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O plano

Justino articulou sozinho o plano e foi até a fazenda contar para Marta, que o ajudou a modificar alguns detalhes. Sugeriu que fingissem um namoro, para aproximá-lo ainda mais do pai dela. E assim fizeram.

O prefeito era um homem não muito correto, se assim posso dizer. E devido a isso, tinha pessoas que cuidavam de sua segurança. Alguns pistoleiros ficavam sempre no mesmo lugar que ele, mesmo que ninguém os visse. Estavam prontos para qualquer evento, o que dificultava muito o desenvolvimento do plano.

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Mesmo com todos os obstáculos, Justino pediu para conversar com o pai de Marta. O homem logo pensou nas pedras preciosas e chamou-o ao seu escritório. Justino contou quais eram suas reais intenções com Marta, o que agradou ao outro. Foi advertido que se fizesse alguma coisa de errado, pagaria caro. A filha já fora desonrada uma vez e ele não queria mais vergonha naquela casa. Tentou coibir Justino com a história de Aurélio, o que o enfureceu ainda mais e fez com que ele tivesse vontade de acabar com tudo de uma vez por todas. Mas não poderia tomar decisão sem o apoio de Marta. Ela também queria fazer parte disso.

Justino e Marta começaram a namorar e não saíam de casa para não desagradar ao pai. Concluíram que seria impossível atirar no prefeito. Descobririam rapidamente quem fora o assassino e acabariam com Marta. Resolveram optar pelo veneno. Algo de efeito prolongado, que

Marília Carreiro Fernandes

matasse após o café, quando já estivesse a caminho da cidade, da prefeitura; algo que parecesse um acidente. Queriam que fosse imediato. Justino veio me perguntar qual remédio seria bom para tal e eu acabei contando algumas receitas da farmácia – quase não me lembrava que tinha feito o curso – e alguns dias depois voltou à fazenda, disposto a entregar o veneno à Marta. Justino chegou bem cedo e explicou o que exatamente faria: após o pai acordar e descer para o café, Justino diria que queria conversar com ele fora da casa. E pediria a mão de sua filha em casamento, numa conversa um pouco demorada. Marta, como sabia da preferência de seu pai por suco em vez de café, pediria para a mulher que trabalhava na cozinha da fazenda preparar uma jarra de suco de laranja, o preferido dele. Quando Justino e o prefeito voltassem, ela já teria posto o veneno para diluir na jarra de suco e sentaria para tomar o café e ouvir que sua mão estava prometida a Justino. E que, dali em diante, ela deveria cuidar dos preparativos para o casamento.

Mas nem tudo saiu como o esperado. Marta fez todo o seu trabalho sem que ninguém percebesse, Justino atuou muito bem e o pai concedeu a mão da filha a ele. A felicidade era tanta que o prefeito decidiu inverter o dia. Tomaria café em vez de suco e passaria o dia em casa. Como eram somente os três na mesa, não havia perigo de alguém morrer envenenado. Com o plano frustrado, Justino decidiu que deveria fazer tudo como ele sabia. Deveria matar o prefeito da mesma forma que morreu seu irmão.

Na volta para casa, passou no bar de Miguel e pediu para que ele preparasse algumas balas para a tarde do sábado. Ainda era terça-feira e haveria tempo de sobra para ele fazer isso. Chegando à cidade, foi direto ao banco encontrar Tobias. Explicou-lhe em que estava metido e pediu ajuda.

Tobias pediu para que não conversassem ali sobre o assunto. Os dois marcaram de se encontrar na mesma noite no Brasília. Como faltavam poucas horas para anoitecer, Justino resolveu esperar no bar.

Depois de tantos dias, reviu Consuelo. Ela disse que notou a ausência dele e que ele não era mais o mesmo. Parecia ter mudado com os dias passados. Estava mais animado, mais disposto e até alegre. Sorria com facilidade, o que não era do feitio dele. Justino não comentou nada com Consuelo. Nem das viagens, do prefeito, do noivado e do plano. Disse somente que estava muito ocupado para ir ao Brasília naqueles dias, mas que estava lá por ela. Mesmo dizendo tudo isso, Justino não era mais o mesmo. Começou a pensar que talvez toda essa história de fingir noivado com Marta tinha virado a sua cabeça e feito com que ele quisesse, de fato, casar-se com ela. Mas não comentou com Consuelo. Tinha medo de sua reação. Tinha medo por Marta.

A noite chegou e Tobias se encontrou com Justino no Brasília. Depois de tudo conversado, o banqueiro sugeriu que Justino terminasse com tudo logo de uma vez numa emboscada e convidou-se para o trabalho. Como era de confiança do prefeito, ele não suspeitaria e Francisco também poderia entrar na dança. Tobias daria cobertura, pois também tinha um contrato com o prefeito, Justino ficaria à paisana, porque era namorado de Marta e Francisco mataria.

O medo maior era usar Francisco para matar o prefeito. O menino corria o risco de morrer também, se Tobias não chegasse antes do que todos os outros pistoleiros à casa. Esperariam a hora em que todos estivessem dormindo e Francisco entraria. Tobias estaria na porta dos fundos, dando cobertura para a fuga do garoto. Atiraria e correria, passando pelo quintal e encontrando Justino

em sua moto, pronto para fugir. Marta também saberia antes, para não se assustar. Justino precisava falar com ela e com Francisco.

Marília Carreiro Fernandes

Determinado dia, três homens chegaram à fazenda, procurando por Justino. Ele prontamente os atendeu, segurando na parte de trás da calça a arma engatilhada, pronta para acertar quem fosse preciso. Mas não era nada. Os capangas do seu sogro traziam notícias de Marta, que queria vê-lo rapidamente. E ele pediu para avisála que só poderia ir até lá no domingo, dois dias depois. Queria saber o que era, mas nenhum capanga sabia. Justino tinha um mal: curiosidade. No sábado mesmo pegou o carro e foi para a casa da moça. Antes, passou no bar do Miguel e pegou as balas encomendadas. Ela lhe contou que os métodos preventivos utilizados nas vezes em que ficaram juntos não deram certo e estava grávida de um filho dele. Contou também que o pai estava pressionando-a a marcar a data do casamento. Tinha dito que queria Justino morando na fazenda e ajudando-o nos negócios. Já fazia planos. E o plano dos dois mesmo, nada de dar certo.

Para seu próprio espanto, Justino ficara feliz em saber que havia um filho dele crescendo na barriga de Marta. Pensou em pedi-la em casamento de verdade, mas não se precipitou. Pensaria no assunto antes de tomar qualquer decisão. Disse para ela que queria o filho, se ela quisesse passar novamente por tudo, mas sem o pai saber e maltratá-la novamente.

Decidiram ter o filho. Justino gostava de Marta, mas estava ligado a ela por um plano para matar seu quase futuro sogro. Sentia algo que era bloqueado por compla-

cência ao irmão, primeiro amor de Marta. Marta também se via numa situação consideravelmente complicada e não sabia o que fazer. Mas confiava em Justino e sabia que ele decidiria tudo. Os dois formavam um bom casal. O problema era Consuelo. Indo novamente ao Brasília com Tobias e Francisco, os companheiros de farra, contou para os dois e depois da conversa deles, decidiu abrir o jogo com Consuelo. E a atitude dela foi, novamente, espantosa para Justino. Ela achou engraçada a história do fingimento do noivado e da veracidade da gravidez. Disse que não poderia dar um filho a ele por causa de sua profissão, mas que estava feliz porque ele tinha se encontrado. Mas que, mesmo casado, quando ele sentisse falta dela, saberia onde encontrá-la. E sei que acabaram essa conversa no quarto da dama.

Com o assunto resolvido, Justino decidiu pedir de fato a mão de Marta em casamento. Mandou que o joalheiro fizesse um anel com uma pedra retirada da lavra por ele mesmo e, depois de pronta, levou-a para Minas. Chegando ao destino, pediu ao sogro para conversar em particular com a noiva. Foram até o escritório e lá ele disse que tinha gostado dela de verdade desde o primeiro dia em que a viu na fazenda, mas que se deixou levar pelo ódio que sentia pelo prefeito; que o filho esperado por eles era um sinal de que tudo aquilo deveria ser verdadeiro e que queria tentar, mas entenderia se não desse certo ou se ela não quisesse.

Para a felicidade de Justino, Marta aceitou tentar. Já tinham o essencial: eram cúmplices. Entregou o anel para a moça que, radiante, colocou-o no dedo e foi mostrá-lo ao pai e ao filho. Por instantes, todo o ódio foi esquecido.

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Depois do casamento marcado, ficou ainda mais difícil executar o plano de matar o prefeito. Concordavam que tinham que terminar o serviço, mas seria muito mais complicado a partir de então. O assassino era o avô dos filhos de Marta. Um dos filhos era de Justino. Marta ficou com medo da culpa que carregaria pelo resto da vida. Como Justino pediu a mão de Marta em casamento, o prefeito voltou a tratá-la bem. E isso fez com que ela se esquecesse de tudo o que tinha acontecido, afinal de contas, era o pai dela. A sede de vingança sentida pelo pistoleiro era grande. O alvo estava ali, sempre perto para o resto da vida de um deles.

Contra a vontade de Marta, Justino decidiu executar o plano com Francisco e Tobias. Foram os três para a fazenda e Tobias entrou na casa, verificando o terreno. Depois do sinal dado por ele, Justino parou no local indicado e esperou. Francisco foi casa adentro, pelas portas dos fundos, passou sombreando por Marta e foi direto ao quarto. Acordou o prefeito e disse para ele que o tiro era por Aurélio, que nada de mal tinha feito. E deu outro tiro. E outro. E a cada tiro, esquecia-se do que havia do lado de fora da casa, dos capangas, da morte que também estava próxima dele. Atirava e gargalhava. Atirava e queria mais, queria mais balas, quantas fossem necessárias para perfurar todo o corpo daquele desgraçado que tinha acabado com a vida de um de seus irmãos. Atirou até ser chamado por Tobias, que o mandou correr dali. Tobias inventaria posteriormente, a desculpa de que lutou com o pistoleiro e que não conseguiu acertá-lo.

Justino sumiu com Francisco na garupa da moto, extasiado por ter cumprido o serviço. Teriam que chegar rápido à fazenda, porque provavelmente teriam que voltar para Minas depois. Com o pai morto, a menina

se sentiu culpada, mas se lembrou de Aurélio, do que tinha acontecido e decidiu que seu pai teve o fim que mereceu. Não foi ver, porque seria demais. Somente destampou os ouvidos do filho que dormia calmamente e mandou algum capanga buscar Justino para consolá-la.

Ao amanhecer, Justino já estava na fazenda novamente. Conversando com Marta, descobriu que Francisco tinha atirado tudo o que pode em seu pai. Francisco estava estranho. Além de matar por justiça, gostava de ver sangue. Nunca matou por nada, mas muitas vezes, ver sangue era o suficiente para ele.

Com toda a família reunida na fazenda, o corpo foi velado. Muito choro – inclusive de Marta – e dor. Justino olhava tudo com bastante curiosidade. Nunca estivera em velório. O corpo de seu irmão foi encontrado já em decomposição e o que coube a ele foi enterrá-lo numa cova rasa. Muitos pareciam felizes de ver o prefeito morto.

A polícia estava atrás do assassino, mas o menino não levantaria suspeita. Ninguém naquela região sabia qual era sua verdadeira profissão. Os que o conheciam, sabiam somente que ele era apenas um lavrista e empregado de Justino. Com o tempo, Marta esqueceu – ou quis esquecer – a morte do pai. Apesar de ter tido grande importância, pois era o prefeito da cidade e ninguém tinha suspeitas de quem pudesse ser o assassino, depois que o vice-prefeito assumiu o cargo, tudo começou a ser esquecido.