Edições Loyola - E foram deixados para trás

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PE. LICIO DE ARAUJO VALE

E foram deixados para trás Uma reflexão sobre o fenômeno do suicídio




Agr adecimentos ger ais

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gradeço em primeiro lugar a Deus, por seu amor indizível para comigo, suas inúmeras intervenções e sua misteriosa e misericordiosa presença na minha vida. Agradeço ao meu pai Elias Pereira Vale, pelo dom da vida e pelo amor que me dedicou. Este livro é dele, sobre ele e para ele. Gostaria de agradecer ao querido amigo Augusto Mariotto Kater, no coração de quem esta obra nasceu primeiro. Ele é o grande responsável pelo desafio de escrevê-la. Quero agradecer também ao amigo Dalcides Biscalquin, que, ao me fazer um convite para participar do seu programa de televisão, desencadeou todo o processo de redação destas páginas. Agradeço imensamente a algumas pessoas que não hesitaram em colaborar comigo durante a pesquisa e redação deste trabalho, como também na busca de entrevistados e de insumos para que eu trouxesse informações plurais e de qualidade sobre o tema suicídio. São elas: Edenilson Marcelino Bezerra da Silva, Renato Papis Lopes, Rosemary Arsenovicz, Renata Poslednik Rufino, Hilcemara Rocha Barbosa, Adriana Serafim, Leonilde


Esquerdo, Auxiliadora Custódio Muniz da Silva, Armad Arman e Alaíce Kater. Especial e eterna gratidão à amiga e jornalista Andrelissa Ruiz, que sonhou este livro comigo e colaborou na elaboração e revisão do texto.


Agr adecimentos aos entrevistados

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ste livro nasceu de um convite para que, por meio da minha história, eu pudesse acolher em minhas palavras pessoas que pensam em cometer suicídio e familiares que foram deixados para trás por alguém que tanto amavam. No entanto, minha história e meu trabalho pastoral seriam pouco para um assunto tão alarmante e envolto em tanto preconceito. Era preciso mais! Estas páginas, portanto, foram construídas por diversas mãos com base em informações, conceitos e histórias que pude colher no período em que as escrevia. Sendo assim, não poderia deixar de expressar aqui a minha profunda gratidão aos especialistas que tive o prazer de entrevistar, os quais contribuíram muito para a produção deste trabalho ao trazer subsídios técnicos e teóricos sobre suas áreas de conhecimento. São eles: Lédice Lino de Oliveira1, psicóloga e psicanalista, mestra em Ciência da Saúde, compartilhou o seu conhecimento técni1 Mestra em Ciências da Saúde pela Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo. Docente do curso de Graduação


co de forma que eu pudesse aprofundar as questões psicológicas acerca do suicídio. Sheik Rodrigo Rodrigues, líder religioso muçulmano no Brasil, atua na Mesquita do Pari e trouxe muita sensibilidade à sua entrevista, além de fazer importantes conexões com conhecimentos da Sociologia, enriquecendo ainda mais nosso diálogo sobre o suicídio. Rabino Michel Schlesinger, líder religioso judaico no Brasil, da Congregação Israelita Paulista, e representante da Conferência Israelita do Brasil (Conib) no diálogo inter-religioso, foi extremamente solícito e receptivo, tratando do assunto com muito respeito à dor de quem comete suicídio e dos familiares que ficam, trazendo uma visão muito humana e esclarecedora acerca do tema. Mãe Rosana de Oxum (Rosangela B. dos Santos), sacerdotisa umbandista, que, como pessoa, demonstrou-se muito acolhedora aos que passam por um incidente de suicídio. Como líder religiosa, apresentou uma visão sistêmica muito solidária e extremamente necessária para lidar com quem passa por esse tipo de situação. Luis Izidoro, consultor da filosofia budista pela Brasil Soka Gakkai Internacional (BSGI) da regional Jardim das Oliveiras, e Saulo Sales, responsável pela região do Itaim Paulista, que compartilharam todos os detalhes acerca do budismo, semeando sempre o bem em suas palavras.

em Psicologia da Universidade Paulista (Unip). Graduada em Psicologia pela Universidade Paulista (2007) e aprimorada em Psicologia Hospitalar no Instituto de Infectologia Emílio Ribas (2009). Especialista em Psicossomática Psicanalítica pelo Instituto Sedes Sapientiae/SP. Membro fundadora do Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae. Experiência na área de Psicologia Clínica, Hospitalar e em atendimento a adolescentes com transtornos alimentares. Informação pessoal fornecida por meio de entrevista em janeiro de 2017.



SUMÁRIO

Apresentação .....................................................................17 Prefácio .............................................................................19 Introdução ........................................................................23 Capítulo 1 Dados do suicídio – Números alarmantes estão por trás do silêncio ........................................................... 27 Capítulo 2 Tabu – Uma venda que nos cega e nos cala ..................... 41 Capítulo 3 Deixados para trás ............................................................ 47 A história do abandono do meu pai .................................. 57

Capítulo 4 Os sobreviventes e a herança suicida ................................ 63



Introdução

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morte é inerente à vida, mas, mesmo assim, pensar nela causa-nos sentimentos ruins. Sim, a morte é natural, vai acontecer com todo mundo. No entanto, o que dizer sobre uma morte repentina, pela qual ninguém espera? Nesse caso, não estamos falando de um acidente, mas, sim, sobre suicídio: o ato de matar a si próprio1. O assunto é considerado tabu, por isso quase não se fala dele em lugar algum, nem mesmo entre as famílias que já perderam entes queridos dessa forma. O sentimento de tristeza profunda e as dúvidas que nunca serão respondidas tomam conta de quem fica. Foram deixados para trás, sem direito a despedidas, sem compreender os porquês... O suicídio é um ato complexo para ser analisado, podendo ser discutido sob os vieses jurídico, psicológico, social, religioso e filosófico, além dos aspectos subjetivos de quem foi deixado para trás. Estes carregam consigo momentos de culpa (“Como

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Do latim, sui = mesmo, e caederes = “matar”.


E foram deixados para trás

Para alguém de fé, esse pensamento é muito incômodo, por isso a abordagem do âmbito religioso também será um ponto deste nosso bate-papo em forma de livro. Digo bate-papo porque o ato de falar e escutar é essencial quando o assunto é suicídio. Uma vez, Padre Rui me disse que uma pessoa só se mata no auge do desespero. Penso, então: como curar um desespero? Talvez diluir esse desespero em conversas com quem possa nos ajudar possa ser uma saída. Da mesma forma quanto ao desespero de quem é deixado por alguém querido: não há nada a fazer para ter a pessoa querida de volta, mas há muito a fazer para acalmar o coração e a mente. A ideia de escrever estas páginas nasceu exatamente do desejo de contribuir para lançar luzes sobre o problema do suicídio, colaborar para que se fale mais a respeito da questão, aumentar a conscientização, partilhar como filho a experiência vivida pela minha família, cooperar com a superação do tabu em relação ao tema, defender a vida e divulgar a prevenção. O número de pessoas que buscam, na extinção da própria vida, a solução definitiva de seus problemas tem crescido assustadoramente. E sabemos que esse, sem dúvida, não é o melhor caminho. Este livro tem o objetivo de contribuir com informações sobre suicídio, pois é consenso entre estudiosos do tema que o conhecimento é a base da prevenção. O suicídio é uma questão e um problema de saúde pública, mas pode ser prevenido. Não se faz prevenção adequada sem informação consistente. Que esta leitura seja um convite para nos permitir falar de algo doloroso, mas respeitando a dor do outro, sem prejulgamentos. É preciso também conhecer mais sobre o assunto. Conhecer para prevenir, na perspectiva de que a informação é algo que nos fortalece e nos abre caminhos, os quais podem nos ajudar na compreensão, na compaixão, no amor e na atenção para com o próximo. 26


CAPÍTULO 1

Dados do suicídio – números alarmantes estão por tr ás do silêncio

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suicídio pode ser definido como “um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, usando um meio que ele acredita ser letal” (definição da Organização Mundial da Saúde – OMS). Apesar da pouca divulgação sobre os números do suicídio, isso não está ligado ao fato de ser um acontecimento remoto, muito pelo contrário. Consoante relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)/Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é responsável por uma morte a cada 40 segundos no mundo: Segundo dados de 2012 da agência da ONU, mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no mundo, sendo a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos. Setenta e cinco por cento dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda (NAÇÕES UNIDAS, 2016).

O último dado do Ministério da Saúde mostra que, em 2014, mais de 10.600 casos de suicídio foram contabilizados


E foram deixados para trás

Para a compreensão da ternura, vale conhecer o que os padres do deserto diziam sobre o amor. Perguntaram a um grande mestre: — Quando o amor é verdadeiro? — Quando é fiel — foi a resposta. — E quando é profundo? — Quando é sofredor — foi a resposta. — E como fala o amor? — O amor não fala. O amor ama.

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CAPÍTULO 4

Os sobreviventes e a her ança suicida

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morte é algo natural. Você sabe que, ao nascer, terá também que morrer, mas mesmo assim a morte não é bemvinda, pois rompe laços afetivos e é algo sem volta. São duas questões difíceis emocionalmente. Você conhece quantas pessoas que morreram por alguma doença? E por algum acidente? Muitas, não é mesmo? Então, mesmo sendo doloroso, sabemos que mais indivíduos já passaram por isso. Sentimo-nos acolhidos, incluídos, sabemos que aquela dor não foi enviada especificamente para nós. Ela é natural, faz parte dessa experiência que é a vida. No entanto, quando a pergunta é “Quantas pessoas você conhece que têm casos de suicídio na família?”, um instante de mudez se estabelece, ou porque não se conhece mesmo ou porque é melhor não falar sobre o assunto. Mais uma vez, a solidão. Ser familiar ou muito próximo de alguém que se matou é estar numa estatística silenciosa, é ter dificuldade para encontrar quem o entenda, é ter a sensação de que aquilo só aconteceu com você. E por que logo com você?


E foram deixados para trás

nossa vida, os quais vão se tornando desafios diários, atrapalhando nossas outras atividades cotidianas. Não é querer lembrar alguém querido que morreu com alegria, mas apenas não deixar que a dor se torne um fator paralisante para você. A dor continuará lá, porém não mais de forma desorganizada. Uma amiga psicóloga contou-me o que uma professora dizia sobre a psicanálise, e eu acho importante reproduzir essa ideia neste livro, pois ela, ao mesmo tempo que serve como ilustração, soa como conforto. Segundo essa professora, a cura da psicanálise é como a cura do queijo, ou seja, o queijo curado se transformou em outra coisa, continua sendo queijo, mas apresenta outro sabor, outro odor. Assim podemos fazer com a dor. A dor de perder alguém vai ser sempre uma dor, um marco triste de nossa vida, mas podemos dar a ela outro significado, outro sabor. Por exemplo, o sabor da saudade, e não mais da tristeza profunda; o sabor da gratidão pelo tempo vivido, e não mais da raiva pelo vazio, e por aí vai. Eu, por exemplo, nunca me esquecerei de que meu pai morreu por suicídio e de toda a dor que passei, mas a dor hoje ganha outros sentidos que me ajudam ainda mais a lidar com esse trágico acontecimento em minha vida. O tempo sempre é um grande aliado. Já se vão alguns anos que perdi meu pai, e a vida trata de nos conduzir da melhor forma, trazendo novos significados para a dor. Um deles é a gratidão. Como padre, acompanhar o sofrimento de tantas famílias que vivem a dor e a tristeza do luto só é possível graças a essa experiência vivida. Escrever este livro é, de certa maneira, reelaborar essa dor e essa saudade e, ao mesmo tempo, reconhecer a importância do amor que tenho e sinto por meu pai.

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