As Obras de Misericordia

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Pedrosa Ferreira


Ficha Técnica © Pedrosa Ferreira. 2015 © Edições Salesianas. 2015 Rua Dr. Alves da Veiga, 124 Apartado 5281 4022-001 Porto Tel: 225 365 750 Fax: 225 365 800 www.edisal.salesianos.pt edisal@edicoes.salesianos.pt Capa: Paulo Santos Paginação: João Cerqueira Impressão: ???????????????????????????????? ISBN: ????????????????????????????????????? D.L.: ??????????????????????????????????????


Apresentação No dia 11 de Abril de 2015, véspera do II Domingo da Páscoa ou da Divina Misericórdia, o Papa Francisco publicou a Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Marcou o início para o dia 8 de Dezembro, quando abrirá a Porta Santa, e o encerramento para o dia 20 de Novembro de 2016, solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo. Este Ano Santo comemora os 50 anos do encerramento do Concílio Vaticano II. O “lema” é o seguinte: “Misericordiosos como o Pai.” Nesta Bula, o Papa recomenda a necessidade de reflectirmos sobre as obras de misericórdia. Escreve ele: “É meu vivo desejo que o povo cristão reflicta, durante o Jubileu, sobre as obras de misericórdia corporais e espirituais. Será uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina. A pregação de Jesus apresenta-nos estas obras de misericórdia, para percebermos se vivemos ou não como os seus discípulos. Redescubramos as obras de misericórdia corporal: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. E não esqueçamos as obras de misericórdia espiritual: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e defuntos.” O Papa escreve, em seguida, que no final da vida seremos julgados pela maneira como cumprimos, com obras muito concretas, a nossa missão de ser misericordiosos com os necessitados. Afirma ele: 5


“Não podemos escapar às palavras do Senhor, com base das quais seremos julgados. Se demos de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede; se acolhemos o estrangeiro e vestimos quem está nu; se reservamos tempo para visitar quem está doente e preso (Cf. Mt 25, 31-45). De igual modo ser-nos-á perguntado se ajudamos a tirar da dúvida, que faz cair no medo e muitas vezes é fonte de solidão; se fomos capazes de vencer a ignorância em que vivem milhões de pessoas, sobretudo as crianças desprovidas da ajuda necessária para se resgatarem da pobreza; se nos detivemos junto de quem está sozinho e aflito; se perdoamos a quem nos ofende e rejeitámos todas as formas de ressentimento e ódio que levam à violência; se tivemos paciência, a exemplo de Deus que é tão paciente connosco; enfim se, na oração, confiamos ao Senhor os nossos irmãos e irmãs. Em cada um destes “mais pequeninos” está presente o próprio Cristo. A sua carne torna-se de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga… a fim de ser reconhecido, tocado, assistido cuidadosamente por nós”. Para ajudar as pessoas a fazerem esta reflexão pedida pelo Papa Francisco, publicamos este livro, que pode servir de texto de apoio para uma reflexão individual ou em grupo. Em cada uma das catorze obras de misericórdia recordamos o que “naquele tempo” Jesus fez e ensinou. Em seguida, o que poderemos fazer “aqui a agora” para sermos misericordiosos como o Pai celeste é misericordioso. Trata-se de cumprir o mandamento do amor. Um amor concreto, visível, com obras de misericórdia, seguindo os passos de Jesus. Cada qual verá o que pode fazer em cada circunstância: hoje um gesto, amanhã outro. Deste modo, estaremos sempre a caminho em direcção à felicidade total. Cada obra de misericórdia conclui com uma proposta de oração individual ou comunitária. 6


Obras de miseric贸rdia

corporais


Primeira DAR DE COMER A QUEM TEM FOME Naquele tempo

Jesus, que também passou fome quando foi tentado no deserto, teve compaixão dos famintos. Os evangelhos são unânimes em narrar a multiplicação dos pães e dos peixes. Esta narrativa aparece seis vezes nos quatro evangelhos. Caía a tarde, o lugar era desértico e ele recusou-se a enviar as pessoas famintas para casa, como sugeriu um discípulo. Abençoou os cinco pães e os dois peixes, doados generosamente por um jovem, mandou que os distribuíssem pela multidão e todos ficaram saciados. No fim, mandou guardar os desperdícios (Cf. Mt 14, 15-16). Jesus denunciou o egoísmo daqueles que comem lautamente e são insensíveis à situação dos famintos. Contou a parábola do rico gastador e do pobre Lázaro. Enquanto o rico fazia grandes banquetes, o pobre Lázaro na rua contentava-se com as migalhas que caíam da mesa do rico. Quando o pobre morreu, foi juntar-se aos eleitos, enquanto o rico, quando chegou o seu fim, foi parar ao lugar dos tormentos. Ainda suplicou a Deus que o deixasse ir avisar os seus familiares, a fim de os convencer a mudarem de vida, mas já era tarde. (Cf. Lc 16, 19 ss) Os primeiros cristãos punham tudo em comum, de tal maneira que ninguém na comunidade passava fome. Rezavam 8


a Deus Pai que “lhes desse o pão de cada dia”, trabalhavam para que houvesse todos os dias este alimento básico e estavam atentos de modo que houvesse lugar para todos à mesma mesa. (Cf. Act 4, 32 ss) Paulo escreveu aos cristãos de Corinto, repreendendo-os porque, quando se reuniam, cada um se apressava a tomar a sua própria ceia e, enquanto um passava fome, outro ficava embriagado. Recusavam-se a partilhar os alimentos fraternalmente. (Cf. 1 Cor 11, 20 ss.) Aqui e agora

A fome no mundo é um dos dramas inquietantes do nosso planeta. As estatísticas referentes a 2012-2014 dizem que há 805 milhões de pessoas que passam fome. Uma pessoa em cada nove. Este drama acontece sobretudo na África subsariana e na Ásia. Apesar do número estar a diminuir, a situação continua a ser alarmante. Também na Europa, atingida por uma grande crise económica e financeira, há 15 milhões de pessoas que passam fome, localizadas sobretudo nos países do sul. Em Portugal, no ano de 2013, cerca de um quarto das crianças não tinha a alimentação adequada. Estes e outros números aparecem frequentemente em jornais e revistas, ou são comentados na televisão. Mas os números servem para contabilizar quer pessoas a morrer à fome, quer coisas, objectos. Os números são frios. Eles não expressam os dramas de pessoas concretas, com nome e 9


apelido, com o direito mais elementar que é o de ocuparem um lugar à mesa da humanidade, a fim de se saciarem dos alimentos que são de todos. Todos devemos ter a capacidade de nos indignarmos perante esta injustiça. Ninguém pode dormir em paz enquanto houver uma criança que morre de fome. A nível mundial, há algum trabalho desenvolvido por organismos mundiais. Os governantes reúnem-se de vez em quando e tomam compromissos, como o de vencer a fome até ao ano de 2025. Existem as ONG (Organizações não governamentais) que declaram guerra à fome e os muitos Voluntários que partem para o terreno, para o Terceiro Mundo, dando peixe mas sobretudo ensinando a pescar. A nível de cada nação há programas no sentido de proporcionar a cada pessoa o alimento de que necessita para ter uma vida digna e saudável. Os cristãos têm mais motivos que os outros para dar de comer a quem tem fome. É uma forma de manifestar com obras concretas a misericórdia de Deus, cuja vontade é que todos tenham vida e a tenham em abundância.

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Oração

Maria de Nazaré, no seu Magnificat, glorifica o Senhor que faz maravilhas. Aos famintos encheu de bens. Recitemos este Cântico de Maria, com o desejo de colaborar com Deus neste projecto de saciar os famintos. (Cf. Lc 1, 46-55) A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende se geração em geração, sobre aqueles que o temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel seu servo, lembrado da sua misericórdia. Como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre.

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Segunda DAR DE BEBER A QUEM TEM SEDE Naquele tempo

Jesus sabia muito bem que na sua terra havia quem passasse sede. A Galileia era uma terra árida e pobre. Além disso, as temperaturas nesse território são muito elevadas. Por isso, a água era um dom precioso. Em Nazaré encontra-se ainda hoje a fonte de Maria, onde ela ia com o seu cântaro buscar água e, certamente, era uma ocasião para se encontrar com as pessoas da pequena e pobre cidade de Nazaré. Jesus, um dia, assegurou: “Quem der de beber, nem que seja um copo de água fresca, não ficará sem recompensa.” Jesus também passou sede. Num dia de calor, perto do meio-dia, passou pela Samaria, aproximou-se do velho poço de Jacob e pediu à Samaritana: “ Dá-me de beber”. O diálogo que se seguiu serviu para Jesus fazer com ela uma caminhada de fé, até a samaritana descobrir que se encontrava perante Jesus, que veio para dar uma água viva que mata a sede de felicidade e de vida eterna. Para Jesus, dar de beber a quem tem sede é também dar-lhe algo mais do que a água fresca que corre das nascentes. Um dia, Jesus foi convidado para um casamento em Caná da Galileia. Como viesse a faltar o vinho, Maria, sua mãe, quis 12


salvar a festa. Depois de falar Jesus, disse aos serventes: “Fazei tudo o que o meu filho vos disser”. Ele disse-lhes: “Enchei essas talhas de água”. Eles assim fizeram. Quando foram a provar a água, verificaram que se tratava de um vinho melhor que o anterior. A festa continuou em grande alegria. Maria salvou a festa.(Cf. Jo 2, 1-11) Jesus fez com a água um sinal para ser lido com fé: somos convidados para o banquete do Reino onde a água sem sabor será substituída por um vinho novo muito especial. Seremos verdadeiramente saciados. Aqui e agora

A falta de água potável é um problema mundial. Trata-se de um bem essencial para a vida, mas escasso. Há zonas do nosso planeta onde há crianças que morrem por falta de água potável ou por beberem água contaminada. A zona mais dramática é o Sahel, onde o deserto do Saará aumenta continuamente. Aqueles que governam os destinos dos povos precisam de fazer com que a água potável seja acessível a todos, pois pertence a todos. Dar de beber a quem tem sede significa para cada um de nós, cidadãos do mundo, não desperdiçar a água. Terá de a utilizar de forma responsável, consciente de que se trata de um bem escasso. Esta utilização correcta da água pode ­concretizar-se em não a desperdiçar no uso quotidiano, evitar a poluição dos rios e plantar árvores. 13


São-nos pedidos gestos pequenos. Se todos nos empe­ nharmos em considerar a água potável como uma riqueza como é o petróleo, haverá água suficiente para quem tem sede. Ninguém pode sobreviver muitos dias sem beber. Como Francisco de Assis, estimaremos esse dom tão precioso para a vida do corpo humano que é a água. De facto, o nosso corpo é formado quase completamente de água. No seu belo elogio, o pobre de Assis exclamou: “ Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água, a qual é muito útil e humilde, preciosa e casta”. Como Francisco de Assis, louvemos o Senhor pelo dom da água e por todos os que se empenham, para que os sedentos sejam saciados e tenham vida abundante.

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Oração

A sede de água evoca em nós, abertos ao transcendente, uma outra sede. Já o salmista a sentiu: a sede de Deus. Salmo 62 Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro como terra árida, sequiosa, sem água. Quero contemplar-Vos no santuário, para ver o vosso poder e a vossa glória. A vossa graça vale mais que a vida: Por isso, os meus lábios hão-de cantar-Vos louvores. Assim Vos bendirei toda a minha vida e em vosso louvor levantarei as mãos. Serei saciado com saborosos manjares e com vozes de júbilo Vos louvarei. Quando no leito Vos recordo, passo a noite a pensar em Vós. Porque Vos tornastes o meu refúgio, exulto à sombra das vossas asas. Unido a Vós estou, Senhor, a vossa mão me serve de amparo.

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Terceira VESTIR OS NUS Naquele tempo

Jesus contou a parábola do bom samaritano. Um desconhecido, indo de Jerusalém para Jericó, caiu nas mãos de salteadores, que o assaltaram e despiram, deixando-o quase morto. Um samaritano, ao vê-lo, teve compaixão dele. Fez-lhe os primeiros socorros e levou-o depois para uma hospedaria, encarregando-se de pagar todas as despesas. Esse desconhecido voltou a estar vestido e em condições para regressar a casa. Jesus concluiu a parábola, recomendando aos ouvintes para fazerem o mesmo. Quem vir alguém despojado das suas roupas e haveres, terá de ser misericordioso ao ponto de fazer tudo para cuidar dessa pessoa. Jesus gostava de ver as pessoas vestidas com simplicidade e beleza. No seu tempo, utilizava-se muito o linho. Jesus vestia uma túnica, que a sua mãe lhe preparou com amor materno. Tratava dela e de todas as outras peças de roupa, remendando-a quando necessário. Sabia que não podia pôr remendo novo em roupa velha. Porém, Jesus relativizou a maneira de vestir. Disse ele:” Por que vos preocupais com o vestuário? Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam! Pois eu vos digo que nem Salomão em toda a sua magnificência se vestiu como um deles” (Mt 6, 28). 16


O apóstolo Tiago, ao referir-se à importância das obras do cristão, pergunta: “De que serve que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e não lhe dardes o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará. A fé sem obras é morta”(Tg 2, 14-16). S. Basílio Magno afirmou: “As roupas que conservas em casa pertencem àqueles que estão despidos; os sapatos que deixais envelhecer inutilmente pertencem aos que andam descalços”. S. Martinho de Tours, segundo a lenda, cortou a sua capa a meio para com ela vestir um pobre que estava nu. Os Padres da Igreja são unânimes em dizer que, quando se trata de exercer a misericórdia, não basta comover-se perante a miséria das pessoas, mas é preciso mover-se, agir, fazer o bem. A fé sem obras não é fé cristã. Aqui e agora

As pessoas distinguem-se dos animais entre outras coisas porque, embora nasçam nuas, vestem o seu corpo. O sentido do pudor impele-as a cobrir o seu corpo, protegendo-o do olhar dos outros. A roupa tem uma função natural, enquanto protege o corpo ao longo das quatro estações do ano, sobretudo do frio dos dias e das noites. Mas ela tem também uma função social, pois é pela maneira de vestir que afirmamos a nossa personalidade, a nossa identidade, a nossa diferença. E também, ao vestir determinada roupa, revelamos qual a nossa actividade. 17


É uma obra de misericórdia vestir os nus, pois, infelizmente, sempre haverá pessoas necessitadas de roupa e de calçado. Enquanto uns poderão exibir roupas de luxo, apresentadas em desfiles de moda, outros passarão Invernos ao frio, sem abrigo. Já o profeta Isaias dizia que é este o jejum que agrada ao Senhor: vestir os nus. (Cf. Is 58, 6-7) Existe um outro nudismo, que é explorado pela indústria da pornografia e se encontra a um clic na Internet. Neste caso, são os actores ou actrizes porno que alugam o seu corpo como se de um objecto se tratasse, para fins comerciais. A obra de misericórdia a realizar consiste em proteger as crianças adequadamente dessa nudez. Falando de vestuário, não podemos ignorar essa veste que recebemos no dia do nosso baptismo. É bom recordar como é importante conservar limpa e sem mancha essa veste baptismal. S. Paulo diz concretamente de que veste se trata. “ Como eleitos de Deus, santos e predilectos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e ­perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também mutuamente. E, acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição.” (Col. 3, 12-15)

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Oração

Nós fomos revestidos com a veste baptismal, veste branca que simboliza a vida nova em Cristo. Inspirados em S. Paulo, oremos dizendo: R/Dai-nos, Senhor, o Vosso Espírito. 1. Para que nos dispamos do homem velho, pecador, e nos revistamos do homem novo à imagem de Cristo, oremos. 2. Para que nos revistemos de sentimentos de misericórdia, sendo bondosos para com os nossos irmãos, oremos. 3. Para que nos revistamos de sentimentos de perdão e sejamos compreensivos para quem nos ofende, oremos. 4. Para que nos revistamos de sentimentos de bondade e de humildade, de mansidão e de paciência, oremos. Pai nosso

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