Revista Real | Edição 1

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Apresentação

Sumário

Olá! Esta é a primeira edição da Revista

Crônica: Campeonato em família

Real, a ideia inicial é que seja uma revista que

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publique novos autores nacionais, como: contistas,

cronistas,

poetas,

Crônica: Poesia Batucada

escritores;

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apresentando suas obras, entrevistas e textos.

Capa: Como incentivar a literatura

Sendo distribuída gratuitamente na forma

nacional

digital.

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Agradeço a todos que se voluntariaram

Conto: Um momento sem dor

e acreditaram nesse projeto. Aos leitores,

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espero que gostem do conteúdo e divulguem o

Conto: Apelando pra vagabundagem

nosso trabalho. E você que deseja colaborar com a revista nas próximas edições, entre em contato conosco!

10 Recomendação

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www.revistareal.weebly.com D. V. Borges Diretor

Revista Real Em nome da nobre literatura nacional

DIRETOR D. V. Borges REVISÃO Gabriel Carramenha Peev Marina Ridente Herrador Natali de Lima Sorrentino

COLABORADORES Artemise Galeno Bruno Messias Vargas Carina Pilar Jéssica Aparecida Alves Mariana Sanches Moraes IMAGENS / ILUSTRAÇÃO Imagens de domínio público ENVIO DE CONTEÚDO contatoedicoes@gmail.com

A responsabilidade pelo conteúdo dos artigos assinados, vincula-se integralmente a seus autores.


Crônica – Campeonato em família Artemise Galeno fb.com/galeno50

A vida literalmente é comparada a um

A vida é dura como em campo, há sempre um

campo de futebol. Ora nos vestimos de

adversário e nem todas as vezes somos os

coragem... Ora de insegurança. Muitas vezes

melhores.

retrocedemos frente às diversidades ou

Neymar, mas precisamos acreditar em nosso

avançamos com determinação para vencer. O

potencial quando alguém tentar bloquear seu

campeonato já tinha começado e no silêncio

caminho. De repente sou arrebatada dos meus

da madrugada eu estava inquieta vendo meus

incansáveis pensamentos por causa do choro

filhos e netos dormindo. Senti angústia ao

que vem do outro quarto, é um netinho que

lembrar-me do momento em que eu havia

acorda e pede pra ficar na minha cama. Ainda

sido áspera com eles e percebi nitidamente

que eu balbucie monossílabas de conforto,

que

reconheço que meu papel de avó é muito

as lágrimas oficializavam

o meu

Não temos a habilidade de

arrependimento. Observei que meu marido

restrito,

dormia tranquilo e eu estava ali, orando por

minusculamente a falta da mãe ausente. Logo

minha família.

sou revitalizada pelo afago do netinho e nos

As

preocupações

me

deixavam

porém

ainda

consigo

suprir

acomodamos no leito até ele dormir.

impaciente.

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Fazendo uma brusca analogia da

Meus problemas não se dissipam como

minha história com um campeonato, percebo

termina uma partida de futebol, mas os

que cada um tem sua função, daí a

comparo quando tento driblar aqueles que

preocupação dos pais em cuidar da sua prole.

desejam impedir-me de ser feliz. Fazer um

Nesse âmbito familiar, eu consigo dominar o

gol é sempre bom, e criar um método

adversário tentando incutir nos meus filhos a

revolucionário como fizeram os alemães é

visão de que sempre haverá competição, seja

ainda melhor. E se eu fracassar? É só erguer a

no trabalho, ou na faculdade. Tentarão

cabeça, não deixar que a torcida revoltada te

sucatear teus sonhos para que desista.

detone com ofensas, mesmo assim poderá ser

Mais amanheceu.

uma Eu

noite

Pra final de campeonato, tenho uma

cansada. Tenho nas mãos uma Bíblia, é tudo

linda família, um marido que me ama, meus

em que acredito. Vejo que todos acordam

filhos terão seu próprio sustento, meus

eufóricos,

netinhos um futuro promissor... E por que não

surpreendida

sem

um vencedor.

sono,

sou

permaneço

findou-se;

pelos

dois

netinhos que me abraçam pedindo café; essa

fazer o gol da minha história? É gooool!

é a hora de arregaçar as mangas do seu time e dizer à torcida que está em campo para vencer. Ainda que as barreiras apareçam e que lamentavelmente surja um inesperado cartão amarelo... Afinal, quem não comete delitos? No final do primeiro tempo, meu marido chega de mansinho, talvez movido pelo resultado parcial do jogo, e me dá um beijo. Estranhei, não demorou muito pra que eu me observasse no espelho e tentasse esconder as rugas que denunciavam minha idade, mas era hora de resgatar meu relacionamento... São trinta anos de casados! Sigo em busca do gol pretendido, a torcida vibra... É minha família e amigos apoiandome nessa decisão, dando-me uma injeção de ânimo para prosseguir.

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Crônica – Poesia Batucada Mariana Sanches Moraes fb.com/umpenochaobasta Fico me perguntando às vezes se sou a

E, ainda assim, nos mantém ali, absortos e

única pessoa nesse mundo - de grande espaço

afundados em seus mil significados, em suas

para percorrer e pequeno colo para deitar -,

mil maneiras de nos fazer sentir alguma coisa

que

todos os

em algum lugar do corpo ou na alma inteira.

momentos. Todos. Os que se foram e os que

Mas quando se trata de alguém, sentimos tudo

virão. Momentos que nem sempre são meus.

junto e não há vontade firmemente disposta a

Fico imaginando a história de cada um que

desfazer o vínculo de uma música com uma

passa por mim na rua, de cada um que esbarra

pessoa. Pior ainda quando a música é a

os lábios nos meus, de cada um que troca

preferida e a pessoa, a que deveria ser

palavras comigo. Fico pensando em que tipo

esquecida. Música perdida.

tem

trilha

sonora

para

de música traduz seus sentimentos, que tipo

E continuemos com nossos rocks,

de voz conversa com seu coração, aguda ou

pops e punks para não dizer que não falei dos

grave, não sei. E gosto de acreditar na beleza

pagodes, sambas e axés. Mas o funk também

de suas trajetórias, ricas de aventuras ou

é música, então aqui registro sua marca,

tabus, com certa convicção nas melodias que

afinal, música é parte de nossas histórias. A

agradam seus ouvidos.

cada parágrafo, uma poesia batucada.

Músicas

dizem

muito

sobre

as

pessoas. Elas têm o dom de, em apenas um trecho,

significar

sensações

diferentes

dependendo do humor. É como se te esvaziassem na tristeza e preenchessem na alegria. Nada como uma boa música para um bom momento. Por isso, elas são assim tão nostálgicas, tão cheias de memórias antigas e sentimentos empoeirados. Música é som de fundo para saudade que não se explica, paixão que não se aquieta e solidão que faz padecer.

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Capa – Como incentivar a literatura nacional Carina Pilar carina@carinapilar.com

Você sabia que é possível ler

Então o que eu fiz? Como sou bastante

centenas de ebooks da Amazon de graça?

controlada na questão financeira fui fazer

Não sabia? Então você precisa conhecer o

uns cálculos. Verifiquei meu histórico de

Kindle

as

compras no site da Amazon e percebi que no

assinaturas de conteúdos digitais, como

ano anterior havia gastado uma média de 40

filmes e músicas, estão em alta. Estes

reais por mês com livros, mas estava longe

serviços permitem que você tenha acesso a

de terminar de ler todos. Ou seja, agora

um acervo enorme pagando apenas um

estava gastando a metade e lendo muito

pequeno valor mensal. A Amazon decidiu

mais. Virei fã do serviço! Sou assinante há

criar algo parecido. Pagando menos de 20

quase um ano.

Unlimited.

Hoje

em

dia

reais por mês, você consegue ler diversos livros sem pagar mais nada por isso.

O mercado literário digital está em constante crescimento. Os smartphones e leitores digitais, como o Kindle da Amazon, facilitam a leitura em qualquer lugar, seja no ônibus, no metrô, na fila do banco ou na sala de espera do médico. E você ainda pode

Vou contar um pouco da minha

levar dezenas de livros em um só lugar,

experiência. O primeiro mês dessa assinatura

pesando quase nada. Cansou do tema e

é de graça, então resolvi experimentar. Fiz o

deseja ir para a próxima leitura? Basta

cadastro e comecei a ler os livros, li sobre os

escolher outro livro. Terminou a história e

mais variados assuntos. Estava adorando

quer começar logo outra? Já inicie o

aquele novo formato. Tem coisa melhor do

próximo da lista!

que entrar em uma livraria e só apontar

Mas

vocês

devem

estar

se

“quero esse, esse e esse”? É assim que

perguntando “qual a relação de tudo isso

funciona, a única diferença é que a livraria é

com a literatura nacional?”.

virtual.

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Fim do Mundo”, Josy Stoque e seus romances, Cesar Bravo e suas histórias de terror e Raphael Draccon e suas fantasias. No acervo você também encontra diversas obras de Paulo Coelho, Ziraldo e Monteiro Lobato. As opções são enormes, desde clássicos da Devido ao custo e praticidade da publicação digital os autores independentes estão optando cada vez mais em seguir por este caminho. E a assinatura do Kindle Unlimited da Amazon proporciona uma visibilidade ainda maior para todas estas novas obras nacionais que estão surgindo. A variedade é enorme, desde contos, poesia, poemas e romances. A publicação digital é a porta de entrada para os livros físicos, vários autores criaram uma legião de

literatura brasileira como novidades de escritores iniciantes. Aproveite para conhecer novos nomes da literatura. E tudo isso pagando apenas aquele pequeno valor por mês. Então, que tal encher o seu Kindle com obras nacionais? Aproveite que o primeiro mês é de graça e conheça todos os mundos que a literatura nacional pode te levar, você não irá se arrepender!

fãs no mundo digital e agora seus livros estão em diversas livrarias. E quem faz isso acontecer é você, leitor.

Através desta assinatura você consegue apreciar as obras de escritores como Lauro Kociuba e seu livro “A Liga dos Artesãos”, Karen Alvares e seus livros “Alameda dos Pesadelos” e “Inverso”, Thiago d'Evecque e “Limbo”, Fábio Barreto e seu livro “Filhos do

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Conto – Um momento sem dor Carina Pilar carina@carinapilar.com

Eu havia acabado de acordar. Logo

rar o mundo. E o mais importante, sem dores.

percebi que algo estava diferente naquele dia.

Levantei da cama e troquei de roupa com

Virei-me de lado para levantar. Não senti

muita facilidade. Fui até a cozinha, servi um

aquelas

me

copo de suco de laranja e fiz algumas torradas

acompanhavam faziam meses. Sentei na

com manteiga. Aquele café da manhã foi

cama, não fiquei tonta. Muito bom, pensei.

revigorante. Estava com um gosto muito

Olhei a bengala encostada no criado mudo.

melhor do que em outros dias. Percebi que

Minha parceira dos últimos anos. Aquela

era cedo, o sol recém tinha nascido. Os

manhã eu estava confiante. Sentia que não

passarinhos cantavamlá fora. Ninguém na

precisaria dela. Levantei-me colocando todas

casa havia acordado. Resolvi dar uma

as minhas forças nas pernas. Percebi que nem

caminhada, respirar o ar fresco da manhã.

dores

nas

costas

que

foi muito necessário. Sentia-me forte como há vários anos atrás, nem me recordo quanto.

Terminei a refeição, peguei uma garrafa de água e um livro de bolso para me

Lidar com as dores era uma tarefa

acompanhar. Saí de casa e fui caminhando

diária. Assim como o coquetel de remédios

pela rua. O ar estava com uma temperatura

para tentar amenizá-las. Dores nas costas que

gostosa. Caminhar de manhã passa uma

às vezes vinham cortando de dentro para fora.

tranquilidade muito boa, sem o barulho dos

As pernas não tinham a mesma força. Ao

carros, sem a correria do dia. Somente

tentar caminhar muito, logo elas se cansavam.

algumas pessoas caminhando com seus

Quanto mais ficava sentada, mais difícil seria

cachorros. Fazendo sua corrida matinal. Mais

levantar. Mas eu já estava acostumada. É

um dia começando. Depois de caminhar cinco

como dizem, a idade não vem sozinha. E

quadras, com uma sensação de liberdade

quando você está quase completando 85 anos

maravilhosa, cheguei até o parque da

já faz algum tempo que vem comprovando

vizinhança. Fazia tempo que não caminhava

esse ditado.

até ali. Geralmente não aguentava terminar a

Mas

naquela

manhã

me

senti

diferente. Cheia de energia. Disposta a explo-

primeira quadra. O parque estava silencioso e agradá-

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vel. Sentei-me em um dos bancos próximos

Entraram no hospital e pediram por um nome

ao pequeno açude, no centro daquela bela

na recepção. Não consegui ouvir, pois quando

área verde. Aquela calmaria seria ideal para

os alcancei eles já estavam correndo para o

continuar minha leitura. Que saudade que

elevador. Acompanhei a viagem até o terceiro

tinha de passar horas naquele local, lendo e

andar. Atravessamos um grande corredor frio

apreciando a natureza. Li alguns capítulos e o

e triste até um dos quartos. Foi quando vi o

tempo voou. Olhei no relógio e já haviam

que estava acontecendo.

passado duas horas. Resolvi voltar para casa. Vão ficar preocupados comigo, pensei.

Enxerguei eu mesma deitada na cama. Cheia de tubos e com aquele computador

Voltei pelo mesmo caminho, observei

fazendo um bipe constante. A minha família

a diferença no movimento. A rotina estava

já estava toda ao meu redor. Minha filha

começando. Chegando perto de casa percebi

passava a mão em meus cabelos e chorava

que algo estava acontecendo. Meu genro

sem parar. Meu genro tentava acalmar as

havia tirado o carro da garagem. As crianças

crianças. Uma onda de choque percorreu meu

aguardavam na porta de casa com cara de

corpo. Tive que me apoiar na batente da porta

assustadas. Apurei o passo, sentindo a

para não cair. Senti alguém segurando a

urgência da situação. Minha filha saiu de

minha mão. Olhei para o lado assustada. Era

dentro de casa correndo. Colocou meus dois

minha

netos no banco de trás e sentou no carona. O

aproximadamente 15 anos atrás.

que está acontecendo?, questionei, mas

- Não se preocupe querida. Vai ficar tudo

minha filha apenas gritou: Vamos!

bem.

mãe,

que

havia

falecido

Mal deu tempo de pular dentro do carro e sentar próximo das crianças e a porta se fechou ao meu lado. Meu genro, que sempre foi uma pessoa calma, estava dirigindo feito um louco. Com o pisca alerta ligado não estava respeitando nem o sinal vermelho. Logo chegamos no nosso destino, o hospital no centro da cidade. Agora tive certeza que era alguma urgência. Saímos do carro, todos estavam com muita pressa. Segui atrás deles, tentando acompanhar o passo.

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Conto – Apelando pra vagabundagem Bruno Messias Vargas fb.com/brunomessiasvargas

Primavera de mil novecentos e oitenta e

com esse dinheiro, eu não. Época ferrenha, se

sete, ano acabando e eu sem um puto pila no

conseguisse, com a minha coroa, descolar uns

bolso. Não tinha emprego mas morava nos

pilas, no outro dia a porcaria já não valia nem

fundos da casa da minha mãe. Ali, um

um

muquifo com um fogão portátil de duas bocas

Comentava-se essa inflação por todos os

com gás por acabar, um toca-discos amável,

bares. Eu não tinha TV, não via, assim como

quatro discos no canto, uma pilha de fitas

não lia jornais porque o tempo não me

gravadas, colchão no chão e alguns panos

deixava.

enfiados dentro de um balaio velho que servia de roupeiro.

resquício

de

merda

de

cachorro.

Aí um parceiro meu bateu lá em casa certo dia. Queria me contar sobre um novo

Tirando a falta de dinheiro, a vida me

negócio que estava fazendo. Transporte de

mantinha em bom estado de paz e harmonia.

som. Comprou uma van Samba usada

A comida vinha da parte materna e o vizinho

precisando de reparos, sem ser reparada. Até

era meu amigo. Como enfrentávamos há

que andava, na base do esforço supremo.

algum tempo uma seca miserável, a casa do

A galera botava som em festas. Som

vizinho servia de lugar propício ao banho e

mecânico se dizia. Conhecia um monte de

ele me emprestava. Enfim, nada demais, tudo

gente que fazia isso e eles estavam mesmo

tranquilo. Tardes nas ruas, perambulando pela

sempre atrás de transporte. Eram caixas de

cidade pequena, noites fritando bife e batatas

som e o resto da aparelhagem. “Caixa de som

e depois curtindo as ruas novamente. Um

dá pra carregar em cima, atada”, dizia meu

círculo interessante de se rodar com a vida.

amigo Salsa, “e o resto a gente mete aqui

Mas a necessidade do emprego seguia

dentro”. Me fez uma proposta: “Trabalha

me enchendo o saco. Minha mãe nem fazia

comigo, a gente divide os lucros. Mais pra

questão de que eu trabalhasse mesmo. Meus

mim, claro, tipo, dividimo por três e ai tu fica

amigos não ligavam e eu não queria. Só que

com uma parte e eu com duas por causa da

as pessoas tinham dinheiro e faziam coisas

manutenção e tal e também porque tenho que pagá a kombosa”.

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“Fudeu o arranque, eu acho”, ele disse.

Se eu fosse um cara meticuloso, pensasse

nos

as

Nem sei se havia fudido o arranque ou não.

mais

Escutava o bicho girar, mas o motor é que

responsável, esperaria um tempo antes de dar

não atendia... Então empurramos numa

a resposta a um jovem cabeludo com uma van

ladeira a van tão carregada que devia ter o

enferrujada daquelas. Mas, por outro lado, se

peso de mais duas delas em suas costas, ou

fosse esse tipo de cara, bem o contrário do

mais.

oportunidades

prós

e

contras

oferecem,

se

que

fosse

que eu era, jamais estaria de vagabundo nos

Sobrevivemos e ela pegou no tranco.

fundos da casa da minha mãe em plena época

Ou melhor, Salsa sobreviveu, pois ele estava

de caos, com gente passando fome a reviria,

na direção. Faltou freio inclusive. Se nem

desemprego botando pelo ladrão, pessoas

freio tinha direito, imagina parar o bagulho

mendigando um trabalho por mais terrível

pesado! Só conseguiu diminuir a velocidade

que fosse. Por isso aceitei aquela aventura.

porque logo mais à frente tinha uma

Começamos a trabalhar numa sexta-

subidona.

feira de tarde. Sol rachando na cabeça, eu

Seguimos evitando as subidas, afinal de

com um bonezinho com marca de cigarro

contas, o motor não andava muito bem para

falsificado e desbotado que ganhei num bingo

subir territórios razoavelmente íngremes.

e o Salsa sem camisa assando o couro.

“Nem adianta arrumá isso, a grana que vai

Transportávamos caixas e mais caixas de som

entrá agora eu pego e negocio com o Juca”,

e uma aparelhagem de dar gosto. Coisa de

disse Salsa, “ele tem lá uma outra que tá

primeira linha. Coisa importada dos Estados

alienada. Aí me vende o miolo bem barato.

Unidos.

som

Tá tudo funcionando bem, o motor é um

mecânico tinham um lema de não confiar em

reloginho, precisa vê”. Não, não precisava

equipamentos nacionais. E o nosso cliente

ver.

Os

grandes

homens

do

não era um grande homem, mas tinha dinheiro. Seria a maior festa da cidade, realizada num clube desses de grã-finos, porém

aberto

ao

público

diferenciado.

Chegamos no local e descarregamos, mais uma vez pegando sol de matar e tomando um suador desgraçado. E no final recebemos pelo serviço. Receberíamos mais

Acontece que um político estava querendo

quando fôssemos buscar os equipamentos,

lançar uma boa imagem e começaria por ali.

parecia um negócio promissor.

Tudo em cima da máquina e o Salsa tentou meter bronca e nada do troço pegar.

Pensei que iríamos então cada um para sua casa, mas não foi isso.

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Tínhamos

mais

dois

serviços.

qual não me lembro direito.

Realmente se gostava do maldito som mecânico

naquela

época.

O

carregamento exigiu até além

último do que

simplesmente transportar. “Nesse a gente vai trabalhá”. Me explicou Salsa. “Vamo pegá

Meu passatempo preferido era gravar

uns pila aí só pra cuidá a festa”. Aquela era

músicas das rádios em fitas. Tinha muitas

festa organizada por outro político. Os

fitas, já falei. Quando a tarde descia, voltava

políticos brotavam de tudo quanto é canto na

eu pra casa, só pela janta, encontrando

época. Não sabia bem como se fazia isso, só

amigos pegando uma

sabia que estava nascendo políticos.

escutando um som, e as músicas se lançavam

brisa

na janela,

Pronto. Passei não somente um dia

por nossas vidas; os trabalhares se ajeitavam

inteiro como uma noite inteira trabalhando e

na frente das casas com um chimarrão em

ganhei um dinheiro tão pouco quanto a minha

punho, descansavam quando podiam... outros

vontade de trabalhar. E o cara ainda me solta,

trabalhavam até às onze da noite, outros mais.

na saída: “agora vamo recolhê uns bagulho”.

Minha condição de vagabundo me pareceu

Pois é, tínhamos que virar a noite e o dia, dois

bem melhor. As pessoas tinham muito

dias trabalhando direto.

trabalho, eram tristes numa época alegre, se

Assim se ganhava a vida na época. O

divertiam com som mecânico. A inflação as

tempo tinha cheiro de bolinho frito e bolo de

desnorteava, mecanizava, os filhos nasciam,

leite, os cães passavam fome com os

os pais morriam... filas se formavam,

moleques e mendigos nas ruas. Essas crianças

mercados faturavam com os ranchos mensais,

de rua fumavam as bitucas que os adultos

poupanças continuavam numa boa e algum

jogavam na calçada, os adultos fumavam

tempo depois sumiam do mapa, pão com

muito, bebiam muito. Uma das maiores

mortadela no jantar.

caridades era dar uma torrada e uma Coca

Não! Embora fosse legal andar pela

pros guris que moravam em caixas de papelão

cidade transportando caixas de som, se

no centro da cidade. Esses mesmos meninos,

tratava de um trabalho e esse trabalho me

quando em supostas vias de recuperação,

tirava a vida que eu tinha de aproveitar.

tentavam tirar uma grana lustrando sapatos. A

Não! Peguei a grana e deixei meu

rádio tocava as canções. Eu tinha um disco

amigo sozinho no negócio. Prefiro o solzinho

dos Engenheiros, dois do Pink Floyd e uma

que vem me visitar todas as manhãs, beijando

trilha sonora de novela, a

minha cama, aquecendo minha alma do que o 12


sol da penitência do trabalho que queima a alma, machuca o corpo. Na primavera de mil novecentos e oitenta e sete descobri minha profissão, a qual exerço até hoje...

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RECOMENDAÇÃO REVISTA REAL Nessa edição recomendamos o ebook “Countdown”, da autora Carina Pilar. A autora também é blogueira e escreve para essa revista! Confira a sinopse e onde encontrar:

Countdown A ameaça pegou de surpresa a humanidade. Ninguém sabia de onde vinha, como obtinha as informações que precisava para fazer o que estava fazendo. O que eles também não sabiam era que aquilo tudo fazia parte de um plano muito maior e mais complexo. E quando fosse concluído, não restaria mais ninguém para contar a história.

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REVISTA Em nome da nobre

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REAL literatura nacional.

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