9 minute read

Uma parte da lista

Marília Carreiro Fernandes

vereador, da necessidade de alguém para ajudá-lo na campanha, da vontade de comprar as terras. Falou tanto que o homem, num impulso ganancioso, ofereceu a terra dele e disse que, saindo dali, poderiam visitá-la. Imaginou que a mala que Francisco portava já era o dinheiro para algum pagamento.

Advertisement

Com a primeira parte do plano concluída, foram no carro do assistente político até o terreno que poderia ser a fazenda de Francisco. O homem preferiu dirigir, para ter certeza de que tudo não se passava de uma armadilha. Chegaram os dois até a terra. Justino os seguiu com o comparsa, de moto. Rapidamente o jagunço rendeu os dois e, com uma arma apontada para o corrupto, Francisco amarrou suas mãos e seus pés. O comparsa chegou logo em seguida, jogou uma muda de roupa velha em Francisco e disse que era para ele se trocar rapidamente. Olhou nos olhos do homem com as mãos amarradas, disse que só estava cumprindo ordens e que mandaram lhe dizer que aquilo era um pagamento por tudo o que tinha roubado.

Justino cavava a cova e Francisco foi ajudá-lo. Quando terminaram, o comparsa disparou o primeiro tiro e, num impulso, Francisco virou o rosto para não ver. Mais dois tiros e, com o corpo ainda quente, desataram seus membros e arremessaram o homem para dentro do buraco. Francisco acabou de enterrar e socar a terra, evitando os vestígios maiores.

Terminado o serviço, o comparsa recebeu sua quantia, agradeceu por ter participado e rumou para sua casa. Francisco, ainda meio abalado, entrou no carro e Justino os conduziu até o bar de Miguel.

Francisco sentiu culpa depois de ter matado o homem. Tinha matado, para ele. Ter fingido ser político, seduzido com dinheiro e levado a vítima até a terra para

aniquilá-la já era, para ele, um assassinato. Tapar o buraco também era culposo. Imaginava que nunca seria livrado da culpa eterna por ter participado do crime. Matar não era libertador e nem honroso.

Quis sumir. Mas não podia mais. Entrou na vida de pistolagem e já seria reconhecido por mais um além de Justino. E sentia o dever de ajudar a proteger a fazenda dos ladrões que porventura poderiam surgir na corrida do garimpo.

Com o turbilhão de pensamentos a respeito do que tinha feito, Francisco voltou calado para a terra de Miguel. Ainda estava abalado, mas por não querer decepcionar Justino, falou com firmeza sobre o acontecido quando foi perguntado, dando a impressão de que a sensatez e a discrição de quem lhe ensinou a atirar já faziam parte dele. Virou motivo de orgulho.

Francisco pediu para tomar um banho antes de sair. Justino estava atônito, esperou pelo menino conversando aceleradamente, atropelando suas próprias palavras. Miguel sabia, pelo comportamento do jagunço, que tudo tinha sido um sucesso.

Depois de entregar o carro, pegaram a moto e voltaram para a fazenda. Francisco teve o mesmo comportamento quando perguntado sobre o dia. Disse, além do acontecido, que estava cansado e foi deitar.

Com o primeiro cantar do galo, Francisco se levantou, lavou o rosto e resolveu fazer o café. Sentia-se diferente. Dona Ana levantou cedo também e, numa conversa rápida com o filho, orientou-o a não se prender ao que tinha feito. Era o seu trabalho. Deveria esquecer o dia anterior e começar um novo, junto com o sol.

Marília Carreiro Fernandes

Tomou o seu café e decidiu se afastar durante a manhã. Queria pensar no que havia feito e no que ainda haveria de fazer. Existia um contrato verbal e ele não poderia descumprir. Seria motivo de vergonha para todos, que a essa hora já estavam orgulhosos. O menino recebia bem pelo que fazia. Entregava grande parte do dinheiro para dona Ana, que investia na família.

Pegou a pá, a picareta, seu revólver por precaução e foi para o garimpo. Por lá ficou durante toda a manhã, quebrando a terra, cavando. Assim como cada pedaço de terra no chão, pensava que não poderia voltar atrás. Ali mesmo se conformou com o destino. Ficou, por instantes, nervoso. E descontou no material de trabalho. Pegou a picareta e fincou-a com toda a força na parede de terra que reagiu, não deixando que o instrumento se encaixasse nela.

Assustado, esqueceu-se de tudo. Alguma pedra tinha ali, já que não tinha conseguido furar a terra. Devagar foi tirando a terra que envolvia a pedra. Resolveu voltar até a casa e chamar seu pai e, com sua ajuda, conseguiu extrair a segunda pedra, ainda mais azul e maior que a primeira. Levaram a pedra até a varanda da casa de Antônio e logo me gritaram para ir até lá. Levantei-me no pulo e corri, ainda bagunçado pelo sono e quando avistei a pedra, achei que ainda sonhava. Fiquei ainda mais maravilhado do que da primeira vez. Essa segunda pedra era como a descrita pela mulher do sonho. Havia mesmo a tal pedra. E estava lá, na mesa de Antônio. Abracei os dois e agradeci muito ao garoto pela bamburrada. Ele também estava feliz e parecia em êxtase. Voltou a ser o Francisco de antes. Essa nova fase da vida dele orgulhava a todos. Decidi vender a primeira pedra e guardar a nova. A azulada valia muito mais de cem milhões de cruzados, a moeda da época, e tinha quase duas arrobas. Reforcei a segurança do cofre. Naquela época estávamos bem

de vida. Não precisaríamos vender as duas pedras e o dinheiro arrecadado com a primeira daria para investir na agropecuária. Com Antônio e Justino, decidi que deveríamos plantar café e contratar funcionários para cuidar do gado.

Antônio cuidaria dos novos trabalhadores, pois sabia quem era de confiança na região. Entreguei a ele o dinheiro suficiente para que comprasse um caminhão e o equipasse com o necessário para transportar o gado.

Escolhemos o Conilon para ser o café produzido em nossa fazenda. Fizemos o coveamento e vimos que o terreno tinha boa densidade para o plantio. Na época certa, depositamos as sementes e direcionamos alguns contratados para cuidar do processo de adubação e acompanhar o desenvolvimento da plantação.

Todo o processo demorou alguns meses, mas nossa fazenda crescia muito bem. Vendíamos o gado – tanto vivo quanto abatido, as pequenas pedras preciosas encontradas na lavra e começamos a ensacar o café. Recebíamos encomendas de todo o estado.

Para o nosso contentamento, chegou rede telefônica na cidade. Pudemos instalar uma linha fixa na fazenda e as encomendas passaram a ser feitas também por ela. Decidimos colocar o aparelho na casa de dona Ana e ela seria a encarregada por anotar todas as encomendas e contatos. Tudo corria muito bem até que numa sexta-feira Antônio decidiu ir ao cafezal pagar os empregados. Como todos começavam a trabalhar antes do completo amanhecer e estava chegando a hora do almoço, resolveu dispensar os homens, para começarem o final de semana mais cedo. Poderia guardar o material de trabalho sozinho.

Marília Carreiro Fernandes

Quando chegava perto do galpão, foi rendido por um homem jamais visto nessa região. O sujeito já chegou dizendo que era pistoleiro e que, se ele não fizesse o ordenado, receberia chumbo. E do grosso. Com a arma apontada para a cabeça de Antônio, mandou-o entrar no galpão e pegar algum automóvel para que pudesse fugir. O ladrão só não contava com o acaso. Francisco estava cochilando por entre os pés de café quando ouviu o barulho. Levantou vagarosamente e pode observar seu pai na mira do calibre. Sem pensar duas vezes, sacou seu revólver e mirou também na cabeça do ladrão. Foi acompanhando seus passos e, quando seu pai entrou no galpão para pegar a moto e entregá-la ao bandido, disparou um tiro que acertou as costas do ladrão. Quando o ladrão caiu, Francisco correu, pegou a arma que estava no chão, deu mais um tiro por prevenção e colocou a pistola na a cintura. Foi chorando ao encontro de seu pai, pedindo desculpas ao mesmo tempo em que o abraçava.

Ouvindo os tiros, corri com Justino para o cafezal. Chegando lá, vi somente o cadáver no chão. Fui checar o galpão e lá estavam os dois, pai e filho, intactos. Justino, arrancando Francisco de seu pai, agradeceu-o com um abraço sincero por ter eliminado, mesmo sem saber, um bandido da sua lista antiga. O morto era um fugitivo, rival de Justino.

Novos tempos

Tudo evoluía, a fazenda cada dia dava mais lucros e todos estavam satisfeitos. Menos eu. Decidi, sem falar com ninguém, que deveria rever Alzira. Fui um covarde quando decidi me afastar do prostíbulo. Justino ter chegado furioso contando o não que tinha recebido de Consuelo quando propôs o ajuntamento dos dois foi o ponto final da história que eu mal acabara de começar. Fui até o centro negociar a pedra encontrada por Justino. Existia um fazendeiro interessado nela e achei que seria ótima oportunidade de venda. Chamei Antônio para me acompanhar na empreitada, já que ele era muito mais experiente que eu nesse negócio. Saímos após o almoço, tínhamos hora marcada para a reunião.

Chegando ao destino, conversamos sobre a lavra, a agropecuária e o lucro da fazenda, oferecemos os serviços para o fazendeiro e negociamos a pedra por alguns milhões de cruzados. Quando o negócio foi feito, pedi para que Antônio me esperasse, porque eu tinha que visitar o Brasília. Raimundo me recebeu, mesmo sendo ainda antes do horário. Nada tinha de muito diferente desde a última vez que eu tinha ido lá. Só algumas mulheres novas, que chegaram de outras cidades. Sugeriu para que eu ficasse até a noite.

Contei a ele da minha vontade de encontrar Alzira. Ele disse que o estado da moça não era dos melhores e seria bom que conversássemos. E ali mesmo do bar gritou por ela, que prontamente apontou da sacada, res-

pondendo-o. Desceu as escadas correndo, veio em minha direção. Subimos.

Marília Carreiro Fernandes

Justino e Francisco ficavam cada vez mais amigos. O mais novo começava a pegar gosto, depois de ter matado o ladrão que mataria seu pai, por atirar. Depois daquela eventual morte, os dois cuidaram do corpo. Ninguém sabe, ninguém viu onde o levaram. Quando tudo estava normalizado, os dois combinaram de ir atrás de mais gente da lista do Justino.

Os dois devem ter sumido durante um bom tempo, não me lembro ao certo. Avisaram para nós que ficariam de tocaia numa terra próxima a Monte Verde, vizinha da fazenda que foi tomada e acertariam as contas com dois criminosos da redondeza. Dias passados e nada de voltarem. Dona Ana chegou a pensar no pior. Eu, como já tinha viajado com Justino, sabia que o curso poderia ter mudado e esperei que aparecessem.

Quando estava perto de completar um mês que ninguém sabia deles, chegaram os dois na moto de Francisco. A mãe foi logo saber o porquê de tanta demora e o pequeno mostrou, levantando a blusa, o que quase lhe tirou a vida: um tiro no abdome. Desesperada, dona Ana implorou para que o filho saísse da vida que levava, mas sem sucesso. O menino até tinha achado divertido levar o tiro, pois parecia que ele estava num duelo de verdade. E tinha levado a melhor.

Francisco foi com muita sede ao pote e não viu que o pai do rapaz estava de longe, a observá-los. Chegou maltrapilho perto do jovem, pedindo-lhe emprego. Disse que a vida estava difícil e precisava de algum trocado para sobreviver. Foi chegando perto do outro, que sem