Encontro com a Palavra de Deus - D. A. Carson

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D. A. CARSON

Palavra de Deus ENCONTRO COM A


Encontro com a Palavra de Deus, por D. A. Carson Copyright © 2017 Vinacc Editado e adaptado à forma literária a partir das pregações de D. A. Carson no 19º Encontro para a Consciência Cristã em fevereiro de 2017. 1ª Edição em português: 2018 Este livro foi preparado em coedição com a Editora Fiel. Diretor: Euder Faber Transcrição: Natália Siqueira Preparação, organização e Revisão: Shirley Lima: Papiros Soluções Textuais Diagramação e capa: BZL design Coordenação editorial: Lege Publicações ISBN: 978-85-65365-31-4

C321e

Carson, D. A. Encontro com a Palavra de Deus : palestras de D. A. Carson. – [Campina Grande, PB]: Visão Cristã, 2018. 107 p. Inclui referências bibliográficas. ISBN 9788565365314 1. Vida cristã. 2. Palavra de Deus (Teologia cristã). I. Título. CDD: 220

Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB07/6477

VisãoCristã


S umário

Apresentação....................................................................... 9 Capítulo 1 A prioridade nº 1............................................................ 13 Capítulo 2 A conformação de sua mente: o Salmo 1......................... 31 Capítulo 3 Jesus Cristo é o cumprimento das Escrituras.................... 49 Capítulo 4 Aprendendo e proclamando as Escrituras........................ 69 Capítulo 5 As Escrituras não podem ser deixadas de lado.................. 91



A gradecimentos - D. A. Carson

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irijo especial gratidão ao Pastor Euder Faber, pois, por ocasião em que vivenciei obstáculos quanto à obtenção de meu visto para o Brasil, ele não apenas orou por mim, como também esforçou-se em me ajudar corretamente, resolvendo esse problema a contento. Aprecio sobremaneira minhas viagens ao Brasil e, no ano de 2017, tive a oportunidade de pregar na Conferência para Consciência Cristã, evento do qual sempre me alegro em participar.



A presentação

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ste pequeno livro reúne cinco palestras proferidas por D. A. Carson no 19º Encontro para a Consciência Cristã, realizado em maio de 2017. Importante lembrar que o tema-base desse Encontro foi “A tua palavra é a verdade: celebrando os 500 anos da Reforma Protestante”. Assim, o fio-condutor que permeia e costura as palestras é o imensurável e indescritível valor da Palavra de Deus. Donald Arthur Carson, mais conhecido como D. A. Carson, é teólogo reformado evangélico. É um dos fundadores e diretores do ministério The Gospel Coalition, além de professor-pesquisador do Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School, instituição na qual leciona desde 1978. Com relevante formação acadêmica, é Ph.D em Novo Testamento pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. O Dr. Carson é autor/editor de mais de cinquenta livros. Em 2017, em uma de suas vindas ao Brasil, ele nos presenteou com belíssimas explanações acerca da Palavra de Deus. Esses textos foram, então, transcritos e ora são publicados pela Editora Visão Cristã, buscando tornar perene esse registro.


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As palestras, intituladas “A prioridade nº 1”, “A conformação de sua mente: o Salmo 1”, “Jesus Cristo é o cumprimento das Escrituras”, “Aprendendo e proclamando as Escrituras” e “As Escrituras não podem ser deixadas de lado”, apontam, todas, para a importância de cada coração cristão encontrar-se com a Palavra de Deus e buscar trilhar o caminho da fé plena em sua verdade absoluta. Em “A prioridade nº 1”, D. A. Carson remete-nos à Palavra do Senhor em Deuteronômio 17.14–20. Nesse contexto, examina como devemos priorizar, em primeiro lugar, o temor ao Senhor e à sua Palavra. Mostra como lidar com conceitos de poder, autoridade e liderança nos dias de hoje, enfatizando a importância de todos nós termos um coração de servos – de servos do Senhor. Em “A conformação de sua mente”, D. A. Carson apresenta-nos ao conteúdo de Salmos 1, elucidando a relevância de termos consciência de nossas imperfeições, mas, ainda assim, de continuarmos a trilhar o caminho do justo, rejeitando todos os conselhos dos ímpios. Em “Jesus Cristo é o cumprimento das Escrituras”, D. A. Carson nos lembra que, no ministério pastoral, é muito mais frequente trazer os ensinamentos do Novo Testamento do que os do Antigo Testamento, e indaga: Até que ponto a mensagem de Deus no Antigo Testamento é a mesma do Novo Testamento? Carson também ressalta que nada do que foi dito passará antes de tudo o que há na Palavra de Deus se cumprir. Em “Aprendendo e proclamando as Escrituras”, D. A. Carson nos lembra a abundância de bênçãos do Senhor em


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nossas vidas, explicando conceitos como de “regiões celestiais” e “filiação”. E, por derradeiro, em “As Escrituras não podem ser deixadas de lado”, D. A. Carson, mais uma vez, traz-nos argumentos irrefutáveis de que tudo o mais pode falhar, exceto as Escrituras, que são a Palavra de Deus, na qual é preciso crer em sua inteireza, por toda a eternidade. Assim, conclui-se este pequeno livro com D. A. Carson lembrando-nos da necessidade premente de crescermos no conhecimento das Escrituras. Esclarecemos que, em se tratando de uma tradução/ transcrição do texto apresentado oralmente, optamos por padronizar todas as passagens bíblicas tomando como base a versão da Bíblia Almeida Revisada e Atualizada. Algumas adaptações se fizeram necessárias para a edição desta versão escrita, sem, contudo, alterar o sentido do conteúdo da exposição oral, tão somente alinhavando as ideias apresentadas por tão conceituado autor cristão. Desejamos que você se enriqueça espiritualmente no encontro com esta leitura acerca da Palavra de Deus, trazida por D. A. Carson. Os Editores.



Capítulo 1

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prioridade n º

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osso enfoque aqui reside na passagem em que Moisés e o povo da Aliança estão prestes a entrar na Terra Prometida. Nesse sentido, é importante, com vistas a melhor compreendermos a explanação que se seguirá, lermos cuidadosamente a seguinte passagem bíblica: ​ Quando entrares na terra que te dá o SENHOR, teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Estabelecerei sobre mim um rei, como todas as nações que se acham em redor de mim, ​estabelecerás, com efeito, sobre ti como rei aquele que o SENHOR, teu Deus, escolher; homem estranho, que não seja dentre os teus irmãos, não estabelecerás sobre ti, e sim um dentre eles. ​Porém, este não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito, para multiplicar cavalos; pois o SENHOR vos disse: Nunca mais voltareis por este caminho.

1  Este texto foi extraído da palestra proferida na Conferência para Consciência Cristã em 2017 (Áudio nº 1.718).


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​Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie; nem multiplicará muito para si prata ou ouro. ​Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num livro, do que está diante dos levitas sacerdotes. ​E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o SENHOR, seu Deus, a fim de guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para os cumprir. ​Isso fará para que o seu coração não se eleve sobre os seus irmãos e não se aparte do mandamento, nem para a direita, nem para a esquerda; de sorte que prolongue os dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel. (Deuteronômio 17.14–20)

Não é demais lembrar o contexto: Moisés se dirigia aos israelitas antes da entrada na Terra prometida e prevê que, muitos séculos depois, os israelitas teriam um rei. Por aproximadamente quatro séculos, porém, isso não se concretizou. Mas Moisés valoriza o papel de um rei de tal maneira que se preocupa com o futuro monárquico de Israel a ponto de se adiantar nas instruções sobre quem deve ser o rei. Por essa razão, lista cuidadosamente o que o rei deve ou não fazer, em ordem de prioridades. Muitas pessoas não entendem, em sua inteireza, como as ordens dadas ao futuro rei de Israel estão associadas aos crentes do século XXI. Assim, esforçam-se por assimilar a relação entre a relevância das ordens dadas a um rei e suas próprias vidas. No entanto, é indiscutível que aquilo que Deus determina como


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prioridade no ministério de um rei de Israel deve ser também prioridade em qualquer ministério realizado na Igreja de Cristo. Dividido em dois pontos principais, o texto de Deuteronômio aborda: 1) o que você não deve fazer em seu ministério; 2) o que você deve fazer como prioridade. Nesse sentido, os mandamentos dados aos futuros reis de Israel destinam-se àqueles que exercem o ministério, não se restringindo, contudo, ao ministério pastoral, pois, em uma Igreja, existem muito mais ministérios além desse. E, no final das contas, esses deveres e prioridades estabelecidos para o rei aplicam-se a todos os crentes.

O que o rei e o crente não devem fazer em seu ministério Primeiro: “O rei não multiplicará para si cavalos” (Deuteronômio 17.16).

A primeira coisa que o rei não deve fazer é adquirir muitos cavalos. Mas indaga-se: por que, na antiguidade, um rei iria querer juntar para si muitos cavalos? Responde-se: no mundo antigo, a função dos cavalos equivalia à função atual de um tanque de guerra. Ou seja, é o mesmo que dizer hoje: não construa para si muitos armamentos para mostrar seu poder. Um tanque de guerra é uma das maiores e mais ofensivas armas que compõem o armamento de um exército. Adquirir muitos cavalos significa acumular poder em um arsenal preparado para a guerra. Em outras palavras, significa poder político e bélico. Portanto, a recomendação é: não acumule poder.


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Neste ponto, os crentes familiarizados com suas Bíblias costumam lembrar-se de outra passagem em que alguém almejava poder político e militar, tal qual um rei da antiguidade. Trata-se do evangelho de Mateus, no capítulo em que a mãe de Tiago e João, a mulher de Zebedeu, vem até Jesus e lhe pede um favor. Ela pede que um de seus filhos sente-se à sua direita e que o outro sente-se à sua esquerda quando Jesus estivesse reinando em Israel: Então, chegou-se a ele a mulher de Zebedeu, com seus filhos, e, adorando-o, pediu-lhe um favor. Perguntou-lhe ele: Que queres? Ela respondeu: Manda que, no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita, e o outro à tua esquerda. ​Mas Jesus respondeu: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu estou para beber? Responderam-lhe: Podemos. Então, lhes disse: Bebereis o meu cálice; mas o assentar-se à minha direita e à minha esquerda não me compete concedê-lo; é, porém, para aqueles a quem está preparado por meu Pai. ​Ora, ouvindo isto os dez, indignaram-se contra os dois irmãos. Então, Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. ​Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós será esse o que vos sirva; ​e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; ​tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. (Mateus 20.20–28)


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Em outras palavras, esse pedido mostra quanto os contemporâneos de Jesus acreditavam que o reino teria, primariamente, natureza política. Eles almejavam poder, desejavam vencer os romanos, para que Jesus se tornasse o rei político. E o favor que a mãe de Tiago e João pediu seria o equivalente, hoje, a que um de seus filhos fosse secretário de Estado, e o outro, ministro da Defesa. Em outras palavras: ela almejava que seus filhos ocupassem posições de poder, assim como um rei na antiguidade almejava muitos cavalos em seu exército. E, a esse pedido feito por uma mãe com a anuência de seus filhos, Jesus responde: “Vocês podem suportar o cálice que eu irei beber?” – ou seja, é como se Jesus perguntasse a eles se poderiam compartilhar de todas as experiências que ele próprio suportaria. Porque Jesus bem sabia que seu caminho o conduzia diretamente à cruz. E Tiago e João, em sinal de grande arrogância, responderam que podiam beber do mesmo cálice de Cristo. De fato, seria possível imaginar um gesto de concordância de Cristo logo em seguida. Pois, em sua soberania, Cristo sabia que, de fato, um deles seria o primeiro apóstolo a se tornar mártir, enquanto o outro seria o último apóstolo a morrer, exilado em uma ilha. Portanto, de certa forma, aqueles dois filhos de Zebedeu também iriam beber do cálice que Cristo haveria de beber. No entanto, quando os demais apóstolos ouvem esse pedido, ficam indignados, pelo simples fato de que não foram eles os primeiros a pedir esse favor. Naquele momento, portanto, a situação estava saindo de controle. Jesus, então, reúne todos eles e lhes diz o conteúdo do versículo 25: “Sabeis que os governadores dos povos os dominam


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e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. ​Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós será esse o que vos sirva”. As autoridades políticas, tanto em uma monarquia como em uma república democrática, tendem a amar o poder nelas depositados. No Brasil, nos Estados Unidos, no Canadá e em muitas outras partes do mundo, o povo elege um candidato político que promete servir ao povo. Porém, após algum tempo, resta evidente que, na verdade, esses políticos estão servindo apenas a si mesmos. Há uma lei quase universal de que, no final das contas, aqueles que estão no poder sempre se convencem de que o poder que exercem é um direito seu. Jesus, contudo, diz: “Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós será esse o que vos sirva; ​e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; ​tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Em outras palavras, Jesus diz que o caminho de autoridade trilhado por ele o levava diretamente para a cruz. Quando Jesus afirma que devemos ser escravos um dos outros, não quis dizer que os líderes da igreja não têm autoridade, tampouco que ele próprio não a tivesse. A autoridade de Jesus é expressa no mais profundo compromisso de servir àqueles sobre quem governa. Esse compromisso é que o leva à cruz. E essa também foi a direção que a autoridade dos apóstolos tomou nos dias de Jesus. Assim também ocorre com os pastores de nossos dias. Em nosso meio, não queremos pessoas que simplesmente amam a autoridade – a autoridade que consiste em acumular para si


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mesmas mais poder. Pelo contrário, é preferível sermos movidos por um coração de servo, que nos leva a morrer todos os dias e tomar nossa cruz, para seguir a Jesus e agir em favor dos outros. Portanto, a primeira coisa que você não deve fazer ao exercer seu ministério na Igreja é adquirir para si muitos cavalos. Segundo: “... nem fará voltar o povo ao Egito para multiplicar cavalos; pois o SENHOR vos disse: Nunca mais voltareis por este caminho” (Deuteronômio 17.16b).

É importante lembrar o momento em que o povo de Israel libertou-se do poder do Egito pela milagrosa mão de Deus. Quando, pela primeira vez, o povo deparou com escassez de água e falta de variedade nas refeições, logo começou a murmurar. E reclamavam dizendo: “Pelo menos no Egito tínhamos cebolas...”. Em outras palavras, em Números 11.5, os israelitas estão dizendo: “Devíamos nos livrar de Moisés e conseguir um líder que nos levasse de volta para o Egito”. Ou seja, preferem a escravidão e as cebolas à liberdade e aos desafios do deserto. Desse modo, deixam claro que não confiam em Moisés nem em Deus. Em todas as épocas, existem crentes que pensam da mesma forma, sempre olhando para trás. Para essas pessoas, o passado sempre é melhor que o presente. Assim, qualquer coisa que aconteça nos dias de hoje é muito ruim, mas ontem tudo foi muito melhor, razão pela qual desejam voltar a trilhar o mesmo caminho. No Novo Testamento, em Gálatas e Hebreus, encontramos, com mais evidência ainda, a mesma forma de pensar.


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Em ambas as epístolas, o Evangelho é explanado em minúcias. Nessa Nova Aliança, homens e mulheres foram reconciliados na morte e na ressurreição de Cristo. Nossos pecados são contabilizados em Cristo e a justiça de Cristo é imputada a nós – obra realizada exclusivamente pela graça de Deus. E esse presente grandioso da graça é recebido por nós pela fé. Por tal razão, após a Reforma Protestante, enfatizou-se: Sola Gratia, somente pela graça, e Sola Fide, somente pela fé. Entre os hebreus e os gálatas, havia alguns destinatários do conteúdo daquelas cartas, pessoas que estavam trilhando os primeiros passos na fé e que haviam depositado sua confiança em Cristo Jesus. Porém, logo depois, sentiam-se desejosas de voltar e submeter-se à Antiga Aliança. Por isso questionavam: “Será que as restrições de alimentação da lei judaica fazem sentido? Por que não oferecer sacrifícios no templo para o qual os sacerdotes foram estabelecidos?”. E, em vez de compreenderem as continuidades e as descontinuidades entre a Antiga Aliança e a Nova Aliança, tentavam voltar a viver sob a égide da Antiga Aliança. Nesse contexto, assim como o povo de Israel, em Números 11.5, desejava voltar ao Egito, os hebreus e os gálatas queriam voltar à Antiga Aliança. Assim, a última coisa que desejamos é que os pregadores cristãos queiram levá-lo de volta para a lei e as obras sem a compreensão da obra da graça. Terceiro: “Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie” (Deuteronômio 17.17)

Muita gente imagina que o versículo em questão dificilmente se aplicaria a seu caso. Mas não é porque você não


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deseje ter muitas esposas ou muitos maridos que não haveria aplicação mais profunda desse versículo em sua vida. Afinal de contas, todos nós concordamos que, segundo o que Jesus nos ensinou, não devemos ter muitas esposas ou muitos maridos. Por um lado, a aplicação mais superficial é a de que, no mundo ocidental, vivemos em uma sociedade “sensualizada”. Essa advertência se faz bastante atual e necessária em razão da época em que vivemos. É certo que a pornografia não foi criada no século XXI, mas a tecnologia contemporânea a tornou universalmente acessível. Portanto, de certa maneira, esse versículo é um apelo à pureza sexual. Mas não é só isso. Afinal, quem foi o filho herdeiro do Rei Davi? Salomão, que, no final de sua vida, acumulou mil concubinas e esposas. Portanto, é necessário entender que tomar mil esposas não diz respeito apenas a sexo. Na verdade, é muito mais sobre formar redes de contato para aumentar o poder político. Israel tinha fronteiras com vários pequenos reinados vizinhos. Havia moabitas, filisteus e gideonitas, entre tantos outros povos. E Salomão descobriu que a melhor forma de firmar acordos de paz com esses reis consistia em se casar com suas filhas princesas. Ou seja, quando Salomão, por exemplo, se casava com uma princesa moabita, evitava que o rei moabita enviasse suas tropas para conquistar Israel. Nesse contexto, todos esses reis, com suas muitas esposas, usavam o acordo matrimonial para formar redes de conexão amigáveis, com o propósito de proteger seus reinos e suas tropas dos demais reis. Portanto, ter muitas esposas


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não tinha a ver com sexo somente; no final das contas, tratava-se de uma medida eficaz para manter boas relações públicas e políticas com os reinos fronteiriços. Porém, Salomão foi desviado por suas esposas, porque, para mantê-las felizes, começou a construir milhares de templos para os deuses daquelas mulheres. Assim, no reinado de Salomão, Jerusalém deixou de ser a cidade do templo do único Deus, tornando-se cidade também dos templos de todos os deuses pagãos daquela época. Com frequência, também nós queremos construir muitos relacionamentos de amizade com pessoas que nada têm a ver com o Evangelho ou que até mesmo o odeiam. Assim, no final das contas, estamos diluindo a mensagem do Evangelho. No entanto, não queremos dizer, com isso, que é preciso abandonar a própria cultura, porque, uma vez que se nasce em determinada cultura, inevitavelmente faz-se parte dela. O problema é que não devemos nos aproximar da cultura a ponto de nos vermos obrigados a diluir o evangelho nela. E ao rei fora dito que não fizesse isso. Quarto: “(...) nem multiplicará muito para si prata ou ouro” (Deuteronômio 17. 17b)

Hoje, todos sabemos que muitos países do Ocidente estão em crise financeira. Muitos de nós gostaríamos de ter um saldo um pouco maior em nossas contas. Mas é Jesus quem nos auxilia a ajustar o foco correto nessa passagem. No Sermão do Monte, ele diz: “​Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; ​mas ajuntai para vós outros


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tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corroem, e onde ladrões não escavam, nem roubam; p​ orque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mateus 6.19–21). Em outras palavras, Jesus não está dizendo: “guarde seu coração”, mas, principalmente, “escolha seu tesouro”. Porque o que você mais valoriza é onde seu coração estará. Se aquilo que mais valoriza é seu dinheiro, é sobre isso que mais irá fantasiar, sonhar e direcionar toda a sua imaginação. O que você mais entesoura para si é o que atrairá seu coração. Então, se o rei começar a tomar o dinheiro do tesouro real e enfiá-lo nos próprios bolsos, isso fará dele mais honesto? Mais generoso? Um governante melhor? Ou fará com que seu apetite por dinheiro continue aumentando progressivamente, a ponto de o dinheiro tornar-se seu deus? O dinheiro em si não é ruim, mas o desejo por ele é pecado, porque, então, torna-se seu deus. Então, o que Moisés diz para aquele que viria a ser rei é que não deve buscar riquezas.

Conclusão da lista do que não se deve fazer

Em resumo, o que o rei não deve fazer: não adquirir muitos cavalos, não fazer o povo voltar para o Egito, não ter muitas esposas e não buscar riquezas. Esse resumo nos conduz a conceitos como poder, segurança, aprovação social e riqueza. E toda cultura, em todas as gerações, de um modo ou de outro, vive em busca desses quatro elementos. Seja você um rei sobre Israel, seja um crente que exerce seu ministério no Brasil de hoje, não se deixe seduzir pelo desejo de poder, segurança, aprovação social ou riqueza.


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A prioridade nº 1: o que o rei e você devem fazer Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num livro, do que está diante dos levitas sacerdotes. (Deuteronômio 17.18)

Será que a primeira coisa que um rei, ao assumir seu reinado, deve fazer é nomear seus ministros, chefes de Estado ou secretários de Defesa? Ou fazer uma auditoria? Não, nada disso é prioridade. A primeira coisa que o rei deve fazer é escrever sua própria cópia deste livro. Se esse livro se referia apenas ao livro de Deuteronômio ou se era o Pentateuco inteiro, os cinco primeiros livros, isso não sabemos. Mas o fato é que a primeira tarefa de cada rei de Israel era fazer sua cópia dessa lei. O rei deveria pegar uma cópia pronta, um rolo em branco, uma pena e, então, começar a copiar à mão, em hebraico. Naqueles dias, não havia impressoras, copiadoras ou nuvem, da qual você pudesse baixar sua versão preferida; assim, o rei copiaria tudo à mão, letra por letra, palavra por palavra. E essa cópia deveria ser feita com bastante cuidado, a ponto de ser sua própria cópia pessoal de leitura. Além de copiar cuidadosamente, ele traria essa cópia consigo e a leria todos os dias.

Quais as razões para Deus definir essa tarefa como a prioridade nº 1 no exercício de um rei?


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Temor ao Senhor e à sua Palavra E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o SENHOR, seu Deus, a fim de guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para os cumprir. (Deuteronômio 17.19)

Muitos crentes concordam em que é importantíssimo ler a Bíblia como um momento devocional diário e pessoal. Muitos falam da importância dessa leitura sistemática das Escrituras. Porém, isso não significa que tal momento implicaria desfrutar de um momento bíblico mágico, como se “ler meio capítulo por dia afastasse o Diabo”. Na verdade, é preciso lermos nossa própria Bíblia todos os dias com tamanha reverência a ponto de aprendermos a temer o Senhor. Nesse sentido, leia devagar, leia meditando nela, leia de joelhos. Aprenda a ler de uma forma tão cuidadosa que aprenda a temer o Senhor, seu Deus. Não causa admiração o fato de a Reforma Protestante ter insistido: Sola Escriptura, somente as Escrituras. Humildade Isto fará para que o seu coração não se eleve sobre os seus irmãos [...]. (Deuteronômio 17.20)

Se alguém ler as Escrituras com temor, não terá a si mesmo como superior aos outros. Da mesma forma, para


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o rei, era importante ler assim, para que seu coração não se elevasse sobre seus irmãos, pois ele poderia imaginar ter sido escolhido por Deus por ser superior a seus irmãos israelitas. O mesmo pode acontecer na Igreja. Com frequência, perpassam nossas mentes pensamentos como: “Devo ser melhor que os outros aqui. Afinal de contas, essa posição de líder, de diácono ou de responsável pela Escola Bíblica foi confiada a mim por Deus. Essa posição é minha porque devo merecê-la mais que os demais”. Quão diferente era a maneira de Paulo pensar! A verdade é que muitos de nós passamos a vida inteira imaginando se os outros pensam menos a respeito de quem nós somos. Paulo, por sua vez, estava preocupado com outra coisa. Em 1 Coríntios 12, ele teme que alguém pense a seu respeito mais do que ele realmente era. Assim, quis assegurar-se de que todos soubessem que ele se via como o pior dos pecadores. Uma das coisas mais importantes que você deve fazer para alimentar a humildade piedosa em sua vida é ler e reler a Palavra de Deus. Isso não somente porque ela nos traz encorajamento, como também porque faz um excelente trabalho ao revelar nossa própria hipocrisia. Você que prega, se costuma ler a Palavra de Deus apenas o suficiente para preparar o próximo sermão, não aprenderá a ser humilde. Pois pode até mesmo convencer a si mesmo de que seu sermão está bom o suficiente, mas, se ler a Palavra de Deus com frequência, ela o ensinará a ser humilde.


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Não se desviar do mandamento [...] e não se aparte do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; de sorte que prolongue os dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel. (Deuteronômio 17.20b)

Meu pai, Tom Carson, era pastor batista e plantador de igrejas na parte francesa do Canadá. Na verdade, nunca foi um pregador famoso; ele plantava igrejas na parte extremamente católica e as congregações para as quais pregava nunca chegaram a ter mais de quarenta membros. Além de haver muita dificuldade para ele se manter pregando, não era propriamente um pensador sistemático. Por tal razão, quando ele lia um livro ou um artigo sobre como ter sucesso e atrair mais pessoas em suas congregações, sentia-se tentado a seguir esses caminhos tortos. Mas o que salvou meu pai foi o fato de ser um leitor assíduo da Bíblia: ele simplesmente amava conhecer, ler e meditar na Palavra de Deus. Foi a Bíblia que o manteve no caminho, sem se desviar para a esquerda ou para a direita. Às vezes, encontramos nas igrejas irmãs ou irmãos bem idosos, com pouquíssima formação acadêmica. Eles não leram as obras dos grandes teólogos da história da igreja, mas amam ler as suas Bíblias. E, assim, a cada vez que um ensino extravagante e cheio de novidades chega às suas igrejas, eles começam a questionar: “E aquele versículos sobre esse assunto? Mas, então, o que Isaías 45 quis dizer?”. Eles não afirmam ter conhecimento superior; pelo contrário, têm


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suas mentes tão apegadas aos pensamentos de Deus e tão saturadas na Palavra de Deus que desenvolveram um “olfato apurado” para distinguir ensinamentos que são contrários à verdade bíblica. Assim, se esses versículos de Deuteronômio 17 tivessem sido cuidadosamente guardados pelos reis de Israel, toda a história do Antigo Testamento teria sido diferente. Os primeiros desvios, tanto para direita como para a esquerda, são aqueles que nos afastam da Palavra de Deus. Foi assim que a Serpente fez a cabeça de Eva em Gênesis 3, ao questionar: “Não disse Deus?”. Perceba que é possível resumirmos da seguinte maneira: você não é o que pensa ser; você é o que pensa. Você não é apenas o que diz, faz ou ama, mas, acima de tudo, você é o que pensa. Assim como está escrito: “Porque, como imagina em sua alma, assim ele é [...]” (Provérbios 23.7a). Lembremos, ainda, o que Paulo escreve aos romanos: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente [...]” (Romanos 12.2a). Portanto, não devemos nos conformar com este século, mas nos transformar continuamente pela renovação de nossas mentes. Porque você é aquilo que pensa. Portanto, se o que você pensa o tempo todo é pornografia, então, sejamos francos, você é um pervertido sexual. E, se você pensa o tempo todo em dinheiro, é porque é um materialista ou avarento. O que você pensa – é isso que você é. Portanto, Deus quer que tenhamos os mesmos pensamentos dele. Ele quer que leiamos e releiamos sua Santa Palavra. Para que a nossa visão de mundo, nossa maneira


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de pensar, nosso entendimento de Deus, nossa realidade, nossa salvação e tudo o mais que existe venham diretamente de Deus. Uma coisa, o Brasil não pode deixar de aprender com a Reforma Protestante, que é o seu próprio fundamento: Sola Escriptura, as Escrituras somente.

Oração conclusiva “Senhor Deus, lembramos aquilo que disseste pela boca do profeta Isaías. Sabemos que tu ouves aqueles de espírito humilde e que, com os corações contritos, tremem diante de tua Santa Palavra. E por isso te clamamos para que aqueles homens e mulheres que concluíram a leitura até aqui voltem para suas próprias rotinas e, movidos por seu Espírito, leiam e releiam tua Santa Palavra, até que aprendam a temer o Senhor. Em nome de Jesus Cristo. Amém.” - D. A. Carson


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