A Arte do Terror - Volume 4

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A Arte do Terror – Volume 4

Eles estão nas Árvores Luyz Tadeu Em Sertãozinho, dia 22 de janeiro de 1918. Prezado Sr. Dr. Delegado de Polícia do Município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo Ilmo. Senhor Alfonso Coisadelouco Gonzaga Meu trabalho é lidar com o carro de boi, fazer carretos para a fazenda. Talvez o senhor não saiba, mas aqui tem muita gente que anda perdida pelo mato, assaltando, roubando e, de vez em quando, matando quem passa por estas estradas desertas. Num domingo pela manhã, sai de casa para amansar dois novos pares de bois de carro. Meti-lhes as formigas nas ventas, peguei a vara de ferrão, um alforje com restos de carne de caça e farinha de mandioca, a cartucheira vinte e oito, de dois canos, um cantil com água e um embornal com uma caixa de cartuchos, pois sempre podia topar com alguma caça. Com a carga completa sai. Na estrada, fui admirando a natureza, a exuberância da mata, o cantar de mil pássaros e cigarras, o farfalhar de folhas tocadas pelo vento ou por algum animal rasteiro e a frescura que a mata proporcionava. Só tinha uma coisa que destoava, que estragava e deturpava a beleza do lugar: a casa do Mané Dantas, aquele sem-vergonha, aquele ordinário, aquele cachorro desleal e atrevido que abusara de minha irmã quando ela era ainda uma menina. Abusou, abandonou-a e casou-se com outra. Minha irmãzinha bebeu veneno de rato e morreu aos dezesseis anos. Jurei vingança, mas o tempo acabou com meu ódio. Esqueci. Andei até o sol brilhar com força e, então, parei debaixo de uma jaqueira para descanso dos animais e meu também. Meti a mão no embornal, agarrei um pedaço de carne envolvido na farinha, joguei na goela e apanhei o cantil para beber um gole de água. Foi aí que eu vi o menino em cima da árvore. Ele me olhava com expressão de curiosidade e talvez medo. Encarei-o por uns instantes e falei para ele descer. — Que está fazendo aí, moleque? Ainda perguntei. O garoto continuou na mesma posição, olhando-me curiosamente e demonstrando cuidado e apreensão. Pode descer, rapaz, nada tem a temer de mim. Ele permaneceu imóvel, imutável e

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