 11 07/12/2019 13:10:53
O Feminismo em Santa Catarina:
base é majoritariamente de mulheres, publicou no seu jornal nº1 ano 1, um artigo cujo título era “A mulher e sua luta”. Tratou-se de um importante apoio e adesão às lutas das mulheres.
Ao aproximar-se o período eleitoral das eleições gerais de 1982, a primeira eleição livre para governadores dos estados, ainda durante a vigência do golpe militar de 1964, as mulheres do PMDB realizaram um grande encontro em Blumenau, com a participação de cerca de 800 mulheres. Elas exigiam, maior participação na política, maior protagonismo nas decisões partidárias, cobrança de formulação e implementação de políticas sociais, além de mudanças no código civil. Essa era uma pauta nacional, encabeçada pela candidatura a Deputada Federal do PMDB, por São Paulo, da advogada feminista, professora Silvia Pimentel e da advogada Floriza Verucci.
Em 1983, em Blumenau, como continuação às comemorações do dia 08 de março, ocorreu a manifestação das Soroptimistas (clube de serviços composto por mulheres de classe média, muito presente na época) e também se registrou a primeira sessão especial da Câmara Municipal de Florianópolis, comemorativa à data.
A partir dessas movimentações, atos públicos, encontros em plenárias, atividades comemorativas do dia internacional da mulher o movimento foi-se expandindo em Santa Catarina. Começaram a ter nitidez as bandeiras mais específicas do movimento feminista tornadas públicas principalmente pelos Grupos Feministas Amálgama e Vivências, de Florianópolis
O maior evento foi um encontro do 8 de março, que juntou quase 300 mulheres, no auditório da Prefeitura Municipal de Florianópolis, organizado por estes grupos. Neste mesmo dia também um grupo de mulheres em São José promove uma intensa programação. Coincidindo com essas atividades práticas de militância e ações reivindicativas, teve iniciou-se também a divulgação de textos do Grupo de Estudos da Mulher do Departamento de Assuntos Culturais da UFSC, cuja titular era a profª Zuleika Lenzi, feminista que fora integrante do Grupo Vivências.
No dia 6 de março de 1983 aparece na imprensa local de Florianópolis uma matéria sobre a mulher e as lutas para compatibilizar o trabalho com a vida doméstica. Uma entrevista com a advogada da Delegacia Regional do Trabalho sobre a obrigatoriedade das creches, no local de trabalho ou moradia informava que, das 593 empresas que eram obrigadas a ter creches, apenas 40% cumpriam essa determinação da Convenção de Leis Trabalhistas.
Em 1984, no dia 8 de março, tiveram início as movimentações com foco nas elei-
10
Livreto_Clair2.indd 12 07/12/2019 13:10:53
ções diretas. No dia 29 de março de 1984, em frente à Catedral Metropolitana, em Florianópolis, ocorreu o comício das “Diretas – Já”, com a participação de aproximadamente 20.000 pessoas. As mulheres marcaram presença, com toda uma formulação visual específica, bem humorada e irreverente.
No ano de 1985, a participação das mulheres através de movimento organizado passou a ser intensa, agregando espaços para as lutas feministas e também o processo inverso utilizando datas comemorativas das mulheres para manifestações de apoio à democratização do país. Manifestações das mulheres trabalhadoras rurais em Chapecó e das mulheres de Florianópolis com atividades na histórica figueira da Praça XV, com o lançamento por diversos grupos de mulheres e pela vereadora Clair Castilhos, das bases para a criação do “Conselho da Condição Feminina”.
O evento na Praça XV contou com venda e exposição de livros, uma vistosa faixa do Centro Político Cultural Anita Garibaldi. Com a chegada da Cooperativa do Artesão da Praça XV começou o ato com a apresentação pelo ator Severo Cruz da bruxa Mariah, uma bruxa revolucionária. Em Itajaí, a liderança das mulheres, Anita Pires, também conclama na Câmara Municipal a criação do Conselho Municipal da Mulher.
Os artigos nos jornais sobre a situação das mulheres, passaram a ser uma constante, de onde se interpreta que alcançaram interesse amplo na mídia.
Nesse mesmo 8 de março de 1985 também são publicados artigos de autoria de Cleidi Albuquerque e Neusa Dias, e também do Deputado Federal do PMDB Luiz Henrique da Silveira.
Em 24 de novembro de 1985, quando se aproximava o ano eleitoral, começou a mobilização com vistas à Assembleia Nacional Constituinte. Nesse clima foi realizado o III Encontro de Mulheres de SC no município de Lages. Foi um encontro muito tenso, pois houve enfrentamento entre várias possíveis candidaturas femininas de partidos diferentes, principalmente entre PT e PMDB.
O tema central foi “A mulher e a constituinte”, sendo o último encontro, dessa natureza realizado até o advento das conferências estaduais promovidas pela Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres.
Cabe ressaltar que a grande articuladora dos três encontros estaduais da década de 1980 foi a ativista dos direitos da mulher e liderança do PMDB, Anita Pires. Houve uma participação múltipla e diversificada de entidades e organizações da sociedade civil, trabalhadores e trabalhadoras, voluntárias sociais, sindicatos, OAB, entre outros.
Ainda em 1985, ocorreu o 1° Encontro Nacional da Mulher Profissional do
11 fragmentos de uma história vivida
Livreto_Clair2.indd 13 07/12/2019 13:10:53
O Feminismo em Santa Catarina:
Direito, nos dias 17, 18 e 19 de outubro. As atividades foram na Assembleia Legislativa e reuniram as mais importantes intelectuais, militantes, juristas, desembargadoras, delegadas de polícia e todas as demais mulheres que lutam para, no Brasil, conquistarem seus plenos direitos e obrigações. Foi uma atividade de ampla repercussão no meio político e jurídico.
Referências documentais
[1] Jornal de Santa Catarina, 21/10/1980 – 500 mulheres reúnem-se no seu primeiro encontro
[2] Boletim Informativo do Movimento de Mulheres de Santa Catarina
[3] Relação das integrantes do Grupo Vivências
[4] Recorte do ALISCÃO Ano 1, nº 1; 1981
[5] Jornal de Santa Catarina, 27/04/1982 – Mulheres do PMDB exigem maior participação na política
[6] Jornal O Estado, 06/03/1983 – Trabalhadora e mãe: a difícil luta na sociedade machista
[7] Jornal O Estado, 08/03/1984 – No seu Dia, mulheres também vão à luta pelas ‘Diretas Já’
[8] Panfleto de divulgação do IIIº Encontro de Mulheres de SC
[9] Folheto com a programação do 1º Encontro Nacional da Mulher Profissional do Direito [1]
12
Livreto_Clair2.indd 14 07/12/2019 13:10:55
13 fragmentos de uma história vivida [2] [3]
Livreto_Clair2.indd 15 07/12/2019 13:10:55
[4]
14
O Feminismo em Santa Catarina: [5]
Livreto_Clair2.indd 16 07/12/2019 13:10:57
[6] [7]
15 fragmentos de uma história vivida [9] [8] Livreto_Clair2.indd 17 07/12/2019 13:10:58
INSERÇÃO NOS ESPAÇOS
INSTITUCIONAIS
No ano de 1982 se deu a primeira aproximação do movimento de mulheres com a gestão pública, a partir da instituição, em 1983, dos dois primeiros Conselhos da Condição Feminina no país: o de São Paulo, após a eleição de Franco Montoro, e o de Minas, com Tancredo Neves.
A efervescência dos movimentos sociais e, especialmente, o amplo debate sobre saúde que se deu no Brasil na década de 80, provocaram muitos encontros do movimento feminista, a fim de discutir e encaminhar as questões. Em 1983 foi formulado, no interior do Ministério da Saúde (MS), o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Esse foi o grande marco conceitual de uma política pública de saúde que superava o antigo modelo de Assistência Materno-infantil. Esse programa foi elaborado por mulheres feministas, profissionais de saúde e que eram técnicas do MS.
Em 1984 ocorreu então o 1º Encontro Nacional de Saúde das Mulheres, realizado em Itapecerica da Serra (SP), cujas proposições contribuíram de modo inegável para a definição de políticas sociais do interesse das mulheres.
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça, foi instalado em 1985 e atua até os dias de hoje [18]. No final do governo Fernando Henrique Cardoso foi criada a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, com reconhecido impacto institucional, respondendo às demandas em articulação com o movimento nacional de mulheres. No governo Lula, a Secretaria passa a ter status de Ministério e na reforma do governo Dilma foi novamente passada à condição de Secretaria.
Em Santa Catarina, o movimento de mulheres do PMDB, ainda em 1985, nessa aproximação institucional, pressiona e consegue a instalação de uma Delegacia de Polícia Especial para atender os casos de violência contra a mulher, cuja primeira delegada nomeada foi a Dra. Ester Coelho Cardoso, encaminhando a criação dos conselhos nos municípios de Itajaí e em mais municípios da fronteira do Oeste de SC. Em nota do Boletim do “PMDB Mulher” de Santa Catarina, o ano de 1985 trouxe avanços consideráveis para as mulheres brasileiras, com a criação do Conselho Nacional da Mulher,
16
O Feminismo em Santa Catarina:
Livreto_Clair2.indd 18 07/12/2019 13:10:58
e instalação do Conselho Estadual da Condição Feminina no Paraná, em Curitiba.
Em 1986, na instância municipal de Florianópolis, foi criado legalmente o Conselho da Condição Feminina, porém este se manteve inativo por vários anos. Após a eleição de 1982, com a vitória de Pedro Ivo Campos (PMDB) para governador, no palanque de comemoração da vitória, no largo da Catedral Metropolitana as mulheres do PMDB reivindicaram a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina. No entanto, demorou um longo tempo até que ele fosse implementado.
Em 24 de outubro de 1987 foi realizado em Florianópolis o “Encontro Estadual A Mulher e as Leis Trabalhistas”. É importante observar que a questão da mulher foi encampada por outras entidades organizadas, que não somente os movimentos específicos. Esse encontro foi organizado por Sindicatos de Trabalhadores, Associações de Classe e Conselhos Regionais Profissionais.
Atualmente, o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, criado em 2001, está em pleno funcionamento e é composto por um conjunto de várias entidades que têm como referência o movimento feminista, além de mulheres governamentais e de organizações não-governamentais que atuam em parceria em diferentes atividades.
UM PEQUENO PARÊNTESE PARA A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
Com as eleições de 1982 para a Prefeitura e Câmara de Vereados de Florianópolis, foi eleita a primeira mulher como vereadora titular em 256 anos de história do município, Clair Castilhos Coelho.
Essa eleição foi o resultado de um trabalho coletivo de quase cem pessoas que compunham o comitê eleitoral. A heterogeneidade do coletivo que trabalhou para esse pleitofoi o grande traço marcante de todo o processo. Outra característica de maior relevância é que o trabalho de toda militância foi totalmente voluntário e construído em torno de uma proposta discutida e redigida pelo conjunto das pessoas alinhadas àquela ideia. Clair, como candidata, representava as aspirações e expectativas políticas daquele grupo. Uma candidatura em torno de ideias políticas nitidamente à esquerda e
17 fragmentos de uma história vivida
Livreto_Clair2.indd 19 07/12/2019 13:10:58
O Feminismo em Santa Catarina:
radicalmente contemporâneas.
Pela primeira vez na campanha eleitoral em Florianópolis, se ouvia falar em movimento feminista, mulheres negras, comida natural, acupuntura, fitoterapia, ecologia, estatização dos ônibus urbanos. Também era dito que a política acontecia no dia a dia, que ver aumentar o preço do pão, do leite, da água, da luz e não reagir, também era fazer política. Uma política da subserviência e da alienação.
Todas essas ideias estavam incluídas em um incisivo discurso contra a ditadura militar e a seguinte frase iniciava a abertura do material de propaganda: “Pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre, soberana e precedida da queda do regime militar”. Essa frase continha a palavra de ordem da esquerda, dentre os diferentes matizes da oposição ao regime militar, e delimitava o campo de atuação da candidatura [21].
Em primeiro de fevereiro de 1983 iniciou o mandato de vereadora na Câmara Municipal de Florianópolis. Em 7 de março do mesmo ano foi realizada a primeira sessão especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
“Essa sessão especial do 8 de Março foi consequência direta de um Seminário sobre Concepção, Aborto e Contracepção que ocorrera nos primeiros dias de março, no Hotel Copacabana Palace, organizado pelos grupos feministas do Rio de Janeiro. Ali conheci as feministas, pioneiras dessa fase, algumas retornando da Europa e Estados Unidos, onde ficaram em alguns momentos da ditadura. Eram as fundadoras e participantes dos grupos ‘Casa da Mulher Brasileira’, ‘Grupo Ceres’, ‘Centro da Mulher Brasileira’, ‘Mulherando’, ‘Eva de Novo’, entre outros. Fiquei literalmente alucinada com o número de informações, com as atitudes, discursos, produção de livros, panfletos, pesquisas e intervenções, durante o seminário, que aquelas mulheres produziam. Fascinada com tudo que vi e ouvi, voltei com a firme determinação de incluir Florianópolis e Santa Catarina no circuito do feminismo nacional”, revela Clair.
Após quatro anos, em 1986, foi eleita a primeira deputada estadual de origem dos movimentos populares. Uma mulher agricultora, chamada Luci Choinacki, que atuava na Pastoral da Terra, e que mais tarde integrou-se ao Movimento dos Sem Terra (MST), no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Descanso.
Em 1983, Luci havia se filiado ao Partido dos Trabalhadores, e dois anos depois assumiu a coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MTST) em Santa Catarina, filiando-se também ao Movimento de Mulheres Agricultoras do estado. Vinculada à tendência ‘Convergência Socialista’, foi a única deputada estadual constituinte eleita pelo PT em Santa Catarina naquele novembro de 1986.
18
Livreto_Clair2.indd 20 07/12/2019 13:10:58
FINAL DO SÉCULO XX
Em entre os anos 1980 e 1990 ocorreu a estruturação das redes de grupos de mulheres, organizadas segundo temas ou áreas de interesses. Foi então que surgiram as redes de saúde e direitos reprodutivos, violência, educação, direitos das mulheres, mulheres negras, entre outras.
As demandas aumentaram e em razão delas há uma transição do movimento feminista autônomo, para um modelo mais burocrático, ora financiado por agências internacionais, governamentais e ministérios, ora autofinanciado, no modelo associativo. São as organizações não-governamentais.
No plano internacional aconteceu em 1995 a “4ª Conferência Internacional da Mulher” que se insere no ciclo de conferências sociais promovidas pela ONU. Em Santa Catarina a Casa da Mulher Catarina participou da Articulação de Mulheres rumo da Beijing 95. Foi realizada uma atividade preparatória em Florianópolis, na UFSC e outra em Chapecó. E lá foram as mulheres, brasileiras e catarinenses, rumo à Beijing.
A Associação Casa da Mulher Catarina é, atualmente, uma das poucas organizações feministas no estado, não financiada, vinculada ao Departamento de Saúde Pública da UFSC. É uma entidade associada à Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, e por meio desta, participa da Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe.
Essas redes articuladas em nível nacional e internacional, significam na atualidade, a superação do estágio de denúncias e protestos e a transformação das bandeiras de lutastais como violência, saúde e direitos reprodutivos, educação, trabalho, luta contra a pobreza, participação política, entre outras - em propostas de intervenção nas instâncias de poder capazes de implementá-las. As bandeiras de lutas transformaram-se assim, em propostas de políticas públicas, com ações propositivas e planejadas, para intervenção e ação nos vários espaços de poder. O movimento feminista transita para outra forma de atuação, disputando na arena do Estado capitalista as parcelas de financiamento e ações que as mulheres demandam com vistas à sua promoção e libertação. É, sem dúvida, um novo momento, menos encantador e menos libertário, mas, quem sabe, socialmente necessário.
19 fragmentos de uma história vivida
Livreto_Clair2.indd 21 07/12/2019 13:10:58
O Feminismo em Santa Catarina:
Referências documentais
[10] Informativo de atuação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em Brasília/DF
[11] Entidades divulgam ação em torno de uma nova Assembleia Constituinte com participação das mulheres
[12] Panfleto de divulgação do Encontro Estadual “A Mulher e as Leis Trabalhistas”
20
Livreto_Clair2.indd 22 07/12/2019 13:10:59
[10] [11] [12]
CASA DA MULHER CATARINA
A Associação Casa da Mulher Catarina – ACMC é uma organização nãogovernamental, constituída por mulheres organizadas em um grupo feminista autônomo, articulado com a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, na forma de projeto de extensão do Departamento de Saúde Pública.
Nossa entidade desenvolve atividades de reflexão e ação, com a finalidade de encaminhar as demandas das mulheres no estado de Santa Catarina. Tais ações se realizam mediante campanhas, projetos, produção de material educativo, oficinas, cursos e seminários para sustentar e encaminhar as lutas específicas para a libertação das mulheres.
HISTÓRICO
A Casa da Mulher Catarina foi fundada em fevereiro de 1989, completando 30 anos de sua primeira atividade pública no dia 28 de maio de 2019: o seminário “Dia de luta contra a Mortalidade Materna”. Na ocasião, participaram cerca de 250 mulheres do município de Florianópolis para debater, analisar e encaminhar propostas visando diminuir esses agravos.
Com o passar do tempo, a Casa da Mulher Catarina delineou o seu programa de ação de acordo com as pautas de lutas do movimento feminista até os dias de hoje, sendo o mais antigo e atuante grupo feminista em atividade no estado de Santa Catarina.
ÁREA DE ATUAÇÃO
Atualmente, são desenvolvidas ações em três linhas básicas: 1) Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos; 2) Sensibilização e capacitação de mulheres para a atuação política/política-eleitoral e; 3) Luta Antirracista e contra a discriminação às mulheres negras.
21 fragmentos de uma história vivida
Livreto_Clair2.indd 23 07/12/2019 13:10:59
O Feminismo em Santa Catarina:
AÇÕES DE DESTAQUE
Associação Casa da Mulher Catarina
Rua Dom Joaquim, 575, sala 10
CEP 88 015-310 , Centro Florianópolis/SC
Fone/fax: 48-32238010
Atividades marcantes, em Florianópolis, Santa Catarina e no Brasil:
• Co-fundadora da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos;
• Participação no Conselho Estadual dos Direitos da Mulher;
• Participação no Conselho Estadual de Saúde;
• Participação no Conselho Municipal de Saúde;
• Participou de diversas edições do Seminário Internacional “Fazendo Gênero”;
SOBRE A AUTORA
Clair Castilhos Coelho, 74 anos, nascida em Santana do Livramento/RS, é farmacêutica bioquímica, professora adjunta IV (aposentada) do Departamento de Saúde Pública da UFSC. Casada com Alcides Rabelo Coelho, mãe de Letícia, Isadora e Maíra, e avó do Arthur.
Durante a maior parte de sua vida, e até hoje, é militante do movimento feminista, do movimento sanitário e em defesa do SUS. Em 1982 foi a primeira mulher eleita vereadora no município de Florianópolis. No ano de 2018, recebeu o título de Cidadã Catarinense, outorgado pela Assembléia Legislativa doEstado de Santa Catarina. Foi co-fundadora da Casa da Mulher Catarina, onde atua até os dias de hoje. Desde de 1993 é filiada e militante do Partido Comunista do Brasil (PcdoB).
Ao longo da vida, tem produzido muitos artigos, panfletos, discursos, material de aulas, crônicas, sempre manifestando sua posição a respeito da defesa da democracia, dos Direitos Humanos, da saúde, do feminismo e das lutas libertárias e justas, capazes de contribuir para que nossa sociedade seja mais humana e fraterna.
22
Livreto_Clair2.indd 24 07/12/2019 13:10:59
23 fragmentos de uma história vivida
Clair
Vera
Selma
Sheila
Isadora
Maíra
Célia
Neusa
Livreto_Clair2.indd 25 07/12/2019 13:11:00
Zuleika
Associação Casa da Mulher Catarina
Rua Dom Joaquim, 575, sala 10
CEP 88 015-310 , Centro
Florianópolis - SC
Fone/fax: (48) 32238010
Este material foi composto pela Enredo Conteúdo Criativo© com fonte Bell MT, corpo 09/10, e Bahnschrift, corpo 14. Impresso na Gráfica e Editora Duplic, em papel offset. Projeto gráfico e diagramação: Kélen Oliveira
Revisão: Paula Guimarães
24
Livreto_Clair2.indd 26 07/12/2019 13:11:01
Livreto_Clair2.indd 27 07/12/2019 13:11:01
Livreto_Clair2.indd 28 07/12/2019 13:11:01