Nova Perspectiva Sistêmica 26

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e é o momento em que vemos famílias bloqueadas, emperradas (stuck). A palavra em inglês “stick” tem muitos significados. Como verbo, podemos usá-la em expressões como “sistema paralisado / emperrado”(stuck system) e “manter-se no caminho” (stick to the path), que são metáforas de rigidez. De modo semelhante, os antigos Romanos11 insistiam que os camponeses deviam atentar ao sulco (lira) enquanto aravam (stick to the furrow when they ploughed). Não fazêlo ressultava em de-lirium, um desvio de um caminho predeterminado. Isto também pode ser descrito em termos teatrais. Um roteiro é dividido em atos. Durante a encenação, um ato segue o outro até que a peça termine. Quando terapeutas vêm uma família, eles a vêm num certo momento da encenação, digamos no Segundo Ato. O problema é que quando a família vai à terapia, seus membros estão paralisados, por exemplo, no Segundo Ato. Eles vão ao palco e repetem o Primeiro Ato, sempre da mesma maneira ou talvez pior do que antes. Casais sempre repetem as mesmas coisas, o roteiro é sempre o mesmo. Eles precisam de alguém de fora que possa dar a eles opções e, portanto, aumentar o número de possibilidades – alguém que possa injetar um pouco de delírio na vida deles. Esta é a noção do terapeuta como co-autor, alguém que trabalha com o casal ou a família para reescrever o roteiro para o futuro. Por outro lado, cada sistema humano escreve a própria história, ela não é encenada por outros. Um terapeuta não é alguém que dá ordens a famílias sobre o tipo de roteiro que devem ter. O objetivo é facilitar a criação de possibilidades de que fala von Foerster e isto é feito atra-

vés de perguntas. Perguntas circulares, auto-reflexivas, que fortalecem e estimulam a imaginação. Na nossa opinião, a arte que aprendemos consiste, primeiro, em evitar, tanto quanto possível, usar o verbo “ser” no presente do indicativo – não só “ele é esquizofrênico”, “ele é um abusador”, “ela é anoréxica”, mas também “você é burro”, “você é maldoso”. Segundo, consiste em evitar o uso de conceitos causais, lineares, ao contrário do que ocorre na maioria das conversas no Ocidente, que são sobre quem causou o que, quem fez o filho “esquizofrênico”, a filha “anoréxica” ou “lésbica”, etc.

O ser e o devir

Como conciliar o determinismo estrutural com a ampliação da gama de possibilidades? Pensamos que o verbo “ser” é a “causa” de todo pensamento causal. Em hebraico, o presente do indicativo do verbo “ser” não é usado na terceira pessoa do singular. Trata-se do que Aristóteles denominou “o primeiro motor imóvel”. O conceito de causação – com todas as suas derivações – é atribuído a algo não-humano, algo poderoso demais para ser imputado aos seres humanos. Para os povos da Antigüidade, apenas deuses podiam ser “causas”: os seres humanos haviam sido simplesmente lançados ao mundo e, de certa forma, tinham um destino a cumprir. Em contraposição a essa concepção, nossos conceitos modernos de educação e criação foram moldados pela crença de que o comportamento e o caráter humanos podem ser modificados, tornados “bons” – e qualquer um que se recuse a ser modificado por sua educação torna-se “mau”.

Quem foi mesmo von Foerster? Gianfranco Cecchin, Pietro Barbetta, Dario Toffanetti

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