Evolução do contexto sócio histórico [unifacs] final

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO Autoras – Carla Ferreira de Castro Liana Almeida de Arantes Mirian Elizabet H. Collares Elpo



SUMÁRIO AULA 1 – INTRODUÇÃO À ACUMULAÇÃO CAPITALISTA......................................................... 9 Karl Marx e O capital............................................................................................ 10 A comunidade primitiva....................................................................................... 11 Relações de produção e modos de produção...................................................... 12 Escravismo, feudalismo e mercantilismo............................................................. 13 A crise do feudalismo e a revolução burguesa.................................................... 15 A gênese do capitalismo e a acumulação primitiva............................................ 17 As crises e as contradições do capitalismo.......................................................... 18 Capitalismo monopolista e serviço social............................................................. 18 Síntese.................................................................................................................. 20 Glossário............................................................................................................... 20 Pergunta para reflexão......................................................................................... 21 Questões............................................................................................................... 21 Leituras indicadas................................................................................................. 22 Sites indicados...................................................................................................... 22 Referências........................................................................................................... 22 AULA 2 – DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA.................................................................... 23 A origem das desigualdades sociais..................................................................... 24 A pobreza no Brasil: de onde vem?..................................................................... 25 Conceituando a pobreza....................................................................................... 26 Pobreza e empobrecimento................................................................................. 28 Indicadores de pobreza........................................................................................ 29 Políticas de combate à pobreza........................................................................... 31 Síntese.................................................................................................................. 32 Glossário............................................................................................................... 32 Pergunta para reflexão......................................................................................... 32 Questões............................................................................................................... 32 Leitura indicada.................................................................................................... 33 Sites indicados...................................................................................................... 33 Referências........................................................................................................... 33


AULA 3 – CAPITALISMO GLOBAL........................................................................................ 35 A globalização ou o capitalismo global................................................................ 36 As empresas transnacionais................................................................................. 38 As relações de trabalho na era da globalização.................................................. 39 A nova lógica das cadeias produtivas.................................................................. 40 Síntese.................................................................................................................. 42 Glossário............................................................................................................... 42 Pergunta para reflexão......................................................................................... 42 Questões............................................................................................................... 43 Leituras indicadas................................................................................................. 43 Sites indicados...................................................................................................... 43 Referências........................................................................................................... 44 AULA 4 – NEOLIBERALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL................................................................ 45 As origens da exclusão social............................................................................... 46 O neoliberalismo................................................................................................... 49 Pobreza e exclusão social no neoliberalismo....................................................... 50 Síntese.................................................................................................................. 52 Glossário............................................................................................................... 52 Pergunta para reflexão......................................................................................... 52 Questões............................................................................................................... 53 Leituras indicadas................................................................................................. 53 Sites indicados...................................................................................................... 54 Referências........................................................................................................... 54 AULA 5 – EXCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA......................................................................... 55 As dimensões da exclusão social......................................................................... 56 As noções de cidadania e de democracia............................................................ 58 Políticas × desigualdade no Brasil........................................................................ 61 Síntese.................................................................................................................. 63 Glossário............................................................................................................... 63 Pergunta para reflexão......................................................................................... 64 Questões............................................................................................................... 64 Leituras indicadas................................................................................................. 65 Sites indicados...................................................................................................... 65 Referências........................................................................................................... 65


AULA 6 – A ESTRUTURA SOCIAL BRASILEIRA...................................................................... 67 A abordagem sociológica de classe social........................................................... 68 As classes sociais no Brasil................................................................................... 71 Síntese.................................................................................................................. 74 Glossário............................................................................................................... 74 Pergunta para reflexão......................................................................................... 74 Questões............................................................................................................... 75 Leituras indicadas................................................................................................. 76 Sites indicados...................................................................................................... 76 Referências........................................................................................................... 76 AULA 7 – ESTRUTURA DA SOCIEDADE BRASILEIRA: DA COLONIZAÇÃO À URBANIZAÇÃO..... 77 Do Brasil colônia à industrialização...................................................................... 78 A industrialização brasileira.................................................................................. 80 A urbanização brasileira....................................................................................... 82 Síntese.................................................................................................................. 86 Glossário............................................................................................................... 86 Pergunta para reflexão......................................................................................... 86 Questões............................................................................................................... 86 Leituras indicadas................................................................................................. 88 Sites indicados...................................................................................................... 88 Referências........................................................................................................... 88 AULA 8 – DIREITOS HUMANOS E SOCIAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA............................... 89 Direitos humanos na sociedade brasileira............................................................ 90 O papel da sociedade civil na garantia dos direitos humanos............................ 92 A noção de direito à assistência social................................................................. 94 Síntese.................................................................................................................. 96 Glossário............................................................................................................... 96 Pergunta para reflexão......................................................................................... 97 Questões............................................................................................................... 97 Leituras indicadas................................................................................................. 98 Sites indicados...................................................................................................... 98 Referências........................................................................................................... 99



APRESENTAÇÃO Querido(a) aluno(a), Não temos dúvidas do quanto será enriquecedora esta disciplina para a compreensão da sociedade capitalista e da forma como vivemos e nos relacionamos. Ela vai possibilitar a relação imediata do nosso cotidiano com o mundo, pensado globalmente, pois trataremos de temas como desigualdade social, pobreza, violência, exclusão social, globalização, consumismo, metrópoles e direitos sociais e humanos, os quais, em vez de serem banalizados, serão contextualizados e discutidos. Acreditamos que, a cada aula discutida, debatida e esclarecida, mudaremos nossa forma de ver o mundo e a sociedade em que vivemos, ainda mais o profissional de Serviço Social, que atua diretamente nas expressões da questão social. Logo, investigar a evolução no contexto sócio-histórico é de extrema relevância, não só para o êxito acadêmico, como também para a nossa formação e atuação profissional. A proposta e o cuidado que tivemos ao elaborar este material giram em torno de articular conceitos e teorias com os fatos cotidianos. Por isso, acreditamos que será uma leitura agradável, estimulante e crítica. Aproveite, pois já estamos motivadas para começar este aprendizado! Mãos à obra! Professoras Carla Castro, Liana Arantes e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo



AULA 1 Introdução à acumulação capitalista

Autoras: Carla Ferreira de Castro, Liana Almeida de Arantes e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes.” (Marx e Engels) Olá! Nesta primeira aula, você está convidado a compreender as principais manifestações e os princípios que originaram o capitalismo como mecanismo civilizador do moderno mundo ocidental. Aproveite!


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

KARL MARX E O CAPITAL

Fonte: http://en.wikiquote.org/wiki/Karl_Marx

Karl Marx (1818–1883) é um dos pensadores mais populares e importantes que temos nas ciências humanas e sociais. Você sabe por quê? Porque foi quem melhor descreveu a sociedade moderna capitalista. Em sua obra O capital, de muito trabalho intelectual e pesquisa, Marx descreveu como se originou e como se desenvolveu a sociedade capitalista. Pesquisador e agente revolucionário, Marx construiu uma obra repleta de referências ao caráter imperativo dos trabalhadores no processo de construção histórica da sociedade. Nessa perspectiva, criou um paradigma científico, uma corrente de pensamento composta por uma gama de pesquisadores de várias ciências, em especial das ciências sociais aplicadas. Marx é considerado o criador da Economia Política como ramo autônomo de pesquisa. A primeira teorização do capitalismo como modo de produção particular foi realizada por ele, após sua aproximação às ideias revolucionárias que desabrochavam no movimento operário europeu, pouco depois de finalizar seu doutorado em Filosofia (Jena – 1841). Todos os seus ânimos foram dirigidos para cooperar na organização do proletariado e romper o predomínio de classe da burguesia, ou seja, para que, através da questão proletária, fosse factível realizar a emancipação humana. Segundo a teoria marxista, a organização das sociedades anteriores ao modelo de produção capitalista compreendia o trabalho como fator de produção, recurso para a subsistência e elemento de integração e participação social. Segundo Netto e Braz (2007), a base da atividade econômica é o trabalho, pois ele torna possível a produção de qualquer bem e gera valores que constituem a riqueza nacional.

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O trabalho é exclusivo da espécie humana. Constitui-se de instrumentos e exige habilidades e conhecimentos que se adquirem, inicialmente, por repetição ou experimentação, e que se conduzem mediante aprendizado. O trabalho é uma atividade projetada, conduzida a partir do fim proposto pelo sujeito e é, sempre, atividade coletiva, ou seja, aquilo que se denominará de social. Por meio do trabalho, a sociedade é compreendida como a natureza transformada que propicia as condições de manutenção da vida de seus membros. O que varia, historicamente, são a modalidade da relação da sociedade com a natureza e os tipos de transformação. É pelo trabalho que a sociedade age sobre os elementos naturais para deles se servir, bem como opera os meios empregados nesse processo. Em suma, foi através do trabalho que a humanidade se constituiu como tal.

A COMUNIDADE PRIMITIVA A comunidade primitiva (compreendida desde o surgimento da vida humana até o desenvolvimento da escrita) durou mais de trinta mil anos. Esse período foi dividido em Paleolítico, Neolítico e Idade dos Metais: os abrigos eram toscos, a alimentação obtida pela coleta de vegetais e de caça eventual, predominando o nomadismo. As atividades (pesca, caça e coleta) eram partilhadas por todos e não havia propriedade privada – o que se pode chamar de comunismo primitivo.

Fonte: http://www.laizquierdasocialista.org/node/3130

Depois, a domesticação de animais e o surgimento da agricultura acarretaram transformações nas relações dessas comunidades com a natureza. Tendo aperfeiçoado o uso de instrumentos de 11


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trabalho, inclusive metais e a descoberta de suas ligas, os homens começaram a controlar o tempo (as estações do ano, o intervalo entre semeadura e colheita) e algumas forças naturais (a irrigação, por exemplo). E essas mesmas características responderiam pela dissolução da comunidade primitiva. Assim, surgiu o excedente econômico: a comunidade começava a produzir mais do que carecia para cobrir as necessidades imediatas. O que alguns economistas designam como excedente é “[...] a diferença entre o que a sociedade produz e os custos dessa produção. O volume do excedente é um índice de produtividade e riqueza” (BARAN; SWEEZY apud NETTO; BRAZ, 2007, p. 57). Dois efeitos prontamente se farão notar: a) de um lado, junto a uma divisão maior na distribuição do trabalho (o artesanato avança e se torna relativamente mais especializado), produzem-se bens, que, não sendo utilizados no autoconsumo da comunidade, destinam-se à troca com outras. Nasce a mercadoria e, com ela, surgem as primeiras formas de troca (comércio); b) por outro lado, a possibilidade de acumulação abre a alternativa de explorar o trabalho humano. Com a exploração, a comunidade se divide, antagonicamente, entre aqueles que produzem o conjunto dos bens (os produtores diretos) e aqueles que se apropriam dos bens excedentes (os apropriadores do fruto do trabalho dos produtores diretos). Quando a acumulação se concretiza, a comunidade primitiva entra em dissolução, sendo substituída pelo escravismo. O surgimento do excedente econômico trouxe o desenvolvimento do processo de trabalho, cujo conjunto de elementos (abaixo) se designa como forças produtivas: a) os meios de produção; b) os objetos de trabalho; c) a força de trabalho. A força de trabalho é a mais preciosa das forças produtivas: […] na força de trabalho, o caráter histórico das forças produtivas revela-se de maneira privilegiada: o crescimento da produtividade do trabalho (isto é, a obtenção de um produto maior com o emprego da mesma magnitude do trabalho) depende da força de trabalho, da sua capacidade para mobilizar perícia e conhecimentos (quanto mais verdadeiros, rigorosos e científicos, mais eficientes). (NETTO; BRAZ, 2007, p. 58).

RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E MODOS DE PRODUÇÃO Segundo Netto e Braz (2007), o crescimento da produtividade surge ligado à repartição do trabalho. Antes mesmo do aparecimento do excedente econômico, na comunidade primitiva diferenciavamse as atividades de homens e mulheres. A divisão sexual é a primeira forma de repartição do trabalho; posteriormente, dividiu-se o trabalho entre artesanal e as ocupações agrícolas, num processo que depois desembocaria na divisão entre cidade e campo, e na grande clivagem entre atividades manuais e intelectuais. Com efeito, à medida que se desenvolveram a capacidade produtiva e seu volume de excedentes, a sociedade dividiu as ocupações necessárias à produção de bens entre seus membros – instaurando a divisão social do trabalho. Assim, nas sociedades onde ocorre a propriedade privada dos meios 12


AULA 1 - INTRODUÇÃO À ACUMULAÇÃO CAPITALISTA

de produção fundamentais, a situação dos membros depende da sua posição diante desses meios. A propriedade privada os divide em dois grupos com interesses antagônicos: os proprietários e os não proprietários dos meios de produção fundamentais. O proprietário capitalista deseja preservar seus direitos à propriedade dos produtos e à máxima exploração do trabalho do operário. O trabalhador, por sua vez, procura diminuir a exploração, lutando por menor jornada de trabalho, melhores salários e participação nos lucros. Resumindo: é na propriedade privada que está a origem das classes sociais. O modo de produção é a articulação entre as forças produtivas e as relações de produção. Outro detalhe é que ele varia através da história. O desenvolvimento dessas forças e relações não obedece aos mesmos ritmos: comprovou-se, historicamente, que as relações de produção são muito mais dinâmicas do que as forças produtivas. Embora tenham perdurado por séculos, os modos de produção são atravessados por contradições. Cada um deles que a humanidade conheceu apresentou peculiaridades que o distinguem dos demais. […] pode-se afirmar que, no modo de produção, encontra-se a estrutura (ou base) econômica da sociedade, que implica a existência de todo um conjunto de instituições e de ideias com ela compatíveis, conjunto geralmente designado de superestrutura e que compreende fenômenos e processos extraeconômicos; as instâncias jurídico-políticas, as ideologias ou formas de consciência social […] as características da estrutura sempre foram mediatas e indiretamente determinantes para a configuração da superestrutura. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 61).

ESCRAVISMO, FEUDALISMO E MERCANTILISMO O modo de produção escravista no Ocidente se estruturou por volta de 3.000 anos a.C., configurandose no que denominamos Mundo Antigo e perdurou até a queda do Império Romano (por volta de 476 d.C.). Com a possibilidade de o homem produzir mais do que consome – isto é, produzir um excedente, como foi mostrado anteriormente –, tornou-se compensador escravizar e explorar através da força e/ou da violência. Desse modo, a organização da sociedade se dividiu em dois polos: no cume, uma minoria de proprietários de terras e de escravos e, na base, a massa de homens escravizados, que não possuía sequer o direito de dispor sobre a própria vida. Entre esses gravitavam camponeses e artesãos livres. Segundo Netto e Braz (2007), considerando que parte do excedente econômico tomou forma de mercadoria (ou seja, valores de uso produzidos para troca), o comércio começou a se desenvolver. Isso implicou o aparecimento do dinheiro (meio de troca) e de um grupo social dedicado à atividade mercantil (os comerciantes e os mercadores).

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Fonte: www.wikipedia.com.br

No escravismo, a sociedade era dividida em classes sociais fundamentais, diferenciadas dos demais grupos sociais. À época, surgem as primeiras formas de poder político condensadas, as quais vão originar, conceitualmente, o que entendemos por Estado. Engels (2008) assinala que foi com o escravismo que a humanidade abandonou o estágio da antiga barbárie e ingressou no estágio da civilização. O escravismo significou, assim, um avanço na humanidade, mesmo com todos os seus horrores. Para Netto e Braz (2007), o apogeu do escravismo se identificou com o apogeu do Império Romano. Por isso, a crise deste foi um golpe de morte naquele. Vejam os principais fatores que colaboraram para isso: » » a grandeza do Império Romano reclamava um enorme excedente econômico para manter a repressão aos escravos, a submissão dos povos conquistados e o parasitismo dos grandes proprietários; » » a disseminação do trabalho escravo representou a ruína e a destruição de outras formas de trabalho, como o do artesão e o do camponês. Isso se deu porque o trabalho livre se tornou mais amplo, potencializado pelo desenvolvimento de novas forças produtivas: inventou-se a roda dentada, passou-se a fundir e a utilizar o ferro e o bronze, generalizou-se o emprego da tração animal, surgiram as alavancas e o parafuso de Arquimedes, o arado pesado, a confecção de pregos, a plaina de carpinteiro, o moinho d’água, os guinchos e a roda hidráulica. Ao cabo de um período de transição, impôs-se o modo de produção feudal. A propriedade da terra constituía o fundamento da estrutura social; a sociedade se polarizava entre os senhores e os servos. A Igreja Católica detinha grandes extensões de terra, fonte de riqueza que respaldava seu enorme poder. Vale ressaltar que a condição servil dos camponeses, no modo de produção feudal, diferenciavase da condição dos escravos no Mundo Antigo. Os camponeses dispunham de instrumentos de trabalho e retiravam seu próprio sustento da terra. A sociedade feudal apresentava, então, uma nova configuração social: agora estava dividida em três grandes classes: a nobreza, o clero e os servos (entre esses, os artesãos e camponeses).

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Fonte: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESLH/Edicoes/47/artigo244648-1.asp

O final da Idade Média foi também o término do sistema feudal, pelo qual o rei concedia a posse das terras aos grandes senhores, que mantinham as relações servis de produção, caracterizadas pelo trabalho de servos e escravos. Com o crescimento do comércio entre as cidades, os camponeses passaram a ter mais liberdade para negociar sua produção, melhorando suas condições de vida, seu status social e ocupando posição de destaque no sistema produtivo feudal. Foi com a ascensão social camponesa que as relações feudais de produção foram dando margem para a emergência do mercantilismo. O mercantilismo (do século XV ao XVIII) criou as bases do sistema capitalista, a partir de um comércio que ia além da simples troca de produtos. A transação de compra e venda de mercadorias se estendeu ao processo de produção. De um lado, estão os donos dos meios de produção (os burgueses) e, de outro, os proprietários da força de trabalho (os trabalhadores assalariados). Eis, então, a fórmula da produção capitalista, que se tornaria a estrutura da sociedade como a conhecemos ainda hoje.

A CRISE DO FEUDALISMO E A REVOLUÇÃO BURGUESA O século XIV foi marcado pela crise do feudalismo que culminou no final do século XVIII. A peste negra, vinda da Ásia em 1348, dizimou um quarto da população europeia. Além disso, os confrontos sociais entre servos e senhores – classes fundamentais no modo de produção feudal – acirraramse. Datam do século XVI os seguintes movimentos camponeses: guerra camponesa na Flandres Ocidental (1320); levante do campesinato francês (1358); revolução camponesa na Inglaterra (1381); revolta dos servos da Catalunha (1462); insurreição do campesinato calabrês (1469) e guerras camponesas na Alemanha (1525). Do ponto de vista econômico, mediações de natureza mercantilista penetram nas relações básicas da economia feudal entre os próprios senhores (a terra começou a ser objeto de transação mercantil) e entre senhores e servos (as prestações em trabalho e espécie começaram a ser substituídas por pagamentos em dinheiro). Aquilo que era próprio de um segmento da ordem feudal, a economia mercantil urbana, cada vez mais consolidada e ampliada,

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pouco a pouco iniciou uma irreversível expansão. Do ponto de vista político, ocorre uma centralização de poder, que vai encontrar sua expressão maior na formação do Estado nacional moderno, através do surgimento do estado absolutista. [...] Com efeito, é com o Absolutismo, a partir do século XVI, que surgem as estruturas próprias do Estado moderno, articulador da nação: uma força armada sob um comando único, uma burocracia e um sistema fiscal. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 72).

O Estado absolutista servia como instrumento dos senhores feudais. Para cumprir com essa função, criaram-se órgãos que se chocavam com um ou outro senhor feudal singular e que não contrariavam os interesses dos grupos mercantis mais ricos (a nascente burguesia). Para exemplificar a situação, a centralização política colidia com a cobrança de pedágio feita pelos senhores feudais, prática que acabou sendo suprimida – isso favoreceu os grandes comerciantes. Outra situação foi a criação de uma força armada única, que desmobilizou as milícias particulares dos senhores feudais e passou a garantir a segurança das caravanas comerciais. […] a centralização do poder político nas mãos de um monarca absoluto atendeu, num primeiro momento, aos interesses do conjunto da nobreza e dos grandes comerciantes – financiadores, os últimos, do custo cada vez maior das novas instituições e seus órgãos. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 73).

Além disso, a expansão das atividades mercantis, que agora tinham amplitude internacional, presenciava o nascimento da manufatura. Havia o choque com a estrutura do Estado absolutista, no qual surgiam forças produtivas que exigiam novas relações de produção. O século XIX foi marcado pela queda do Antigo Regime e o surgimento do Estado burguês. Trata-se do modo de produção capitalista, gestado no ventre do feudalismo, no interior do qual a produção generalizada de mercadorias ocupava o centro da vida econômica. O desenvolvimento do comércio e a Revolução Industrial (a partir de 1760) introduziram inovações técnicas na produção, que aceleraram o processo de separação entre o trabalhador e os instrumentos. Os artesãos, isolados, não podiam competir com o dinamismo das nascentes indústrias e, com isso, multiplicou-se o número de operários, isto é, trabalhadores “livres” expropriados. Nem o escravismo nem o feudalismo podem ser considerados modos de produção de mercadorias. Apenas o capitalismo tem tal atributo. A produção mercantil simples se caracteriza pelo trabalho pessoal e pelo fato de que os artesãos e camponeses são os proprietários dos meios de produção que empregam. Esse tipo de produção não implicava relações de exploração e, com o desenvolvimento do comércio, alterou-se sensivelmente. Antes dessa crescente intervenção, o produtor levava ao mercado a sua mercadoria para vendê-la, a fim de obter outras mercadorias de que carecia para o seu consumo pessoal ou as matérias-primas e instrumentos necessários à continuação do seu trabalho. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 81).

Os comerciantes se introduzem entre os produtores e os consumidores. Sua atividade consiste em encontrar mercadorias que podem comprar a preços baixos e revender a preços altos (lucros). De outro lado, alteram-se as condições em que operavam autores diretos. Processava-se uma diferenciação entre os artesãos: uma minoria de mestres enriqueceu às expensas de seus jornaleiros e aprendizes – a antiga solidarie-

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dade de pares se dissolveu e dos mestres emergiu uma camada de patrões. Também os camponeses que destinavam seu excedente para o mercado foram impactados: uma minoria enriqueceu e a maioria se arruinou. Já no século XVIII, a produção mercantil simples viu-se deslocada pela produção mercantil capitalista. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 82–83).

A diferença entre produção capitalista e produção mercantil simples está na exploração da força de trabalho, que o capitalista compra mediante o salário. […] os ganhos (lucros) do capitalista, diferentemente dos ganhos do comerciante, não provêm da circulação: sua origem está na exploração do trabalho – reside no interior do processo de produção de mercadorias, que é controlado pelo capitalista. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 83).

O capitalismo altera a organização social. A sociedade capitalista é dividida em duas classes fundamentais de produção: o capitalista (burguês) e o proletário (operário). Assim, as desigualdades desencadeadas pelas relações de produção que dividem os homens – entre proprietários dos meios de produção e não proprietários – são responsáveis pela criação da sociedade de classes, ou seja, uma sociedade caracterizada pela desigualdade. Nesse cenário residem a exploração, a oposição, o antagonismo e a luta de classes. Isso porque a posse dos meios de produção, como propriedade privada, faz com que os trabalhadores, para sobreviver, precisem vender sua força de trabalho ao empresário capitalista. Em troca, recebem um salário. Os interesses de empregados e empregadores são inconciliáveis. O empregador deseja obter o máximo de lucro através da exploração do trabalho do operário; o trabalhador, por sua vez, deseja melhores salários e participação nos lucros. Em síntese, o surgimento do modo de produção capitalista foi possível por duas condições: alto grau no desenvolvimento da produção de mercadorias e correspondente aumento do papel do dinheiro nas trocas. Esses fatores já são visíveis no interior do feudalismo, a partir dos séculos XV e XVI.

A GÊNESE DO CAPITALISMO E A ACUMULAÇÃO PRIMITIVA Marx considerou a acumulação primitiva (final do século XV até meados do século XVIII) como “a pré-história do capital e do modo de produção que lhe é próprio”. Mas não foi apenas o acúmulo da capital mercantil que propiciou o aparecimento dos compradores de força de trabalho: a outra face da acumulação primitiva foi, quase no mesmo decurso temporal, uma expansão ampliada daquele capital, também através de métodos que nada ficam a dever à barbárie praticada contra os camponeses. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 87).

O modo de produção capitalista se consolida na passagem do século XVIII ao XIX. Impera na economia das sociedades mais desenvolvidas (centrais), vigora na economia das sociedades menos desenvolvidas (periféricas) e se torna um sistema planetário no século XXI. O capitalista, dispondo de uma soma de dinheiro (D), compra mercadorias (M) – máquinas, instalações, matérias (brutas e primas) e força de trabalho – e fazendo atuar, com a ajuda das máquinas e dos instrumentos, a força de trabalho sobre as matérias no processo de produção (P), obtém mercadorias (M’) que vende por uma soma de dinheiro superior à que investiu (D’). É para

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apropriar-se dessa quantia adicional de dinheiro, o lucro, que o capitalista se movimenta. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 96).

O dinheiro, em si mesmo, não é capital. Ele se converte em capital apenas quando compra força de trabalho e mercadorias para produzir novas mercadorias (novos valores de uso e de troca) que serão vendidas por mais dinheiro. […] o que mobiliza a produção é a produção da mais valia, que constitui a forma típica do excedente econômico nesse modo de produção. Ora, sem o K constante (o trabalho morto), é impossível produzi-la; o K constante é uma condição necessária para produzir mais-valia; porém não é, nem de longe, condição suficiente – esta é representada pela FT (que devemos designar trabalho vivo): a mais-valia é criada exclusivamente por ela. Assim, o K não explora capital constante (meios de produção, o trabalho morto) – explora a FT, o trabalho vivo. Por isso, o K foi comparado por Marx ao vampiro: só existe “sugando trabalho vivo e […] vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga”. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 102).

AS CRISES E AS CONTRADIÇÕES DO CAPITALISMO A partir da Segunda Guerra Mundial, surgem instituições nacionais e supranacionais com o objetivo de reduzir o impacto das crises. As crises históricas do capitalismo seguem uma cronologia. Acompanhe: a) 1825 – a primeira; envolveu a Inglaterra; b) 1847 e 1848 – certa dimensão mundial; c) 1873 – a mais grave do século XIX; d) 1929 – século XX, com consequências catastróficas. Os trabalhadores sempre pagam o preço mais alto, seguidos dos pequenos e médios capitalistas que serão rebaixados a uma condição de classe inferior. Segundo Netto e Braz (2007), nunca existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise. A crise é, assim, a expressão do caráter particularmente contraditório, assumido pela acumulação do capital. E, entre uma crise e outra, decorre o ciclo econômico em quatro fases: a crise, a depressão, a retomada e o auge.

CAPITALISMO MONOPOLISTA E SERVIÇO SOCIAL De acordo com Netto e Braz (2007), o período histórico do capitalismo se apresenta da seguinte forma: » » 1º estágio: acumulação primitiva – manufatura (do século VI a meados do século XVIII). Tratase do estágio inicial designado como capitalismo comercial ou mercantil. Destaca-se o papel do grupo de comerciantes/mercadores, além do surgimento da burguesia. Nesse primeiro momento, já se revela a tendência do capital para a mundialização (por exemplo, a busca das rotas de comércio com o Oriente e a América).

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AULA 1 - INTRODUÇÃO À ACUMULAÇÃO CAPITALISTA

» » 2º estágio: capitalismo concorrencial, liberal ou clássico (a partir da segunda metade do século XVIII até 1870). O capital é gerado pela nascente indústria. Por cem anos, o capitalismo se consolida nos principais países da Europa Ocidental. Sobre a base da grande indústria, provoca o processo de urbanização. Nesse estágio, o capitalismo concorrencial cria o mercado mundial e a liderança está com a Inglaterra. Surgem as lutas de classe em decorrência da ausência de garantias trabalhistas e da baixa intervenção do Estado liberal. E, com elas, nascem as formas de articulação de vanguardas operárias: Associação Internacional dos Trabalhadores (1864–1876) e Internacional Socialista (criada em 1889). No Brasil, nesse período, formaram-se os principais movimentos sindicais e os partidos políticos operários. Novas inovações abriam caminho para a biologia, a química e a física. O aço passa a ser produzido em grande escala, substituindo o ferro (marcando o que se denominou de Segunda Revolução Industrial). Novas formas de energia são utilizadas para a produção, além do vapor, e se generaliza o emprego dos combustíveis produzidos pelo petróleo. A partir de 1870, vive-se um novo estágio do capitalismo, que domina o século XX e entra com novas determinações no século XXI: o surgimento dos monopólios e a modificação do papel dos bancos. […] em poucas décadas, esses gigantescos monopólios (centrados na indústria pesada) extravasariam as fronteiras nacionais, estendendo a sua dominação sobre enormes regiões do globo. Mas, já então, entre fins do século XIX e os primeiros anos do século XX, o grande capital – a partir daí geralmente conhecido como capital monopolista –, firmemente estabelecido na produção industrial, constituía-se como a coluna vertebral da economia capitalista, articulando formas específicas de controle das atividades econômicas (o pool, o cartel, o truste etc.). (NETTO; BRAZ, 2007, p. 178).

O surgimento dos monopólios industriais ocorreu quase que simultaneamente à mudança do papel dos bancos. Tornaram-se as peças básicas do sistema de crédito. Reunindo os capitais inativos de capitalistas e a soma das economias de um grande contingente de pessoas, os bancos passaram a controlar massas monetárias gigantescas, disponibilizadas para empréstimos – e a concorrência levou os capitalistas industriais a recorrer ao crédito bancário para seus novos investimentos. Os bancos contribuíram ativamente para implementar o processo de centralização do capital. A fusão dos capitais monopolistas industriais com os bancários constitui o capital financeiro que ganhará centralidade no terceiro estágio evolutivo do capitalismo – estágio imperialista, que se afirmou nas últimas três décadas do século XIX e, experimentando transformações significativas, percorreu todo o século XX e se prolonga na entrada do século XXI. Netto e Braz (2007) explicam que o surgimento do Serviço Social vinculado à emergência do Estado burguês de modelo monopolista, aos projetos das classes sociais fundamentais e à execução das políticas sociais responde à necessidade de uma nova modalidade de intervenção do Estado. E como seria? De acordo com Netto (1992), o eixo da intervenção estatal na idade do monopólio é direcionado para garantir os superlucros dos monopólios. O Estado transfere recursos sociais e públicos aos monopólios. Paradoxalmente, a transição para esse capitalismo dos monopólios se realizou ao mesmo tempo em que houve um avanço na organização das lutas do proletariado e do conjunto dos trabalhadores. Registrou-se o aparecimento de partidos operários de massa; o coroamento da conquista da cidadania. A questão social se põe como alvo de políticas estatais.

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Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista procura administrar as expressões da “questão social” de forma a atender às demandas da ordem monopólica, conformado pela adesão que recebe de categorias e setores cujas demandas incorporam sistemas de consenso variáveis, mas operantes. (NETTO, 1992, p. 30).

Assim, a constituição do mercado de trabalho para o assistente social, pela via das políticas sociais no Estado burguês monopolista, assinala a profissionalização do Serviço Social. As políticas sociais assumem o papel de atenuar, através de programas sociais, os desequilíbrios do uso-fruto da riqueza social, entre as diferentes classes sociais, bem como os possíveis conflitos sociais decorrentes das precárias condições de vida em que se encontram as classes subalternas. (YAZBEK, 1996, p. 41).

SÍNTESE Nesta aula, tivemos a oportunidade de conhecer os primórdios do modo de produção capitalista, a acumulação primitiva, o escravismo, o feudalismo, o mercantilismo e a acumulação do capital. Além disso, identificamos alguns conceitos elaborados e debatidos da teoria marxista, como lucro, trabalho, relações de produção, força de trabalho e valor. Compreendemos como o capitalismo se caracteriza pelas crises, e que sua evolução se dá em diferentes fases. Na próxima aula, vamos estudar o conceito, as tipologias e a mensuração da pobreza. Até mais!

GLOSSÁRIO Comunismo primitivo: denominação marxista para o período pré-histórico, anterior à formação do Estado e da sociedade. Expropriado: refere-se à retirada de um bem ou direito de alguém. Força produtiva, ou força de produção: composta de força de trabalho humana, meios de produção (capital, terras, matérias-primas, ferramentas e equipamentos) e métodos e técnicas utilizados por trabalhadores. Articuladas com as relações de produção, constituem-se no modo de produção (infraestrutura). Nomadismo: refere-se à prática de homens ou grupos humanos de vaguear por diferentes territórios, locomovendo-se pelo espaço. Utilizam recursos oferecidos pela natureza até que eles se esgotem, quando então partem em busca de novos em outro local. Assim, os nômades se deslocam até encontrar outra região que ofereça as condições necessárias para sua sobrevivência. Relações de produção: relações estabelecidas no trabalho e na distribuição. Ou seja, as formas de se apropriar dos meios de produção e o modo como esta se organiza em um determinado estágio de desenvolvimento (superestrutura). Valor de uso: conceito marxista que se refere à atribuição de valor a partir da utilidade de uma mercadoria. Diferentemente do valor de troca (associado ao valor monetário da mercadoria medido pela quantidade), o valor de uso leva em conta as qualidades na aferição do valor da mercadoria.

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AULA 1 - INTRODUÇÃO À ACUMULAÇÃO CAPITALISTA

PERGUNTA PARA REFLEXÃO Demonstre seu entendimento e procure desenvolver, em poucas linhas, uma definição de trabalho para a construção da sociedade em que vivemos. Busque identificar como as relações de trabalho influenciam na organização da sociedade. Reflita sobre a atuação dos profissionais de Serviço Social e sobre o que é esperado deles.

QUESTÕES 1) Segundo a teoria marxista, a organização das sociedades ocorre por meio do trabalho como fator de produção, recurso para a subsistência e elemento de integração e participação social. Assim, a base da atividade econômica é o trabalho, pois este torna possível a produção de qualquer bem e gera valores que constituem a riqueza nacional. Demonstre seu entendimento sobre o conteúdo apresentado, respondendo: como a teoria marxista define trabalho?

Fonte:

2) Você pôde acompanhar com esta leitura que o período pré-histórico se caracterizou pela comunidade primitiva, em que a sociedade se organizava em abrigos toscos; sua alimentação era feita pela coleta de vegetais, pesca e caça eventuais, partilhadas por todos; sem propriedade privada e com predomínio do nomadismo. Entretanto, mais tarde, surgiu o excedente econômico, a divisão do trabalho, a mercadoria e, como consequência, a acumulação. Demonstre seu entendimento, explicando como isso ocorreu. 3) Com base no conteúdo apresentado, após o período do escravismo, uma nova forma de organização social se instaurou: o feudalismo. Porém, o final da Idade Média é também o término do sistema feudal, no qual o rei concedia a posse das terras aos grandes senhores, que mantinham as relações servis de produção, caracterizadas pelo trabalho de servos e escravos. Com o crescimento do comércio entre as cidades, os camponeses passaram a ter mais liberdade para negociar sua produção, melhorando suas condições de vida, seu status social, ocupando posição de destaque no sistema produtivo feudal. Foi com a ascensão social camponesa que as relações feudais de produção foram dando margem para a emergência do mercantilismo. Responda: qual a importância do mercantilismo no surgimento da sociedade capitalista tal qual a conhecemos?

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4) Durante seus estudos, você conheceu um relato sobre a história da humanidade, para compreender como se originou o capitalismo. Escreva, em poucas linhas, quais fatores impulsionaram a organização da sociedade de produção capitalista. 5) O capitalismo altera a organização social. A sociedade capitalista é caracterizada pela divisão em duas classes fundamentais da produção: o capitalista (burguês) e o proletário (operário). Com o aprendizado do conteúdo apresentado, responda: como a sociedade capitalista produz as desigualdades sociais?

LEITURAS INDICADAS MARX, Karl. Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social” de um prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

SITES INDICADOS http://www.renascebrasil.com.br/f_capitalismo2.htm http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/capitalism/index.html http://victorian.fortunecity.com/delacroix/293/dg/dfeuacap.html

REFERÊNCIAS NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo: Cortez, 1992. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. SANTOS, Theotônio dos. Conceito de classes sociais. Petrópolis: Vozes, 1982. YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.

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AULA 2 Desigualdade social e pobreza

Autoras: Carla Ferreira de Castro, Liana Almeida de Arantes e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“Excluídos são todos aqueles que são rejeitados de nossos mercados materiais ou simbólicos, de nossos valores […].” (Martine Xiberras) Olá! Nossa segunda aula objetiva trazer algumas reflexões acerca da produção das desigualdades sociais e da pobreza. Será uma oportunidade também de refletir sobre suas tipologias, bem como conhecer indicadores que possibilitem mensurá-las. Tenha um bom proveito!


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

A ORIGEM DAS DESIGUALDADES SOCIAIS Conforme visto na aula anterior, o capitalismo, em seu sentido mais restrito, corresponde à acumulação de recursos financeiros (dinheiro) e materiais (prédios, máquinas, ferramentas), que têm origem na produção econômica e a ela se destinam. Essa definição, apesar de excessivamente técnica, é um dos poucos pontos de consenso entre os inúmeros intelectuais que refletiram sobre esse fenômeno ao longo dos últimos anos. Segundo Karl Marx (primeiro estudioso do tema), o capitalismo é fundamentalmente causado por condições históricas e econômicas. O capitalismo, para Marx, é um determinado modo de produção, cujos meios estão nas mãos dos capitalistas, que constituem uma classe distinta da sociedade. A propriedade privada, a divisão social do trabalho e a troca são características fundamentais da sociedade produtora de mercadorias. À produção de mercadorias dedicam-se os produtores independentes privados que possuem força de trabalho, meios de produção e produtos resultantes do seu trabalho. O Brasil, cuja sociedade é erigida no modo de produção capitalista, nas últimas décadas vem confirmando, infelizmente, a tendência de enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. É um país heterogêneo, exposto ao desafio histórico de enfrentar uma herança de injustiça social, que exclui, para parte significativa de sua população, o acesso às condições mínimas de dignidade e cidadania. Para Mendonça (2000, p. 22): [...] a pobreza, evidentemente, não pode ser definida de forma única e universal. Contudo, podemos afirmar que se refere a situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida, condizente com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico.

Desse modo, a abordagem conceitual sobre a pobreza necessita, inicialmente, que possamos construir uma medida invariante no tempo sobre as condições de vida dos indivíduos em uma sociedade. Assim, teoricamente, a pobreza pode ser classificada como: » » absoluta: em países que se mantêm em estado permanente de pauperização, onde os indivíduos vivem em estado de pobreza consistente ao longo do tempo; » » relativa: quando os indivíduos se mantêm com o mínimo necessário para subsistir, mas não possuem recursos para se igualar aos demais, do ponto de vista do consumo e do status. É importante ressaltar que a divisão entre pobreza absoluta e pobreza relativa não se dá, muitas vezes, de forma clara. A ideia é a de que as pessoas pobres são vítimas da falta de recursos para realizar as demandas sociais, sem tocar nas questões de distribuição de renda, ainda que ocorra a negação de direitos de cidadania. No Brasil, o conceito operacionalmente relevante é o de pobreza absoluta, já que um contingente significativo de pessoas não tem suas necessidades básicas atendidas, mesmo quando definidas de forma estrita. Trata-se, portanto, de definir parâmetros de valor correspondentes a uma cesta de consumo mínima, seja ela alimentar (associada à linha de indigência), seja considerando o custo de atendimento de todas as necessidades de alimentação, habitação, vestiário etc. (associada à linha de pobreza). (ROCHA, 2006, p. 43).

Tomando por base uma “medida” universal de pobreza, podemos definir o nível de desigualdade social dos países. Então, vejamos:

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AULA 2 - DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA

Analisando a estrutura da distribuição de renda mundial nos permite contextualizar a posição do Brasil no cenário internacional. Observamos que cerca de 60� dos países do mundo têm renda per capita inferior à brasileira. Por outro lado, na medida em que alguns países com enorme população encontram-se abaixo do Brasil nesta estrutura da distribuição de renda, concluímos que cerca de 80� da população mundial vive em países com renda per capita inferior à do Brasil. Assim, essa distribuição da renda mundial nos revela que, apesar de o Brasil ser um país com muitos pobres, sua população não está entre as mais pobres do mundo. A comparação internacional quanto à renda per capita coloca o Brasil entre o terço mais rico dos países do mundo e, portanto, não nos permite considerá-lo um país pobre. (BARROS, 2000, p. 126).

Em se tratando de uma análise comparativa, podemos concluir que a posição brasileira se atribui à concentração da distribuição de renda no mundo, já que, se comparado a países industrializados, o Brasil não é considerado rico. Considerando os outros países em desenvolvimento, ele passa a estar entre os que melhor apresentam formas de superação da pobreza.

A POBREZA NO BRASIL: DE ONDE VEM? De modo geral, considera-se que um país está em situação de pobreza quando existe escassez de recursos ou quando, apesar de haver um volume aceitável de riquezas, elas estão mal distribuídas. O Brasil não é considerado um país pobre, e sim um país desigual. A pobreza existe quando um segmento da população é incapaz de gerar renda suficiente para ter acesso sustentável aos recursos básicos que garantem qualidade de vida digna. Estes recursos são água, saúde, educação, alimentação, moradia, renda e até mesmo cidadania. No entanto, a pobreza não resulta de uma única causa. Ela pode derivar de um conjunto de fatores: » » político-legais: corrupção, inexistência ou mau funcionamento de um sistema democrático, fraca igualdade de oportunidades; » » econômicos: sistema fiscal inadequado, representando um peso excessivo sobre a economia ou sendo socialmente injusto; a própria pobreza, que prejudica o investimento e o desenvolvimento da economia dependente de um único produto; » » socioculturais: reduzida instrução, discriminação social relativa ao gênero ou à raça, valores predominantes na sociedade, exclusão social, crescimento muito rápido da população; » » naturais: desastres naturais, climas ou relevos extremos, doenças; » » de saúde: adição a drogas, alcoolismo, doenças mentais, doenças relacionadas à pobreza, deficiências físicas; » » históricos: colonialismo, passado de autoritarismo político; » » insegurança: guerra, genocídio, crimes. Conforme esclarece Ribeiro (2008, p. 43), já na democracia brasileira (após o período de ditadura militar – 1964 a 1985), e mesmo com direitos sociais assegurados constitucionalmente (Constituição Federal de 1988), a cidadania brasileira enfrenta diversos impasses (a escola pública, os serviços públicos de saúde, o saneamento básico, o direito à segurança, entre outros). Isso ocorre porque os serviços oferecidos aos cidadãos pelo Estado brasileiro estão longe de ser considerados satisfatórios.

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Em nossa sociedade, encontramos aqueles que podem arcar com os custos de educar seus filhos em estabelecimentos privados, pagar planos de saúde, entre outras necessidades básicas. Mas também encontramos os demais subcidadãos (ou cidadãos de segunda classe), que padecem nas filas de atendimento público de saúde ou, ainda, em escolas nem sempre providas com os recursos necessários para oferecer às crianças e aos jovens um ambiente escolar de qualidade.

Fonte: http://www.desigualdadesocial.org

Ao fazer a análise do cenário nacional nas últimas décadas, Cimbalista (2002, p. 10) demonstra haver uma grande concentração de renda: os indivíduos que correspondem à parcela dos 20% mais ricos da população se apropriam de uma renda média entre 24 e 35 vezes superior à dos 20% mais pobres. Os 10% mais ricos, por sua vez, dispõem de uma renda que oscila entre 22 e 31 vezes acima do valor da renda obtida pelos 40% mais pobres da população brasileira. Tal concentração de renda reforça, segundo Barros (2000), a tendência nacional de enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. Cimbalista (2002, p. 10) pontua que, de fato, parece razoável supor que a redução da pobreza só seja possível com o aumento da renda per capita ou com sua distribuição mais igualitária, além de uma combinação de políticas que estimulem o crescimento econômico e diminuam a desigualdade. Partindo-se dessa reflexão, conclui-se que a desigualdade encontra sua origem na pobreza e que combatê-la é o grande desafio para qualquer governo.

CONCEITUANDO A POBREZA A pobreza pode ser entendida em vários sentidos, especialmente como: » » carência material: quando envolve as necessidades da vida cotidiana, como alimentação, vestuário, moradia e cuidados de saúde e higiene; pobreza, nesse aspecto, pode ser entendida como a carência de bens e serviços essenciais; » » falta de recursos econômicos: quando envolve a carência de renda ou riqueza (não necessariamente apenas em termos monetários); as medições do nível econômico são baseadas em níveis de suficiência de recursos ou em “rendimento relativo”; » » exclusão social: quando envolve a incapacidade de participar na sociedade, incluindo a educação e a informação; as relações sociais são elementos-chave para compreender a pobreza pelas organizações internacionais, as quais consideram essa problemática além da economia.

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AULA 2 - DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA

Devido ao seu caráter complexo, multidisciplinar e multifacetário, o fenômeno da pobreza apresenta uma vasta literatura com diversas interpretações e conceitualizações. Muitos ramos de estudos, como economia, sociologia, antropologia, direito e psicologia, entre outros, buscam proporcionar, por via de diferentes métodos de investigação, a análise dessa problemática, geralmente com um ponto em comum: a percepção da amplitude do fenômeno. Não podemos perder de vista que, para compreender as situações de vulnerabilidade e risco social, temos que considerar a questão social, ou seja, as contradições entre o direito garantido e sua efetividade nas relações sociais. Também é preciso levar em conta a desproporcionalidade resultante do crescimento econômico, da manutenção da pobreza e das condições de vida da população.

Fonte: http://www.flickr.com/photos/cbnsp/2943632102/sizes/o/in/photostream

A diversidade de condições socioeconômicas entre países justifica o estabelecimento de conceitos específicos para pobreza. É possível conceber uma tipologia que estabelece distinção entre os países, em três grupos: » » países onde a renda nacional é considerada insuficiente para conseguir o mínimo indispensável a cada um dos cidadãos; a renda per capita é baixa e a pobreza inevitável; » » países considerados desenvolvidos, onde a renda per capita é considerada elevada e a desigualdade de renda é compensada pela universalização dos serviços públicos; nesses países o conceito de pobreza é tido como relativo; » » países em posição intermediária, onde a renda per capita mostra que o montante de recursos disponíveis seria suficiente para garantir o mínimo essencial a todos e a pobreza seria fruto da má distribuição de renda. No Brasil – Colônia, Império ou República – nunca se promoveu uma efetiva inclusão dos mais pobres. O país se desenvolveu ao longo do século XX, mantendo expressivos contingentes de miseráveis. Esse processo de desenvolvimento que “administra a pobreza” tem sido caracterizado por especialistas de “modernização conservadora”, ou seja, o Estado produz transformações significativas na economia sem romper, ou rompendo muito lentamente, com a ordem econômico-social estabelecida. Do ponto de vista social, a “moder-

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nização conservadora” a la brasileira se traduz, por exemplo, na predominância da informalidade no mercado de trabalho: mais da metade dos ocupados, o que representa cerca de 45 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, não têm acesso a qualquer direito atrelado ao trabalho (i.e., seguro-desemprego, seguro acidente do trabalho, férias remuneradas, 13º salário, licença maternidade e paternidade, salário-família, aposentadoria e pensão). Ou seja, apesar de ter ingressado no seleto clube das nações mais ricas do mundo, o país ainda não foi capaz de universalizar o assalariamento e assegurar um mínimo de proteção social para a maior parte de seus trabalhadores. [...] (Notas sobre desigualdade e pobreza no Brasil: situação atual e desafios from poverty to power – www.fp2p.org). (BEGHIN, 2008, p. 2).

Muito embora a pobreza no Brasil seja um problema considerado secular, ela tem se configurado em situações diferentes de acordo com a contemporaneidade de cada fase. Na atualidade, por exemplo, conserva dificuldades no que diz respeito ao grande número de pessoas que ingressam no mercado informal sem as devidas garantias de proteção ao trabalhador.

POBREZA E EMPOBRECIMENTO Pobreza e empobrecimento são categorias determinadamente diferentes. Para Salama e Valier (1997, p. 25), “[...] o primeiro termo se refere às condições sociais de reprodução dos indivíduos; já o segundo termo se refere às condições de vida destes indivíduos [...]”, muito embora, algumas vezes, os dois termos sejam percebidos com a mesma intensidade pelas pessoas envolvidas. A evolução das desigualdades no conjunto dos Estados do Terceiro Mundo e o aumento da pobreza extrema na maior parte deles são tais hoje em dia, após uma década de planos de ajustamentos, que não é possível deixar de se perguntar quanto às relações entre estas políticas e o aumento da pobreza. (SALAMA; VALIER, 1997, p. 23).

Em se tratando da abordagem estatística clássica, quando falamos em definir pobreza, referimonos a determinar patamares de renda. Fala-se em pobreza no caso de renda inferior à linha da pobreza; fala-se em pobreza extrema ou absoluta, quando essa renda se encontra abaixo da linha da indigência. Mas, de que forma estabelecer esses patamares? Embora seja uma construção difícil por depender de pesquisas complexas, essa determinação, contraditoriamente, segue princípios simples. De início, trata-se de se estabelecer qual é a cesta de bens imprescindíveis apenas para a reprodução social do indivíduo – ou família. Calcula-se o número de calorias necessárias à sobrevivência e se converte esse número em uma série de produtos alimentares, de acordo com os costumes da população. Definidos tais bens, eles serão convertidos em dinheiro. A linha da indigência é determinada a partir da quantidade de dinheiro necessária para adquirir esses bens. Uma vez obtida, é aplicado sobre ela o multiplicador denominado “Engel”, para agregar as despesas relativas a vestuário, transporte e moradia, chegandose à linha da pobreza. Ainda segundo Salama e Valier (1997), o termo linha da indigência é reservado à renda necessária à reprodução exclusivamente “calórica” do indivíduo. No caso do Brasil, por exemplo, a linha de indigência é normalmente estabelecida em um quarto do salário mínimo de renda familiar per capita; enquanto que a linha de pobreza é estabelecida em meio salário mínimo de renda familiar per capita. 28


AULA 2 - DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA

INDICADORES DE POBREZA Podemos dizer que indicadores são medidas geralmente usadas na quantificação de informações. Têm o intuito de gerar conhecimento sobre uma realidade social e fazer comparações sobre o nível de desenvolvimento de uma dada localidade. Um Indicador Social é uma medida em geral quantitativa, dotada de um significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão se processando na mesma. É o elo entre os modelos explicativos da teoria social e a evidência empírica dos fenômenos sociais observados, e, para a formulação de políticas públicas, é um instrumento operacional, de monitoramento, avaliação, formulação e reformulação de políticas públicas. (JANNUZZI, 2001, p. 54).

Em outras palavras, trata-se de um recurso metodológico que nos apresenta informações acerca de um ou vários aspectos da realidade, bem como das possibilidades de mudanças que venham a se estabelecer sobre ela. Para que os indicadores ganhem sentido é necessário que sejam analisados segundo o contexto social que os circunda. Esse conjunto de informações pode ser composto por dados referentes às características da população, à dinâmica demográfica; sobre trabalho e rendimento; saúde, justiça e segurança pública; educação e condições de vida das famílias, entre outros aspectos. Wanderley (2006) entende que: […] a pobreza e a exclusão social configuram-se como indicadores de um lugar social, de uma condição de classe, expressando relações vigentes na sociedade. São produtos dessas relações, produzindo e reproduzindo a desigualdade, nos planos social, político e econômico, definindo para os pobres um lugar na sociedade. Essa é uma questão social recorrente que perdura desde o período da colonização no continente latino-americano. Trata-se, pois, de um processo de empobrecimento histórico e social, dado por determinantes econômicos, políticos e culturais, que tende a ser reproduzido mediante mecanismos que o reforçam e o expandem. (WANDERLEY, 2006, p. 1).

Quando se pretende comparar níveis de pobreza entre países, os dados se tornam heterogêneos, devido às peculiaridades de cada região. Seja em cidades no campo, seja em regiões urbanas, essa heterogeneidade interfere diretamente no nível de vida das populações, pois o que é importante para a manutenção de um indivíduo pode não ser para outro. Contudo, existe uma série de indicadores muito utilizados para esse cálculo. De acordo com Salama e Valier (1997), o indicador de pobreza mais simples é constituído pela relação entre o número de pobres – ou de famílias pobres – e o número total de habitantes. Assim, o valor de compra de uma moeda varia de país para país. Por exemplo: em um país determinado, podem-se adquirir X produtos com certo valor; em outro, o mesmo valor permitiria comprar mais produtos, ou menos. O indicador de desigualdade mais conhecido mundialmente é o coeficiente de Gini. Trata-se de uma medida desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, publicada no documento Variabilità e mutabilità (italiano para “variabilidade e mutabilidade”), em 1912. É comumente utilizada

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para calcular a desigualdade na distribuição de renda, mas pode ser usada para medir qualquer distribuição. O coeficiente de Gini consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda (todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à completa desigualdade (uma pessoa tem toda a renda e as demais nada têm). O índice de Gini é o coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por 100). Outro mensurador é o índice de Theil-T, que mede o grau de desigualdade da distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Quanto maior for o índice, maior será a desigualdade. Menos usado que o coeficiente de Gini, o de Theil-T tem a vantagem de poder ser decomposto, atribuindo e avaliando a responsabilidade de fatores como idade, educação e tipo de emprego em relação à pobreza (SALAMA; VALIER, 1997). Existem outros indicadores, além dos que foram disponibilizados para conhecimento. A pobreza é múltipla, portanto, o valor de um índice pode significar situações diferentes, ora mais perto da linha da pobreza, ora mais perto da linha da indigência. Percebemos, assim, que pobreza e empobrecimento são conceitos diferenciados. O empobrecimento é entendido como uma mudança de condição. Ele diz respeito aos pobres que se tornam mais pobres; aos que não são pobres, mas cuja renda se torna menor, mesmo que permaneçam acima da linha de pobreza e, finalmente, aos que não eram pobres e se tornaram pobres. O empobrecimento pode ser medido com indicadores ou com a noção de “necessidades básicas não satisfeitas” (também apontada com a sigla NBNS). Tais indicadores demonstram o que pode ser definido como pobreza estrutural, a qual é considerada diferente da pobreza e da pobreza extrema (indigência). As necessidades básicas não satisfeitas incluem água, esgoto, habitat, educação, eletricidade etc. Basta um desses elementos não ser encontrado, para a necessidade ser considerada não satisfeita (SALAMA; VALIER, 1997). Salama e Valier (1997) observam que: […] a pobreza no Terceiro Mundo é objeto de numerosas publicações. A relação entre as políticas de ajuste e o empobrecimento de muitas camadas da população desses países é discutida. Ontem, era algo iconoclasta analisar as relações entre o serviço da dívida externa desses países e o desenvolvimento da miséria […]. A evolução das desigualdades no conjunto dos países do Terceiro Mundo e o aumento da pobreza extrema na maior parte deles hoje em dia são tais, após um decênio de planos de ajuste sobre as relações entre essas políticas e o aumento do empobrecimento. O paradoxo é que, no momento em que se fala cada vez mais dela, ela tende a diminuir no Terceiro Mundo. Por certo, essa diminuição não diz respeito ao conjunto desses países. A maior parte deles conheceu mesmo um sensível agravamento de sua pobreza e a redução da pobreza no Terceiro Mundo.

O empobrecimento é sentido, então, como uma mudança de status. A pobreza também pode ser sentida de diferentes maneiras, de acordo com a história social e cultural dominante nas populações atingidas. A pobreza absoluta, assim, pode ser aceita pelas populações atingidas, quando elas veem aí uma consequência natural de sua posição social, étnica, sexual, até mesmo religiosa, no seio de uma sociedade hierarquizada. Mas a pobreza pode também ser recusada, quando se aprofunda e atinge a escala de valores.

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AULA 2 - DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA

O que caracteriza fundamentalmente a evolução da pobreza não é o aumento relativo de seu número, mas, sim, a evolução das desigualdades entre os pobres. Nos lugares onde seu contingente aumenta, as desigualdades entre os pobres também aumentam. Não apenas os pobres se tornam cada vez mais pobres, mas os mais pobres empobrecem mais depressa do que os outros pobres. (SALAMA; VALIER, 1997, p. 75).

Assim, pobreza e empobrecimento tendem a aumentar nos países ditos do Terceiro Mundo desde os anos 1980. Esse processo, também gerador de exclusão social, torna-se cada vez mais difícil de ser combatido, o que requer medidas mais urgentes para o seu enfrentamento.

POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA Os resultados negativos apresentados pelas políticas implantadas, tendo como base o ajuste acordado com os organismos internacionais, quais sejam, Banco Mundial, Organização das Nações Unidas (ONU), entre outros, nos anos de 1980 e 1990, apesar do controle inflacionário, trouxeram à discussão a responsabilidade do Estado sobre a pobreza, a desigualdade e a justiça social. Esse debate vem sendo o pano de fundo de todas as discussões sobre a pobreza até a atualidade, tanto nas pesquisas sociais, como na formulação de políticas de Estado. A ideia é romper a persistência da pobreza vinculada às questões de sobrevivência, sintetizando os problemas nacionais e revelando as dificuldades em reverter esse quadro. As problematizações da pobreza surgem dos mais diferentes temas sociais possíveis, tais como: a informalização do mercado de trabalho; a questão fundiária; as políticas de remuneração salarial; os déficits de oferta de serviços públicos básicos; a diferença de rendimentos entre as pessoas, os diferentes sexos, as diferenças regionais; a concentração de renda e a desigualdade histórica da sociedade brasileira, entre outros. O custo social desse novo modelo de acumulação é extremamente elevado (arrocho salarial, desemprego e cortes em gastos sociais), implicando a desvinculação do crescimento da política social e da população ao emprego formal e estável (a substituição de contratos salariais permanentes por temporários e precários, através da terceirização). Tal modelo relega a situação de pobreza insustentável a uma fatia da população, cabendo ao Estado o atendimento prioritário e emergencial por meio de políticas de combate à pobreza. O debate em torno das políticas de combate à pobreza surgiu a partir dos anos 1980 com as discussões sobre a implantação de políticas de renda mínima como possibilidade de solução para a crise do desemprego. Nos anos 1990, as políticas assistenciais tradicionais dispunham de parcos recursos para a implantação de uma rede mínima de proteção social, visando assegurar um patamar mínimo de reprodução social e atenuar os efeitos devastadores das políticas de ajuste, propostas pelas agências internacionais de fomento. Assim, o modelo sugerido pelas agências é via políticas de transferência de renda com condicionalidades. O Brasil possui o maior programa de combate à pobreza via transferência de renda do mundo: o Programa Bolsa-Família. Criado em 2003, seu modelo de gestão é referencial para a implantação de programas de combate à pobreza no mundo todo. Ampliando o atendimento à população em situação de pobreza, o governo brasileiro, sob a gestão da presidenta Dilma Roussef, em 2011 criou o Plano Brasil sem Miséria, o qual não substitui o Programa Bolsa-Família, mas articula uma série

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

de programas destinados à população que, apesar dos benefícios deste, ainda se encontra abaixo da linha de pobreza. Nesse sentido, em 2012, o governo Dilma criou o Programa Brasil Carinhoso, como estratégia voltada ao desenvolvimento na primeira infância, envolvendo iniciativas de educação, saúde e renda.

SÍNTESE Nesta aula, pudemos fazer reflexões sobre a pobreza, apontando suas principais causas e tipologias, bem como conhecer os índices e indicadores considerados fundamentais para mensurála. Observamos também pontos de similitudes e diferenciações entre pobreza e empobrecimento. Teremos, na próxima aula, a oportunidade de agregar conhecimentos sobre o capitalismo global e a nova lógica das cadeias produtivas. Até mais!

GLOSSÁRIO Iconoclasta: aquele que é contra convenções ou tradições; quem destrói imagens religiosas, símbolos, obras de arte etc.; para quem nada é digno de culto ou veneração.

PERGUNTA PARA REFLEXÃO Reflita e elabore, em poucas linhas, seu entendimento sobre a seguinte assertiva: “Um país tem pobreza quando existe escassez de recursos ou quando, apesar de haver um volume aceitável de riquezas, elas estão mal distribuídas. O Brasil não é um país pobre, e sim um país desigual”.

QUESTÕES 1) Você aprendeu que a abordagem conceitual sobre a pobreza necessita, inicialmente, da construção de uma medida invariante no tempo sobre as condições de vida dos indivíduos em uma sociedade. Demonstre seu entendimento, respondendo: o que é pobreza absoluta e o que é pobreza relativa? 2) A pobreza existe quando um segmento da população é incapaz de gerar renda suficiente para ter acesso sustentável aos recursos básicos que garantem qualidade de vida digna. Estes recursos são água, saúde, educação, alimentação, moradia, renda e até mesmo cidadania. Discorra sobre os diversos fatores apontados como causas da pobreza. 3) Como você aprendeu, o termo pobreza comporta mais de uma definição, que varia conforme o contexto socioeconômico a que se refere. Assim, a pobreza pode ser entendida em diferentes sentidos. Descreva os vários sentidos em que a noção de pobreza pode ser aplicada. 4) Você estudou que a forma mais apropriada de investigar a pobreza é por meio da abordagem estatística, determinando patamares de renda. De que forma podemos estabelecer esses patamares?

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AULA 2 - DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA

5) A partir dos anos de 1980 e 1990, emergiram novas políticas com a ideia de romper a persistência da pobreza vinculada às questões de sobrevivência, sintetizando os problemas nacionais e revelando as dificuldades em reverter esse quadro. Responda: como o Brasil vem enfrentando a questão da pobreza?

LEITURA INDICADA MENDONÇA, R. et al. Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 42, fev. 2000. ROCHA, Sônia. Pobreza no Brasil: afinal, de que se trata? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. SCHWARTZMAN, Simon. Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo. São Paulo: Augurium, 2004.

SITES INDICADOS http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewPDFInterstitial/1837/2206 http://www.unesco.org/pt/brasilia/social-and-human-sciences-in-brazil/poverty-reduction-inbrazil

REFERÊNCIAS BARROS, Ricardo Paes et al. Desigualdade e pobreza no Brasil: retratos de uma estabilidade inaceitável. Revista brasileira de ciências sociais, v. 15, n. 42, 2000. Disponível em: <http:// academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/images/e/e9/PaesdeBarros.pdf>. Acesso em: 15 out. 2010. BEGHIN, Nathalie. Notas sobre desigualdade e pobreza no Brasil: situação atual e desafios from poverty to power. 2008. Disponível em: <http://www.fp2p.org>. Acesso em: 15 out. 2010. CIMBALISTA, Silmara. Desigualdade e pobreza no Brasil: os desafios do governo Lula. Boletim de análise conjuntural. Curitiba, v. 24, n. 11–12, p. 9, nov./dez. 2002. JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas: Alínea, 2001. MENDONÇA, R. et al. Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 42, fev. 2000. RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas, pobreza e desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya Sen. Revista textos & contextos. Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 42–55, jan./jun. 2008. ROCHA, Sônia. Pobreza no Brasil: afinal, de que se trata? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. SALAMA, Pierre; VALIER, Jacques. Pobrezas e desigualdades no terceiro mundo. São Paulo: Nobel, 1997.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

WANDERLEY, Mariângela Belfiore. Sistema de informação em gestão social. Estudos avançados, São Paulo, v. 20, n. 56, jan./abr. 2006.

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AULA 3 Capitalismo global

Autoras: Carla Ferreira de Castro, Liana Almeida de Arantes e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“O capitalismo atinge uma escala propriamente global. Além das suas expressões nacionais, bem como dos sistemas e blocos articulando regiões e países dominantes e dependentes, começa a ganhar perfil mais nítido o caráter global do capitalismo. Declinam os estados-nações, tanto os dependentes como os dominantes. As próprias metrópoles declinam, em benefício de centros decisórios dispersos em empresas e conglomerados [...].” (Otávio Ianni) Olá! Nossa terceira aula tem como objetivo apresentar o ideário do capitalismo global, a nova lógica das cadeias produtivas e o impacto da globalização nas economias mundiais. Comecemos pelo capitalismo global. Vamos lá!


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

A GLOBALIZAÇÃO OU O CAPITALISMO GLOBAL

Fonte: Clipart – Montagem UNIFACS

Muito se tem falado sobre a globalização, não é mesmo? Mas, ao contrário do que se pensa, ela não é um acontecimento recente. A globalização se iniciou já nos séculos XV e XVI, com a expansão marítimo-comercial europeia e, consequentemente, com a eclosão do próprio capitalismo, tendo continuado nos séculos seguintes. O que diferencia aquela globalização ou mundialização da atual são a velocidade e a abrangência de seu processo, muito maiores hoje em dia. Porém, o que mais chama a atenção é, sobretudo, o fato de, repentinamente, o mundo inteiro ter se tornado capitalista e globalizado. De maneira metafórica, o capitalismo global pode ser comparado a uma grande tempestade, em que muitas pessoas em uma dada área geográfica são atingidas pelo seu efeito. Todos dependem uns dos outros através do comércio de produtos manufaturados e de matérias-primas necessárias às indústrias e serviços. Com base nisso, a globalização econômica pode ser entendida como o estágio mais avançado do processo de internacionalização econômica, social, cultural e política que vem ocorrendo no mundo capitalista, com mais intensidade, a partir dos anos 1980. A globalização é oriunda de muitas inovações, especialmente daquelas ocorridas nos transportes, nas telecomunicações e na informática. Tais inovações resultaram no encurtamento das distâncias, por exemplo. No passado, para a realização de uma viagem entre dois continentes, gastava-se cerca de quatro semanas. Um fato ocorrido na Europa chegava ao conhecimento dos brasileiros somente dias depois. Hoje, qualquer notícia pode ser divulgada em tempo real. A partir da expansão da rede de telecomunicações, tornou-se possível a difusão de informação entre empresas, ligando os mercados do mundo. Em outras palavras: a integração mundial decorrente do processo de globalização ocorreu em razão de dois fatores: inovações tecnológicas e incremento do fluxo comercial mundial. Para Frieden (2006, p. 421), o poder dos computadores e o barateamento das telecomunicações tornaram mais fáceis e velozes as movimentações de recursos ao redor do globo, e mais difícil o controle desses fluxos por parte do governo. “As telecomunicações modernas agilizaram o acesso aos mercados externos, permitindo o crescimento astronômico das transações financeiras internacionais.” (FRIEDEN, 2006, p. 421).

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AULA 3 - CAPITALISMO GLOBAL

Caracterizam a globalização: a) o fortalecimento do processo de internacionalização das economias capitalistas; b) a integração dos mercados financeiros mundiais, o que facilita a competição empresarial. Então, vejamos: A partir da década de 80, observou-se a intensificação do processo de internacionalização das economias capitalistas, que se convencionou chamar de globalização. Algumas das características distintivas desse processo foram a enorme integração dos mercados financeiros mundiais e o crescimento singular do comércio internacional – viabilizado pelo movimento de queda generalizada de barreiras protecionistas e pela presença de empresas transnacionais. (DUPAS, 1998, p. 2).

No Brasil, as mudanças realizadas no seio do processo produtivo começaram basicamente na década de 1980, sobretudo com a introdução da automação e da microeletrônica, principalmente nas grandes empresas de capital financeiro e naquelas voltadas à exportação. Foi apenas no final do século XX que a economia mundial conseguiu se tornar verdadeiramente global, com base na nova infra-estrutura propiciada pelas tecnologias da informação e da comunicação, e com uma ajuda decisiva das políticas de desregulamentação e da liberalização postas em prática pelos governos e por instituições internacionais. (CASTELLS, 1999, p. 142).

No processo de expansão capitalista, uma das principais características é o surgimento das empresas transnacionais, com o objetivo de reduzir seus custos (mão de obra, impostos, acesso a financiamentos). Tais companhias tornaram-se mais competitivas e dominam amplos setores do mercado internacional, seja de produtos, seja de serviços.

Fonte: Montagem sobre foto da www.sxc.hu

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS As empresas transnacionais são entidades autônomas que fixam suas estratégias e organizam sua produção em bases internacionais, ou seja, sem vínculo direto com as fronteiras nacionais. Não são vinculadas a qualquer país, mesmo àquele no qual se originaram. Em outras palavras, uma empresa transnacional não tem seu capital originado especificamente em seu país. Outra característica é que elas não dominam necessariamente o processo de produção em seus diferentes segmentos, ou seja, a totalidade da cadeia produtiva de um produto. Certo item pode, dentro desse sistema, ter seus componentes produzidos em diversas regiões do mundo e montados em alguma localidade específica. Assim, as transnacionais são grandes empresas que distribuem processos produtivos em várias partes do planeta, seguindo seus interesses tributários, ofertas de mão de obra barata e outros incentivos oferecidos por países que funcionam como “hospedeiros”. A empresa transnacional geralmente é confundida com a multinacional. A diferença é que a primeira possui produção dentro de seu país de origem e é orientada para o comércio internacional. Já a segunda é um tipo de empresa que mantém filiais em vários países do mundo, comandadas pela sede, situada no país de origem. Assim, as empresas transnacionais são entidades autônomas que fixam suas estratégias e organizam sua produção em bases internacionais, ou seja, sem vínculo direto com as fronteiras nacionais, dependendo das vantagens socioeconômicas apresentadas para a produção. Tomamos como exemplos clássicos de empresas transnacionais: a Nike, a Volkswagen, a Motorola, a Coca-Cola, entre outras. Atualmente, as transnacionais possuem mais de 90% dos seus serviços terceirizados nos mais diversos países do mundo. Para Ianni (1995, p. 47), “a grande empresa” parece transformar nações das mais diversas categorias em uma “pequena nação”. O autor observa, ainda, que “[...] as transnacionais redesenham o mapa do mundo, em termos geoeconômicos e geopolíticos, muitas vezes não coincidindo com os mais fortes Estados nacionais” (IANNI, 1995, p. 52). O avanço das transnacionais apresenta aspectos positivos (como a modernização administrativa do aparelho estatal) e também negativos (como as perdas no mundo do trabalho com a privatização, a desregulamentação e a flexibilização das leis trabalhistas). Na esfera das políticas internacionais, podemos identificar facilmente o processo de globalização: a) na formação dos gigantescos blocos econômicos: União Europeia, Mercado Comum do Sul (Mercosul) e Área de Livre Comércio das Américas (Alca), entre outros; b) na volatilidade do capital internacional; c) na fragmentação do mercado de trabalho e produção; d) no crescimento do setor invisível da economia (serviços); e) no desemprego e na influência cultural das sociedades dominantes, entre outros indicativos. Na esfera econômica, a adoção de uma moeda única europeia, o euro, é uma prova de que os Estados, hoje, adotam políticas que buscam, cada vez mais, a integração entre os países. Assim, as empresas transnacionais se apropriam da vantagem de poder estabelecer relações contratuais mais informais e também de regras ambientais menos rigorosas, já que sua marca institucional não aparece envolvida diretamente no processo. 38


AULA 3 - CAPITALISMO GLOBAL

Fonte: http://portaldoestudante.files.wordpress.com/2008/07/louisarmstrong1.jpg

As empresas transnacionais são as maiores responsáveis pela globalização da produção. Elas são independentes. Podemos perceber isso quando buscam suprir interesses próprios. Antes do processo de globalização, por exemplo, quando uma empresa estrangeira instalava uma filial no Brasil, obrigava-se a seguir as instruções de sua matriz e a fabricar produtos rigorosamente nos padrões estabelecidos. Hoje, é muito diferente. As empresas estrangeiras fazem pesquisas para atingir o mercado consumidor específico de cada país, levando em conta as necessidades do local. Às vezes, exportam seus produtos e acabam competindo com a própria matriz. Por causa disso, muitas filiais entram em choque com suas sedes.

AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO No atual estágio do capitalismo, ocorre uma profunda alteração na geração de empregos. A dinâmica de acumulação, que gera efeitos avassaladores nas questões trabalhistas, como a expansão do desemprego estrutural – causado pelas novas tecnologias como a robótica e a informática –, não é um processo resultante de crise econômica, e sim de novas formas de organização do trabalho e da produção. Tanto os países desenvolvidos quanto os subdesenvolvidos são atingidos por essa forma de desemprego. Existem setores mais atingidos, como a agricultura, a indústria e a prestação de serviços. Por outro lado, a queda do preço dos produtos globais incorpora porções crescentes da população ao consumo de bens ou serviços, antes restritos às frações com maior poder aquisitivo. Essa incorporação ocorre não necessariamente pelo incremento da renda, mas pela possibilidade de adquirir mais bens com a mesma renda. Dupas (1998, p. 125) assinala que a tendência do capitalismo contemporâneo é “[...] reduzir o número e aumentar o porte dos grupos por setor, operando em nível global e lutando predominantemente por mercados abertos em competição enérgica”. Evidentemente, há muitas tentativas de acordo e proteção, mas o processo que se destaca é o da concorrência.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

O emprego formal apresenta a tendência nítida de queda. Paralelamente, o trabalho flexível e as empresas pequenas e médias – inclusive unidades familiares informais – adquirem novo espaço de inserção por meio da tecnologia da informação, que facilita a sua integração em cadeias produtivas mais amplas. O mundo do trabalho está em definitiva mudança, e isso repercute diretamente em inúmeras razões de preocupação quanto ao futuro da exclusão social no novo século. Se, por um lado, o processo de globalização influencia positivamente a economia global, por outro, ao reduzir custos sociais e salariais, traz como consequências o subemprego, o desemprego e o aumento do número de trabalhadores no mercado informal. Tudo isso serve para otimizar vantagens e custos de fatores de produção. As ações de globalização possuem conexão direta com o processo de exclusão social, na medida em que elevam os índices de desemprego, tornam precárias as condições de trabalho e favorecem o agravamento dos problemas sociais. Teremos oportunidade de refletir mais sobre o processo de exclusão social na aula seguinte, quando examinaremos os aspectos de sua construção na conjuntura do neoliberalismo.

A NOVA LÓGICA DAS CADEIAS PRODUTIVAS De acordo com Dupas (1998), as estratégias de produção e distribuição das corporações foram reformuladas, passando da empresa integrada verticalmente a networks (redes de trabalho), que incorporam diferentes empresas em um mesmo projeto global. Nesse processo, tecnologia e capital adquiriram mobilidade crescente, acelerada pela possibilidade de fragmentação das cadeias produtivas. Assim, a mão de obra se tornou o único fator não móvel, permitindo a incorporação da mão de obra barata na lógica global. A cadeia produtiva é, pois, um conjunto de etapas consecutivas, ao longo das quais os diversos insumos sofrem algum tipo de transformação até a constituição de um produto final (bem ou serviço) e sua colocação no mercado. Trata-se, portanto, de uma sucessão de operações (ou de estágios técnicos de produção e de distribuição) integradas, realizadas por diversas unidades interligadas como uma corrente, desde a extração e o manuseio da matéria-prima até a distribuição do produto. Para Oliveira (2009), adota-se então um conceito mais amplo, considerando a cadeia produtiva como uma sequência de modificações da matéria-prima, “[...] com finalidade econômica, que inclui desde a exploração dessa matéria-prima, em seu meio ambiente natural, até o seu retorno à natureza, passando pelos circuitos produtivos, de consumo, de recuperação, tratamento e eliminação de efluentes e resíduos sólidos”. Em outras palavras, define-se cadeia produtiva como o conjunto de atividades econômicas que se articulam progressivamente, desde o início da elaboração de um produto. Isso inclui tanto matérias-primas, quanto insumos básicos, máquinas e equipamentos, componentes e produtos intermediários, até o produto acabado, a distribuição, a comercialização e a colocação do produto final junto ao consumidor, constituindo elos de uma corrente. Para Gereffi apud Dupas (1998, p. 7), há dois tipos básicos de cadeias produtivas: a) producer-driven: as grandes manufaturas que coordenam networks, utilizando capital e tecnologia, como automóveis, aviação, computadores, semicondutores e maquinaria pesada;

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AULA 3 - CAPITALISMO GLOBAL

b) buyer-driven: fundamentalmente os grandes varejistas, designers e trading networks – descentralizados em vários exportadores – especialmente no Terceiro Mundo. É o caso dos calçados, brinquedos, roupas e bens de consumo eletrônicos. Eles não fabricam, somente controlam como, quando e onde a produção irá acontecer e que parcela de lucro deve ser auferida a cada estágio da cadeia. Dessa forma, externam seus riscos: é bem mais fácil romper um acordo de subcontratação do que fechar uma planta, acarretando desgastes de imagem e problemas legais.

Figura 1 - Modelo de Cadeia Produtiva

Apesar de sempre existir um custo de saída, as transnacionais têm relativa facilidade de transferir o local de sua produção. A decisão de investir no país de origem ou no exterior tem implicações importantes sobre os níveis de emprego dessas economias e, muitas vezes, é utilizada como ferramenta de negociação pelas empresas. A mobilidade do capital e a possibilidade de deslocar segmentos da cadeia produtiva para outro país desestabilizam a estrutura de salários ao referenciá-la por padrões internacionais. (DUPAS, 1998, p. 10).

O processo de globalização também tem um lado desvantajoso: os trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação apresentam dificuldades para ingressar no mercado de trabalho. Não acompanham a rapidez com que as novas tecnologias adentram no mercado, o que favorece o processo de desemprego ou de subproletarização. Por outro lado, o mercado de trabalho apresentou variações e realocações dos fatores de produção, juntamente com a melhoria nos níveis de produtividade e melhor qualificação da mão de obra, dadas as exigências impostas pela concorrência internacional. Outro fantasma que paira sobre os países desenvolvidos é a chamada desindustrialização, ou seja, o declínio dos produtos manufaturados em direção aos serviços, a queda relativa do produto e emprego industriais e a inabilidade de competir nos processos manufatureiros internacionais. Há conexões entre o deslocamento das cadeias globais e a dificuldade dos países desenvolvidos na manutenção do emprego industrial. As reestruturações e racionalizações dos últimos anos aprofundaram o problema do desemprego, e a implementação de novas tecnologias poupadoras de trabalho prejudicou fundamentalmente os empregos dos trabalhadores menos qualificados nesses países. A tentativa de tornar variáveis todos os custos fixos, que acabou por envolver 41


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

uma radicalização na flexibilização da mão-de-obra, é outra razão apontada, e o avanço do trabalho em tempo parcial é parte deste processo. As novas tecnologias também geram novas oportunidades de emprego, mas as qualificações dos trabalhadores disponíveis normalmente não se adequam ao seu perfil, agravando – ainda que temporariamente – a questão do desemprego. (DUPAS, 1998, p. 11).

Concluímos, então, que o processo de globalização apresenta as duas faces da moeda: tanto produz efeitos positivos, quanto apresenta aspectos negativos, os quais repercutem na economia. Na próxima aula, veremos o processo de exclusão e de desigualdade social e seu impacto sobre as economias. Que tal nos encontrarmos lá? Até mais.

SÍNTESE Nesta aula, agregamos conhecimentos sobre o capitalismo global e seu impacto no mundo do trabalho com a nova lógica das cadeias produtivas. Enfatizamos a importância do processo de globalização para a economia mundial, desde o seu surgimento – ainda no século XV – até os dias atuais, e refletimos sobre como tal processo repercutiu com a expansão dos meios de comunicação.

GLOSSÁRIO Insumo: conjunto dos elementos necessários à fabricação de um produto – matérias primas, máquinas, trabalhadores, entre outros. País desenvolvido: países com alto nível de desenvolvimento econômico e social. A mensuração é feita com base em critérios econômicos – renda per capita, Produto Interno Bruto (PIB), industrialização – e sociais – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), riqueza, educação, expectativa de vida. País subdesenvolvido: países com baixo nível de desenvolvimento econômico e social. A mensuração é feita com base em critérios econômicos – renda per capita, Produto Interno Bruto (PIB), industrialização – e sociais – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), riqueza, educação, expectativa de vida. Subproletarização: deriva do conceito de proletarização, em sentido mais inferior. Rebaixamento de status, empobrecimento da classe média que se aproxima da situação da classe operária. Declínio da classe média.

PERGUNTA PARA REFLEXÃO Pondere e mostre o que compreendeu a respeito da seguinte assertiva: “O processo de globalização diz respeito à forma como os países interagem e aproximam pessoas, ou seja, como se interligam no mundo, levando em consideração aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos”.

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AULA 3 - CAPITALISMO GLOBAL

QUESTÕES 1) Você aprendeu que a globalização se iniciou já nos séculos XV e XVI, com a expansão marítimocomercial europeia e, consequentemente, com a eclosão do próprio capitalismo, tendo continuado nos séculos seguintes. Atualmente, denominamos de globalização ou mundialização o fato de, repentinamente, o mundo inteiro ter se tornado capitalista e globalizado. Responda: o que é globalização? 2) Em nossos estudos, destacamos que a globalização é um processo de expansão capitalista, e uma de suas características está no surgimento das empresas transnacionais, com o objetivo de reduzir custos (mão de obra, impostos, acesso a financiamentos). Tais companhias tornaram-se mais competitivas e dominam amplos setores do mercado internacional no setor de produtos e/ ou de serviços. Segundo o conteúdo apresentado, responda: o que são empresas transnacionais e como se diferenciam das empresas multinacionais? 3) A globalização ou mundialização é um processo que ocorre em diversas áreas da vida social: na economia, na organização das sociedades, no comércio internacional e nacional, bem como na cultura e nas artes. A partir disso, responda: como a globalização pode ser observada na esfera das políticas internacionais? 4) A dinâmica de acumulação, que gera efeitos avassaladores nas questões trabalhistas, como a expansão do desemprego estrutural – causado pelas novas tecnologias, como a robótica e a informática –, não é um processo resultante de crise econômica, e sim de novas formas de organização do trabalho e da produção. Tanto os países desenvolvidos quanto os subdesenvolvidos são atingidos por essa forma de desemprego. Existem setores mais atingidos, como a agricultura, a indústria e a prestação de serviços. Com base em seus estudos sobre o conteúdo da disciplina, responda: como se organizam as relações trabalhistas no mundo globalizado? 5) Você aprendeu que as estratégias de produção e distribuição das corporações foram reformuladas, passando da empresa integrada verticalmente a networks (redes de trabalho), que incorporam diferentes empresas em um mesmo projeto global. Nesse processo, tecnologia e capital adquiriram mobilidade crescente, acelerada pela possibilidade de fragmentação das cadeias produtivas. Assim, a mão de obra se tornou o único fator não móvel, permitindo a incorporação da mão de obra barata na lógica global. Demonstre seu entendimento, respondendo: como podemos definir a cadeia produtiva na era da globalização?

LEITURAS INDICADAS JACQUES, Vera Lúcia B. Globalização: características gerais do capitalismo global. Disponível em: <http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/vera.html>. Acesso em: 21 jan. 2014.

SITES INDICADOS http://www.artigonal.com/desigualdades-sociais-artigos/uma-analise-detalhada-sobre-o-livrode-celso-furtado-o-capitalismo-global-1682387.html http://resenhasbrasil.blogspot.com/2008/10/o-capitalismo-global.html

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. DUPAS, Gilberto. A lógica da economia global e a exclusão social. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 12, n. 34, set./dez. 1998. FRIEDEN, Jeffry A. Capitalismo global: história econômica e política do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. IANNI, Octávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. OLIVEIRA, Dennis. Como democratizar a cadeia produtiva da comunicação social brasileira. Artigo preparatório para a I Conferência Nacional de Comunicação. 15 dez. 2009, Brasília.

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AULA 4 Neoliberalismo e exclusão social

Autoras: Carla Ferreira de Castro, Liana Almeida de Arantes e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“[...] a desafiliação (exclusão) [...] representa uma ruptura de pertencimento, de vínculos societais. O desafiliado (excluído) é aquele cuja trajetória é feita de uma série de rupturas com relação a estados de equilíbrio anteriores, mais ou menos estáveis, ou instáveis [...].” (Robert Castel) Olá! Nesta aula, apresentaremos nuances do processo de formação da exclusão social. Na sociedade capitalista, por mais paradoxal que possa parecer, os excluídos não participam do sistema, mas sustentam a ordem econômica e social. Vamos identificar também algumas características do neoliberalismo, visto como modelo, e sua influência sobre a acentuação do processo de desigualdade social. Bom proveito!


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

AS ORIGENS DA EXCLUSÃO SOCIAL A exclusão social é um dos principais temas pesquisados pelas mais variadas áreas do conhecimento, como a Sociologia, a ciência da sociedade. No entanto, o conceito de exclusão nem sempre é preciso ou definido. Para Marta Kohl de Oliveira (1999), tecnicamente falando, pessoas ou grupos sociais sempre são, de uma maneira ou outra, excluídos de ambientes, situações ou instâncias. Para a autora (1999, p. 24), exclusão é “estar fora”, à margem, sem possibilidade de participação, seja na vida social como um todo, seja em algum de seus aspectos. “A história retratou, ainda, serem os excluídos indivíduos que pertenciam a grupos definidos pela sua forma de viver, de sobreviver, de obter e compartilhar saberes.” Assim, a exclusão social se refere a um processo complexo e com diversos prismas, dotado de contornos relacionais e subjetivos. Não deve ser tomada como uma falha, uma característica do processo capitalista, ou de outro regime político-ideológico. A exclusão é parte integrante do sistema social, produto de seu funcionamento; assim, sempre haverá, mesmo que teoricamente, pessoas ou grupos sofrendo exclusão.

Fonte: http://www.ressoar.org.br/dicas_voluntariado_voluntariado_combate_exclusao_social.asp

O termo exclusão social, enormemente empregado em dias atuais, é bastante antigo, embora tenha passado a permear os meios acadêmicos, sociais e políticos mais fortemente apenas a partir da década de 1970. A saber: O termo exclusão social, de origem francesa, toma vulto a partir do livro Les Exclus (1974), de autoria de Lenoir, que define os excluídos como aqueles indivíduos concebidos como resíduos dos trinta anos gloriosos de desenvolvimento. Seguindo as ideias de Lenoir, o estudioso brasileiro Hélio Jaguaribe, em meados de 80, prevê, a partir da pobreza crescente, a exclusão de contingentes humanos e a define como resultado da crise econômica que se inicia em 1981–83. Para esse autor, a exclusão assume as feições da pobreza. O escritor e político brasileiro Cristovam Buarque (apud Nascimento, 1996), seguindo a mesma perspectiva de compreensão, ao analisar a crise econômica, publica escritos (1991, 1993 e 1994) que chamam a atenção para a ameaça à paz social. Segundo Buarque, a exclusão social passa a ser vista como um processo presente, visível e que ameaça confinar grande parte da população num apartheid informal, expressão que dá lugar ao termo “apartação social”. Para ele, fica evidente a divisão entre o pobre e o rico, em que o pobre é miserável e ousado, enquanto o outro se caracteriza como rico, minoritário e temeroso. A exclusão social remonta à antiguidade grega, onde escravos, mulheres e 46


AULA 4 - NEOLIBERALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL

estrangeiros eram excluídos, mas o fenômeno era tido como natural. Somente a partir da crise econômica mundial que ocorre na idade contemporânea e que dá evidência à pobreza é que a exclusão social toma visibilidade e substância. A partir de 1980, os seus efeitos despontam, gerando desemprego prolongado e, parafraseando Castel (1998), “os desafiliados do mercado passam a ser denominados de socialmente excluídos. A partir de então, este tema ganha centralidade nos meios acadêmicos e políticos”. (FISCHER; MARQUES, 2001, p. 1).

De acordo com Dupas (1998), na Europa, a discussão sobre exclusão social apareceu na esteira do crescimento dos sem-teto e da pobreza urbana, da falta de perspectiva decorrente do desemprego de longo prazo, da falta de acesso a empregos e rendas por parte de minorias étnicas e imigrantes, da natureza crescentemente precária dos empregos disponíveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter para ingressar no mercado de trabalho. Realidade, aliás, que ainda vigora nos dias atuais. Já no Brasil, na década de 1990, alguns estudiosos também identificam uma nova problemática social a exigir uma conceituação própria. No entanto, as análises tendem a considerar a emergência do fenômeno contemporâneo como expressão de um processo com raízes históricas ancestrais na sociedade brasileira, ao longo do qual ocorreram situações de exclusão que deixaram marcas profundas em nossa sociabilidade, como a escravidão. A partir dessa marca estrutural, a sociedade apresentou, nos diversos períodos históricos, faces diferenciadas, expressões de processos sociais presididos por uma mesma “lógica” econômica e/ou de cidadania excludente. Na década de 80, a transição do regime político e os ciclos econômicos recessivos aumentaram a visibilidade da “questão social”. Na década de 90, e não antes, surgiram os sinais evidentes de uma piora das condições de vida. A exclusão social tornou-se visível e contundente a partir da população de rua e da violência urbana. (ESCOREL, 1999, p. 4).

Silver (1995 apud DUPAS, 1998, p. 2) pondera que “[...] o conceito de exclusão social – bem como os de pobreza e desemprego – é uma resposta à necessidade de lidar com algumas características socioeconômicas surgidas recentemente”. O autor enumera, para fins de entendimento, mais de vinte categorias de excluídos, entre os quais se encontram os sem-habilidade, os analfabetos, os fora da escola, os viciados, os delinquentes, as crianças que sofreram abuso, entre outros grupos marginalizados pela sociedade. São diversos os tipos de excluídos do sistema, a saber: » » grupos sociais excluídos: minorias étnicas (indígenas, negros), minorias religiosas, minorias culturais; » » excluídos de gênero: mulheres, homens; » » excluídos por idade: crianças, idosos; » » excluídos por aparência física: obesos, deficientes físicos, pessoas calvas, pessoas mulatas ou pardas, portadores de deformidades físicas, pessoas mutiladas; » » excluídos do trabalho: desempregados e subempregados, pessoas pobres em geral; » » excluídos socioculturais: pessoas pobres, habitantes de periferias dos grandes centros urbanos; » » excluídos da saúde: pobres, doentes crônicos e deficientes físicos, sensoriais e mentais;

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» » excluídos da educação: pobres, os sem-escola, as vítimas da repetência, da desistência escolar, da falta de escola perto do seu lar; deficientes físicos, sensoriais e mentais; » » excluídos do universo social como um todo: os portadores de deficiências físicas, sensoriais e mentais, os pobres, os desempregados; » » excluídos em termos de orientação sexual: homossexuais, bissexuais etc. As categorias acima são interpenetrantes. Na tentativa de ordenação, fica clara a presença de grupos de pessoas participando simultaneamente de várias categorias de exclusão: de modo geral, a exclusão social bate mais forte no pobre, poupando aqueles que dispõem de melhor condição econômica. De acordo com o pensamento de Costa (1998), podem existir os seguintes tipos de exclusão social: » » econômica: trata-se da pobreza, situação em que o indivíduo está privado de recursos; é caracterizada pela má condição de vida, baixos níveis de instrução e qualificação profissional, emprego precário etc.; » » social: trata-se de privação de relacionamento, caracterizada pelo isolamento de idosos, deficientes etc., por exemplo; este tipo de exclusão nada tem a ver com a pobreza, a menos que esteja também vinculada ao aspecto econômico; em geral, é resultante do modo de vida familiar; » » cultural: exclusão relacionada a fatores culturais, como racismo, dificuldade de integração social etc.; » » patológica: trata-se de situações de origem patológica do indivíduo, de ordem psicológica ou mental, podendo ser, nesse caso, causa de ruptura familiar, como indivíduos obesos etc.; » » comportamental: comportamentos autodestrutivos relacionados ao alcoolismo, à prostituição, ao uso de drogas, entre outros, gerando a exclusão desses indivíduos, que podem ou não ter origem na pobreza.

Fonte: Montagem sobre fotos www.sxc.hu

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O NEOLIBERALISMO O neoliberalismo é um modelo puramente ideológico, que representa uma reação contra os ataques sofridos pelo liberalismo, realizados por intervencionistas e socialistas durante mais de um século. O liberalismo governou o mundo, mantendo sua base na baixa intervenção do Estado na economia – defendendo o mercado livre do Estado. Em outras palavras, o liberalismo entende que a política e a economia são esferas distintas e que devem ser gerenciadas de forma separada. Com os avanços econômicos e políticos dos países comunistas e socialistas durante a Guerra Fria (após a Segunda Guerra Mundial), os pensadores liberais trataram de redesenhar as “diretrizes” para continuar no poder, o que resultou em uma nova teoria: o neoliberalismo ou o novo liberalismo. Muito embora seja um conceito que vigora nos meios econômicos desde a década de 1930, o neoliberalismo ganha novo tônus e se torna um conceito atual, com o processo de globalização econômica, em especial a partir da década de 1990. As principais características do neoliberalismo são: •

Mínima participação estatal nos rumos da economia de um país;

Pouca intervenção do governo no mercado de trabalho;

Política de privatização de empresas estatais;

Livre circulação de capitais internacionais e ênfase na globalização;

Abertura da economia para a entrada de multinacionais;

Adoção de medidas contra o protecionismo econômico;

Desburocratização do Estado: leis e regras econômicas mais simplificadas para facilitar o funcionamento das atividades econômicas;

Diminuição do tamanho do Estado, tornando-o mais eficiente;

Posição contrária aos impostos e tributos excessivos;

Aumento da produção como objetivo básico para atingir o desenvolvimento econômico;

Contra o controle de preços dos produtos e serviços por parte do Estado, ou seja, a lei da oferta e demanda é suficiente para regular os preços;

A base da economia deve ser formada por empresas privadas;

Defesa dos princípios econômicos do capitalismo. (SUA PESQUISA, s.d.).

Em linhas gerais, podemos dizer que o neoliberalismo é uma doutrina econômica voltada ao exame dos resultados das numerosas experiências de aplicação dos sistemas de intervenção no mercado. Focaliza, essencialmente, o mecanismo de controle dos preços das mercadorias, visando à manutenção da livre concorrência. Em um regime de liberdade capitalista, o empreendedor faz seu cálculo com base nos preços de diferentes fatores (mão de obra, insumos, capital), utilizando o custo de produção para determinar o preço de venda de sua mercadoria. O produtor irá fazer de tudo para ajustar sua produção ao consumo (oferta e demanda). Dessa maneira, o preço, em regime de liberdade econômica, forma-se de maneira livre e espontânea, expressa a situação da oferta e da demanda e orienta a produção.

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Assim, no ideário neoliberal, a intervenção do Estado na produção e comercialização dos produtos obstrui o livre funcionamento do mecanismo de preços, ou seja, interrompe o ciclo da oferta e da demanda. Para os neoliberais, o Estado deve combater firmemente os agrupamentos de produtores, cartéis e trustes nacionais ou internacionais. Essa seria a “real” função atribuída ao Estado na doutrina neoliberal.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/plano-de-aula-sociologia-neoliberalismo-brasil-735950.shtml

O neoliberalismo prevê também a possibilidade de o Estado exercer, não mais temporariamente, mas de forma permanente, sua atuação em certos setores da economia social. Os neoliberais entendem que é função do Estado o atendimento às “vítimas” do atual modelo econômico. Assim, o poder público precisa tomar as medidas necessárias para reduzir as injustiças econômicas, prestando auxílio aos excluídos no processo. A perspectiva neoliberal avançou nas últimas décadas do século passado até os dias atuais, influenciando os governos de quase todos os países do planeta. Segundo a lógica da globalização, exerce grande influência nas políticas sociais nacionais. No Brasil, encontramos vários exemplos de políticas de cunho neoliberal – como as aberturas de subsídio a empresas estrangeiras, privatizações e terceirizações de estatais e/ou serviços etc. – caracterizadas, especialmente, pela falta de regulação eficiente, principalmente para prevenir a formação de cartéis e monopólios e, enfim, combater a concentração de mercado. De modo geral, podemos definir o neoliberalismo como um conjunto de ideias políticas e econômicas que separam o Estado da economia. Essas medidas estimulam a livre concorrência, aumentando o crescimento econômico.

POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL NO NEOLIBERALISMO A política neoliberal, principalmente no que diz respeito à criação de planos de estabilização econômica, não elimina os problemas sociais estruturais da sociedade brasileira como o desemprego, a exclusão, a fome, a morte por inanição, a violência e outros. Tal conjuntura aponta para uma análise: existem indícios de que as políticas neoliberais no Brasil e em outras partes do mundo intensificam os problemas sociais, em especial pelo alargamento dos números da população em situação de pobreza e em exclusão social. Isso lança como desafio a capacidade política dessas nações para reverter tal quadro.

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De acordo com Rogers (1995 apud DUPAS, 1998, p. 4), a exclusão, em sua essência, é multidimensional, manifesta-se de várias maneiras e atinge as sociedades de formas diferentes, sendo os países pobres os afetados com maior profundidade. Os principais aspectos com os quais a exclusão se apresenta dizem respeito à falta de acesso ao emprego, a bens e serviços, e também à falta de segurança, justiça e cidadania. Assim, observa-se que a exclusão se manifesta no mercado de trabalho (desemprego de longa duração), no acesso à moradia e aos serviços comunitários, a bens e serviços públicos, a terra, aos direitos etc. O conceito de exclusão social costuma ser confundido com o de pobreza. É necessário salientar que não são a mesma coisa. Sposito (1998) considera: Há uma distinção entre exclusão social e pobreza. Por conter elementos éticos e culturais, a exclusão social também se refere à discriminação e à estigmatização. A pobreza define uma situação absoluta ou relativa. Não entendo esses conceitos como sinônimos quando se tem uma visão alargada da exclusão, pois ela estende a noção de capacidade aquisitiva relacionada à pobreza a outras condições de atitude, comportamento que não se referem só a capacidade da não retenção de bens. (SPOSITO, 1998, p. 93).

Assim, pobre é o que não tem, enquanto o excluído pode ser o que tem sexo feminino, cor negra, idade avançada, opção homossexual etc. A exclusão alcança valores culturais, ganha novos significados; os mais pobres são discriminados pela pobreza, enquanto a exclusão se refere ao abandono, à quebra de vínculos, à perda do convívio social, fatores que não passam, necessariamente, pela pobreza. Para melhor compreendermos, adotaremos a distinção entre pobreza e exclusão social oferecida por Castel (1998): […] fase extrema do processo de marginalização, entendido este como um percurso descendente, ao longo do qual se verificam sucessivas rupturas na relação do indivíduo com a sociedade. Um ponto relevante desse percurso corresponde à ruptura em relação ao mercado de trabalho, a qual se traduz em desemprego ou mesmo num desligamento irreversível em face desse mercado. A fase extrema da exclusão social é caracterizada não só pela ruptura com o mercado de trabalho, mas por rupturas familiares, afetivas e de amizade. (CASTEL, 1998 apud COSTA, 1998, p. 9).

Segundo esse entendimento, pode haver pobreza sem exclusão social, como acontecia aos pobres na Idade Média. Os servos, ainda que pobres, encontravam-se integrados a uma rede de relações de grupo ou comunidade. Pobreza e exclusão social são, portanto, nessa perspectiva, realidades distintas e que não precisam necessariamente coexistir. Então, a exclusão social integra o campo da pobreza e das desigualdades, embora seja diferente desses dois conceitos e contenha, em si, situações e processos que podem se desenvolver fora do âmbito deles. Por exemplo, a impossibilidade de homossexuais constituírem uniões estáveis e terem direito à herança de seus companheiros ou companheiras. Entretanto, a maior parte dos processos de exclusão social está relacionada – e tem consequências diretas – às condições econômicas dos grupos populacionais, fazendo-se mais presente em situações de intensa pobreza e desigualdade social.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

SÍNTESE Nesta aula, conhecemos alguns aspectos do processo de formação da exclusão social, em especial na sociedade brasileira. Abordamos também as origens e características do neoliberalismo e analisamos a forma como este repercute na intensificação da desigualdade social, da pobreza e da exclusão social. Na próxima aula, continuaremos com o tema da exclusão e desigualdade social, mas com o enfoque voltado para o seu impacto sobre a sociedade e a cidadania. Até mais!

GLOSSÁRIO Estigmatização: refere-se à reprovação e/ou aversão a características ou crenças culturais, ou contra as normas culturais, o que leva, geralmente, à marginalização e/ou exclusão social. Interpenetrante: refere-se ao ato de penetrar, entrar em relação, passar para dentro, através de, compreender, descobrir, compenetrar. Protecionismo: refere-se a um conjunto de medidas tomadas no sentido de favorecer as atividades econômicas internas nacionais, reduzindo e/ou dificultando a importação de produtos e a concorrência estrangeira. Subsídio: trata-se de apoio monetário, concedido pelo Estado à entidade ou empresa, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de determinada atividade econômica, reduzindo o preço final dos produtos vendidos e favorecendo a competitividade e a concorrência por preços menores entre empresas.

PERGUNTA PARA REFLEXÃO A partir da leitura do conteúdo apresentado nesta aula, procure refletir e desenvolver seu entendimento sobre a correlação entre neoliberalismo, pobreza e exclusão social. Para auxiliá-lo, selecionamos a charge abaixo.

Fonte: http://geoconceicao.blogspot.com.br/2012/01/vestibular-2011-unioeste-o-fenomeno-da.html

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QUESTÕES 1) Você aprendeu que a exclusão social se refere a um processo complexo e com diversos prismas, dotado de contornos relacionais e subjetivos. Não deve ser tomada como uma falha, uma característica do processo capitalista, ou de outro regime político-ideológico. A exclusão é parte integrante do sistema social e produto de seu funcionamento; assim, sempre haverá, mesmo que teoricamente, pessoas ou grupos sofrendo exclusão. Demonstre seu entendimento, respondendo: como a discussão sobre a exclusão social surgiu na Europa e quais os fatores que desencadearam o debate? 2) Com base nos conteúdos apresentados, você aprendeu que “[...] o conceito de exclusão social – bem como os de pobreza e desemprego – é uma resposta à necessidade de lidar com algumas características socioeconômicas surgidas recentemente”. Descreva os principais tipos de excluídos que encontramos na sociedade atualmente. 3) Com a descrição sobre os diferentes tipos de excluídos que encontramos na sociedade atual, fica clara a presença de grupos de pessoas participando simultaneamente de várias categorias de exclusão: de modo geral, a exclusão social bate mais forte no pobre, poupando aqueles que dispõem de melhor condição econômica. Relacione os diferentes tipos de exclusão social que a população em situação de pobreza pode sofrer. 4) Com base no conteúdo apresentado, neoliberalismo é um modelo puramente ideológico, que representa uma reação contra os ataques sofridos pelo liberalismo, realizados por intervencionistas e socialistas durante mais de um século. Com os avanços econômicos e políticos de países comunistas e socialistas durante a Guerra Fria (após a Segunda Guerra Mundial), os pensadores liberais redesenharam as “diretrizes” para continuar no poder, o que resultou em uma nova teoria: o neoliberalismo ou o novo liberalismo. Agora, responda: o que é neoliberalismo e como ele funciona? 5) A exclusão, em sua essência, é multidimensional, manifesta-se de várias maneiras e atinge as sociedades de formas diferentes, e os países pobres são afetados com maior profundidade. Os principais aspectos com os quais a exclusão se apresenta dizem respeito à falta de acesso ao emprego, a bens e serviços e também à falta de segurança, justiça e cidadania. Assim, observase que a exclusão se manifesta no mercado de trabalho (desemprego de longa duração), no acesso à moradia e aos serviços comunitários, a bens e serviços públicos, a terra, aos direitos etc. Demonstre que você entendeu o conteúdo apresentado, distinguindo pobreza de exclusão social.

LEITURAS INDICADAS NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. Exclusão social no Brasil: as múltiplas dimensões do fenômeno, Brasília: UnB, 1993. (Série Sociológica). STAINBACK, Susan (Org.). Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed, 1999. ZIZEK, Slavoj. O objeto sublime da ideologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

SITES INDICADOS http://www.conteudoescola.com.br/site/con-tent/view/95/36/1/1 http://www.betoveiga.com/log/index.php/2009/11/neoliberalismo-o-que-e-um-resumo-dadefinicao http://econpapers.repec.org/paper/abphe1999/024.htm http://nusocial.wordpress.com/2008/06/20/exclusao-social-e-seu-enfrentamentocontextobrasileiro http://www.triplov.com/ista/cadernos/cad_09/amaro.htm

REFERÊNCIAS CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Vozes, Petrópolis: 1998. COSTA, Alfredo Bruto da. Exclusões sociais. Lisboa: Gradiva, 1998. DUPAS, Gilberto. A lógica da economia global e a exclusão social. Estudos Avançados, São Paulo, v. 12, n. 34, set./dez. 1998. ESCOREL, Sarah. Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999. FISCHER, Izaura Rufino; MARQUES, Fernanda. Gênero e exclusão social. Trabalhos para discussão, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, n. 113, ago. 2001. OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, set./dez. 1999. SPOSITO, Eliseu Savério. Globalização e regionalização na Europa Ocidental: Portugal, Espanha e França. Presidente Prudente: Visão, 2000. SUA PESQUISA. Neoliberalismo. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/geografia/ neoliberalismo.htm>. Acesso em: 10 dez. 2010.

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AULA 5 Exclusão social e cidadania

Autoras: Carla Ferreira de Castro, Liana Almeida de Arantes e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“As nuvens mudam sempre de posição, mas são sempre nuvens no céu. Assim devemos ser todo dia, mutantes, porém, leais com o que pensamos e sonhamos; lembre-se, tudo se desmancha no ar, menos os pensamentos”. Paulo Baleki Olá! Nossa quinta aula dará continuidade à discussão sobre o processo de formação da exclusão social. Tem por objetivo analisar as dimensões da exclusão social, fazendo correlação com a definição do conceito de cidadania e observando de que maneira os direitos garantidos em lei se efetivam ou não na vida cotidiana. Boa aula!


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

AS DIMENSÕES DA EXCLUSÃO SOCIAL Para alargar a discussão acerca desse assunto, vamos considerá-lo, essencialmente, como falta de acesso às oportunidades oferecidas pela sociedade aos seus cidadãos. No Brasil, a exclusão social se refere à realidade de milhões de pessoas. Estima-se que cerca de 50 milhões estejam em situação de exclusão social – com renda mensal inferior a R$ 80 reais per capita; sem acesso aos serviços básicos de saúde, educação, informação e desenvolvimento social. Para Amaro (s.d.), a exclusão social pode implicar privação, falta de recursos ou, de uma forma mais abrangente, ausência de cidadania – entendida como participação plena na sociedade –, aos diferentes níveis em que esta se organiza e se exprime (ambiental, cultural, econômico, político e social). Nesse sentido, o autor identifica as seis principais dimensões da vida cotidiana (econômica, política, de gênero, sexual, social) em que encontramos situações de exclusão social no nível: » » do SER, ou seja, da personalidade, da dignidade, da autoestima e do autorreconhecimento individual; » » do ESTAR, ou seja, das redes de pertença social, desde a família às redes de vizinhança, aos grupos de convívio e de interação social e à sociedade mais geral; » » do FAZER, ou seja, das tarefas realizadas e socialmente reconhecidas, quer sob a forma de emprego remunerado (uma vez que a forma dominante de reconhecimento social assenta na possibilidade de se auferir um rendimento traduzível em poder de compra e em estatuto de consumidor), quer sob a forma de trabalho voluntário não remunerado; » » do CRIAR, ou seja, da capacidade de empreender, de assumir iniciativas, de definir e concretizar projetos, de inventar e criar ações, quaisquer que elas sejam; » » do SABER, ou seja, do acesso à informação (escolar ou não; formal ou informal), necessária à tomada fundamentada de decisões, e para a capacidade crítica face à sociedade e ao ambiente envolvente; » » do TER, ou seja, do rendimento, do poder de compra, do acesso a níveis de consumo médios da sociedade, da capacidade aquisitiva (incluindo a capacidade de estabelecer prioridades de aquisição e consumo). (AMARO, s.d.). Nesse sentido, percebemos que a exclusão social é um fenômeno multidimensional (ambiental, cultural, econômico, político e social) e se manifesta em diferentes níveis, podendo ser cumulativa, ou seja, compreendendo vários deles ou mesmo todos. Segundo o autor, exclusão social é uma situação de não realização de algumas ou de todas essas dimensões. É o “não ser”, o “não estar”, o “não fazer”, o “não criar”, o “não saber” e/ou o “não ter”. Assim entendida, a situação de exclusão social estabelece uma relação com a pobreza, que é basicamente a privação de recursos (exprimindo-se, nomeadamente, no nível da exclusão social do fazer, do criar, do saber e/ ou do ter), ou seja, uma das dimensões daquela. Portanto, o conceito de exclusão social vai além das dimensões de análise da pobreza e das desigualdades sociais. Em outras palavras: A exclusão consiste de processos dinâmicos, multidimensionais produzidos por relações desiguais de poder que atuam ao longo de quatro dimensões principais – econômica, política, social e cultural –, e em diferentes níveis incluindo individual, domiciliar, grupal, comunitário, nacional e global. Resulta

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AULA 4 - NEOLIBERALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL

em um continuum de inclusão/exclusão caracterizado por acessos desiguais aos recursos, capacidades e direitos que produzem iniquidades [...] (POPAY, 2008 apud ESCOREL, 1999, p. 08).

Ainda ampliando nossa reflexão: Os processos de exclusão são processos de vulnerabilidade, fragilização ou precariedade e até ruptura dos vínculos sociais em cinco dimensões da existência humana em sociedade: ocupacionais e de rendimentos; familiares e sociais proximais; políticas ou de cidadania; culturais; e, no mundo da vida [...] (ESCOREL, 1999, p. 75).

Para Escorel (1999), nem todos concordam que exclusão social seja uma categoria explicativa de fenômenos sociais contemporâneos. A maior crítica que é feita ao conceito é que, assim como marginalidade, traz implícita uma visão dicotômica, que divide o todo em duas partes, perdendo a complexidade das relações sociais envolvidas no fenômeno. Não existiria um dentro (inclusão) e um fora (exclusão) da sociedade. Todas as relações constituiriam uma mesma tessitura social, mais ou menos esgarçada, porém sempre tecida.

Fonte: <http://www.inclusive.org.br/?p=23982>.

Devido às inúmeras acepções que o termo exclusão social recebe, deve-se ter muito cuidado para que este conceito não seja banalizado, sem desconsiderar sua importância no contexto social vigente. A noção da exclusão passou a ser criticada tanto pelos alegados limites em sua capacidade explicativa como em função do uso abusivo do termo. [...] Sua contribuição é mais relevante no campo da ação pública do que no da pesquisa social. Exclusão social remeteria ao enfraquecimento da participação dos indivíduos nas redes sociais mais fundamentais do contexto em que vivem [...] enfraquecimento, mas não descarte, abandono, porque o excluído pertence ao sistema em relação ao qual ele tende a ser colocado à margem. (ZIONI, 2006, p. 24).

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AS NOÇÕES DE CIDADANIA E DE DEMOCRACIA Levando em consideração que “cidadania” é uma palavra-chave para a reflexão sobre “exclusão social”, vejamos a sua definição: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. (DALARI, 1998, p. 14).

Segundo Barroso (1994), o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define cidadania como a “[...] qualidade ou estado de cidadão [...]”, logo entende-se por cidadão “[...] o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”. A origem da palavra é o latim civitas, que significa “da cidade”. Na Roma Antiga, cidadania indicava a situação política de uma pessoa e os direitos que ela possuía ou poderia exercer. Na contemporaneidade, a partir da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), cidadania passou a compreender a noção de igualdade perante a lei, ou seja, todos os indivíduos são entendidos como cidadãos com direitos iguais, definidos por cada Estado.

Fonte: <http://www.ohistoriador.com.br/wp-content/uploads/2011/02/Igualdade-de-direitos-446x415.jpg>.

Na sua acepção mais ampla, cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia. Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. É, em resumo, ter direitos civis, ou seja, ter acesso a tudo que os excluídos não têm. De um modo geral, podemos dizer que ser cidadão significa participar da vida social, pertencer à sociedade. No entanto, os direitos civis e políticos por si só não asseguram a democracia nem os direitos sociais (garantias de acesso do indivíduo quanto ao direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila etc.). Portanto, para exercer a cidadania plenamente, não basta possuir direitos civis, políticos e sociais. É preciso se apropriar desses direitos, fazendo-os valer, para que as leis não fiquem apenas no papel. Da mesma forma, a garantia de direitos e o crescimento econômico não são suficientes para assegurar o desenvolvimento econômico e social, visto que esses direitos têm de ser transpostos 58


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para a vida cotidiana dos cidadãos, de tal forma que sejam vivenciados no seu dia a dia. Assim, a cidadania só se efetiva no âmbito das relações cotidianas das pessoas, como: no bairro onde residem; no trabalho; na família; na escola; nas diversas instituições sociais e na comunidade que frequentam. De meados da década de 1970 até a atualidade, como resultado da forte pressão dos movimentos sociais por mais garantias de direitos fundamentais (saúde, educação, trabalho, habitação etc.), tem havido uma alteração na conceitualização do termo democracia, passando a reivindicar, de modo geral, a ampliação da justiça social. Entra em cena a superação das desigualdades estruturais desencadeadas pelo modelo de acumulação da produção capitalista.

Fonte: <http://imagensengracadas2.com/imagens-igualdade-e-justica-engracadas.html>.

Nesse sentido, segundo Filgueiras (2010, p. 66), “A concretização de uma sociedade democrática só é possível [...] se houver o apoio público dos cidadãos a princípios de justiça construídos segundo uma posição originária da qual se derive uma concepção de justiça política válida”. A ideia de justiça social “[...] é pensar, formalmente, uma sociedade bem ordenada na qual cada indivíduo aceite os princípios de justiça, em que a sua estrutura básica concorde com esses princípios e que os cidadãos tenham um sentido do justo” (RALWS, 1993 apud FILGUEIRAS, 2010, p. 66). Ainda que a garantia dos direitos humanos represente um marco civilizatório importantíssimo na história da humanidade, sendo fruto de um longo processo histórico, configura-se como o patamar mínimo de reconhecimento e defesa dos direitos e da dignidade do ser humana. O respeito, a igualdade, a vida plena e a solidariedade estão no centro da conceituação dos direitos humanos no enfoque da justiça social, direitos que são de todos os povos e pessoas, independentemente de condição econômica, raça, etnia, sexo, idade, crença, região do planeta ou orientação sexual, entre outras. Os direitos expressam ainda um padrão civilizatório vigente na comunidade internacional e no interior de cada país. Marx [...] já atentava para o reconhecimento do atendimento das necessidades espirituais, culturais e sociais como argumento em favor da limitação da jornada de trabalho. Deste modo,

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reconhece-se então que, em sua origem, a luta pelos direitos parte do reconhecimento de que as necessidades humanas estão além de níveis mínimos de subsistência biológica e devem refletir o nível civilizatório, alcançado pela humanidade em um determinado momento histórico. (MARTIN, 2012, p. 86–87).

Muito embora o debate sobre os direitos sociais resulte em garantias constitucionais e ações reivindicatórias vindas dos movimentos sociais, esses direitos aparecem como ações filantrópicas com pouca legitimidade, como responsabilidade não cumprida pela agenda pública. Na realidade, ocorre claramente o que se poderia chamar de efeito democracia: aumenta o número de desempregados e pobres, crescendo sua base política. Introduz-se, assim, certa contradição entre o discurso liberalizante das elites e sua práxis política. Cresce a voz dos que clamam por maiores garantias sociais por parte do Estado. Ainda conforme o Relatório do Banco Mundial: “A integração global das economias e a difusão da democracia reduziu o espaço para políticas arbitrárias.” Impostos, regras de investimento e políticas econômicas têm de responder às normas da economia globalizada. O desenvolvimento econômico e social sustentável mostra-se, pois, impossível sem um Estado ativo. Um Estado atuante – e não um Estado mínimo – é central ao desenvolvimento econômico e social, ainda que como parceiro e facilitador. (DUPAS, 1998, p. 11).

Em um cenário de implantação de políticas de cunho neoliberal, o Estado assume a garantia de serviços mínimos (policiamento, forças armadas, manutenção dos três poderes – legislativo, executivo e judiciário, etc.). Assim, nessa perspectiva, ao Estado cabe garantir apenas os serviços básicos, estreitando a noção de direitos sociais, portanto, diminuindo a noção de cidadania. Importante perceber aqui a ideia do Estado Mínimo, ou seja, um governo que defende a sua pouca ou nenhuma intervenção na economia em prol da liberdade das empresas na livre concorrência. Então, entram no debate noções como risco social e vulnerabilidade. E, ao que elas nos levam? Ora, à ideia de que a intervenção pública deve estar voltada às ações focalizadas nos segmentos sociais mais pobres. [...] o neoliberalismo vem buscando reduzir os direitos de cidadania às dimensões civis e políticas, com clara erosão de sua dimensão social [...]. A diminuição da ação reguladora do Estado, reversão de padrões universais, a focalização, a flexibilização das ações públicas no âmbito das políticas de proteção social vêm construindo uma estratégia para a diminuição do ônus do capital no esquema geral de reprodução da força de trabalho [...]. Essas estratégias buscam ainda desqualificar os direitos como fenômenos de construção e interesse coletivo e apresentar as necessidades sociais como demandas que devem ser acessadas via mercado. (MARTINS, 2012, p. 89).

Porém, em nossa sociedade, uma parcela bastante significativa de pessoas e grupos sociais sequer possui necessidades básicas satisfeitas, o que significa a negação dos direitos sociais garantidos em lei e o agravamento da questão social. Compreendamos então que “[...] as situações singulares vivenciadas pelos indivíduos são portadoras de dimensões universais e particulares das expressões da questão social, condensadas na história de vida de cada um deles”. (IAMAMOTO, 2004, p. 272). A compreensão da situação de vulnerabilidade e risco social requer que consideremos a questão social, isto é, a contradição entre: a) garantia dos direitos × efetividade nas relações sociais; b) crescimento econômico × aumento ou manutenção da pobreza. 60


AULA 4 - NEOLIBERALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL

Observe que, no Brasil, como nos demais países ocidentais, a origem da questão social se relaciona fortemente com as transformações sociais, políticas e econômicas decorrentes do modelo de produção industrial adotado. Segundo Iamamoto (2004), a questão social “[...] expressa [as] desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais”. Ainda segundo a autora, a questão social é indissociável da forma de organização da sociedade capitalista e diz respeito ao conjunto de expressões das desigualdades sociais nela engendradas, passando a exigir intermediação do Estado.

POLÍTICAS × DESIGUALDADE NO BRASIL

Fonte: <www.sxc.hu>.

Se olharmos para trás, observando as políticas sociais no Brasil, perceberemos que foram formuladas em ambiente altamente centralizador, como atribuição quase exclusiva do poder federal. Imperavam interesses clientelistas que apenas reproduziam o quadro de exclusão social. O período conhecido como “milagre econômico”, vivido na década de 1970, não resultou na melhoria da qualidade de vida para milhões de brasileiros. Nessa fase recente da nossa história, independentemente do desempenho da economia, a distância entre ricos e pobres aumentou. Na década de 1980, após o fim da Ditadura Militar que governou o País por mais de 20 anos (de 1964 a 1985), a história nacional foi marcada pela força dos movimentos populares: o movimento “Diretas Já”, ocorrido em 1983 e 1984, reivindicava eleições diretas para a Presidência da República. Na sequência, vieram as mobilizações populares na abertura de nova Assembleia Constituinte (1987), com o objetivo de escrever uma nova carta constitucional, a qual asseguraria os direitos sociais. Por esse motivo, ficou conhecida como a Constituição Cidadã – Constituição Federal de 1988. A década de 1990 foi, de acordo com grande parte da literatura, o período da consolidação do regime liberal-democrático. Esse processo compreende os governos de Fernando Collor de Mello (1990–1992), Itamar Franco (1992–1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995–2002). Ressaltamos que a década de 1990 se apresentou como um momento ímpar para o Brasil, tanto em relação ao papel que lhe cabe na nova ordem econômica internacional, devido ao seu expressivo

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crescimento, como com respeito às normas e estruturas econômicas e políticas locais. Revela um período de agudização das desigualdades sociais, com grande concentração de renda por parte de uma minoria e uma imensidão de brasileiros em situação de pobreza. Mas, justamente, foi a partir do reconhecimento dessa situação que os brasileiros acreditaram que poderiam tecer um projeto de nação, capaz de lhes abrir o caminho para um futuro diferente. Nessa fase de redemocratização da história brasileira, a trajetória das políticas públicas foi se delineando de forma bastante fragmentada e com objetivos nem sempre claros, inclusive para os próprios idealizadores. Na prática, a reformulação das políticas sociais garantidas pela Constituição de 1988 trouxe à tona a contradição entre o discurso ideológico liberal (ou ainda, neoliberal) e a permanência de ações políticas ainda autoritárias. Tais ações não traziam nenhuma preocupação com as exigências de ampliação da cidadania e do controle social sobre o Estado (sua burocracia e seus aparelhos de poder). Tudo isso veio expresso na construção de uma hegemonia social com base no capitalismo e na ideologia neoliberal. Obviamente, frustrou as expectativas geradas na década anterior, que tinham a intenção de efetivar novas formas de legitimação política democrática, voltadas à garantia de direitos sociais. O déficit de cidadania se tornou a face mais visível dessa moeda. No sentido de amenizar esse déficit, a participação social ganhou significado no processo de inclusão social, desenhando os rumos da sociedade, da riqueza social e dos recursos disponíveis. Quando nos referimos à participação, reportamo-nos a duas faces do fenômeno social: por um lado, a participação social contribui para diminuir a responsabilidade social do Estado; e, por outro, desperta os princípios de pertencimento e de solidariedade.

Fonte: <http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/16/artigo66264-1.asp>.

Pelo que se percebe, a participação social tem sido uma das formas encontradas para o atendimento e a superação das inúmeras sequelas promovidas pela expansão do capitalismo desenfreado. 62


AULA 4 - NEOLIBERALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL

O mesmo capitalismo que gera as mais diversas faces da desigualdade social, como pobreza e empobrecimento, criando necessidades como melhor atendimento a crianças e idosos, políticas de juventude etc. Quando a sociedade fala de “todos” num sentido de totalidade, nem sempre está se referindo a todos os indivíduos, mas sim a um público específico, aquele que interessa para as estatísticas de educação, renda familiar, grau de instrução, entre outros. “Todos”, na sociedade moderna, não têm a função de todo mundo, mas da seleção de grupos de referência social. Parte desses grupos hoje está na Internet, movimentando-se pelas Redes Sociais. Blogs, twitter, salas de bate-papo, Orkut, MSN, jogos online são termos que passaram a fazer parte da vida de adultos e adolescentes (e até de crianças) que recriam na sociedade suas formas de relacionamentos. (TUZZO; BRAGA, 2010).

SÍNTESE Nesta aula, conhecemos aspectos do processo de formação da exclusão social na sociedade brasileira, algumas das suas dimensões e analisamos a importância da efetivação dos direitos sociais na vida cotidiana. Abordamos também o processo de cidadania e sua repercussão direta sobre a democracia. Na próxima aula, refletiremos sobre a formação da nova classe média no Brasil. Até mais!

GLOSSÁRIO Clientelistas: refere-se a atos e práticas de troca de favores entre eleitores (clientes) e políticos, com os quais se mantém proximidade pessoal (patrão, vizinho, parente etc.) e se estabelecem laços de reciprocidade, confiança e lealdade. Cumulativa: refere-se a algo que existe ou se exerce por acumulação, como o aprendizado (é um fenômeno social que ocorre através da acumulação de conhecimentos, informações, imagens etc.). Filantrópicas: refere-se a pessoas ou entidades destinadas ao atendimento de indivíduos ou grupos sociais carentes, que visa apenas à “ajuda humanitária” sem fins lucrativos. No Brasil, são consideradas entidades filantrópicas que gozam de isenção de impostos: templos de cultos religiosos, partidos políticos, sindicatos, associações e entidades culturais. Focalização: a noção de focalização se refere às políticas sociais implantadas a partir do ideário neoliberal. O sentido é restringir a ordem de gastos públicos na esfera social, elegendo e selecionando grupos a serem “focados” para receber os benefícios de políticas públicas. O termo, em geral, está associado às políticas de atendimento à população em situação de pobreza. Hegemonia: refere-se à supremacia e/ou superioridade de um povo sobre outros povos. A hegemonia pode se dar em diversas dimensões da vida social, em especial, aparece na economia, na cultura e no poder militar e político. Iniquidades: trata-se de algo iníquo, ao contrário da equidade, da moral, da religião, da justiça. Refere-se a uma ação perversa e maldosa, imoral, injusta.

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Legitimidade: é um conceito jurídico-político que atribui os princípios de legalidade e de ética a um ato, a um governo ou mandato. Ser legítimo, nesse sentido, é, portanto, ter respaldo ético-legal. Marco civilizatório: refere-se a um evento histórico que causa ou causou uma ruptura no processo histórico, um acontecimento que altera o rumo da história. Pertença social ou pertencimento: refere-se ao sentimento individual de associação ou identidade a um grupo ou sociedade. O sentimento de pertencimento é uma das categorias que compõem a noção de identidade social (como a cultura, a linguagem, a arte, os valores), reguladora das relações intergrupais. Proteção social: trata-se de um conjunto de ações governamentais para enfrentar as questões sociais, como a exclusão social, a desigualdade e a pobreza. Abrange ações e estratégias, como o seguro e a assistência social.

PERGUNTA PARA REFLEXÃO Reflita e procure identificar o que caracteriza a cidadania plena e como seu exercício pode ou não ser fator de interferência no processo de exclusão social no Brasil.

QUESTÕES 1) Você aprendeu que a exclusão social pode implicar privação, falta de recursos – ou, de uma forma mais abrangente, ausência de cidadania, entendida como participação plena na sociedade, aos diferentes níveis em que esta se organiza e se exprime (ambiental, cultural, econômico, político e social). Nesse sentido, demonstre o que aprendeu identificando as seis principais dimensões da vida cotidiana em que encontramos situações de exclusão social. 2) Retome a imagem abaixo, observe-a bem e responda: como a noção de marginalidade se aproxima da conceitualização de exclusão social? 3) Com base no conceito de cidadania apresentado nesta aula: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. (DALARI, 1998, p. 14).

Responda: como a cidadania se relaciona com a noção de democracia? 4) Em um cenário de implantação de políticas de cunho neoliberal, com base na ideia do Estado Mínimo, há a defesa de pouca ou nenhuma intervenção estatal na economia em prol da liberdade das empresas em livre concorrência. É um panorama em que o Estado assume a garantia de serviços mínimos (policiamento, forças armadas, manutenção dos três poderes – legislativo, executivo e judiciário etc.). Assim, nesta perspectiva, ao Estado cabe garantir apenas os serviços básicos, estreitando a noção de direitos sociais, portanto, diminuindo a noção de cidadania. Demonstre sua compreensão do conteúdo apresentado na disciplina, respondendo: como o neoliberalismo entende as políticas sociais?

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5) No Brasil, a década de 1990 foi o período da consolidação do regime liberal-democrático. Apresentou-se como momento ímpar para o Brasil, tanto em relação ao papel que lhe cabe na nova ordem econômica internacional devido ao seu expressivo crescimento, como com respeito às normas e estruturas econômicas e políticas locais. Revelou-se ainda como um período de agudização das desigualdades sociais, com grande concentração de renda por parte de uma minoria e uma imensidão de brasileiros em situação de pobreza. Mas foi, justamente, a partir do reconhecimento dessa situação que os brasileiros acreditaram que poderiam tecer um projeto de nação, capaz de lhes abrir o caminho para um futuro diferente. Demonstre seu entendimento sobre o tema estudado respondendo: como o Estado e a sociedade brasileira vêm resolvendo as questões sociais a partir da promulgação da Constituição de 1988?

LEITURAS INDICADAS ARPINI, D. M. Violência e exclusão: adolescência em grupos populares. Bauru: EDUSC, 2003. BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1995. BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama, Cláudia M. Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

SITES INDICADOS http://nusocial.wordpress.com/2008/06/20/exclusao-social-e-seuenfrentamentocontextobrasileiro http://www.triplov.com/ista/cadernos/cad_09/amaro.html

REFERÊNCIAS AMARO, R. A exclusão social hoje. Cadernos São Tomaz de Aquino, n. 9. Disponível em: <http:// triplov.com/ista/cadernos/cad_09/amaro.html>. Acesso em: 12 jan. 2013. BARROSO, M. E. G. Dicionário Aurélio Eletrônico. V. 1. 3, Editora Nova Fronteira, 1994. CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Vozes, Petrópolis: 1998. DALLARI, D. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. DUPAS, G. A lógica econômica global e a revisão do Welfare State: a urgência de um novo pacto. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 12, n. 33, maio/ago. 1998. ESCOREL, S. Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999. FILGUEIRAS, F. Estado, justiça e reconhecimento. Análise social, vol. XLV, 2010, p. 63–90. IAMAMOTO, M. Questão social, família e juventude: desafios do trabalho do assistente social na área sociojurídica. In: SALES, M.A.; LEAL, M.C. (Orgs.). Política social, família e juventude: uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

POPAY, J. et al. Understanding and tackling social exclusion. Final report to the who commission on social determinants of health from the social exclusion: Knowledge, 2008. TUZZO, S. A; BRAGA, C. F. Redes sociais e sentimento de pertença: o que pensam os estudantes do ensino médio. Fragmentos de cultura, Goiânia, v. 20, n. 3/4, p. 207–220, mar./abr. 2010. Disponível em: <http://seer.ucg.br/index.php/fragmentos/article/viewFile/1370/916>. Acesso em: 19 fev. 2014. ZIONE, F. Exclusão social: noção ou conceito? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3, set./dez. 2006.

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AULA 6 A estrutura social brasileira

Autoras: Carla Ferreira Castro e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.” Mahatma Ghandi Nesta sexta aula, faremos juntos uma reflexão acerca de alguns conceitos referentes às classes sociais no Brasil. Para isso, apresentaremos a abordagem sociológica, como o conhecimento científico e crítico da sociedade, para enriquecer o debate. Serão abordados elementos conceituais que envolvem a definição de classe social à luz de autores e estudiosos sobre o tema. Assim, buscaremos identificar a estrutura social brasileira a partir da identificação da classe média nacional. Sucesso e bons estudos!


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A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DE CLASSE SOCIAL O debate acerca das classes sociais nas ciências sociais, em especial na abordagem sociológica, não é algo novo – vem se atualizando durante séculos. Muitos teóricos afirmam que não existe uma definição para conceituar classe social devido à homogeneidade nas relações sociais. Outro aspecto que precisa ser considerado se refere às novas formas de obtenção de poder existentes entre as classes.

Fonte: <http://www.cafecomsociologia.com/2010/07/estratificacao-social-parte-2.html>.

Toda e qualquer abordagem que trate sobre o conceito de classe social nos remete à teoria marxista. Afinal, foi Karl Marx quem primeiro se referiu ao conceito para explicar a estrutura social resultante do sistema de produção capitalista. Quanto a isso, Ridenti (2001) afirma que: Não há unanimidade entre os marxistas sobre o conceito de classes sociais, sequer sobre seu significado dentro das obras de Marx, que jamais tratou explicitamente da questão, exceto em passagens isoladas [...] a ausência de definição de classes sociais em Marx revela que elas são processos em andamento, não enquadráveis em fórmulas, mas determinadas pela luta de classes. (RIDENTI, 2001, p. 13).

Pode-se, então, perceber que, numa visão marxista de classe social, esse conceito encontra-se fragilizado e não definido, partindo-se do pressuposto de que a luta de classe é que realmente determina as relações sociais. Para Thompson (1987, p. 9), “[...] classe social é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é a única definição[...]”. Ele reafirma sua concepção em relação à classe social: [...] entendo como um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma estrutura, nem mesmo como uma categoria, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas. (THOMPSON, 1987, p. 9).

Conforme Thompson (1987), as classes sociais estão diretamente relacionadas à trajetória histórica de uma sociedade. Para o autor, referem-se às experiências vividas nas relações sociais entre os homens. Consequentemente, não podem ser tomadas como acontecimentos isolados, pois indicam uma continuidade histórica. Logo, para ele, classe social está intimamente relacionada aos fatores tempo e experiência das relações entres os homens, ou seja, ao seu caráter histórico.

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AULA 4 - NEOLIBERALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL

Outro teórico marxista, Poulantzas, afirma: [...] de modo preciso, a classe social é um conceito que indica os efeitos de um conjunto das estruturas, da matriz de um modo de produção ou de uma formação social que constituem os seus suportes; esse conceito indica, pois, os efeitos da estrutura global no domínio das relações sociais. (POULANTZAS, 1977 apud RIDENTI, 2001, p. 35).

Ainda, segundo o autor: [...] uma classe social define-se pelo seu lugar no conjunto da divisão social do trabalho, que compreende as relações políticas e as relações ideológicas. A classe social é, neste sentido, um conceito que designa o efeito de estrutura na divisão social do trabalho (as relações sociais e as práticas sociais). (POULANTZAS, 1977 apud RIDENTI, 2001 p. 9).

Para Poulantzas (1997 apud RIDENTI, 2001), como podemos perceber, classe social está diretamente relacionada com a questão estrutural da sociedade civil. Afinal, esse modelo de estrutura se refere à divisão social do trabalho, ou seja, às relações sociais de produção. Para aprofundar um pouco mais a abordagem sociológica de inspiração marxista, tomemos como exemplo a definição de classe média. Buscamos, assim, entender melhor a estrutura da sociedade brasileira atual, bem como suas origens e distribuição. Em sua obra Manifesto do partido comunista, Marx (2008, p. 23) deixa pistas sobre o que entendia como classe média: “[...] o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês”. Portanto, para Marx, esses pequenos grupos combatem a burguesia para garantir a própria existência como classes médias e impedir o próprio declínio. Nesse sentido, a classe média não apresenta um caráter revolucionário, pois sua pretensão sempre foi apenas se manter na divisão social, visto que já se encontrava em um lugar de conforto e estabilidade financeira. Então, só lhe restava manter seu “pequeno” poder. A atualidade do pensamento de Karl Marx demonstra que seus fundamentos teóricos, elaborados há décadas, se fazem presentes nos dias atuais. Forte exemplo disso é a sua afirmação sobre a imobilidade da classe média, cujo único interesse seria permanecer na posição em que se encontra. Assim, Marx percebeu que a revolução burguesa não conseguiu abolir as contradições entre as classes. Apenas substituiu as antigas condições de exploração do trabalhador por novas formas de exploração. Portanto, uma revolução “verdadeira” que altere a estrutura desigual das classes cabe somente ao proletariado. E como seria? Por meio da tomada de consciência de classe, passando a ser agente dessa transformação social. Ao compreender a sociedade a partir do modo de produção capitalista, Marx concluiu que a relação entre os produtores da riqueza social – os proletários – e aqueles que se apropriavam dessas riquezas – os capitalistas – era o que diferenciava os indivíduos. Assim se estruturava, segundo ele, a formação social de classes fundamentais no modelo de produção capitalista: proletários e burgueses.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

Fonte: <http://www.c7s.com.br/projetoinformatica/turma-1/ngs/2114-as-classes-sociais-a-b-e-c>.

Outra abordagem sociológica do desenvolvimento do capitalismo e da modernidade toma a noção de classe social como estrato social. A Sociologia Compreensiva desenvolvida por Max Weber (1864– 1920), economista alemão, entendia a sociedade construída pelas ações individuais e coletivas. Para Weber, a estratificação social não poderia ser definida por apenas uma característica, mas como resultado da distribuição de diversos valores sociais, como a riqueza, o prestígio, o nível de educação etc. Esses itens seriam identificados dentro de três componentes: a classe, o status e o poder. Assim, na perspectiva compreensiva da sociologia, as classes se constituem em uma forma (não a única) de organizar a sociedade em estratos diferenciados a partir de características similares, como cor, sexo, religião, preferências culturais, condição econômica etc. As classes constituem, na visão weberiana, uma forma de estratificação social. A estratificação social baseada na concepção de classe, segundo Weber, é possível a partir de duas situações: o patrimônio (a propriedade ou não) e a possibilidade de obter o patrimônio (qualificação ou não qualificação). Em outras palavras, o indivíduo, para se inserir em certa classe social, precisa possuir (ser proprietário) um bem, por exemplo, o dinheiro. Caso não possua riqueza suficiente para ser considerado membro da classe, é preciso que apresente outras características que o aproxime dos demais, por exemplo, a educação, que pode auxiliá-lo a alcançar o patrimônio. A noção de status, apresentada por Weber, refere-se às pessoas que têm o mesmo prestígio e o mesmo estilo de vida. Um indivíduo ganha status quando pertence a um grupo desejável, como a profissão de médico ou de juiz. Diferentemente da noção de classe, o conceito de status demarca a posição social que cada indivíduo ocupa na estratificação social, independentemente de sua situação financeira. O terceiro componente da estratificação é a dimensão política. Para Weber, o poder é a habilidade que uma pessoa tem de exercer sua vontade sobre as outras pessoas. Por exemplo, o professor exerce um tipo de poder sobre seus alunos no ambiente de sala de aula, ainda que possa não ter uma situação financeira privilegiada nem reconhecimento social (status) dos mais importantes na nossa sociedade. Segundo o autor, essa habilidade estabelece relações entre os indivíduos, organizados de forma voluntária, ou não, para atingir o poder, tendo como benefício último as

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atribuições de status e riqueza. Assim, o poder sobre os outros define também nossa posição na estrutura da sociedade. Então, percebemos até aqui que a sociologia se apropria da noção de classe social de duas formas: ou como parte constituinte da estrutura da sociedade (na visão marxista) ou como representação de valores sociais – status, certificados, refinamento cultural (na visão weberiana). Ainda que não tenhamos um conceito específico para o termo classe social, vamos analisar a construção das classes na sociedade brasileira.

AS CLASSES SOCIAIS NO BRASIL Atualmente, falar de classe média no Brasil significa pensar em milhares de famílias que passaram a ter, nas últimas décadas, mais poder de consumo e, consequentemente, melhores condições de vida por conta do crescimento do seu poder aquisitivo. Citemos um exemplo clássico desse novo perfil de pessoas que, ao ter acesso a um maior poder de compra, traz novas características de uma nova classe média no País. Conforme Triginelli (2010, p. 5), Aquele velho perfil da doméstica, com baixa escolaridade e renda inferior a um salário mínimo por mês, está perdendo espaço para um novo tipo de profissional da área: mulheres mais estudadas e com perfil empreendedor, afirmam as próprias trabalhadoras. [...] domésticas que ganham em média R$ 1,5 mil, tem carro zero e, entre outras atividades, fazem faculdade.

A questão do trabalho doméstico no Brasil é um exemplo claro quando nos referimos à “nova classe média”. Milhares de mulheres não aceitam mais viver de uma forma subordinada, ganhando um salário mínimo ou menos, na informalidade e sem direitos trabalhistas garantidos para sobreviver. Vejamos um exemplo disso: Moradora de Santo André, na Grande São Paulo, a diarista Agenora Silva, de 47 anos, ganha, em média, R$ 1.500 por mês e trabalha em uma casa diferente a cada dia da semana. Ela diz não ter vergonha de sua profissão. “Eu acho que daqui a alguns anos, a empregada doméstica vai ter mais valor do que quem trabalha em banco, em firma. Eu tenho amigas que trabalham em loja e falam como se fosse uma coisa superior. Mas elas ganham menos, ‘mixaria’”, disse. E acrescenta: “vou para a casa onde trabalho de carro zero, que financiei em cinco anos com prestações de R$ 700 por mês. Fui beneficiada pela expansão de crédito mesmo sem comprovação de renda”. (TRIGINELLI, 2010, p. 5).

O exemplo relata a realidade das empregadas domésticas brasileiras, que hoje fazem parte da nova classe média, conhecida também como classe C. Elas vão trabalhar de carro zero, fazem faculdade ou cursos profissionalizantes, têm mais poder de consumo e, em paralelo, conseguem novas possibilidades de crédito e financiamento no mercado. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), as pesquisas comprovaram que, num país grande, diverso e desigual como o Brasil, a evolução da classe média se esconde e se revela. De acordo com a FGV, essas classes são definidas a partir de suas rendas (trabalho, aposentadoria, programas sociais etc.), seus bens de consumo (carro, duráveis, moradia etc.) e do uso e acesso ativo de produção (educação, internet, carteira de trabalho etc.). Esses atributos permitem analisar o grau de sustentabilidade das transformações sociais em curso.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

Para Neri (2008, p. 23), é possível definir a nova classe média: [...] pela análise das atitudes e expectativas das pessoas. A sondagem do consumidor divulgada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas segue nesta direção. Este tipo de abordagem foi bastante desenvolvido nos anos 50 e 60, por Georg Katona, psicólogo behaviorista que tinha no economista James um de seus grandes admiradores.

A partir das expectativas e análise das atitudes da população é possível identificar, segundo Neri (2008), a que classe pertence um determinado grupo social. Ao ter acesso a mais recursos, ocorrem mudanças visíveis na vida da pessoa, que, provavelmente, passa a esperar sempre um futuro melhor. Um exemplo típico vem de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em relação ao índice de estudantes brasileiros que ingressam nas instituições privadas. De acordo com Falleti (2009, p. 15), “[...] uma rápida análise dos índices de crescimento de matrículas nas instituições de ensino superior privadas revela que o intenso crescimento dos últimos 13 anos está chegando ao fim.” O autor continua afirmando: Segundo o Ministério da Educação, em 2002 o crescimento na taxa de matrículas em instituições de ensino superior privadas foi de 14,8� sobre o ano anterior. O índice caiu para 11,7� em 2003 e continuou desacelerando até fechar 2007 na casa dos 4,4�. (FALLETI, 2009, p. 22).

Atualizando os dados referentes às matrículas em instituições de Ensino Superior privadas, em 2012 o crescimento manteve o patamar de 4,8%, segundo o Ministério da Educação (2012). A explicação apresentada para isso se deve, em grande parte, aos programas de financiamento estudantil, criados pelo governo federal para atender à demanda da classe média que não consegue ser inserida nas instituições públicas, mas que também não têm condições financeiras para arcar com as mensalidades escolares. Assim, se tomarmos a definição de classe a partir das atitudes de determinada população, identificamos o público que hoje ocupa as vagas nas instituições privadas. Tal constatação passa a ser um indicador que possibilita aos estatísticos e pesquisadores analisarem a realidade dos estudantes que ingressam nessas instituições. E observe: a educação é um dos critérios usados para definir classe média. Com Neri (2008, p. 23), temos outra abordagem para definir classe social: [...] a segunda maneira de definir as classes sociais (E, D, C, B1, B2, A1, A2) é pelo potencial de consumo tal como no chamado Critério Brasil, no qual a classe média é aquela chamada classe C. Esta estratificação é implementada a partir do impacto de bens sobre medidas de acesso a bens duráveis e seu respectivo número (TV, rádio, lava-roupas, geladeira e freezer, videocassete ou DVD), banheiros, empregada doméstica e nível de instrução do chefe de família.

Essa segunda maneira de definir a classe média é a mais usual e o método, mais prático. Assim, identificamos de forma objetiva quem é realmente essa nova classe média no Brasil. O poder de consumo é um dos fatores determinantes no que se refere à classificação dentro da pirâmide social. O poder aquisitivo e as facilidades de acesso a bens de consumo vão, aos poucos, “dando poder” a milhares de famílias que outrora faziam parte da base da pirâmide social. Essas famílias pobres ganham outra conotação e passam a ocupar novos espaços na sociedade, isso porque começam a

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usufruir de vários confortos e regalias antes concedidos apenas às classes médias. Conforme a FGV, a classe média é maioria no Brasil e configura mais de 50% da população nacional, graças a um aumento significativo na renda familiar. Conforme a FGV, a partir de 2002, houve aumento significante no poder de consumo da classe média. Esse salto se deu de 44,19% para 51,89% nas seis regiões metropolitanas pesquisadas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), consideradas a base da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE. Considerou-se como classe média (classe C) a população com renda mensal domiciliar entre R$ 1.064 e R$ 4.591 (FGV, 2010). O combate à pobreza e as estruturas de classe da sociedade brasileira

Fonte: <http://noticias.r7.com/economia/noticias/classe-c-cria-novo-perfil-de-consumo-20101025.html>.

Nos últimos anos, nos governos Lula (2003–2010) e Dilma (2011 até o presente), foram criadas estratégias para o combate e/ou a erradicação da pobreza no País, o que favoreceu a mobilidade entre as classes sociais mais baixas. Entre as medidas e ações adotadas, podemos destacar, além das políticas de transferência direta de renda – o Programa Bolsa-Família –, políticas focalizadas, tais como as de microcrédito. Segundo Cornachione (2010, p. 63), [...] a pobreza é um inimigo não apenas cruel – ela é também persistente. Até parece ter sido vencida num momento de expansão econômica, como esse vivido agora por países como o Brasil e a Índia, quando o pobre consegue emprego ou abre um negócio próprio, começa a ganhar e consumir mais e vai subindo para a classe média.

Com referência ao microcrédito, afirma Cornachione (2010, p. 64): Com o microcrédito, empreendedores pobres podem pegar dinheiro emprestado em condições especiais sem aumentar o índice de calotes nem dar prejuízo a quem empresta. Ele serve para que o indivíduo escape da pobreza. [...] essa proteção vai liberar forças produtivas capazes de beneficiar a sociedade inteira – pobre ascende, vira classe média, expande um negócio, contrata funcionário, compra mais, gera mais empregos, e assim por diante.

Assim, o autor compreende que, com o advento dessa nova estratégia de mercado, o microcrédito, a população em situação de pobreza vem conseguindo migrar para um estrato superior – na

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pirâmide social – e integrar a classe C, graças às oportunidades e possibilidades de novos negócios oferecidos. Além do microcrédito, outra estratégia de combate à pobreza que altera a estrutura social brasileira é o microsseguro, o qual “[...] é uma inovação financeira já muito discutida, que só agora começa a ser testada no Brasil”. O microsseguro é parente distante dos seguros massificados, esse serviço barato e prático que qualquer brasileiro pode usar hoje para proteger contra extravios em viagens ao exterior, defeitos em videogames, roubos de bolsas ou doenças de bichos de estimação. [...] o microcrédito é o mais famoso, mas o microsseguro vem mostrando resultados bem palpáveis, diz o economista Lauro Gonzalez, da FGV. (CORNACHIONE, 2010, p. 66).

Assim, o microcrédito e o microsseguro passam a ser ótimas alternativas para que a população em situação de pobreza alcance a nova classe média brasileira. A estimativa é de que cerca de 40 milhões de brasileiros possam utilizar esse tipo de proteção (CORNACHIONE, 2010). Podemos concluir que a nova classe média no Brasil está definida a partir do poder de consumo, de acesso aos bens duráveis e ao sistema educacional, e das novas formas de adquirir mercadorias que possibilitem conforto e bem-estar político, social e econômico. Na próxima aula, veremos questões referentes às metrópoles brasileiras, resgatando, de forma breve, a história da colonização. Vamos também conhecer algumas reflexões que retratam elementos das metrópoles brasileiras.

SÍNTESE Fizemos, nesta aula, uma breve reflexão acerca da definição da nova classe média no Brasil. Verificamos que milhares de brasileiros conseguiram migrar da pobreza para essa nova classe. Assim, a mobilidade social apresentada pela estrutura atual de classes da sociedade brasileira é resultado de estratégias governamentais de combate e/ou erradicação da pobreza, assim como da luta individual por um trabalho assalariado e do apoio das grandes agências de créditos, além de outros recursos oferecidos pelo novo modelo de estratégia de mercado.

GLOSSÁRIO Mobilidade social: conceito sociológico que compreende a passagem de um indivíduo ou grupo social de um estrato social para outro. Pode haver mobilidade ascendente, quando a passagem se dá para uma classe superior; ou ainda, mobilidade descendente, quando a passagem acarreta empobrecimento. Sustentabilidade: modelo de desenvolvimento que busca conciliar as necessidades econômicas, sociais e ambientais de modo a garantir seu atendimento por tempo indeterminado e a promover a inclusão social, o bem-estar econômico e a preservação dos recursos naturais.

PERGUNTA PARA REFLEXÃO Após seus estudos com o conteúdo apresentado, faça uma análise acerca da realidade econômica e social brasileira e responda: é possível ocorrer a erradicação da pobreza em nosso País? Por quê? 74


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QUESTÕES 1) Percebe-se que a visão marxista de classe social está fragilizada e não definida, partindo-se do pressuposto de que a luta de classe é o que realmente determina as relações sociais. Com base no conteúdo apresentado nesta aula, responda: como podemos compreender a classe social tendo por base o pensamento de Marx? 2) Atualmente, falar de classe média no Brasil significa pensar em milhares de famílias que passaram a ter, nas últimas décadas, mais poder de consumo e, consequentemente, melhores condições de vida por conta do crescimento do seu poder aquisitivo. Citemos um exemplo clássico desse novo perfil de pessoas que, ao ter acesso a um maior poder de compra, traz novas características de uma nova classe média no País. Demonstre seu entendimento sobre o conteúdo, elencando as formas de abordagem mais utilizadas para definir a classe média brasileira. 3) As imagens a seguir apresentam dados sobre as características da nova classe média brasileira de modos diferentes. Observe-as e elabore um comentário interpretativo. Procure estabelecer comparação com as demais classes sociais brasileiras, em especial com a mais pobre.

Fonte: <http://www.maiconfuhr.com.br/a-nova-classe-c-na-internet>.

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4) Demonstre seu entendimento sobre a definição da classe média a partir do método que avalia o poder de consumo, que é um dos fatores determinantes na classificação da pirâmide social brasileira atual e responda: como o aumento do poder aquisitivo da população alterou a estrutura de classes da sociedade brasileira? 5) Você aprendeu que, nos últimos anos, nos governos Lula (2003–2010) e Dilma (2011 até o presente), foram criadas estratégias para o combate e/ou a erradicação da pobreza em nosso País, o que favoreceu a mobilidade entre as classes sociais mais baixas. Entre as medidas e ações adotadas, podemos destacar, além das políticas de transferência direta de renda – o Programa Bolsa Família –, políticas focalizadas, tais como as de microcrédito. Demonstre o que você entendeu e responda: como o microcrédito e o microsseguro promovem a ascensão social da classe média brasileira?

LEITURAS INDICADAS SOUZA, A. A classe média brasileira: ambições, valores e projeto de sociedade. São Paulo: Campus/ Elsevier, 2010. MARX, K. H.; ENGELS, F. Manifesto comunista. Ed. Ridendo Castigat Mores, 1999. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2013.

SITES INDICADOS http://economia.culturamix.com/governo/a-ascensao-da-classe-c-no-brasil http://www.sae.gov.br/novaclassemedia/?page_id=58

REFERÊNCIAS CORNACHIONE, D. Além do bolsa-família: a próximo intervenção para combater a pobreza com criatividade tem nome – é o microsseguro. Revista Época, 26 de abril de 2010. FALLETI, F. O desafio das classes C e D. Revista Ensino Superior, ano 10, n. 128, maio 2009. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Nova classe média: lado brilhante dos pobres. Disponível em: <http:// cps. fgv.br/pt-br/ncm>. Acesso em: 30 nov. 2010. MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2008. NERI, M. C. A nova classe média. Rio de Janeiro. 2008. Disponível em: <http://cps.fgv.br/ pt-br/ ncm>. Acesso em: 30 nov. 2010. RIDENTI, M. Classes sociais e representações. 2. ed. São Paulo: Cortez. 2001. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa I: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. TRIGINELLI, P. Nova doméstica tem carro zero e faz faculdade. Disponível em: <http://g1.globo.com/ economia-e-negocios/noticia/2010/09/nova-domestica-tem-carro-...>. Acesso em: 22 set. 2010. 76


AULA 7 Estrutura da sociedade brasileira: da colonização à urbanização Autoras: Carla Ferreira Castro e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“A sabedoria com as coisas da vida não consiste, ao que me parece, em saber o que é preciso fazer, mas em saber o que é preciso fazer antes e o que fazer depois.” Leon Tolstói Olá, Na aula anterior, fizemos uma reflexão sobre a nova classe média no Brasil. Esta sétima aula abordará, de forma genérica, a estruturação da sociedade brasileira. Vamos contextualizar brevemente a história nacional da colonização, indo até o processo de industrialização, chegando à urbanização no País, que se deu a partir da década de 1930. Bons estudos!


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

DO BRASIL COLÔNIA À INDUSTRIALIZAÇÃO Começamos esta aula com a reflexão sobre o processo de construção das cidades brasileiras, o que nos dará condições de compreender melhor como se constituiu a estrutura social em que vivemos. Partiremos da discussão sobre a colonização do Brasil, contextualizando o processo histórico envolvido.

Fonte: <http://www.brasilescola.com/historiab/descobrimento-brasil.htm>.

De acordo com Sousa (2010, p. 5), “[...] o processo de colonização do Brasil foi consequência do já desenvolvido processo de expansão marítima, realizado pelos portugueses.” Durante os primeiros anos de colonização, as atividades se limitavam à extração do pau-brasil e à mineração. Para realizar tal atividade, os colonizadores escravizaram a população nativa – os índios. Segundo Sousa (2010, p. 1): Ao longo de quatro séculos, os portugueses empreenderam negócios rentáveis à custa de uma estrutura administrativa centralizada e voltada para os exclusivos interesses da metrópole. Muitas das feições sociais, políticas, econômicas e culturais assumidas pelo Brasil na atualidade são fruto desse longo período histórico.

Assim, o autor compreende como se deu o processo de colonização do território brasileiro a partir da ocupação dos portugueses que buscavam explorar nossas terras através do extrativismo. Nossa trajetória histórica se reflete nas relações sociais atuais, assim como nossas heranças políticas, sociais e culturais de um passado marcado pela servidão, pela exploração e pelo massacre dos povos que aqui habitavam. A base econômica no período do Brasil Colônia foi a produção de açúcar (a partir do ano de 1533). O açúcar era a principal riqueza colonial, ao lado da mineração de metais e pedras preciosas. Durante o século XVI e início do século XVII, o Brasil se tornou o maior produtor de açúcar do mundo e responsável pela riqueza dos senhores de engenho, da Coroa portuguesa e de comerciantes portugueses. Ambas as atividades (produção de açúcar e mineração) estavam voltadas à exportação.

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Nesse período, havia se instalado na sociedade brasileira uma estrutura social baseada no escravismo (escravizando, como mão de obra, a população nativa e, mais tarde, no final do século XVII, trazendo escravos africanos): o senhor de engenho era, ao mesmo tempo, o latifundiário, o escravista e o exportador. Havia também os governadores-gerais, representantes da Coroa portuguesa, os quais garantiam os interesses coloniais. Devido à grande extensão de terras utilizadas para o cultivo da cana de açúcar, houve pouco desenvolvimento da classe camponesa, favorecendo apenas o surgimento de pequenos comerciantes e artesãos para o mercado interno nacional. Com o final do período colonial brasileiro (em meados do século XVIII) e com a vinda da Família Real para o Brasil no início do século XIX, a estrutura da sociedade brasileira já dava pistas do esgotamento de seu modelo. Uma série de revoltas contra os abusos portugueses (a mais importante delas foi a Inconfidência Mineira, em 1789) culminou na Independência, em 1822. A tradição de país agroexportador manteve a estrutura social até a Abolição da Escravatura, em 1888. O movimento abolicionista pressionava os representantes do poder nacional e da Coroa de tal forma que, mesmo antes da abolição, para manter a produção agrícola nacional, o País trouxe colonos europeus (portugueses, alemães, suíços, belgas, italianos, austríacos, entre outros) para fortalecer a produção, a partir de 1847. Esta estratégia alterou significativamente a estrutura da sociedade brasileira, trazendo à tona classes de trabalhadores assalariados nas zonas rurais (os colonos europeus) e também nas zonas urbanas (operários das fábricas), devido ao surgimento da indústria têxtil nacional a partir de 1846. Com a produção industrial, algumas cidades cresceram e se tornaram metrópoles, com grande importância para a distribuição de serviços públicos e a manutenção das relações comerciais, no século XX: No início do século XX, as cidades mais importantes eram: Belém e Manaus, na Região Norte do país; Salvador, Recife e Fortaleza, na região Nordeste; Porto Alegre e Curitiba, no Sul. Apenas Cuiabá, no Centro-Oeste, fugia a tendência litorânea. Na região Sudeste, o Rio de Janeiro, capital da República, e São Paulo sofriam o impacto demográfico da expansão da economia cafeeira e da incipiente industrialização. Nessas duas últimas residiam mais de 50� da população de todas as capitais dos estados da Federação. (BRITO, 2006, p. 221)

Assim, iniciou-se o processo de urbanização da sociedade brasileira. Maricato (2001, p. 17) diz que As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades brasileiras entre o final do século XIX e início do século XX, lançaram as bases de um urbanismo moderno “à moda” da periferia. Realizavam-se obras de saneamento básico para eliminação das epidemias, ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento paisagístico e eram implantadas as bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista.

Podemos dizer, então, que o processo de urbanização nacional começou do litoral para o interior, levando em conta a facilidade de evacuação dos produtos, já que, na época, o transporte utilizado era o marítimo.

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Fonte: <http://www.brasilescola.com/geografia/exodo-rural.htm>.

Outra característica da urbanização brasileira é a distinção entre o país de tradição na produção rural (produção de açúcar e café) e o desenvolvimento urbano. Nesse sentido, conforme Paviani (2008, p. 3), [...] de 1950 a 1970, o Brasil passou de rural a urbano em função do incremento da população, vivendo em cidades. Em poucos anos, o país registrou percentual expressivo de residentes urbanos, que se eleva a mais de 80� da população brasileira.

Assim, em apenas duas décadas, a população urbana brasileira cresceu de forma acelerada devido ao êxodo rural. O número significante de pessoas que saíam do campo para a cidade vinha em busca de novas perspectivas de vida. Esse processo já fica evidente desde a década de 1930, com o início da industrialização. [...] a economia manteve seu epicentro no setor agrário até a década de 1930, quando ocorre o que Florestan Fernandes denomina de revolução burguesa no Brasil. O Estado passa então a investir decididamente em infraestrutura para o desenvolvimento industrial, visando à substituição de importações. A burguesia industrial assume a hegemonia política na sociedade, sem que se verificasse uma ruptura com os interesses hegemônicos estabelecidos. (MARICATO, 2001, p. 17).

A revolução burguesa dá início ao processo de urbanização, resultante da migração do setor agrário, que deixa de ser a principal atividade econômica nacional. Tem-se, dessa forma, o encolhimento da economia agrícola e a expansão da produção industrial brasileira.

A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Durante o processo de industrialização, o Estado passou a dar mais visibilidade aos investimentos em grandes e pequenas indústrias e em equipamentos industriais. Na verdade, a meta principal do governo brasileiro naquele período era substituir as importações e ampliar as indústrias nacionais,

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que, aos poucos, foram substituindo o trabalho agrícola. Essa mudança no modo de produção nacional se deu a partir da década de 1930. É o que muitos estudiosos afirmam ser um dos principais motivos do êxodo rural. O acelerado processo de urbanização no Brasil, como decorrência das migrações internas, é um fenômeno relativamente recente e se articula com um conjunto de mudanças ocorridas na economia, na sociedade e na política brasileira, no século passado, especialmente na sua segunda metade. O que não quer dizer que as cidades já não fizessem parte da paisagem social do país desde o período colonial, apesar da sua restrita dimensão populacional. (BRITO, 2006, p. 221).

Nesse sentido, o autor afirma que o processo de urbanização no Brasil não foi um fato isolado, mas, sobretudo, consequência de diversas mudanças em todo o sistema político, social e econômico do País. Esclarecendo um pouco mais, Maricato (2001, p. 15) diz que [...] a urbanização foi fortemente influenciada por esses fatores: a importância do trabalho escravo (inclusive para a construção e manutenção dos edifícios e cidades), a pouca importância dada à reprodução da força de trabalho, mesmo com a emergência do trabalhador livre.

Nas décadas que se seguiram, o processo de industrialização possibilitou a urbanização do território e o surgimento das metrópoles brasileiras. Ao dar início a um novo modo de produção com a industrialização, a partir da década de 1950, o Brasil passou a se distanciar das próprias necessidades. Isso ocorreu porque mantinha sua herança colonial em produzir para o mercado exterior, centralizando as relações econômicas no interesse do mercado internacional. Segundo Maricato (2001, p. 18), [...] em 1950, o processo de industrialização entra em uma nova etapa. O país passa a produzir bens duráveis e até mesmo bens de produção. No entanto, segundo Celso Furtado, com essa nova dependência o centro das decisões é cada vez mais externo ao país e seu epicentro se distancia cada vez mais das necessidades internas.

Com o passar dos anos, as pressões do mercado interno nacional por uma produção voltada às necessidades da sociedade brasileira, às mudanças na produção de tecnologias (o surgimento de novas tecnologias de produção) e à emergência de um novo padrão de consumo transformaram completamente a industrialização nacional. Porém, a estrutura desigual da sociedade se mantém quase intacta: dividida entre o rural e o urbano; entre burgueses e operários; em estratos sociais. Nesse sentido, a autora afirma que [...] a massificação do consumo dos bens modernos, especialmente os eletroeletrônicos, e também do automóvel mudaram radicalmente o modo de vida, os valores, a cultura e o conjunto do ambiente construído. Da ocupação do solo urbano até o interior da moradia, a transformação foi profunda, o que não significa que tenha sido homogeneamente moderna. (MARICATO, 2001, p. 17).

Assim, podemos dizer que, a partir da década de 1950 até a atualidade, profundas mudanças ocorreram, não apenas no modo de produção, mas, sobretudo, na forma de vida da população que reivindica, cada vez mais, acompanhar o processo de desenvolvimento social da sociedade global. Ao governo brasileiro restou fazer grandes investimentos na questão da urbanização, amenizando as consequências do inchaço das principais metrópoles brasileiras. Alguns autores afirmam que esse processo tem sua gênese desde a década de 1940, conforme aponta Costa (2004): 81


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

O poder público brasileiro começou a investir, sistematicamente, em programas de urbanização das cidades a partir da década de 1940, com a consolidação da industrialização de produtos nacionais, que veio substituir as importações. Esse foi marcado por um intenso crescimento demográfico e desenvolvimentismo elevado, que atraía para os centros das cidades, que passavam por esse processo, um enorme contingente de migrantes em busca de emprego e da realidade do sonho de melhoria de vida. (COSTA, 2004, p. 162).

A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA

Fonte: <http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/nossas-lutas/direitos-humanos/260-noticias-direitoshumanos/10627-urbanizacao-brasileira-mostra-intolerancia-a-pobreza>.

Milhares de famílias saíram do campo em busca de novas oportunidades de trabalho na cidade. Esse grande número de pessoas buscava melhores condições de vida, o que superlotou as cidades, obrigando o Estado a fortalecer suas políticas e tratar das questões urbanas, sobretudo da infraestrutura das grandes metrópoles que foram rapidamente ocupadas. Vale ressaltar que esse processo de migração para os grandes centros é decorrência das transformações ocorridas no mundo do trabalho, ou seja, da produção rural para a produção industrial. Em relação ao processo de urbanização desse período, Costa (2004, p. 162) nos diz que: [...] esse desenvolvimento foi marcado por uma urbanização das cidades de modo segregador, devido, dentre outros fatores, a necessidade de atrair investimentos. Deu-se início ao embelezamento dos centros urbanos, com uma intensa política de ocupação de terras, instalação de vias de circulação, dentre outras melhorias, e em prol disso a população de baixa renda ia sendo empurrada para os locais mais afastados da cidade, constituindo as periferias.

Assim, de acordo com a autora, o governo, a fim de atrair mais recursos para as grandes metrópoles, deu início ao processo de embelezamento dos territórios brasileiros. Em consequência, a população

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AULA 4 - NEOLIBERALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL

de baixa renda era posta à margem da sociedade. Essa população é composta, em grande parte, por aqueles trabalhadores que saíram da zona rural para os grandes centros e não conseguiram se instalar de forma digna nas cidades. Desse modo, desencadeou-se o processo de marginalização da população mais pobre nos centros urbanos. Os mais pobres são considerados, pelas elites burguesas, o “lixo social” que “suja” a cidade, sendo necessário realizar uma “limpeza” para atrair cada vez mais investimentos, em especial dos capitalistas estrangeiros. No tocante às décadas seguintes, segundo o entendimento de Costa (2004, p. 162): A célebre expansão urbana no Brasil ocorre dentro do processo de formação das grandes regiões metropolitanas a partir dos anos 1970. Essas regiões sofreram inúmeras transformações com a incorporação de novos municípios aos já existentes em sua formação inicial, assim como com o crescimento pouco criterioso de seu número. Sendo as decisões sobre a criação ou ampliação das regiões metropolitanas de competência das Assembleias Legislativas estaduais, muitas vezes os critérios adotados podem obedecer mais às conveniências políticas do que às reais necessidades de gestão do espaço metropolitano.

A partir da década de 1970, acompanha-se uma grande expansão dos municípios brasileiros. Para Miracato (2001, p. 16), “[...] na segunda metade dos 70, as atividades ligadas à construção civil ajudaram a manter o significativo crescimento do PIB, que já dava sinais de desaceleração.” Durante essa década, o Brasil se encontrava em plena ditadura militar, caracterizado, segundo Costa (2004, p. 164), por: Durante a ditadura militar, o Brasil viveu um momento de expressivo crescimento econômico, possibilitado pelo aumento das exportações de produtos nacionais e consolidação das indústrias. Em contrapartida, a renda gerada continuava concentrada nas mãos de poucos.

Nota-se que, na década de 1970, ainda que a economia nacional apresentasse índices crescentes, a riqueza gerada estava concentrada nas mãos de uma pequena elite, ampliando as desigualdades sociais e aumentando a pobreza no País. Para amenizar tal situação, o Governo Militar, a fim de se manter no poder, criou estratégias de combate à miséria que estava afetando grande parte da população. Entre os mecanismos de combate à pobreza, criados pelo Estado nesse período, estão: [...] a criação do Banco Nacional de Habitação, que, por meio do Sistema Financeiro de Habitação, teve a missão de impulsionar a expansão da construção civil e do mercado imobiliário, pela descentralização de recursos para edificação de moradias populares que pudessem ser adquiridas por famílias de baixa renda. Paralelo a isso, visava-se à implementação de políticas de planejamento urbanístico voltadas para a instalação e/ou ampliação da rede de tratamento de água e esgoto; drenagem e pavimentação de ruas e avenidas; melhorias no sistema de transportes e iluminação pública, dentre uma série de outros investimentos imprescindíveis para o trato da questão urbana. (COSTA, 2004, p. 164).

Essas medidas tomadas pelo Governo Militar para melhorar as condições habitacionais da população de baixa renda ocorreram exclusivamente na perspectiva de se manter no poder. Verifica-se, dessa forma, que as questões referentes à urbanização deram um passo positivo em relação à infraestrutura. Ainda nesse sentido, Maricato (2001, p. 20) reafirma: Foi com o Banco Nacional de Habitação (BNH) integrado ao Sistema Finan-

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ceiro da Habitação (SFH), criado pelo regime militar a partir de 1964, que as cidades brasileiras passaram a ocupar o centro de uma política destinada a mudar seu padrão de produção.

Conhecemos, até aqui, alguns aspectos referentes ao processo de urbanização do País desde a colonização até a década de 1970. Nas décadas seguintes, segundo Maricato (2001, p. 25), “[...] o padrão de urbanização brasileiro apresenta mudanças, a partir dos anos 80, [...]”, embora as metrópoles apresentem crescimento maior do que o do País como um todo, seu ritmo diminuiu. As cidades de porte médio, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, crescem a taxas maiores do que as metrópoles, nos anos 80 e 90 (4,8� contra 1,3�). [...] Das 12 regiões metropolitanas, os municípios centrais cresceram, em média, 3,1� entre 1991 e 1996, enquanto os municípios periféricos cresceram 14,7�. (MARICATO, 2001, p. 25).

Pode-se afirmar, então, que, a partir da década de 1980, os municípios centrais ficam com seu crescimento estagnado e aumenta, significativamente, a população que residia nas regiões periféricas. Alguns pesquisadores dizem que, nesse período, houve queda da taxa de natalidade, o que ocasionou uma mudança demográfica significante. Outras mudanças no modelo de urbanização foram: ampliação da coleta de lixo e abastecimento de água. [...] na década de 1980 e especialmente nos anos 90, houve um recuo nos investimentos em saneamento, quando o ciclo indispensável para universalizar o atendimento da população com água tratada não foi atingido e menos ainda o adequado destino do esgoto. (MARICATO, 2001, p. 39).

Ao contrário das décadas anteriores, a partir da década de 1980, houve redução da ordem de investimentos do governo no que se refere à infraestrutura e às questões urbanas. A década de 1980, de acordo com Costa (2004, p. 164) “[...] foi marcada por profundos arrochos salariais e recessão da economia, ocasionada pela constante alta de preços dos bens de consumo”. Durante os anos 90 persistiu a estagnação da economia nacional, afetando grande parte dos setores produtivos, o que incide diretamente nos altos índices de desemprego e precarização do trabalho. A conjuntura desse período arrastou até os dias atuais a consolidação do sucateamento e do desmonte de várias instituições públicas, característica do Estado mínimo, sendo muitas daquelas privatizadas ou simplesmente extintas. (COSTA, 2001, p. 165).

Tem-se, então, a partir dos anos 1990, uma nova realidade urbana brasileira caracterizada pelo crescente número de pessoas que passam a residir nas periferias; pela precarização do trabalho; e pelo baixo investimento em infraestrutura para moradores das regiões mais carentes. No que se refere às grandes metrópoles, Costa (2001, p. 166) diz que [...] as grandes capitais brasileiras se tornaram metrópoles, ante o elevado grau de desenvolvimento urbano, porém permanece a inabilidade do poder público em atender às demandas da população existente e a ausência de um planejamento urbanístico que leve em consideração as especificidades de cada local.

O mapa na figura a seguir ilustra muito bem como ocorreu o processo de urbanização e a construção das metrópoles brasileiras. Outra informação importante do mapa se refere à proporção desigual entre a população rural e a população urbana, segundo o Censo Demográfico de 2000.

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Fonte: <http://geografiaparatodos.com.br/index.php?pag=capitulo_33_a_urbanizacao_no_brasil>.

Nos anos iniciais do novo milênio, ocorreu a retomada dos investimentos em infraestrutura urbana. Em 2007, foi lançado pelo governo federal o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), formado por um conjunto de medidas políticas e econômicas para o investimento em infraestrutura (rodovias, portos, logística, energia), a fim de estimular amplos setores da produção nacional. Além de atendimento direto nas zonas industriais brasileiras, o PAC prevê também investimentos nas periferias das grandes cidades, no agronegócio e na agricultura familiar, reduzindo, assim, as discrepâncias entre a produção rural e a produção urbana. Seguindo no mesmo sentido, em 2011, foi lançado o PAC2, ampliando o PAC1 (de 2007). Ele aumentou a isenção e/ou redução de tributos para os setores semicondutores de equipamentos (TV digital, microcomputadores, insumos e serviços de infraestrutura e da produção do aço). As medidas do programa incluem atualmente: o estímulo ao crédito e ao financiamento; a melhoria do ambiente de investimento; a desoneração e a administração tributária; as medidas fiscais de longo prazo; e a consistência fiscal. Finalizando, podemos dizer que, desde a colonização até os dias atuais, a trajetória histórica de urbanização das grandes e pequenas metrópoles brasileiras não se deu de forma linear. Ocorreu de maneira dinâmica e diversificada, envolvendo fatores políticos, sociais e econômicos que, direta ou indiretamente, conduziram a história das metrópoles brasileiras. Podemos perceber que, durante o processo de constituição da atual estrutura social brasileira, as relações sociais entre os homens nem sempre ocorreram de forma tranquila, havendo, em longos períodos, agressões à dignidade humana (como a escravidão e a Ditadura Militar). Aproveitando essa questão de suma importância, na próxima aula finalizaremos nossa disciplina com o estudo acerca dos direitos humanos fundamentais.

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

SÍNTESE Esta aula envolveu, de forma breve, alguns aspectos relevantes no estudo sobre o processo de colonização brasileiro. Nosso objetivo foi apresentar a estrutura da nossa sociedade, que é resultante e tem sua base formadora e herança cultural na colonização. Em seguida, abordamos o surgimento da indústria nacional e o processo de urbanização que a acompanhou, resultando no desenvolvimento das metrópoles brasileiras. Pudemos perceber, por fim, que esses processos históricos em nosso País nem sempre resultaram em avanços sociais, infringindo, muitas vezes, os princípios universais dos direitos humanos.

GLOSSÁRIO Desenvolvimentismo: modelo de política econômica com base no crescimento da produção industrial em detrimento de outras formas de produção, como a agrícola. É caracterizado por forte investimento em infraestrutura, com participação ativa do Estado na economia e no consumo. Êxodo rural: denominação dada ao processo de migração ou deslocamento da população da zona rural em direção às cidades, via de regra, em busca de emprego e melhores condições de vida. Latifundiário: grande proprietário de terras para a produção rural. Privatizadas: empresas ou instituições do setor público que foram transferidas (vendidas, leiloadas ou doadas) para o setor privado. Nessa forma de estratégia político-econômica, também pode ocorrer à desestatização, que é quando o Estado se torna sócio minoritário da empresa ou instituição privatizada através de concessões à iniciativa privada.

PERGUNTA PARA REFLEXÃO Procure pensar na realidade brasileira do ponto de vista da urbanização e do desenvolvimento das grandes metrópoles. Reflita a respeito do processo de construção da sociedade brasileira e responda: você acredita que o Brasil de hoje traz heranças do início de sua colonização? Por quê?

QUESTÕES 1) Você aprendeu que a base econômica no período do Brasil Colônia é a produção de açúcar. O açúcar era a principal riqueza colonial, ao lado da mineração de metais e pedras preciosas. Durante o século XVI e início do século XVII, o Brasil se tornou o maior produtor de açúcar do mundo e responsável pela riqueza dos senhores de engenho, da Coroa portuguesa e de comerciantes portugueses. Ambas as atividades estavam voltadas à exportação. Demonstre que você compreendeu e responda: nesse período, como estava organizada a estrutura social brasileira?

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2) Com o final do período colonial brasileiro (em meados do século XVIII) e com a vinda da Família Real para o Brasil no início do século XIX, a estrutura da sociedade brasileira já dava pistas do esgotamento de seu modelo. Com base nos conteúdos apresentados, escreva quais os fenômenos sociais que demonstravam a necessidade de um novo modelo de produção e de desenvolvimento econômico, e qual a estratégia adotada que resultou em importante alteração na estrutura social brasileira. 3) Identifique, com relação ao processo de industrialização brasileiro, as alternativas corretas: I – Durante o processo de industrialização, o Estado passou a dar mais visibilidade aos investimentos nas grandes e pequenas indústrias e equipamentos industriais. II – O acelerado processo de urbanização no Brasil, como decorrência das migrações internas, é um fenômeno antigo e se articula com um conjunto de mudanças ocorridas na economia, na sociedade e na política brasileira, no período do Brasil Colônia. III – As cidades não faziam parte da paisagem social do País no período colonial, apesar da sua restrita dimensão populacional. IV – O processo de urbanização no Brasil não foi um fato isolado, mas consequência de diversas mudanças em todo o sistema político, social e econômico do País. V – A urbanização foi fortemente influenciada por esses fatores: a importância do trabalho escravo (inclusive para a construção e manutenção dos edifícios e cidades); e a pouca importância dada à reprodução da força de trabalho, mesmo com a emergência do trabalhador livre. VI – Nas décadas que se seguiram, o processo de industrialização possibilitou a urbanização do território e o surgimento das metrópoles brasileiras. VII – A partir da década de 1950, o Brasil passou a criar um distanciamento das suas próprias necessidades, isso porque mantém sua herança colonial em produzir para o mercado exterior, centralizando as relações econômicas no interesse do mercado internacional. a) I, II, IV, V e VII. b) I, III, V, VI e VII. c) I, IV, V, VI e VII. d) II, III, IV, V e VI. e) II, IV, V, VI e VII. 4) Você aprendeu que uma das principais características da urbanização brasileira é a distinção entre o país de tradição na produção rural (produção de açúcar e café) e o desenvolvimento urbano. Em duas décadas, o Brasil passou de rural a urbano em função do incremento da população vivendo em cidades. Demonstre seu entendimento sobre o tema, respondendo: como ocorreu o processo de migração da população do campo para a cidade no Brasil?

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EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

5) Você aprendeu, nesta aula, que, a partir dos anos 1980, houve redução da ordem de investimentos do governo no que se refere à infraestrutura e às questões urbanas. Nos anos 1990, a estagnação da economia nacional, afetando grande parte dos setores produtivos, incide diretamente nos altos índices de desemprego e precarização do trabalho, resultando em sucateamento e desmonte de várias instituições públicas, característica do Estado mínimo, sendo muitas privatizadas ou simplesmente extintas. Demonstre seu entendimento sobre o tema e responda: como o governo brasileiro vem investindo em infraestrutura, no sentido de combater as consequências da urbanização não planejada e voltada ao atendimento da produção industrial?

LEITURAS INDICADAS ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2008. SANTOS, M. A urbanização brasileira. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=cOHkKZgOtwUC&printsec=frontcove r&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 16 jan. 2013. SILVA, J. H. da. Os filhos do desemprego: jovens itinerantes do primeiro emprego. Brasília: Liber Livro, 2009. TEIXEIRA, E. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SITES INDICADOS http://www.historiadobrasil.net http://marcosbau.com.br/geobrasil-2/1434-2

REFERÊNCIAS BRITO, F. O deslocamento da população brasileira para as metrópoles. Disponível em: http:// www.scielo.br/pdf/ea/v20n57/a17v2057.pdf. Acesso em: 2 dez. 10. COSTA, T. H. B. Questão urbana e Serviço Social. Serviço Social e Sociedade. Revista quadrimestral de serviço social, ano XXV, n. 79, set. 2004. MARICATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. PAVIONI, A. Metrópoles brasileiras. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/ programas-urbanos/Imprensa/plano-diretor/noticias-2008/abril/metropoles-brasileiras>. Acesso em: 1 dez. 2010. SOUSA, R. Colonização do Brasil. Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/colonizacao-brasil.htm>. Acesso em: 1 dez. 2010.

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AULA 8 Direitos humanos e sociais na sociedade brasileira

Autoras: Carla Ferreira Castro e Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo

“O direito não é nada além do mínimo ético.” Georg Jellinek Nesta última aula, trataremos de algo que é fundamental na vida de todo cidadão: os direitos humanos e sociais. No Brasil, os direitos sociais estão definidos na Constituição Federal de 1988, como direitos fundamentais. Vamos, agora, discutir acerca de alguns limites e possibilidades que envolvem a efetivação desses direitos no Brasil. Bom estudo!


EVOLUÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

DIREITOS HUMANOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA Vimos na aula anterior que nosso País é marcado por um passado de escravidão, submissão e, consequentemente, desvalorização do ser humano. Em muitos momentos, nossa história registra atrocidades que ferem a dignidade do cidadão brasileiro. Tomada de diversas maneiras, a violência física, moral, cultural e espiritual se tornou parte de nossa construção social, sendo, assim, um dos principais obstáculos que impedem a nossa emancipação individual e coletiva, a fim de exercermos nossa cidadania e fazer valer nossos direitos. Após o longo período de mais de duas décadas de Ditadura Militar (1964 a 1985) – marcado pela repressão à liberdade de manifestação, à liberdade política e a atos institucionais em nome da segurança nacional –, o Brasil iniciou seu processo de redemocratização através da elaboração de nova Constituição e de eleições diretas para a presidência. Os movimentos sociais e as manifestações populares tomaram as ruas, e a pressão social culminou na promulgação da Constituição de 1988. A Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã justamente pela amplitude de direitos civis e políticos garantidos, passa a ser a bandeira do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Nela estão definidos e garantidos, de modo geral, os direitos humanos universais, os quais já haviam sido estabelecidos há mais de 40 anos na Europa – a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Criada após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos pretendia amenizar os males sociais causados pela guerra. A ideia era controlar, ainda que juridicamente, ideologias e governos, impedindo-os de realizar crimes bárbaros, como os que ocorreram nos campos de concentração alemães – o genocídio de judeus, ciganos, entre outros povos –, sob o comando de Hitler. Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Logo em seu primeiro artigo, esse documento estabelece que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito”. Além disso, segundo a Declaração, todos devem agir, em relação uns aos outros, com solidariedade e fraternidade. (GUIA DE DIREITOS HUMANOS, 2003, p. 13).

De acordo com Piovesan (2006), nos campos de concentração se encontravam 18 milhões de pessoas, e cerca de 11 milhões morreram durante a guerra. Entre os mortos estavam 6 milhões de judeus, comunistas, ciganos e homossexuais. A Segunda Guerra Mundial foi o conflito que matou o maior número de pessoas na história da humanidade. Toda a violência contra a dignidade humana deflagrada pela Segunda Guerra Mundial causou uma comoção internacional no sentido de controlar e punir, de alguma forma, os crimes de guerra que resultassem em crimes contra a humanidade. Assim, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Declaração Universal, com o objetivo primordial de realizar uma revisão dos tratados internacionais, nos quais estavam definidos as normas, os direitos e os deveres dos indivíduos em tempo de guerra – anteriormente existiam apenas as Convenções de Genebra (conjunto de tratados elaborados em quatro convenções realizadas no período de 1864 a 1949). No Brasil, a implantação dos direitos humanos fundamentais ainda está longe de ser uma realidade. Alguns autores e pesquisadores afirmam que, em nossa sociedade, a história de implantação e garantia dos direitos humanos não é um processo linear de conquistas sucessivas e permanentes, e sim,

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É mais uma história de idas e vindas, de avanços e retrocessos. E, sobretudo, de mudanças de mentalidade. Último país das Américas a libertar os escravos (depois de 320 anos de escravidão), ainda faz parte da tradição cultural brasileira não reconhecer a humanidade do outro. Portanto, a efetiva promoção dos direitos humanos na vida cotidiana de todos os homens e de todas as mulheres de nosso país sempre foi, e continua sendo, um árduo e penoso caminho. (GUIA DE DIREITOS HUMANOS, 2003, p. 23).

A garantia dos direitos humanos no Brasil é fruto de diversas lutas sociais que, ao longo do tempo, foram se transformando – ora em instituições ou organizações sociais; ora em partidos políticos; ora se desfazendo e desaparecendo. Em nosso País, os direitos humanos não se constituem em efetivação plena e automática, mas em algo que precisa ser continuamente reivindicado, sendo, repetidas vezes, violados e desrespeitados. Portanto, em muitos casos (não apenas no Brasil), a efetivação dos direitos humanos ocorre através da ação de pequenos grupos e segmentos sociais discriminados, com pouca participação nas decisões políticas, sociais e econômicas da sociedade. Pode-se dizer que, na história da humanidade, a conquista de direitos básicos esteve estreitamente relacionada às lutas de libertação de determinados grupos sociais, que sentem na pele a violação desses direitos. Em geral, esses grupos contam com o apoio e solidariedade de outros setores sociais (intelectuais, jornalistas, profissionais liberais, educadores). Normalmente, esses grupos são minoritários na sociedade. (GUIA DE DIREITOS HUMANOS, 2003, p. 23).

Em um contexto geral, as guerras e os conflitos globais desencadeiam processos que resultam em desigualdades, formas de discriminação, de preconceito e de desrespeito entre os homens. Assim, a Declaração Universal é resultado da necessidade de criação de meios de proteção legal para garantir a preservação da dignidade humana. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é o principal marco legal que visa à garantia e proteção dos direitos civis e humanos, como afirma Simões (2009, p. 59): “A Constituição Federal de 1988 elegeu um conjunto de valores éticos, considerados fundamentais para a vida nacional, a maior parte dos quais se expressa no reconhecimento dos direitos humanos.” Em nossa sociedade, após a promulgação da Constituição de 88, podemos afirmar que os direitos humanos estão assegurados e garantidos. Ou seja, existe um amparo legal para que tais direitos permitam aos indivíduos viver com dignidade, longe de situações que geram algum tipo de vulnerabilidade e/ou de precariedade social. Nesse sentido, continua o autor: Os direitos fundamentais são enunciados constitucionais de natureza declaratória, que reconhecem a existência de prerrogativas substanciais consideradas indispensáveis e essenciais do cidadão. Por exemplo, o direito de ir e vir ou o da liberdade de pensamento. (SIMÕES, 2009, p. 59).

Assim, podemos entender que a efetivação dos direitos fundamentais, elencados pela Constituição de 1988, está intrinsecamente ligada aos direitos humanos universais. Seguindo a redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nossa Constituição garante os direitos humanos primordiais, com base em quatro princípios: dignidade, igualdade, liberdade e justiça. Reforçando esse entendimento, Simões (2009, p. 59) completa: O valor da dignidade é considerado absoluto, visto inexistir no texto constitucional qualquer hipótese em que possa ser restringido. Os demais valores, en91


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tretanto, são relativos, podendo sofrer restrições em uma situação concreta, quando a intensidade de um é relativizada em confronto com a do outro, que também deve ser ponderado. É o caso, por exemplo, do valor da igualdade.

Nesse sentido, a dignidade se constitui no mais importante entre os direitos, tendo em vista que sua garantia assegura também outros direitos, os quais, por sua vez, estão atrelados a ela. De acordo com a Declaração Universal, o termo “direitos humanos” se refere às necessidades básicas que todo ser humano precisa suprir para viver dignamente. São elas: direito à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, à liberdade de expressão, à liberdade política, entre outros. Percebemos que, para garantir integralmente a dignidade humana, é necessário assegurar os demais direitos. Segundo Piovesan (2006), existem algumas características específicas dos direitos humanos. » » Universalidade – são para todos, independente de classe social, raça, etnia, gênero ou qualquer tipo de seguimento específico. » » Indivisibilidade – existe entre esses direitos uma forte ligação interna, sendo necessária, também, a continuidade de sua ação. Assim, pode-se afirmar que os direitos humanos estão inter-relacionados, visto que a realização de um direito ajuda e implica no enfraquecimento ou fortalecimento de outro. » » Não são neutros – tomam partido e estão sempre fazendo opções. Seu posicionamento é ao lado dos marginalizados e excluídos da sociedade. » » Caráter de lutas e conquistas – foram obtidos através da organização da sociedade civil, via lutas de classes ou movimentos sociais.

O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL NA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS

Fonte: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000100031&script=sci_arttext>.

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Segundo Teixeira (2002, p. 45): Os direitos são garantidos por leis que estabilizam a sociedade civil, muitos deles tendo sido reconhecidos no decorrer de lutas históricas (direitos fundamentais). Sua efetivação, contudo, em muitos países, depende da própria sociedade civil, da cultura política e de sua organização, que também deverá zelar pela construção de novos direitos de acordo com novas necessidades e aspirações.

A participação da sociedade civil na construção da história através de conquistas e lutas por direitos não só é de fundamental importância na garantia e efetivação dos direitos humanos, civis, sociais e políticos, como também e, principalmente, é a partir das reivindicações da sociedade civil que tais direitos são constituídos. Em outras palavras, podemos presumir que os direitos são conquistados por meio de lutas sociais, buscando melhores condições de vida. Em sociedades desiguais, apenas a existência de leis e regulamentações não é suficiente para evitar as mazelas sociais (como a fome, o desemprego, o autoritarismo, a tortura, entre outras). Isso porque a igualdade legal não é garantia de igualdade social. Para diminuir as injustiças sociais causadas pela estrutura social capitalista, tal como a brasileira, por exemplo, é necessário que, além das garantias legais, exista uma sociedade civil organizada, fortalecida em lutas e movimentos por causas coletivas. [...] na resistência à ditadura e no processo de redemocratização, a sociedade organizada exerceu um importante papel, destacando-se alguns segmentos sociais ao desafiar a repressão e criar fatos políticos que repercutiram em todo o país – estudantes, intelectuais, artistas. (TEIXEIRA, 2002, p. 121).

As lutas sociais recorrentes em toda história brasileira sempre se voltaram para as conquistas e a efetivação dos direitos sociais. Assim, segundo Simões (2009, p. 62), “[...] a eficácia dos direitos e garantias fundamentais, na Constituição Federal, é atribuída aos princípios da Ordem Social (art.193), entre os quais os direitos sociais”: O art.4º, inciso II, da LOAS integra a universalização dos direitos sociais (art. 6º da Constituição Federal) aos princípios da assistência social. Os direitos da seguridade social inserem-se no campo dos chamados direitos sociais, assim descritos pelo art. 6º da Constituição Federal: Art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (SIMÕES, 2009, p. 63).

De acordo com Simões (2009, p. 63), “[...] os direitos sociais estão inseridos no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, ao lado dos direitos individuais e coletivos, da nacionalidade e dos direitos políticos”. Assim, segundo o autor, os direitos sociais, assim como os direitos humanos fundamentais, são resultado de um processo histórico de luta da humanidade pela conquista da liberdade individual e coletiva. Com relação à Constituição Federal de 1988, Simões (2009) ressalta que esses mesmos direitos reaparecem na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), compondo os princípios da política de assistência social. Dessa forma, podemos perceber que os direitos sociais no Brasil foram, em grande parte, atribuídos ao direito à assistência social.

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A NOÇÃO DE DIREITO À ASSISTÊNCIA SOCIAL Portanto, a Constituição de 1988 trouxe para o povo brasileiro as garantias legais dos direitos sociais e afirmou a assistência social como direito de todos os cidadãos do País. A atribuição da assistência social compreendida como um direito causou verdadeira revolução no campo da proteção social brasileira, alterando a forma de atendimento e rompendo com antigas formas conservadoras de abordar as questões sociais, como a pobreza, o desemprego, a juventude, os idosos, entre outras. Assim sendo, com a Constituição de 1988 são colocadas novas bases para o atual Sistema de Proteção Social brasileiro com o reconhecimento de direitos sociais das classes subalternizadas em nossa sociedade. Trata-se de uma profunda inflexão, trazendo a ampliação do campo da proteção social e dos direitos sociais, ou como afirmou Sposati (2009): “ao afiançar direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, essa Constituição operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda pública um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual”. (YAZBEK, 2014, p. 15–16).

Com base no texto constitucional, em 1993, foi aprovada a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), afirmando a assistência social como direito de todo cidadão brasileiro e dever do Estado. Definido em seu capítulo I, art. 1o (Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993), tem a seguinte redação: A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (BRASIL, 2014).

Assim, a partir da Constituição de 1988, a assistência social passou a ser entendida como política de Estado. Vinculada à Seguridade Social, a assistência social brasileira está voltada para o atendimento de proteção social.

Fonte: <http://www.iape.com.br/artigos/artigos_lourdes.asp>.

Nesse sentido, foi criado o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), consolidado em 2005, para a oferta de serviços de proteção social à população em vulnerabilidade e/ou risco social. A proteção social diz respeito às ações para resguardar os cidadãos contra riscos pessoais e sociais constitutivos aos ciclos de vida e/ou atender às necessidades sociais geradas em momentos e contextos históricos diferentes, relacionadas a uma multiplicidade de situações conjunturais e estruturais, individuais e coletivas.

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As situações de vulnerabilidade e/ou risco social são assim definidas: a) de privação material em decorrência de desemprego ou trabalho precário; b) violação de direitos em virtude de abuso sexual; c) violência doméstica; d) trabalho infantil; e) perda de vínculos familiares e comunitários por abandono; f) exposição a risco social grave. O SUAS organiza as ações da assistência social em dois tipos de proteção social. A primeira é a Proteção Social Básica, destinada à prevenção de riscos sociais e pessoais, por meio da oferta de programas, projetos, serviços e benefícios a indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social. A segunda é a Proteção Social Especial, destinada a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco e que tiveram seus direitos violados por ocorrência de abandono, maus tratos, abuso sexual, uso de drogas, entre outros aspectos. (BRASIL, 2014).

Como base para a criação do sistema de assistência social, foi elaborada a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004, afirmando, como atribuição do direito à assistência social, as garantias de proteção social. Ou seja, através do direito à assistência são garantidas as ações de proteção social, como direito de cidadania e responsabilidade do Estado. O traço mais marcante e fundamental [...] dos serviços de proteção social é serem implantados e geridos pelo Estado. [...] Assumida pelo Estado (e reconhecida pela sociedade) como função legal e legítima, a proteção social se institucionaliza e toma formas concretas através de políticas de caráter social. É importante frisar que estas políticas integram um campo próprio de relações que envolvem, além da participação de instituições especializadas, outros agentes e processos extremamente complexos, sempre permeados pela incerteza. (GIOVANNI, 1998 apud YAZBEK, 2014, p. 1–2).

A PNAS define que a proteção social deve garantir um conjunto de seguranças, tais como: » » Segurança de sobrevivência: é a garantia de que todos têm o direito à concessão financeira para garantir sua sobrevivência sob determinadas circunstâncias. Isto significa o reconhecimento de que a política de assistência social deve prover benefícios de natureza eventual e/ou continuada para garantir a sua reprodução social; » » Segurança de acolhida: é uma das seguranças primordiais no SUAS, uma vez que se refere à provisão pública de espaços e serviços adequados para a realização do trabalho social com as famílias e indivíduos, com a finalidade da conquista da autonomia por parte dos sujeitos envolvidos. Ou ainda, momentos em que os sujeitos passam por violações de direitos, abandono ou por situação de calamidade pública. » » Segurança de convívio: tem como foco o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, o enfrentamento das situações de reclusão e de perda das relações. Realiza-se através de serviços continuados, definidos na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, que detalha a oferta do trabalho socioeducativo a ser desenvolvido com as famílias, buscando construir, reconstruir e fortalecer os laços de pertencimento e vínculos sociais. (BRASIL, 2014). Assim, o SUAS conduz, com base na PNAS, suas atividades de atenção à proteção social em duas formas hierarquizadas de proteção: a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial. Está 95


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dividida em níveis de proteção para responder à especificidade e complexidade das diferentes demandas apresentadas no cotidiano da política de assistência social. Os serviços socioassistenciais são direcionados com uma perspectiva preventiva (Proteção Social Básica) e protetiva (Proteção Social Especial). Atualmente, segundo Yazbek (2014, p. 22): Para alcançar seus objetivos, a Política de Assistência Social deve ser realizada de forma integrada e articulada às demais políticas sociais setoriais, para atender às demandas de seus usuários. Essa definição está na LOAS, que pressupõe para a assistência social o provimento dos “mínimos sociais”, cuja garantia exige a realização de um conjunto articulado de ações, envolvendo a participação de diferentes políticas públicas e da sociedade civil. A LOAS afirma também que o destinatário da “ação social” deve ser alcançável pelas demais políticas públicas. Não podemos esquecer que o sujeito alvo dessas políticas não se fragmenta por suas demandas e necessidades que são muitas e heterogêneas. Estamos tratando das condições de pobreza e vulnerabilidade que afetam múltiplas dimensões de vida e de sobrevivência dos cidadãos e suas famílias. O Estado é o garantidor do cumprimento dos direitos, responsável pela formulação das políticas públicas, expressando as relações de forças presentes no seu interior e fora dele. Evaldo Vieira, em sua análise da política social e dos direitos sociais, afirma: “sem justiça e sem direitos, a política social não passa de ação técnica, de medida burocrática, de mobilização controlada ou de controle da política quando consegue traduzir-se nisto”.

Para articular as diversas ações atribuídas à Assistência Social, em 2012, foi elaborada a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), com o objetivo de organizar e operacionalizar a gestão pública da política de assistência social em todos os municípios brasileiros. Assim, foram criados os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), como um equipamento público estatal, voltado para a atenção básica, por meio de ações inter-setoriais para a promoção da proteção social a famílias em situação de vulnerabilidade e/ou risco social.

SÍNTESE Nesta aula, realizamos uma reflexão acerca dos direitos humanos e sociais. Estudamos que os direitos humanos são direitos fundamentais e indispensáveis à vida de todo cidadão. No Brasil, esses direitos estão assegurados pela Constituição de 1988, como resultado de grandes mobilizações populares. Após a promulgação da Constituição de 1988, a qual reconhece o direito à assistência social como sendo de cidadania e de dever do Estado, o atendimento de proteção social foi tomado como política de Estado através de diversas regulamentações: a LOAS (1993), o PNAS (2004), a SUAS (2005) e o NOB/SUAS (2012). Assim, finalizamos nossa disciplina com um breve panorama de como os serviços brasileiros de Assistência Social se inserem na nossa atual estrutura social.

GLOSSÁRIO Teleologia: refere-se à ação humana que objetiva uma finalidade, ou seja, uma ação que possui fundamento, razão, verdade. 96


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PERGUNTA PARA REFLEXÃO Com base no conteúdo apresentado, você aprendeu que a garantia de direitos só é possível através de pressões da sociedade civil. Assim, os direitos são conquistas sociais. Demonstre seu aprendizado e responda: como os movimentos sociais brasileiros conseguiram inserir os direitos sociais na legislação brasileira e como ocorre a efetivação de tais direitos?

QUESTÕES 1) Você estudou que a Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, justamente pela amplitude de direitos civis e políticos garantidos, passa a ser a bandeira do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Nela estão definidos e garantidos, de modo geral, os direitos humanos universais, os quais já haviam sido estabelecidos há mais de 40 anos na Europa – a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Demonstre seu entendimento, respondendo: como e por que foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos? 2) De acordo com a Declaração Universal, o termo “direitos humanos” é o nome dado às necessidades básicas que todo ser humano precisa para viver dignamente. São eles: direito à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, à liberdade de expressão, à liberdade política, entre outros. Nesse sentido, podemos perceber que, para garantir integralmente a dignidade humana, é necessário assegurar os demais direitos. Demonstre o que você aprendeu, apresentando as características específicas dos direitos humanos. 3) Você acompanhou que a participação da sociedade civil na construção da história através de conquistas e lutas por direitos não só é de fundamental importância na garantia e efetivação dos direitos humanos, civis, sociais e políticos, como também e, principalmente, é a partir das reivindicações da sociedade civil que tais direitos são constituídos. Em outras palavras, podemos presumir que os direitos são conquistados por meio de lutas sociais buscando melhores condições de vida. Responda: qual a importância da sociedade civil em sociedades desiguais, como a brasileira? 4) A Constituição de 1988 trouxe, para o povo brasileiro, as garantias legais dos direitos sociais, afirmando, entre outros, a assistência social como direito de todos os cidadãos do País. A atribuição da assistência social, compreendida como direito causou verdadeira revolução no campo da proteção social brasileira, alterando a forma de atendimento e rompendo com antigas maneiras conservadoras de abordar as questões sociais, como a pobreza, o desemprego, a juventude, os idosos, entre outras. Dessa forma, podemos perceber que os direitos sociais no Brasil foram, em grande parte, atribuídos ao direito à assistência social. Com base no seu entendimento sobre o tema, responda: como após a Constituição de 1988 foi organizada a Assistência Social brasileira? 5) Como base para a criação do sistema de assistência social, foi elaborada a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004, afirmando, como atribuição do direito à assistência social, as garantias de proteção social. Ou seja, através do direito à assistência são garantidas as ações de proteção social, como direito de cidadania e responsabilidade do Estado. Demonstre seu entendimento sobre as modalidades de segurança asseguradas pela PNAS marcando a alternativa correta.

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I – Segurança de sobrevivência: é a garantia de que todos têm o direito à concessão financeira para garantir sua sobrevivência sob determinadas circunstâncias. Isto significa o reconhecimento de que a política de assistência social deve prover benefícios de natureza eventual e/ou continuada para garantir a sua reprodução social. II – Segurança de acolhida: é uma das seguranças primordiais no SUAS, uma vez que se refere à provisão pública de espaços e serviços adequados para a realização do trabalho social com as famílias e os indivíduos, com a finalidade da conquista da autonomia por parte dos sujeitos envolvidos. Ou ainda, momentos em que os sujeitos passam por violações de direitos, abandono ou por situação de calamidade pública. III – Segurança de subsistência: é a garantia de que todos têm o direito à remuneração financeira para garantir sua sobrevivência e a de sua família, aí incluídos seus filhos, apadrinhados, pais, tios e avós, além de seus animais domésticos e/ou adotados. É o reconhecimento de que a política de assistência social deve prover os benefícios de subsistência de natureza continuada para garantir a satisfação do convívio humano com as demais formas de vida. IV – Segurança de convívio: tem como foco o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, o enfrentamento das situações de reclusão e de perda das relações. Realiza-se através de serviços continuados, definidos na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, que detalha a oferta do trabalho socioeducativo a ser desenvolvido com as famílias, buscando construir, reconstruir e fortalecer os laços de pertencimento e vínculos sociais. a) I, II e III. b) I, II e IV. c) II, III e IV. d) II, III e IV.

LEITURAS INDICADAS ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2008. CASALDÁLIGA, D. P. Artigo 6º. In: ALENCAR, C. (Org.) Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. SILVA e SILVA, M. O.; YAZBEK, M. C. (org.). Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo. São Paulo: Cortez/São Luiz, MA: Fapema, 2006.

SITES INDICADOS http://www.mds.gov.br/assistenciasocial http://www.cfess.org.br

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