ARTE AFRICANA

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representação deste, não alterava o jogo de volumes e vazios, a postura do tronco, a posição dos braços, o dobrar das pernas, a serenidade ou a tensão do rosto; sua ambição era repetir a imagem de modo cada vez mais perfeito. No correr da vida, podia criar uma centena dessas esculturas, todas parecendo idênticas, mas cada uma delas diferente das demais, porque um momento distinto na busca da essência de um grande ancestral. Nem sempre um escultor seguia uma única tradição. Ele podia trabalhar em diferentes estilos. Fazer, por exemplo, três ou mais tipos de máscaras, para atender a diversas demandas. E pertencer a uma cultura que, embora apegada a seus cânones, não desprezava ou até estimava, em alguns casos, a novidade e a inventiva. Entre os iorubás, os artistas que talhavam na madeira as máscaras da sociedade gueledê repetiam e continuam a repetir o mesmo modelo, de fronte fugidia, olhos grandes, amendoados e salientes, com as pupilas furadas, nariz chato de narinas abertas, lábios grossos, levemente prognata. As cabeças repetem-se, a seguir as normas tradicionais, mas sobre cada uma delas, como se fosse um chapéu, desata-se, livre e soberana, a imaginação. Esta cabeça ostenta uma série de volutas, a imitar um elaboradíssimo penteado. Esta outra sustenta uma plataforma, onde caçadores encurralam um leopardo. Nesta terceira, mulheres lavam roupa e a estendem para secar. Cada artista quer ser original, irreverente ou criativo ao fazer uma máscara gueledê, mas é com um espírito inteiramente distinto, a seguir rigorosamente as regras, que esculpe a imagem de um orixá para um santuário local. Onde dois povos se tocavam, não seria de estranhar que os seus artistas se influenciassem mutuamente. Uma aldeia podia encomendar a imagem de um de seus deuses lares a um artista de prestígio de uma gente vizinha. Esse deveria esculpir de acordo com o modelo e as exigências do cliente, mas, ainda que não o desejasse, acabava por deixar na peça alguns traços de seu estilo grupal ou pessoal. Explicar-se-iam assim, por exemplo, certas esculturas bamanas talhadas à maneira senufa. E não se deve afastar a hipótese de que alguns artistas emigrassem de uma nação para outra, a convite ou por iniciativa própria, que recebessem aprendizes vindos de longe ou tivessem escolhido uma vida errante e andassem de terra em terra a vender os seus serviços. Assim podem ter-se difundido os estilos lubas e quiocos em Angola. Os grandes artistas eram conhecidos e admirados, embora, entre povos sem escrita, seus nomes pessoais não demorassem a morrer. Eram conhecidos e admirados do mesmo modo que os mestres tamborileiros

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