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Detalhes

Depois de me contar todo o episódio do dia anterior, Justino se lembrou da lista que já estava quase no fim e, consequentemente, do motivo principal de tudo o que acontecera até aquele dia de sua vida. Ele precisava encontrar o assassino do seu irmão.

Aurélio era um garoto, ainda não tinha 17 anos completos. Queria se casar com uma menina lá pras bandas de Minas Gerais e ter, no mínimo, cinco filhos. Moça de família respeitada na cidade. Família política. Ele ia à igreja todo domingo para encontrá-la. Tinha sonhos. Queria ser pistoleiro, mas por devoção ao seu irmão, por quem tinha o mais sincero respeito. E tudo acabou cedo, com o mesmo veneno das balas de Justino, que guardava um profundo rancor pelo assassino de seu irmão, mesmo sem saber quem era.

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Um dos informantes de Justino ouviu dizer que um homem com as mesmas características do assassino tinha se mudado para o centro da cidade havia alguns meses e foi até a fazenda alertá-lo. O jagunço ficou obcecado pela ideia de matar o indivíduo. Queria saber exatamente da sua rotina para não falhar. Decidiu que, antes de tudo, aproximar-se-ia dele, numa conversa bastante informal, descobriria seus interesses e esperaria o momento certo para descobrir qual o motivo que o levou a matar Aurélio.

E, como pensado, seguiu-o. Descobriu que o tal homem construía perto da igreja, atrás da praça do centro

Marília Carreiro Fernandes

da cidade, um ponto de comércio. Só não sabia do que se tratava, mas já era algo certo. Ele tinha fixado residência, o que muito colaborava.

Certo dia, quando Justino chegou ao Brasília, avistou o homem de longe e instantaneamente pegou o revólver que estava em sua cintura. Conteve-se da vontade de atirar dali mesmo e, sem demonstrar, chegou até o balcão, pedindo a mesma bebida do sujeito. Puxou assunto perguntando se o moço era turista. Emendaram uma conversa atrás da outra, falaram sobre negócios, investimentos, dinheiro.

O homem foi para um dos quartos e Justino o esperou pacientemente. Voltaram a conversar, mas nada sobre pistolagem. Era muito cedo para esse contato. Naquela noite, Consuelo não teve Justino, que só queria saber do assassino.

Pela manhã, Justino contou a Francisco que tinha encontrado a última vítima de sua lista pessoal e sentia que depois de matá-la, seu irmão poderia descansar em paz. Francisco considerava Justino e também se sentiu no dever de acabar com a vida do homem, o que foi instantaneamente reprovado por Justino. Ele queria fazer tudo sozinho.

Explicou para o garoto que se aproximaria com cautela e tentaria virar amigo do assassino. Talvez até convidá-lo para algum serviço, no intuito de gerar um pacto de confiança entre os dois. Pensou nos mínimos detalhes, para que nada desse errado.

Justino ansiava pela tarde, hora que sairia em direção ao prostíbulo, com a esperança de encontrar Tobias. Apresentou, no segundo dia, as mulheres do Brasília

para ele e caracterizou todas com quem havia dormido. Disse que ele poderia escolher qualquer uma, menos Consuelo, que era a sua dama.

Alguns dias se passaram e os dois se encontravam no Brasília constantemente. Francisco, que também ia, mas numa frequência menor, fingia não saber da história, a pedido de Justino. Numa dessas idas, quando estavam os três, Francisco perguntou a profissão de Tobias, que disse ser banqueiro. E era mesmo. O tal comércio seria o primeiro banco a ser instalado na cidade. Conversaram e beberam mais, até que Tobias confessou gostar de liberar o estresse com caçadas. E que também ganhava um dinheiro extra matando pessoas. De dia bancário, à noite pistoleiro.

Desencadearam um papo que varou a madrugada, sobre casos diferentes, divertidos, grandes e pequenas encomendas, quantos serviços já tinham sido feitos por eles. Francisco, já meio tonto, se engraçou com uma dama e resolveu subir para o quarto. Os dois continuaram conversando. Aproveitando o momento, Justino inventou uma história de ter matado um garoto uma vez, por briga, e perguntou quantos anos tinha a vítima mais nova de Tobias.

Tobias descreveu um menino franzino, de aproximadamente 16 anos. Pele queimada de sol e cabelo liso, de corte índio e um olhar inocente, sonhador. Exatamente como Aurélio. Justino esqueceu-se da dor e perguntoulhe onde tinha sido. O homem continuou dizendo que nas Minas Gerais, aproximadamente cinco anos antes, havia um político muito rico que prezava as filhas e a esposa. E descobriu que um garoto havia tirado a honra de sua família através de sua filha mais nova. Mesmo a menina dizendo para o pai que os dois se casariam porque estavam apaixonados e nasceram um para o outro

Marília Carreiro Fernandes

e que fora ela quem decidiu não esperar o casamento, não teve outra reação o pai. Mandou matar o garoto. Enquanto contava a história, Justino se esqueceu do ódio que manteve a partir do momento que soubera que Tobias estava na cidade e era ele quem tinha atirado no irmão. A profissão dos dois – de Justino e de Tobias – era a mesma. Matavam por encomenda.

Descobrindo que o verdadeiro assassino de seu irmão era o tal político, quis saber mais, alegando que a história estava interessante. Tobias continuou dizendo que a filha do tal político jamais se casou e rezava a lenda que ela ainda era apaixonada por Aurélio. Mas teve um filho, o resultado do romance com o garoto (isso ele soube depois pelo próprio político, que já tinha se tornado prefeito da cidade onde tudo aconteceu, numa visita que fez à casa da família).

Embasbacado e sem pensar direito, Justino pediu licença a Tobias e foi se encontrar com Consuelo, para ver se colocava as ideias no lugar. Tobias também se engraçou com uma dama e foi para o quarto. Francisco desceu sozinho para o salão e pediu uma bebida forte. A bebida alimentava ainda mais o ódio que ele achava que sentia por Tobias, por suspeitar que ele era o assassino de Aurélio. Quando Tobias descia as escadas do Brasília, Francisco, meio tonto, gritou por ele, que olhou imediatamente para a arma apontada em sua direção. Todas as mulheres entraram em desespero, gritaram e correram, com medo do que pudesse acontecer. A música parou e alguns tentaram conter o garoto, que estava em estado de fúria. Justino, ouvindo o alvoroço, decidiu se vestir e sair do quarto para ver o que acontecia. Num reflexo, também sacou a arma e apontou para Francisco, que mantinha em punho a arma apontada para Tobias, que não estava armado.

Justino pedia para que Francisco não atirasse, porque senão ele seria obrigado a fazer isso também. Ele estaria atirando num inocente, o que era contra todas as regras dele. E caso atirasse, teria que pagar com seu sangue. Mesmo com tudo dito e a arma ainda apontada, Francisco atirou e Justino também.

Todos correram desesperados pelo salão e foram embora. Restaram somente Raimundo e Justino, que imediatamente foram socorrer Francisco e Tobias.

Francisco levou um tiro no braço que fez com que a bala desviasse do seu rumo certeiro – ou quase, já que estava bêbado. Acertou a perna de Tobias, que não entendeu o motivo da tentativa de assassinato, já que o garoto se mostrou amigo desde o início.

Raimundo decidiu buscar o médico da cidade e deixou os três sozinhos no salão. Com raiva, Justino explicou aos berros para Francisco quem realmente era Tobias. Depois de tudo entendido, os três acharam a situação até divertida.

O tiro no braço fez com que Francisco voltasse à consciência e entendesse que o assassino de Aurélio não era Tobias. Mais do que nunca, Francisco e Justino queriam vingança. E tinham como chegar até o tal político. Tobias era o caminho.

Depois do episódio no Brasília, todos sabiam quem era Francisco e os que ainda tinham dúvida da profissão de Justino pararam de ter naquela noite. Eu fiquei mais ainda na fazenda após esse dia. Sabia das histórias através de Justino, Francisco e Tobias, que ainda vem aqui de quando em vez. Com o tempo, viramos amigos.