Abordagens hist filoso educação

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1º Semestre

ABORDAGENS HISTÓRICO-FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO Autora: Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes, Karina Nery Embirussu e Sérgio Embirussu Barreto



APRESENTAÇÃO Seja bem-vindo(a) ao estudo das Abordagens Histórico Filosóficas da Educação – disciplina muito importante para todos os cursos de formação de educadores. Integrante da Matriz Curricular dos cursos de Pedagogia e de Letras, seu principal objetivo consiste em avaliar a importância da filosofia e da história da educação a partir da análise dos principais fatos históricos ocorridos na educação do Brasil e do Mundo, bem como das diferentes correntes filosóficas que intervieram nesse processo. É uma disciplina que favorece a compreensão dos fundamentos históricos e filosóficos dos atos educativos em diferentes períodos, dedicando sempre a atenção para as relações entre os fatos passados e as circunstâncias atuais do âmbito educacional. Já que você está se preparando para ser professor, precisa apreender o que aqui propomos através de uma construção coletiva, em que buscamos sistematizar conteúdos e práticas que refletem diversas abordagens filosóficas da educação ao longo da história da educação no Brasil e no mundo. Para progredir, acompanhe as aulas que preparamos para você, aprofunde o estudo na bibliografia básica e complementar sugeridas, além de outras pertinentes aos temas, e realize as atividades solicitadas. Carpe Diem!



ÇÃO: ABORDAGEM CONCEITUAL

Autoras: Karina Nery Embirussu e Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes

Para iniciarmos esta disciplina, Abordagens Histórico Filosóficas da Educação, vamos, primeiro, refletir sobre o que é Filosofia, o que é História e como cada uma contribui para os estudos na área da educação.

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AULA 01 - FILOSOFIA E HISTÓRIA DA EDUCA-

Você já tem algum conhecimento sobre esses assuntos?

Você sabe o que significa FILOSOFIA? O que você entende quando alguém lhe diz que está filosofando?

Para Kant (1985, p. 42), “[...] não se pode aprender a Filosofia, somente se pode aprender a filosofar [...]” A Filosofia é um corpo de conhecimentos que compreende e dá significado ao mundo e à existência. Todos nós, mulheres e homens, como seres vivos e racionais, damos sentido às coisas. Não é necessário, pois, ser filósofa(o) para nos ocuparmos de questões filosóficas. A esta ocupação damos o nome de FILOSOFIA DE VIDA.

Figura 1 - Diálogo sobre filosofia de vida

Fonte: UNIFACS

Mas, no sentido crítico do termo, ser filósofo é, consciente e deliberadamente, se propor a FILOSOFAR. Filósofo é, pois, aquele que escolhe um método, sistematiza os conhecimentos obtidos e constrói um sistema interpretativo da realidade.

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E é assim que nós vamos filosofar. Como afirma o grande mestre e filósofo Cipriano Carlos Luckesi (1994, p. 30), filosofar é [...] inventariar conceitos e valores, estudar e criticar conceitos e valores, estudar e reconstruir conceitos e valores. Para que isso ocorra, é preciso são só olhar o dia-a-dia, mas ler e estudar o que disseram os outros pensadores, os outros filósofos. Eles poderão nos auxiliar, tirando-nos do nosso nível de entendimento e dando-nos outras categorias de compreensão.

Filosofia é a composição de dois termos gregos: filo + sofia (CHAUÍ, 2002, p. 17):

FILO

SOFIA A palavra Sophia significava, em um primeiro

Filo decorre de philía e o significado deste termo é amizade, amor. Na língua grega, há o verbo philéo, que significa sentir amizade por alguém, tratar como

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amigo, procurar, buscar, perseguir para encontrar.

momento, uma espécie de habilidade manual. Em seguida, também era aplicada à idéia de sabedoria moral, sensatez, prudência. Por fim, significou um conhecimento teórico. O verbo sophízo significava tornar hábil, prudente, sábio.

A partir destes significados, como você define Filosofia? Para Marilena Chauí (2001, p. 17): A Filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos conteúdos, das formas, das significações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da Sociologia e da Psicologia. Não é política, mas a interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder. Não é história, mas a interpretação dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e na compreensão do que seja o próprio tempo. Conhecimento do conhecimento e da ação humanos, conhecimento da transformação temporal dos princípios do saber e do agir, conhecimento das mudanças das formas do real ou dos seres, a Filosofia sabe que está na História e que possui uma história.


Precisamos buscar na literatura esta resposta.

Segundo Aranha (1996, p. 40):

A Filosofia surgiu na Grécia, por volta do século VI a.C. [...] pretendendo [...] superar as interpretações míticas, rejeitando o sobrenatural e a interferência dos agentes divinos na explicação dos fenômenos da

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Qual a origem da Filosofia?

natureza. [...] A Filosofia surge, então, como um pensamento positivo e abstrato, que busca a coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos, o debate e a discussão.

Podemos admitir, por conseguinte, que a Filosofia surgiu desde o momento em que o homem começou a refletir sobre o funcionamento da vida e do universo, buscando uma solução para as grandes questões da existência humana. A Filosofia permite explicações racionais para tudo aquilo que antes fora explicado através da mitologia. A mitologia surge da necessidade de explicar a vida e sua origem, contudo não se predispõe a fazê-la de forma racional. Assim, nascem os mitos. O mito é a tentativa de explicar o inexplicável através dos relatos de acontecimentos que ocorreram em tempos primitivos, utilizando-se de intervenções sobrenaturais. A compreensão sobre os mistérios do mundo, os fenômenos da natureza e os vícios e virtudes humanos eram materializados através das narrativas mitológicas, transmitidos oralmente. Heróis, deuses, titãs e outros personagens habitam as histórias, ricas na descrição de aspectos psicológicos e sociais próprios da cultura grega.

Você conhece algum mito? Que tal conhecermos o Mito de Pandora? Mito de Pandora

Na Mitologia Grega, Pandora foi a primeira mulher criada por ordem de Zeus (deus dos deuses) como parte de um castigo a Prometeu (titã amigo dos homens) por este ter revelado o segredo do fogo para a humanidade.

Prometeu roubou as sementes do deus Hélio (deus do fogo) e repassou aos homens para que estes pudessem cozinhar e fazer tarefas domésticas. Enfurecido, Zeus resolveu criar uma mulher que tivesse várias qualidades de diversos deuses. Pandora tinha o poder de sedução da deusa Atena.

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Prometeu se casou com Pandora. De acordo com o mito, a humani-

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dora resolveu abrir sua ânfora (a expressão “caixa de pandora” foi

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dade tinha vivido em harmonia até aquele momento, porém Pancriada no Renascimento) que continha todos os males da humanidade e liberou todas as desgraças (vícios, doenças, loucura, pobreza, pragas, violência, crimes, etc).

http://www.suapesquisa.com/mitologiagrega/pandora.htm

Figura 2 - Pandora

Fonte:http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pandora_-_John_William_Waterhouse.jpg

Como vimos, o surgimento de todos os males do mundo foi atribuído à figura feminina, o que traduz a visão machista da época, que responsabilizava as mulheres pelas dificuldades que a sociedade grega enfrentava. Assim como o mito de Pandora, tantas outras narrativas desta natureza povoavam a mente das pessoas, conduzindo suas formas de pensar e agir. Pois bem, enquanto o mundo mítico é formado por certezas dogmáticas, a Filosofia introduz a perplexidade. Esta perplexidade é que conduz o indivíduo à capacidade de problematizar e, somente através da problematização, conseguimos encontrar soluções para os diferentes problemas do mundo real, associados à existência da humanidade.


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Figura 3 - O Pensador

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Rodin_ The_Thinker_Laeken_cemetery.jpg

Dentre os problemas propostos pelo nosso existir, se encontram os referentes à

educação. E, ao acompanhar de forma reflexiva e crítica a ação pedagógica, como ana- ________________________ lisa Saviani (1980, p.4), promovendo uma passagem “[...] de uma educação assistemá- ________________________ tica (guiada pelo senso comum) para uma educação sistematizada (alçada ao patamar ________________________ da consciência filosófica) [...]” estamos considerando uma Filosofia da Educação. Podemos admitir, neste contexto, que à Filosofia da Educação cabe compreender o projeto político educacional com uma visão de totalidade, que integre também questões histórico-antropológicas articuladas ao sentido do existir das pessoas e da humanidade. Considerando o que foi analisado até então, é possível depreender que a Filosofia da Educação contribui para acompanhar reflexiva e criticamente a práxis educativa, partindo do conhecimento do contexto vivido. Como as questões educacionais são “[...] engendradas nas relações que os homens estabelecem ao produzir sua existência” (ARANHA, 1996, p. 19), é impossível pensar nessas questões sem a contribuição de outra importante teoria - a história. A Filosofia torna a educação mais lúcida e a História a contextualiza no tempo. Da mesma maneira que a Filosofia é uma das áreas de estudo de extrema importância para a compreensão dos fundamentos da educação, a História possibilita maior entendimento sobre o contexto educacional atual, à medida que confrontamos os eventos passados com os presentes e traçamos perspectivas para o futuro. A assimilação da herança cultural, portanto, possibilita projetarmos transformações essenciais para a sociedade atual.

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Você já se deu conta de como a história é importante para a nossa vida? Conhecer nossas origens, refletir sobre os hábitos atuais e as manifestações culturais que valorizamos perpassam pelo resgate daquilo que foi vivenciado em épocas pretéritas. Segundo Aranha (2006, p. 19), [...] estamos inseridos no tempo: o presente não se esgota na ação que se realiza, mas adquire sentido pelo passado e pelo futuro desejado. Pensar o passado, porém, não é um exercício de saudosismo, curiosidade ou erudição: o passado não está morto, porque nele se fundam as raízes do presente.

Você já percebeu que, em diferentes espaços e épocas, a prática social se encontra submersa em um contexto histórico-social, e que fora dele nós não conseguiríamos viver? Nesse sentido, o contexto histórico-social apresenta-se como as relações vividas pelo indivíduo em seu cotidiano, interpretadas e subjetivamente dotadas de sentido, pois as mesmas se manifestam na forma de um mundo coerente. Uma vez que somos seres históricos, não podemos nos desvencilhar das dimensões do tempo, apesar de

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encontrarmos, ao longo da história, interpretações diferenciadas e inúmeras formas de compreensão do mundo. A necessidade de se apropriar da historicidade se faz pelo fato de reconstituirmos o passado, descrevendo as ações transformadoras dos indivíduos em cada momento histórico, selecionando os fatos que consideramos de maior relevância e que marcaram a história de um povo. Vale ressaltar que a conservação da memória, ao longo do tempo, tem sofrido variações de acordo com as culturas diversas que se propõem a interpretar a realidade. A abordagem da história da educação não é diferente! A compreensão sobre as raízes da educação no mundo, tanto formal como informal, sobre as formas como cada cultura a delineou e quais redes de relações podemos traçar com o processo educacional atual, nos permite avaliar o que melhor atende às necessidades do público-alvo com que lidamos cotidianamente no âmbito da pedagogia. Importa iniciarmos nosso estudo sobre história da educação, questionando o que é história e o que é educação. A História (do grego antigo

, transl.: historía, que signifi-

ca “pesquisa”, “conhecimento advindo da investigação”) é a ciência que estuda o Homem e sua ação no tempo e no espaço, concomitante à análise de processos e eventos ocorridos no passado. [...] A palavra história tem sua origem nas «investigações» de Heródoto, cujo termo em grego antigo é

(Historía). Todavia, será

Tucídides o primeiro a aplicar métodos críticos, como o cruzamento de dados e fontes diferentes. O estudo histórico começa quando os homens encontram os elementos de sua existência nas realizações dos seus antepassados.


C3.B5es_filos.C3.B3ficas_da_Hist.C3.B3ria

Figura 4 - História, do pintor grego Nikolaos Gysis (1892).

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1997, p. 1).

A educação, nessa perspectiva, apresenta-se como um processo de socialização que depende, decisivamente, do esforço coletivo para viabilizar a construção de conhecimentos e a apropriação da herança cultural produzida pelas gerações. Conforme afirma Brandão (1993, p. 23), “Nunca as pessoas crescem a esmo e aprendem ao acaso”. O ato de educar é definido pela imagem ideal de ser humano que se modifica, de acordo com os interesses de cada cultura, em momentos diferentes.

[...] as questões de educação são engendradas nas relações que se estabelecem entre as pessoas nos diversos segmentos da comunidade. A educação não é, portanto, um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos do jogo do poder, por estar de fato envolvida na política (ARANHA, 2006, p. 24)

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria#As_concep.C3.A7.

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Diante dessa citação, podemos concluir que a história da educação não é apenas uma disciplina que apresenta os fatos marcantes no âmbito educacional, descrevendo suas crises e evolução ao longo dos tempos. Ela entrecruza suas realizações com as ideologias de grupos sociais e revela as concepções de formação projetadas historicamente. A relevância da história da educação situa-se na retomada de um percurso de experiências próprias e de outrem, situando os avanços e retrocessos da trajetória educacional traçados por um determinado grupo. A história é um campo do conhecimento passível de muitas interpretações. Você já observou como as pessoas têm percepções diferentes sobre a mesma situação? Por isso, cabe analisar todo conteúdo que nos é apresentado, com olhar investigativo, a fim de estabelecer relações entre os aspectos sociais, políticos e culturais, como forma de compreender os interesses que estão impressos nos discursos e ações dos indivíduos. Você já percebeu como as experiências nos auxiliam a reconhecer nossas fragilidades e a decidir o melhor rumo a tomar no enfrentamento de problemas? Este é o papel da história. Da mesma forma, a história da educação proporciona ao docente ampliar sua visão acerca do processo educativo e reunir ferramentas para intervir de maneira adequada.

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[...] à História da educação compete não somente o relato das diversas tradições educativas mas, sobretudo, a tarefa de ajudar a formar uma visão crítica das mesmas.

Para o educador com senso histórico, o passado do processo educativo está presente no atual momento sob forma de pressupostos, de práticas, de atitudes e, invariavelmente, de preconceitos (GILES, 1987, p. 1).

Mesmo demonstrando tal importância para a formação de professores, o estudo de história da educação no Brasil é recente e ainda pouco explorado. Conforme destaca Aranha (2006), quando surgiram as escolas normais, que ofereciam o curso de magistério em nível médio, no século XIX, a ênfase era dada à formação geral e não constava a história da educação no currículo. A disciplina só passou a integrar o currículo dos cursos normais após as reformas de 1930, contudo de modo ainda incipiente. A história da educação no Brasil veio ganhar maior status após a ditadura militar, a partir de discussões de temas educacionais, realização de eventos científicos e publicações relacionadas à área.


Uma vez que a História das idéias e das instituições - isto é, da realidade social global - e o processo educativo são inseparáveis, questionar a consciência social coletiva e, ao mesmo tempo, provocar essa mesma consciência ao questionamento, é tarefa fundamental da história da educação. (GILES, 1987, p. 1)

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AFINAL, PARA QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO?

Mais que uma reprodução linear dos fatos, ou um relato cronológico, a história é a representação viva da realidade. Não se limita à narrativa estanque que foca as conquistas de heróis, eventos cívicos e revoluções. É um relato contextualizado, que articula o desenrolar das crises e da ordem que oscilaram ao longo da jornada da humanidade. Além dos feitos das figuras ilustres que se destacaram, compõem a história também as narrativas dos sujeitos silenciados: mulheres, crianças, idosos e as culturas não eurocênticas. Sob esse ponto de vista, vislumbramos uma história mais próxima da realidade. Aquela que não valoriza a elite em detrimentos dos grupos oprimidos; a que nos faz negar a ideia de que contra fatos não há argumentos. As raízes de muitos dos problemas educacionais atuais estão fincadas no passado. Os estudos da história potencializam a inspiração para encontrarmos respostas que se aproximem da solução, uma vez que atingem a origem e não a superfície das questões postas pelo cotidiano educacional. Após esta explanação, você saberia responder como a história da educação contribui para a formação do educador? Vamos buscar suporte de um pesquisador de referência, que estuda a formação de professores.

Nóvoa (2005) aborda quatro aspectos de relevância para responder a esta indagação:

Para cultivar um saudável ceticismo – permite o desenvolvimento do senso crítico perante as inovações pedagógicas, busca traçar a história a partir dos problemas presentes e aponta para respostas que emergem do estudo cuidadoso do passado.

Para compreender a lógica das identidades múltiplas – possibilita o reconhecimento da diversidade de identidades caracterizadas pela etnia, gênero, classe, religiosidade, geração, evidenciando como estas definem memórias e tradições, a ponto de dar sentido ao trabalho educativo realizado em qualquer espaço e para diferentes grupos culturais.

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Para pensar os indivíduos como produtores de história – sig-

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percurso criado pelos grupos sociais nos quais está inserido, isto é,

nifica que cada um é protagonista da história, assume a autoria do não é mero espectador do patrimônio histórico.

Para explicar que não há mudança sem história – a vida é constituída por memórias, que servem de referência para qualquer ação que promovamos. Por outro lado, a mudança é inevitável. Enfim, a educação, como a vida, carece de renovação, e para tal, recorremos às experiências já vividas.

Um curso de licenciatura exige um rol de conhecimentos de cunho sociológico, filosófico, antropológico, psicológico e histórico capaz de subsidiar os futuros professores na compreensão dos fundamentos da educação e, mais especificamente, no processo ensino-aprendizagem. Ademais, o exercício docente requer o desenvolvimento de habilidades essenciais, tais como o senso crítico, a postura reflexiva e interventiva, desenvolvidas através de disciplinas como a Filosofia e a História da educação. Um aprofundamento sobre os fundamentos filosóficos que subsidiaram as teo-

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rias educacionais ao longo da História será objeto de estudo da nossa próxima aula.

SÍNTESE Nesta aula, conceituamos Filosofia, Filosofia da Educação, História e História da Educação. Enfatizamos ideias que permitem relacioná-las a reflexões sobre questões educacionais. Destacamos, ainda, a relevância de ambas as áreas para a formação de professores.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Pense em três argumentos que fundamentem a relevância do estudo da Filosofia e da História da Educação para a formação de professores.

LEITURAS INDICADAS Revista Brasileira de História da Educação - Disponível em: http://educa.fcc.org.br/ pdf/rbedu/n01/n01a02.pdf Acesso em 20 out. 2011.


http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb01.htm http://www.sbhe.org.br/ http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/filed77-2.htm http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/textos.htm http://www.filosofia.pro.br/

449 abordagens histórico-filosóficas da educação

SITES INDICADOS

REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 28. ed. São Paulo: Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 1993.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 20 out. 2011.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Àtica, 2001.

______. Introdução à história da filosofia. Cia das Letras, 2002.

KANT, Immanuel. Textos seletos. (edição bilingüe). Petrópolis: Vozes, 1985.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

GILES, Thomas Ransom. História da Educação. São Paulo: EPU, 1987.

NÓVOA, António. Apresentação. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (Org.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005. vol. 2.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980.

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Autores: Karina Nery Embirussu e Sergio Embirussu Barreto Convido você agora para fazer uma viagem no mundo do conhecimento. Vamos entender melhor questões que já foram lançadas por todos os povos, em contextos geográficos e históricos diferentes, sobre a forma como adquirimos o conhecimento e suas relações com a educação.

Dentre as várias questões postas pela filosofia, tais como “quem somos?”, “de onde viemos?” e “para onde vamos?”, está também uma das maiores incógnitas que envolvem a equação humana: “o que é conhecer e como conhecemos?”. Essas são

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AULA 02 - EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO

questões primordiais que nos impulsionam a desvendar o mundo e dão sentido a nossa vida. O ser humano precisa não apenas atender as suas necessidades fisiológicas, mas, também, saciar sua sede de aprender, de conhecer e dominar a realidade. A música “Comida” representa bem essa condição humana de buscar outras formas de realização que vão além dos limites físicos.

Assista o clipe no link abaixo: http://www.youtube.com/watch?v=hOyt4cwjVns

Comida

(Composição: Arnaldo Antunes/Sergio Brito/Marcelo Fromer)

Bebida é água.

comida é pasto.

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você tem sede de que?

você tem fome de que?

a gente não quer só comida

a gente quer comida, diversão e arte.

a gente não quer só comida,

a gente quer saída para qualquer parte.

a gente não quer só comida,

a gente quer bebida, diversão, balé.

a gente não quer só comida,

a gente quer a vida como a vida quer.

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bebida é água.

comida é pasto.

você tem sede de que?

você tem fome de que?

a gente não quer só comer

a gente quer comer e quer fazer amor.

a gente não quer só comer

a gente quer prazer pra aliviar a dor.

a gente não quer só dinheiro,

a gente quer dinheiro e felicidade.

a gente não quer só dinheiro,


bebida é água.

comida é pasto.

você tem sede de que?

você tem fome de que?

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a gente quer inteiro e não pela metade.

Fonte: http://www.vagalume.com.br/titas/comida.html

Nós temos sede e fome de conhecimento. Conhecer o mundo é vital para a nossa sobrevivência. Diferente dos outros animais, o ser humano torna-se original, por ser social e possuir uma mente altamente refinada, com o objetivo maior de desvelar os mistérios da realidade. Sua carga genética está programada com uma série de respostas instintivas, porém o poder mental que ________________________ possui o possibilita a ir além da realidade imediata, vivenciar situações e reproduzi-las ________________________ de modo próprio, enfim ressignificar as experiências pelas quais passa durante sua ________________________ trajetória de vida. O que mobiliza a vida humana, portanto, são os questionamentos, a busca pelo conhecimento. Entender como se enredam as tramas dessa grande teia - a teoria do conhecimento - é um dos desafios da filosofia. Para atuarmos no campo da educação, precisamos compreender os enigmas da mente humana no que se refere à assimilação, construção e disseminação de saberes, bem como da análise e reflexão crítica, a fim de identificarmos ritmos, formas, pontencialidades e limitações na aprendizagem de nossos educandos, sejam crianças, adolescentes, adultos ou idosos. O ato de conhecer ocorre de forma tão natural em nosso cotidiano que nos esquecemos de buscar compreendê-lo em toda a sua complexidade. E você já se perguntou como conhecemos? O princípio de tudo é compreender o que é o conhecimento. Conhecimento, segundo Houaiss (2001, p. 802) é...

substantivo masculino

ato ou efeito de conhecer

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o ato ou a atividade de conhecer, realizado por meio da ra-

zão e/ou da experiência

1.1

ato ou efeito de apreender intelectualmente, de perceber

um fato ou uma verdade; cognição, percepção

1.2

fato, estado ou condição de compreender; entendimento.

Podemos concluir que conhecimento é o conjunto de ideias ou pensamentos que surgem a partir da relação entre sujeito e objeto. Quem é o sujeito? É a pessoa que se propõe a conhecer algo. E o objeto? Tudo que pode ser conhecido pelo sujeito: conceitos, coisas, seres, pessoas, pensamentos, sentimentos etc. Enfim, podemos conhecer cotidianamente outras pessoas, seres diferentes, nossos próprios pensamentos e sentimentos, conceitos, palavras, ambientes...

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Fonte: UNIFACS

Significa dizer que sempre que entramos em contato com algo ou alguém, estamos estabelecendo uma relação de aprendizagem. Por isso, a todo instante estamos adquirindo conhecimentos de situações novas ou ressignificando os dados que já tivemos acesso e percebendo-os sob novos ângulos, de formas diferenciadas, com o propósito de entendermos determinado assunto. Conhecer, portanto, é uma capacidade própria do ser humano, pois já nascemos com esta predisposição. Temos cérebro e mente que se unem para viabilizar a apreensão dos dados da realidade, convertendo-os em aprendizado. Usamos, portanto, os saberes para melhorar nossa sobrevivência, para transformar a realidade em que vivemos e para projetar o futuro, ir além da realidade imediata. Nós, humanos, diferente dos animais, conseguimos apreender um dado novo


meia com a competência do maior dos artesãos, assim como a aranha que tece sua teia singela e com perfeita simetria, como uma artista. Ambas, abelha e aranha, repetem freneticamente, ao longo da história, a mesma ação, sem pensar, sem questionar, sem discordar, apenas agem, segundo um código genético que não lhes oportuniza agir diferente. Isso se chama instinto. Você já se questionou como os humanos se comportam? Será que repetem apenas o que está programado em seu código genético? Ou suplantam o design do DNA? Isso é uma questão de conhecimento! O sujeito, como ser cognoscente, está predisposto a conhecer, quer queira quer não. Este é o seu destino. Imagine: uma criança ao nascer, o que mais deseja? Além de satisfação de suas

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da realidade e transformá-lo. Uma abelha, por exemplo, limita-se a construir sua col-

necessidades físicas vitais, há algo mágico e inspirador, que dá sentido a toda a sua existência! Ela deseja conhecer o mundo. Ela sai de um ambiente tranquilo e seguro, onde viveu os longos nove meses de sua existência, abrigada e alimentada, sem se dar conta dos perigos e encantos da vida. De repente, o salto para um mundo desconhecido que apresenta regras e costumes para serem internalizados. Nessa jornada de descobertas, os cinco sentidos não são suficientes. O bebê, com olhar astuto, fotografa tudo ao seu redor, filma as experiências mais importantes e arquiva no mais íntimo do seu ser. Os conteúdos desse arquivo vão ganhando sentido à medida que são acionados para a resolução de problemas cotidianos ao longo da vida.

E como a criança aprende, como ocorre a apreensão dos dados da realidade? Nada mais, nada menos que através do conhecimento. É chegada a hora de recorrermos à filosofia!

Na filosofia, a área responsável pelas questões do conhecer é chamada de epistemologia, isto é, teoria do conhecimento. Vimos que o ato de contactar e apropriar-se de determinado objeto é denominado conhecimento. Essa é uma característica humana: estabelecer relações com o meio, apropriando-se deste e transformando-o. Veremos que o conhecimento pode ser entendido como ato e produto.

O ato do conhecimento diz respeito à relação que estabelece entre o sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido. O objeto é algo fora da mente, mas também a própria mente, quando percebemos nossos afetos, desejos e ideais (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 109).

O produto do conhecimento é o que resulta do ato de conhecer, ou seja, o conjunto de saberes acumulados e recebidos pela cultura, bem como os sabres que cada um de nós acrescenta à tradição: as crenças, os valores, as ciências, as religiões, as técnicas, as artes, a filosofia etc.

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Quando nos relacionamos com o objeto, inevitavelmente o qualificamos ou quantificamos, é nesse momento que o ato, como apropriação da mente, faz aflorar os nossos sentimentos acerca de determinada coisa, gerando assim o produto dessa relação que é o conhecimento. Temos duas formas de assimilar o conhecimento: intuitiva e racional. Segundo Aranha e Martins (2009), a intuição resulta em um conhecimento direto e imediato, proporcionado pelo pensamento sem nenhuma intervenção. É algo que não pode ser explicado, pois não há possibilidade de expressão. Como podemos exprimir a intensidade do calor ou frio? A intensidade de uma determinada cor? É uma forma de conhecer que não pode ser comprovada ou mesmo evidenciada. Dessa forma, a intuição tem uma grande importância pelas possibilidades de invenção, criatividade, o que permite grandes saltos para o saber humano. Na forma racional, segundo Cotrim (2006, p. 44), o conhecimento ocorre a partir da “compreensão da realidade por meio de certos princípios estabelecidos pela razão, como, por exemplo, o de causa e efeito (todo efeito deve ter a sua causa)”. A combinação entre intuição e racionalidade possibilita o avanço da mente humana na compreensão dos fenômenos do mundo. Diversas são as áreas do saber e disciplinas que se debruçam sobre o estudo do

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conhecimento. A filosofia é o campo do saber que, por excelência, lança tais questões e empreende esforços para investigá-las respondê-las. É nessa curiosidade que precisamos nos apoiar quando nos dispomos a estudar uma área de conhecimento, especialmente a filosofia, ou quando nos determinamos a aprender uma profissão. A Filosofia, uma das primeiras formas de conhecer, oportunizou a reflexão sobre como conhecemos o mundo. Das diversas teorias sobre o conhecimento, destacamos algumas, que se tornaram fundamentais para a compreensão do assunto e são essenciais para os estudos no âmbito da pedagogia. Que tal nos apropriar dessas teorias?

Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Descartes, Locke, Kant, Nietzche e Foucaut foram alguns dos pensadores selecionados para nos subsidiar no estudo sobre as teorias do conhecimento.

SÓCRATES

O problema do conhecimento surgiu na antiguidade. Vamos chamar de problema aqui o interesse em buscarmos respostas para uma indagação. Nesse caso, a interrogação era: como conhecemos?


entendendo esta como a ferramenta utilizada pelos humanos para apreender os dados da realidade. Sócrates foi um dos pioneiros a levantar questionamentos sobre a inteligência humana e a forma como conhecemos. Figura 1: Sócrates

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Os primeiros filósofos vinculavam o problema do conhecimento à inteligência,

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:UWASocrates_gobeirne_cropped.jpg

Nasceu Sócrates em 470 ou 469 a.C., em Atenas, filho de Sofrônico, escultor, e de Fenáreta, parteira. Aprendeu a arte paterna, mas dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem recompensa alguma, não obstante sua pobreza. Desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de bom cidadão.

( h t t p : / / w w w. mu n d o d o s f i l o s o f o s. co m . b r / s o c ra t e s. htm#ixzz1g2qY1NHg)

No pensamento de Sócrates (470-399 a.C.), que nada deixou por escrito e tudo que se sabe a respeito do seu pensamento foi divulgado pelos seus discípulos Xenofonte e Platão. O seu interesse filosófico era voltado para o mundo prático, moral e espiritual. Para ele, todos os valores deveriam ter como finalidade a universalização em contraposição ao particular, pois acreditava que:

A única ciência possível e útil é a ciência da prática, mas dirigida para os valores universais, não particulares. Vale dizer que o agir humano - bem como o conhecer humano - se baseia em normas objetivas e transcendentes à experiência. O fim da filosofia é a moral; no entanto, para realizar o próprio fim, é mister conhecê-lo; para construir uma ética é necessário uma teoria; no dizer de Sócrates, a gnosiologia deve preceder logicamente a moral.

( h t t p : / / w w w. mu n d o d o s f i l o s o f o s. co m . b r / s o c ra t e s. htm#ixzz1daIVG4cC)

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A filosofia socrática dispensa os pensamentos metafísicos, voltando-se para a gnosiologia e a ética. Sócrates desenvolveu sua filosofia mediante diálogos críticos com seus interlocutores. Os ensinamentos são direcionados para a dialogicidade, a partir da qual podemos destacar aspectos fundamentais como a ironia e a maiêutica. Sócrates começava o seu processo de investigação pelo caminho da ironia. A ironia para Sócrates não tem o significado utilizado no cotidiano, de cunho depreciativo, sarcástico ou de zombaria. Para os gregos, a ironia significava investigação e sua máxima reside na conhecida expressão socrática: “Só sei que nada sei”. Era prática comum interpelar os transeuntes em praça pública, fazendo-lhes perguntas como o que é covardia, justiça, beleza, virtude etc., demonstrando a ignorância acerca do diálogo que se travava, desconstruindo os saberes dos seus rivais através de perguntas muito bem elaboradas. Fingindo nada saber a respeito de determinado assunto, ele levava o seu oponente a reconhecer a própria ignorância sobre o assunto tratado ou a desistir da discussão. A maiêutica, por outro lado, significa “arte de trazer a luz”; compreende a fase do diálogo socrático destinada à concepção de ideias, do conhecimento de verdades universais. A maiêutica, por sua vez, era a busca da verdadeira essência das coisas através das ideias, ou seja, o momento da parturição do conhecimento que existia dentro de cada indivíduo. O processo buscava desconstruir as opiniões através do diálogo com seu interlocutor, buscando a construção de conceitos, extraindo o conheci-

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mento de dentro do indivíduo.

Para Sócrates, a alma só pode alcançar a verdade “se dela estiver grávida”. Com efeito, como vimos, ele se professava ignorante e, portanto, negava firmemente estar em condições de transmitir saber aos outros ou, pelo menos, saber constituído por determinados conteúdos. Mas, da mesma forma que a mulher que está grávida no corpo tem necessidade da parteira para dar à luz, também o discípulo que tem a alma grávida de verdade tem necessidade de uma espécie de arte obstétrica espiritual que ajude essa verdade vir à luz – e nisso consiste exatamente a “maiêutica” socrática (REALI, 1990, p. 99).

O ideário socrático, portanto, destaca a necessidade da existência de elementos externos ao indivíduo que estimulem o surgimento dos conhecimentos interiorizados, que denominamos maiêutica (parto das ideias). Indagar, questionar e provocar são formas de estímulo ao reconhecimento dos saberes que cada pessoa possui, bem como daquilo que ainda carece de apropriação. Aqui localizamos o papel do professor e da escola: identificar o que o aluno já sabe e o que ele ainda precisa aprender sem qualquer vaidade, de ambas as partes.


Figura 2: Platão

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PLATÃO

FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Herma_of_Plato_-_0042MC.jpg

Platão nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocráticos e abastados, de antiga e nobre prosápia. Temperamento artístico e dialético - manifestação característica e suma do gênio grego - deu, na mocidade, livre curso ao seu talento poético, que o acompanhou durante a vida toda, manifestando-se na expressão estética de seus escritos.

Em Atenas, pelo ano de 387, Platão fundava a sua célebre escola, que, dos jardins de Academo, onde surgiu, tomou o nome famoso de Academia.

(http://w w w.mundo dosfilosofos.com.br/platao. htm#ixzz1g2ttMrzN)

Platão desenvolveu duas teorias: das Ideias e da República. A teoria das ideias representa o processo de evolução do conhecimento do mundo sensível ao mundo do conhecimento filosófico ou científico, que permite o alcance do ser absoluto, eterno e imutável. Platão criou a alegoria conhecida como Mito da Caverna, em que explica a evolução do processo de conhecimento. Vejamos o mito relatado por Chauí (2001, p. 4041).

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O mito da caverna Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas a frente, não podendo girar a cabaça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa a alta fogueira externa. Entre ele e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa muretapalco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede no fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginavam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna. Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um

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prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. Num primeiro momento ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não vira senão sombra de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade. O que é a caverna? [...] Que são as sombras das estatuetas? [...] Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? [...] O que é a luz exterior do sol? [...] O que é o mundo exterior? [...]


Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? [...] O que é a visão do mundo real iluminado? [...]

Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense)? [...] (CHAUÍ, 2001, p. 40-41)

O que você depreende da leitura deste mito?

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Se você quiser apreciar este mito através dos quadrinhos de Maurício de Souza, acesse o site www.monica.com.br e analise “As sombras da vida com Piteco”.

Na alegoria do Mito da Caverna, Platão simboliza que sentem os amantes da verdade na condição de se libertarem da Caverna da Ilusão e alcançarem o mundo das luzes, da realidade e da sabedoria. A teoria da República refere-se à imagem de Platão de uma sociedade governa- ________________________ da por reis-filósofos. Divide o Estado ideal em três classes: os governantes, o exército ________________________ e o povo que lhes inspira localizar na psique as sessões correspondentes à razão, à ________________________ vontade e às paixões (SHÜLLER, 1985). À razão cabe a descoberta das leis que regem o ________________________ homem, à vontade, a tarefa de executar leis e a paixão, o cumprimento dessas leis.

Na teoria de Platão, conhecida também como Idealismo Platônico, o debate e a conversação apresentavam-se como as formas principais de aquisição de conhecimentos, tendo a razão como elemento central desse processo. A dialogicidade era fundamental para o processo educativo, que deveria favorecer aos alunos oportunidade de construir saberes a partir dos problemas práticos da vida.

Aristóteles Figura 3: Aristóteles

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aristoteles_Louvre.jpg

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Este grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas,

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em 384 a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi para Atenas e ingressou

rei da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, [...], na academia platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte do Mestre [...].

Em 343 foi convidado pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe Alexandre, então jovem de treze anos. [...]. De volta a Atenas, em 335, treze anos depois da morte de Platão, Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também chamada peripatética devido ao costume de dar lições, em amena palestra, passeando nos umbrosos caminhos do ginásio de Apolo.

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Aristóteles, discípulo de Platão, escreveu tratados lógicos sobre a física e a concepção de universo; psicológicos e biológicos; metafísicos, ético-político, sobre linguagem e estética.

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Sobre educação, estabeleceu princípios fundamentais sobre a concepção do universo, a natureza do aluno, a formação de hábitos virtuosos e a orientação racional, que correspondem respectivamente às formas de educar o físico, o caráter e o intelecto. Segundo Aranha (1996), Aristóteles supera a interferência do mestre Platão e elabora um sistema filosófico original que abrange os diferentes aspectos do saber de seu tempo. A maior preocupação de Aristóteles não se referia à origem do conhecimento, centrava-se na forma como o construímos. Ele elaborou um método denominado silogismo, que consistia em desenvolver uma ideia com base em três proposições: duas premissas e uma conclusão. Podemos destacar como exemplo clássico o seguinte silogismo: Todos os homens são mortais. Sócrates é um homem. Portanto, Sócrates é mortal. Importa, no entanto, que o silogismo esteja baseado em verdades apresentadas nas proposições iniciais. Sob essa ótica, a experiência assume papel principal na busca do conhecimento, por isso seu postulado foi denominado Realismo Aristotélico. A pedagogia aristotélica prevê que toda educação deve levar em conta o fato de o homem estar em constante devir. Sua perfeição se encontra na capacidade de pensar. Sua metodologia, o Organon ou instrumento de pensar, recebeu depois a denominação de lógica formal, compreendendo a análise, a síntese, a indução, a dedução e a analogia.


A Idade Média é considerada por alguns estudiosos como um período de obscuridade, denominado Idade das Trevas. Há controvérsias sobre essa assertiva, afinal vários filósofos da época elaboraram postulados com o fim de explicar diversos dos problemas humanos, respaldando-se, especialmente, em figuras da antiguidade como Platão e Aristóteles. Aurélio Agostinho, conhecido como Santo Agostinho, foi um bispo da igreja católica que se destacou como representante da filosofia metafísica cristã. Ele se inspirou no idealismo de Platão para buscar resposta para problemas relacionados ao mal,

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Santo Agostinho

à liberdade, à fé, entre outros.

Figura 4: Santo Agostinho

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/32/Lusitano_st-agostinho-1.jpg?uselang=pt-br

Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, de uma família burguesa, a 13 de novembro do ano 354. Seu pai, Patrício, era pagão, recebido o batismo pouco antes de morrer; sua mãe, Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa, e exercia sobre o filho uma notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus estudos, começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda sensualidade, que, segundo ele, é uma das maiores conseqüências do pecado original; dominou-o longamente, moral e intelectualmente, fazendo com que aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema

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do mal e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo

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para Roma e, em seguida, para Milão. Afastou-se definitivamente do

terminado os estudos, abriu uma escola em Cartago, donde partiu ensino em 386, aos trinta e dois anos, por razões de saúde e, mais ainda, por razões de ordem espiritual.

Entrementes - depois de maduro exame crítico - abandonara o maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida - no começo do ano 386. Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Finalmente, como por uma fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386. Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retira-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e dalguns discípulos, perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio, cuja doutrina e eloqüência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de idade.

(http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm)

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Sua filosofia subsidiou racionalmente o cristianismo, delineando uma doutrina capaz de convencer os pagãos de que era possível compatibilizar a fé com as formas de pensar das quais estavam habituados. Sua abordagem configurou-se como um avanço para a época, inclusive porque defendia a importância da conversão consciente, por esse motivo, o conhecimento obteve relevância central em sua filosofia. Fé e conhecimento se confundiam, uma vez que a crença ganhou caráter doutrinário. Nessa perspectiva, a aquisição de conhecimentos dependia da iluminação divina. Validava a resignação e a humildade frente ao desconhecido e à figura do mestre, principalmente na escola. No campo pedagógico, vemos atualmente traços dessa abordagem em escolas que o professor atua de forma centralizadora e entende que o conteúdo deve ser depositado no aluno sem questionamentos.

São Tomás de Aquino

Divergindo de Santo Agostinho, São Tomás de Aquino defende que teologia e filosofia são distintas. A primeira se vale de um saber revelado, enquanto a segunda é racional e evidente. Inspirando-se no realismo aristotélico, a filosofia de Aquino é denominada gnosiologia tomista, pelo fato de se propor a entender o conhecimento humano.


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Figura 5: São Tomás de Aquino

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pe%C3%B1alosa-tomas_aquino.jpg?uselang=pt-br

Nascido em uma família de nobres, Tomás de Aquino fez os primeiros estudos no castelo de Monte Cassino. Em Nápoles, para onde foi em 1239, estudou artes liberais, ingressando, em seguida, na Ordem dos Dominicanos, em 1244. De Nápoles, a caminho de Paris, em companhia do Geral da ordem, foi seqüestrado por seus irmãos, inconformados com seu ingresso no convento.

No ano seguinte, fiel à sua vocação religiosa, viajou a Paris, onde se tornou discípulo de Alberto Magno, acompanhando-o a Colônia. Em 1252, voltou a Paris, onde se formou em teologia e lecionou durante três anos. Depois de voltar à Itália, foi nomeado professor na cúria pontifical de Roma. Ensina, durante anos, em várias cidades italianas. Uma década depois, retorna a Paris, onde leciona até 1273. A seguir, parte para Nápoles, onde reestrutura o ensino superior. Em 1274, convocado pelo papa Gregório 10º, viaja para participar do Concílio de Lyon. Adoece, contudo, durante a viagem, vindo a falecer no mosteiro cisterciense de Fossanova, aos 49 anos de idade.

Chamado de Doutor Angélico e de Príncipe da Escolástica, Tomás de Aquino foi canonizado em 1323 e proclamado doutor da Igreja Católica em 1567.

(http://educacao.uol.com.br/biografias/tomas-de-aquino.jhtm)

Na filosofia de Aquino, há duas fases de aquisição do conhecimento: a sensível, marcada pela experiência, permite criarmos uma impressão sobre o objeto, através dos sentidos; e a intelectual, que depende do conhecimento sensível, consiste na apropriação racional do objeto, isto é, na interpretação dos dados captados pelos sentidos.

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Santo Agostinho e São Tomás de Aquino abordaram a questão do conhecimento e da educação. Embora tenham prestado contribuições significativas para a filosofia da época, não inovaram no âmbito da epistemologia.

JOHN LOCKE Já ouviu falar que “o homem é produto do meio”? Essa é a abordagem sobre o conhecimento desenvolvida por John Locke.

Figura 6: John Locke

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Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Locke-John-LOC.jpg

John Locke (Wringtown - 29 de Agosto de 1632 / Harlow - 28 de Outubro de 1704). Foi um filósofo do predecessor Iluminismo cujas noções do governo com o consentimento dos governados e os direitos naturais do homem (vida, liberdade e propriedade) tendo uma enorme influência nas modernas revoluções liberais: Revolução Inglesa, Revolução Americana e na fase inicial da Revolução Francesa, oferecendo-lhes uma justificação da revolução e a forma de um novo governo. Para fins didáticos, Locke costuma ser classificado entre os “Empiristas Britânicos”, junto com David Hume e George Berkeley, principalmente por sua obra relativa à questões epistemológicas.

Locke é considerado o protagonista do empirismo, a teoria normalmente chamada da “Tabula rasa” (ardósia em branco). Esta teoria afirma que todas as pessoas começam por não saber absolutamente nada e que aprendem pela experiência, pela tentativa e erro e dada esta característica, é considerada a base do “behaviorismo”.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Locke)

De John Locke, destacamos sua teoria pedagógica expressa na obra Pensamentos sobre educação na qual faz referência à importância dos educadores no ofereci-


Esta explicação tem fundamento no Empirismo, corrente filosófica criada por John Locke, que dizia que nascemos como folhas de papel em branco, como tábulas rasas, cestos vazios, com o tempo, as experiências e o uso dos cinco sentidos, vamos experimentando o mundo e preenchendo “nossas folhas de papel”, “nossos cestos” até o fim da vida. Com base nessa teoria, se compararmos um bebê com um ancião, veremos a diferença na bagagem de conhecimentos. É como se fosse uma folha de papel em branco (o bebê) e uma folha bastante preenchida (o ancião). O que diferencia um do outro são as experiências que marcaram suas vidas. Nessa perspectiva, podemos afirmar que só é possível chegar ao conhecimento através da experiência dos sentidos. Daí a palavra empeiria (experiência) dar origem ao

467 abordagens histórico-filosóficas da educação

mento de experiências que levem a criança ao uso da razão.

empirismo. Em outras palavras, o meio em que vivemos é que define quem somos, por isso utilizamos os ditados populares que dizem: “filho de peixe, peixinho é” e “quem com porcos se mistura, farelos come”. No âmbito da educação, o empirismo pode ser percebido quando o professor assume a postura de centralizador e entende que os educandos necessitam absorver os conteúdos científicos, como se fossem universais e essenciais para sua vida e formação para o meio social, sem questionar ou interagir.

________________________ ________________________ RENÉ DESCARTES ________________________ ________________________ Figura 7: René Descarte ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Frans_Hals_-_Portret_van_Ren%C3%A9_Descartes.jpg ________________________ ________________________ ________________________ René Descartes nasceu no ano de 1596 em La Haye, a cerca de 300 ________________________ quilômetros de Paris [...]. ________________________ ________________________ O pensamento de Descartes é revolucionário para uma sociedade ________________________ feudalista em que ele nasceu, onde a influência da Igreja ainda era ________________________ muito forte e quando ainda não existia uma tradição de “produção


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de conhecimento”.

Foi um dos precursores do movimento, considerado o pai do racionalismo, e defendeu a tese de que a dúvida era o primeiro passo para se chegar ao conhecimento.

Descartes viu que os “costumes”, a história de um povo, sua tradição “cultural” influenciam a forma como as pessoas pensam naquilo em que acreditam.

Descartes é considerado o primeiro filósofo moderno. A sua contribuição à epistemologia é essencial, assim como às ciências naturais por ter estabelecido um método que ajudou no seu desenvolvimento. [...].

O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - que nada tem a ver com a atitude cética: duvida-se de cada ideia que não seja clara e distinta. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque preci-

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sam existir, ou porque assim deve ser etc., Descartes instituiu a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu (que duvida, portanto, é sujeito de algo ego cogito ergo sum- eu que penso, logo existo) e de Deus.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes)

Contraditório à abordagem empirista, René Descartes, defende outra explicação sobre como conhecemos. Para ele, o conhecimento não depende necessariamente do meio e das experiências dos sentidos. Nós somos seres metafísicos, já que possuímos uma essência, a racionalidade, ou seja, nascemos com a faculdade da razão. Ela é a grande responsável pela apreensão dos dados da realidade. Neste caso, podemos afirmar que nascemos com ideias inatas, conhecimentos pré-formados e com o passar do tempo estes vão emergindo, aflorando, como uma semente que passa do estado de ibernação ao florescimento. O propósito inicial de Descartes foi encontrar um método tão seguro que conduzisse à verdade indubitável. Procura-o no ideal matemático, isto é, em uma ciência que seja uma mathesis universalis (matemática universal), o que não significa aplicar a matemática no conhecimento do mundo, mas usar o tipo de conhecimento que é peculiar à matemática. Como sabemos, esse conhecimento é inteiramente dominado pela inteligência – e não pelos sentidos – e base-


razões, para deduzir uma coisa de outra (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 169).

A conclusão que chegamos dessa explicação é que o conhecimento é um recurso inato, ou seja, já nasce conosco. Você já ouviu falar em “pau que nasce torto morre torto”? O conhecimento ocorre de dentro para fora, o indivíduo determina o conhecimento a partir de suas ideias. Seria, então, o inverso do empirismo, ou seja, o meio é produzido pelo ser humano.

469 abordagens histórico-filosóficas da educação

ado na ordem e na medida, o que lhe permite estabelecer cadeias de

O que você pensa sobre isso? Nascemos vazios ou repletos de saberes? Precisamos viver para aprender ou viver para mostrar nosso conteúdo? Será que ao nascer não temos nenhum conhecimento? Será que as respostas de todas as perguntas já estão em nós?

É... são muitas indagações. A que conclusão você chegou? Será que não há outras possibilidades de explicação que não sejam tão radicais?

________________________ ________________________ ________________________ Veremos que no campo da filosofia sempre há um leque de opções de pressu________________________ postos. Através do uso do pensamento racionalmente elaborado é possível delinear ________________________ teorias com focos diferentes, que se contradizem ou se complementam. ________________________ A proposta de Kant vislumbra o equilíbrio em meio a referenciais teóricos tão ________________________ contrastantes. ________________________ ________________________ ________________________ Figura 8: Immanuel Kant ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________

IMMANUEL KANT

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Immanuel_Kant_%28portrait%29.jpg


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Immanuel Kant, filósofo alemão, em geral considerado o pensador

abordagens histórico-filosóficas da educação

Kaliningrado, em 22 de abril de 1724. Não casou nem teve filhos, fa-

mais influente dos tempos modernos, nasceu em Königsberg, atual lecendo em 1804 aos 80 anos.

Seus estudos e ensinamentos nos campos da Metafísica, Epistemologia, Ética e Estética tiveram grande impacto sobre a maioria dos movimentos filosóficos posteriores.

Em sua Teoria do Conhecimento, Kant classificou o tangível e o abstrato em dois grupos: 1 - aquilo que podemos conhecer; 2 - aquilo que são por si desconhecidas. As coisas que podemos conhecer são aquelas que as pessoas podem presenciar, tocar, ver e experimentar, como uma mesa ou um cachorro. Por outro lado, existem coisas que são desconhecidas por si próprias, como Deus e o conceito de liberdade, cujas existências, segundo Kant, se baseiam em pressuposições necessárias.

(www.10emtudo.com.br)

Sobre a contribuição de Kant para a educação, destacamos o conceito de Esclarecimento [<Aufklärung>] que para Kant (1985) signi-

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fica “[...] a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. Neste sentido, o homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Diz Kant para a humanidade - tenha coragem de fazer uso de teu próprio entendimento!

(http://ateus.net/artigos/ceticismo/o-que-e-esclarecimento/)

O filósofo Immanuel Kant, intrigado com o extremismo do empirismo e do racionalismo, que se localizaram em pólos tão distantes e diferentes, escolheu o caminho do meio. Kant entendia que o ser humano, dotado de razão, nascia com a predisposição para aprender. A razão, porém, isolada, não faz sentido. É necessário combiná-la à experiência para que possamos aprender sempre. Neste caso, predomina uma visão dialética e construtiva do conhecimento, na qual sujeito e objeto assumem o mesmo grau de importância. É dessa maneira que constituímos a sociedade e a história. Os conteúdos são apenas recursos materiais que devem ser utilizados para discutirmos o meio no qual estamos inseridos. Esta capacidade de aprendizado contínuo afirma a ideia de que nós somos seres inacabados, em constante transformação e aprimoramento. Tal abordagem, no contexto escolar, valoriza a construção individual e coletiva do conhecimento e permite a interação social.


Nietzsche compõe o grupo dos filósofos que em lugar de procurar entender a origem do conhecimento ou a forma como nos apropriamos dele, tece críticas sobre a condução dada ao mesmo, inclusive na escola. Sua crítica se dirige à uniformização do conhecimento, que ele chama de moral de rebanho, quando a escola se restringe a padronização dos saberes e se subjuga aos interesses do mercado e do estado. A máxima “tornar-se aquilo que se é” evidenciava a proposta de Nietzsche de que o indivíduo deve buscar acessar os conhecimentos que favoreçam identificar suas potencialidades e a reflexão sobre si mesmo.

471 abordagens histórico-filosóficas da educação

Friedrich Wilhelm Nietzsche

Figura 9: Friedrich Wilhelm Nietzsche

Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Nietzsche

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844 em Röcken, Alemanha, filho e neto de protestantes. Nas universidades de Bonn e Leipzig, estudou Filologia, disciplina que lecionou na Universidade da Basiléia, na Suíça. Apaixonado por música, chegou a compor peças para piano. Sua carreira universitária começou a declinar com a publicação de sua primeira obra, O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música (1872). Em 1877, publicou Humano, Demasiado Humano, na forma de aforismos. Quase cego, com freqüentes crises de enxaqueca, se aposentou em 1879. Entre 1883 e 1888, publicou, entre outros livros, Assim Falou Zaratustra e dois títulos para explicá-lo (Além do Bem e do Mal e Genealogia da Moral). Passou os últimos 11 anos de vida mergulhado na loucura e morreu em 1900, de paralisia geral, na cidade alemã de Weimar.

(http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/filosofo-afirmacao-vida-423053.shtml?page=2)

Se Nietzsche combatia a vulgarização dos conteúdos escolares, também criticava o saber voltado para a erudição. Para ele, havia em sua época um excesso de cultura histórica, que gerava uma reverência paralisante ao passado. Com isso, sufocava-se a força do

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agora e impedia-se o surgimento do novo. Mais ainda: a tendência

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Filosofia no ensino, por se tratarem de campos de conhecimento ins-

histórico-cientificista impossibilitava a presença efetiva da Arte e da táveis e desafiadores, que estimulam a crítica.

Sem ser contra o ensino de História nem subestimar o sentido histórico dos fatos, o filósofo via no sistema engessado um entrave para a percepção da “força plástica” do ser humano - isto é, sua habilidade de transformar. “Para não agir como coveiro do presente, é necessário conhecer a capacidade de crescer por si mesmo, assimilar o passado, cicatrizar feridas, preparar perdas, reconstruir as formas destruídas - tudo isso é força plástica”, diz Rosa Dias.

(http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/filosofo-afirmacao-vida-423053.shtml?page=all)

Através da crítica à cultura, à filosofia e à religião da época, Nietzsche, consequentemente, combateu os valores tradicionais sustentados pela sociedade ocidental. Colocou o indivíduo no centro do processo de decisão do seu destino, em detrimento da ordem obsoleta da igreja. Esta postura foi denominada por ele de transvaloração dos valores, isto é, a superação do padrão de crenças e valores que cerceavam a liber-

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dade e autonomia das pessoas. A filosofia de Nietzsche, por conseguinte, combate a proposta de formação erudita. Defende a educação que prepare para a vida, que valorize as experiências do indivíduo, ao invés de centrar-se na assimilação da cultura. Seu legado permite repensar os métodos educativos e os conteúdos abordados, em prol de uma formação mais autônoma.

Michel Foucault Assumindo uma postura analítica sobre o conhecimento, Foucault organizou sua teoria em três fases: a arqueologia do saber, que investigava o discurso produzido ao longo do tempo; a genealogia do saber, que enfatiza a construção do discurso que transita entre o que é interditado (proibido) ou legítimo (permitido); e a fase ética, que aborda as ações humanas que exercem dominação e subjetivação.

Michel Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou


sua obra começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969 na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade e Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em 1984.

(http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/critico-instituicao-escolar-423110.shtml?page=3)

473 abordagens histórico-filosóficas da educação

o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960,

Figura 10: Michel Foucault

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Michel_Foucault_Dibujo.jpg?uselang=pt-br

Foucault analisou as relações entre o saber e o poder. Ele entendia que o acúmulo de conhecimento favorece o exercício de poder de pessoas e/ou grupos, donde surge a dominação. Sob esse viés, a escola age como instituição promotora da reprodução social e, consequentemente, legitima uma forma de disciplina que domestica os comportamentos, impondo os interesses daqueles que possuem o poder.

Poder e saber, como dois lados do mesmo processo, entrecruzamse no sujeito, seu produto concreto. Não há relação de poder sem a constituição de um campo de saber, nem saber que não pressuponha e não constitua relações de poder. Foucault, em vez de considerar que só há saber na ausência de relações de poder, considera que o poder produz saber.

(http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302004000200014&script=sci_arttext)

O pensamento de Foucault e suas contribuições para a educação* Antonio Flavio Barbosa Moreira

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Para Foucault, a escola é uma das “instituições de seqüestro”, como

abordagens histórico-filosóficas da educação

compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais

o hospital, o quartel e a prisão. “São aquelas instituições que retiram amplo e os internam, durante um período longo, para moldar suas condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam etc.”, diz Alfredo Veiga-Neto. Com o advento da Idade Moderna, tais instituições deixam de ser lugares de suplício, como castigos corporais, para se tornarem locais de criação de “corpos dóceis”. A docilização do corpo tem uma vantagem social e política sobre o suplício, porque este enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os corpos produtivos. A invenção-síntese desse processo, segundo Foucault, é o panóptico, idealizado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832): uma construção de vários compartimentos em forma circular, com uma torre de vigilância no centro. Embora não tenha sido concretizado imediatamente, o panóptico inspirou o projeto arquitetônico de inúmeras prisões, fábricas, asilos e escolas. Uma das muitas “vantagens” apresentadas pelo aparelho para o funcionamento da disciplina é que as pessoas distribuídas no círculo não têm como ver se há alguém ou não na torre. Por isso, internalizam a disciplina. Ampliada a situação para o âmbito social, a disciplina se exerce por meio de redes invisíveis e acaba ganhando aparência de naturalidade.

(http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/criti-

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co-instituicao-escolar-423110.shtml?page=all)

Saber, poder, disciplina e dominação são conceitos que permeiam as relações que se estabelecem no cotidiano escolar. O educador deve estar atento aos discursos que são produzidos e reproduzidos em sala de aula, sob pena de reforçar formas de pensar e agir marcadas pelo preconceito e pela segregação de determinados grupos em detrimento de outros. Você observou quantos filósofos se debruçaram para estudar o conhecimento? Destacamos aqui apenas alguns deles. Você se identificou mais com qual abordagem? Vale lembrar que o professor precisa dominar os fundamentos da educação, dentre os quais está a filosofia. A partir dessa compreensão, fica mais fácil eleger teorias e métodos que lhes darão suporte ao trabalho pedagógico e otimizarão o processo ensinoaprendizagem. Ter acesso e compreender o que propõe cada uma das teorias que abordam a forma como conhecemos nos permite constatar suas influências na atuação do educador e na proposta pedagógica das escolas, bem como identificar essas marcas na formação do educando e seu reflexo na sociedade. É de posse desta ferramenta que os professores têm maior poder de análise, crítica e, acima de tudo, transformação social.


Nesta aula, tivemos acesso a propostas filosóficas da idade antiga à contemporânea que demonstraram a importância de compreendermos o que é o conhecimento e como conhecemos o mundo. Foi destaque da aula, também, a abordagem crítica sobre o conhecimento, partindo da análise e reflexão sobre os conteúdos que temos acesso e os valores que são legitimados na escola.

QUESTÃO REFLEXÃO Analise sua história de vida escolar, buscando identificar quais abordagens filosóficas estiveram presentes e como influenciaram a sua formação.

475 abordagens histórico-filosóficas da educação

SÍNTESE

LEITURA INDICADA http://www.unicentro.br/editora/revistas/analecta/v5n1/epistemologia.pdf

SITES INDICADOS http://www.mundodosfilosofos.com.br/ http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/mestre-busca-verdade423245.shtml http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/mestre-busca-verdade423245.shtml http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/aristoteles-428110. shtml?page=all

REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996.

ARANHA, Matia Lúcia de Arruda; Maria Helena Pires, MARTINS. Filosofando: introdução à filosofia. 4. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2009.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2001.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 16. ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2006.

HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

KANT, Inmanuel. Resposta à pergunta: que é Esclarecimento? («Aufklärung»). In: ______. Inmanuel Kant Textos Seletos. (edição bilingüe). Petrópolis: Vozes, 1985. p.100-117.

PLATÃO. O mito da caverna. In: A república. São Paulo: Martin Claret, 2002. (Coleção obra prima de cada autor).

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REALI, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2003. v.1.

SCHÜLER, Donaldo. Literatura grega. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.


ÇÃO: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

Autora: Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes

Depois de fazer uma abordagem conceitual sobre Filosofia e História da Educação na Aula 1, e entender um pouco mais sobre as teorias do conhecimento na Aula 2, analisaremos, nesta aula, características da educação desde as sociedades tribais até o século XX.

477 abordagens histórico-filosóficas da educação

AULA 03 - FILOSOFIA E HISTÓRIA DA EDUCA-

É obvio que se trata apenas de um breve ‘passeio’ que servirá para pontuarmos particularidades da educação em diferentes povos e épocas.

Você já pensou em como se deu a educação dos povos antigos? Se tantas outras estruturas sociais ainda não existiam como hoje, em que espaços se processava a educação formal? E será que sempre existiu uma educação formal?

A expressão “POVOS PRIMITIVOS”, vigente até a atualidade, sempre foi utilizada para se referir às civilizações das quais pouco se tem registro, pouco se conhece. Há quem prefira nomeá-los de “comunidades ou povos tribais” ou “pouco civilizados” no sentido de não serem organizados como a maioria das civilizações que existem no mundo. Associa-se, pois, aos povos primitivos uma série de “nãos”: não são divididas em classes, não têm Estado, não têm comércio, não têm escrita, não têm história. Essa visão resulta de uma avaliação a partir de valores da nossa cultura e impede uma melhor compreensão da realidade. Como as ausências nem sempre significam “faltas”, convidamos você a pensar nos “povos primitivos” não como povos “inferiores”, mas como diferentes dos atuais. Nesse contexto, podemos inferir que os povos antigos tiveram uma educação difusa, em que as aprendizagens se davam sem que alguém fosse destinado especialmente para a tarefa de ensinar. As crianças aprendiam com os mais velhos, imitando-os e incorporando seus mitos e ritos. Na concepção de Aranha (1996), a formação resultante da educação difusa era integral, porque abrangia todo o saber da tribo e também era universal, porque todos tinham acesso aos “saberes” e “fazeres” próprios da comunidade. Sobre mitos e ritos, leia o relato a seguir, de Clastres (1978),

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O corpo e o rito

É muito extenso o número de sociedades primitivas que mostram a importância por elas atribuída ao ingresso dos jovens na idade adulta através da instituição dos chamados ritos de passagem. Esses rituais de iniciação constituem muitas vezes um eixo essencial, em relação ao qual se ordena, em sua totalidade, a vida social e religiosa da comunidade. Ora, quase sempre o rito iniciatório considera a utilização dos corpos dos iniciados. É, sem qualquer intermediário, o corpo que a sociedade designa como único espaço propício a conter o sinal de um tempo, o traço de uma passagem, a determinação de um destino. Em qual segredo inicia o rito que, por um momento, toma completa posse do corpo do iniciado? Proximidade, cumplicidade do corpo e do segredo, do corpo e da verdade revelada pela iniciação: o reconhecimento disso leva a precisar da interrogação. Por que é necessário que o corpo individual seja ponto de encontro do ethos tribal, por que o segredo só pode ser comunicado mediante a operação social do rito sobre o corpo dos jovens? O corpo mediatiza a aquisição de um saber, e esse saber é inscrito no corpo. Natureza desse saber transmitido pelo rito, função do corpo no desenrolar do rito: dupla questão em que se resolve o problema do sentido da iniciação. (CLASTRES, 1978, p. 125)

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O que você depreende da leitura deste relato sobre rito de passagem? Você conhece outro registro sobre ritos iniciatórios dos jovens na idade adulta?

Muitas das ideias que perpassam a história têm seu fundamento nos mitos e ritos como este que acabamos de ler e tantos outros responsáveis pelas explicações sobre a existência humana. Mudanças ocorreram em todos os tempos e espaços, ora mais aceleradas, ora lentas, de forma que até hoje existem comunidades tribais na Austrália, África e América. Dentro de cada sociedade, na medida em que houve mais complexidade, foram se estruturando sistemas de aprendizagem diferenciados.

ANTIGUIDADE ORIENTAL Com uma “estrutura” diferente das sociedades primitivas, surgem, às margens do Nilo, a Civilização Egípcia, por volta do terceiro milênio, a babilônica, hindu, chinesa, meda, persa, fenícia e hebraica, nos segundo e primeiro milênios a.C. Apesar de diferentes entre si, distinguem-se das sociedades tribais e das formas sociais que virão depois. Essas civilizações caracterizam-se pela “posse da terra”, que não é mais de todos como nas tribais, nem de particulares, mas propriedade do Estado. Foram criados, em consequência, segmentos privilegiados que admitiam os negócios e a massa produti-


saber da classe dominante. A busca pelo saber desencadeia o surgimento da escola, que já se estrutura de forma dual: uma voltada para o povo e outra destinada aos filhos dos funcionários do Estado. Compõe a educação conhecida como tradicionalista atrelada a essas características e à invenção da Escrita. Na Pré-História o homem buscou se comunicar através de desenhos feitos nas paredes das cavernas. Através deste tipo de representação (pintura rupestre), trocavam mensagens, passavam idéias e transmitiam desejos e necessidades. Porém, ainda não era um tipo de escrita, pois não havia organização, nem mesmo padronização das

479 abordagens histórico-filosóficas da educação

va - lavradores, mercadores, artesãos e soldados, sem domínio político nem acesso ao

representações gráficas.

[...] Foi somente na antiga Mesopotâmia que a escrita foi elaborada e criada. Por volta de 4000 a.C, os sumérios desenvolveram a escrita cuneiforme. Usavam placas de barro, onde cunhavam esta escrita. Muito do que sabemos hoje sobre este período da história, devemos as placas de argila com registros cotidianos, administrativos, econômicos e políticos da época.

Os egípcios antigos também desenvolveram a escrita quase na mesma época que os sumérios. Existiam duas formas de escrita no Antigo Egito: a demótica (mais simplificada) e a hieroglífica (mais complexa e formada por desenhos e símbolos). As paredes internas das pirâmides eram repletas de textos que falavam sobre a vida do faraó, rezas e mensagens para espantar possíveis saqueadores. Uma espécie de papel chamada papiro, que era produzida a partir de uma planta de mesmo nome, também era utilizado para escrever. (http:// www.suapesquisa.com/artesliteratura/historiadaescrita.htm)

Figura 1 - Placa de Barro com escrita cuneiforme dos sumérios

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Pers%C3%A9polis._Inscription.jpg

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Além da escrita, a literatura e a matemática são características marcantes da Antiguidade Oriental.

Havendo o deslocamento das civilizações para a Europa, florescem, em momentos distintos, as civilizações grega e romana.

E a educação formal, propriamente dita, tem início na Grécia antiga.

ANTIGUIDADE GREGA

Na Grécia, por volta do século V a.C., é criada a Paidéia, que significa criação de meninos (pais, paidós, “criança”), com a finalidade de “[...] esboçar as primeiras linhas da ação pedagógica” (ARANHA, 1996, p. 41), que influencia, por séculos, a cultura ocidental. Em decorrência, surge o termo paidagogos = aquele que conduz a criança

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(agogôs = que conduz). Esse condutor, em princípio, era o escravo, mas a concepção se ampliou para toda a teoria sobre educação.

Para os gregos, o homem era o ser mais importante do universo e por isso a educação deveria promover o desenvolvimento integral das suas aptidões de forma harmoniosa e plena. Deveria também preparar este homem para seu exercício da cidadania. Como habitante da polis, há que ser cidadão.

Ao falarmos de homem cidadão, na Grécia antiga, estamos nos referindo apenas ao homem, sexo masculino. Da educação da Grécia estavam excluídas as mulheres. A elas não era permitido o acesso à educação formal; sua aprendizagem limitava-se aos ofícios domésticos e trabalhos manuais.

O que você acha disso tudo? Em que progredimos? O que se mantém da educação grega até a atualidade?


481 abordagens histórico-filosóficas da educação

Figura 2 - Arte grega

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Greek_art.jpg

A arte grega nos coloca em contato com o cotidiano das famílias, como na figu-

________________________ ________________________ gem, provavelmente confeccionando um tapete ou uma coberta. ________________________ ________________________ ________________________ Figura 3 - Penélope ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Leandro_Bassano_-_Penelope.jpg ________________________ ________________________ Os meninos gregos das famílias que pertenciam às camadas sociais mais ricas e ________________________ ________________________ poderosas eram ensinados por tutores quanto à oratória, à poesia e ao cálculo. ________________________ ra a seguir, em que podemos ver uma jovem mulher trabalhando com fiação e tecela-

As meninas eram educadas em casa, pelas próprias mães, para que se tornas-


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sem boas esposas e donas de casa. Com o “nascimento” da filosofia, como estudamos na aula anterior, o que muitos chamam de “milagre grego”, há passagem do pensamento mítico para o racional e filosófico e surge uma nova concepção de educação na Grécia. Para melhor compreender esse quadro, a análise se centra na figura de Sócrates e compõe os períodos: pré-socrático (séculos VII e VI a.C), Socrático ou Clássico (séculos V e IV a.C) e o pós-socrático (séc. III e II a.C).

Período pré-socrático O período pré-socrático, segundo Aranha (1996), abrange o conjunto de reflexões filosóficas desenvolvidas de Tales de Mileto, em 623 a 546 a.C até Sócrates, de 468 a 399 a.C. Os filósofos que viveram antes de Sócrates se preocupavam muito com o Universo e com os fenômenos da natureza. Buscavam explicar tudo através da razão e do conhecimento científico. Os três primeiros pensadores (físicos) da história ocidental saíram da cidade de Mileto: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Tiveram como objetivo construir uma explicação racional e sistematizada de características do universo = cosmologia. Em

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safos, na costa jônica, surge Pitágoras (570 a 490 a.C), para quem a essência de todas as coisas reside nos números.

Figura 4 - Pitágoras

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Pythagoras-M%C3%BCnz.JPG

Com a vitória dos gregos sobre os persas, em 479 a.C, consolida-se a democracia de Atenas e, com ela, surgem os Sofistas (Sophes = sábio, ou professores de sabedoria, professores viajantes), homens que vendiam” seus ensinamentos práticos de filosofia. Os sofistas criaram a educação intelectual, independente da educação física e musical predominante nos ginásios. Ampliaram a noção de Paidéia para a formação contínua do cidadão capaz de repensar por si mesmo a cultura de seu tempo. Com suas ideias, fascinaram a juventude e sistematizaram o ensino em sete artes: gramáti-


Se você quiser saber mais sobre os sofistas, pesquisa sobre os mais famosos: Protágoras de Abdera, Georgias de Leôncio, Híppias de Elis, Trasímoco, Pródico, Hipódamos.

Período Clássico Também chamado de período socrático ou antropológico, dele fazem parte o próprio Sócrates, Platão e Aristóteles. Compreende os séculos V e IV a.C, que, na Grécia

483 abordagens histórico-filosóficas da educação

ca, retórica, dialética, aritmética, geometria, astronomia e música (ARANHA, 1996).

Antiga, foram de grande desenvolvimento cultural e científico. Enfatizam os estudiosos que o esplendor de cidades como Atenas e o seu sistema político democrático proporcionaram o terreno propício para o desenvolvimento do pensamento.

Período pós-socrático - Séculos III e II a.C. É conhecido, também, como época helenística e compreende as correntes filosóficas: estoicismo e epicurismo. O fundador do estoicismo foi Zenão de Cício (336 a.C -264 a.C) e seus discípulos ________________________ foram chamados de estóicos, por causa do lugar onde se reuniam, Stoa Poikile, (stoa = ________________________ pórtico). Para os estóicos, o fim supremo, o único bem do homem, eram a felicidade e ________________________ a virtude. Marco Aurélio e Sêneca foram sábios estóicos. ________________________ Os epicuristas, seguidores da doutrina de Epicuro de Samos (341?-270 a.C), pregavam que o fim supremo da vida era o prazer sensível (hedonê) e o critério único de moralidade, o sentimento. Naquela época, a educação grega se voltou “[...] para uma formação que desenvolvesse o processo de construção consciente, permitindo ao homem ser constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito” (ARANHA, 1996, p. 4950).

ANTIGUIDADE ROMANA Para contextualizar a educação na Roma antiga, lembramos que, assim como a Grécia, Roma era uma sociedade escravista. Logo, o trabalho intelectual era admitido apenas para a aristocracia - pequena parcela da sociedade composta dos cidadãos livres. Ambas as pedagogias - grega e romana - que se desenvolveram paralelamente, buscavam “[...] formar o homem racional, capaz de pensar corretamente e se expressar de forma convincente [...]”, orientando-se “[...] pelo processo adequado à elite dirigente” (ARANHA, 1996, p.61-62).

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Em Roma, contudo, a reflexão filosófica enaltecida pelos gregos, cede lugar aos estudos éticos e morais influenciados pelos pensadores estóicos e epicuristas do período helenístico, prevalecendo a retórica. Os romanos universalizaram sua cultura expressa pela palavra humanitas, no sentido literal de humanidade ou educação pela cultura do espírito, equivalente à Paidéia grega. Na época áurea do Império, a educação romana dividia-se em três graus: Escolas do Ludi-Magister, em que era ministrada a educação elementar; Escolas do Gramático, que correspondia ao que hoje se conhece por ensino médio, e os Estabelecimentos de Ensino Superior, uma espécie de Universidade, onde eram ensinados a Retórica, o Direito e a Filosofia. Educação era privilégio de poucas crianças romanas. Apenas os meninos de famílias abastadas tinham esse privilégio, porque as pessoas provenientes de famílias humildes não tinham direito a aprender a ler e a escrever. Ensinavam-se o latim e o grego, cálculos, literatura e retórica. Havia submissão plena das crianças e das mulheres ao homem, chefe da família. Enquanto as meninas tinham que aprender os deveres domésticos - de donas de casa, esposas e mães - com suas mães, aos meninos cabia o dever de suceder os pais em suas responsabilidades.

Figura 5 - Peintre de la Centauromachie du Louvre ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Woman_mirror_Louvre_CA587.jpg ________________________ ________________________ ________________________ Além de cuidar dos filhos e da casa, as mulheres romanas ainda se preocupa________________________ vam em se manter belas para seus maridos. Era comum que se penteassem, fizessem ________________________ maquiagem e que se vestissem com belos trajes para recepcionar seus maridos ao ________________________ final do dia. ________________________ Da educação romana distinguem-se três fases (ARANHA, 1996): ________________________ ________________________ ________________________ a latina original, de natureza patriarcal; ________________________

a influenciada pelo helenismo, criticada pelos defensores da tradição;


orientais embora mantenha a supremacia dos valores gregos.

Os principais representantes da educação romana são Cícero, Sêneca e Quintiliano. Figura 6 - Cícero

485 abordagens histórico-filosóficas da educação

a resultante da fusão entre a cultura romana e a helenística, que já supõe elementos

Fonte: http://pt.wikipedia.org

Marco Túlio Cícero (106- 43 a.C.) nasceu em Arpino. Advogado, orador e escritor romano, provavelmente foi o maior Mestre de Civismo que o Ocidente conheceu. Defendeu como critério de verdade o probabilismo do consenso universal, isto é, aquela posição que acha possível ao homem chegar a algum conhecimento das coisas, sem, no entanto atingir a verdade absoluta. A verdade estaria naquilo que pode ser aceito por todos.

(http://educaterra.terra.com.br/voltaire/politica/2004/09/30/000. htm)

Figura 7 - Seneca

Fonte: http://pt.wikipedia.org

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Lucius Annaeus Sêneca foi o primeiro representante do estoicis-

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ca, conhecido como Sêneca, o velho, que teve renome como retórico

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mo romano. Nasceu em Córdoba, Espanha. Filho de Annaeus Sênee do qual restou apenas uma obra escrita, intitulada Declamações. Sêneca (filho) foi educado em Roma, onde estudou a retórica ligada à filosofia. Em pouco tempo tornou-se famoso como advogado e ascendeu politicamente, passando a ser membro do senado romano e depois nomeado questor.

(http://www.biografia.inf.br/seneca-filosofo.html)

Figura 8 - Quintiliano

Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Calahorra,_estatua_de_Quintiliano.JPG

M. Fábio Quintiliano, conseguiu fama como mestre de retórica e foi o primeiro a receber estipêndio do Estado. Sua obra maior - “De institutione oratória”, compreende o resultado de uma longa experiência didática e é um completo sistema de preparação para o futuro orador, com preceitos exemplificativos e com acenos sobre a educação em geral.

Seus estudos exerceram grande influência sobre a teoria pedagógica que sustenta o humanismo e o renascimento. (http://pt.wikipedia. org/wiki/Quintiliano)


Compreendendo um longo período de mil anos, a Idade Média começou com a queda do Império Romano, em 476, até a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1553. Contextualizando-a ainda mais:

[...] a Idade Média européia divide-se em duas etapas bem distintas: a alta Idade Média, que vai da formação dos reinos germânicos, a partir do século V, até a consolidação do feudalismo, entre os séculos IX e XII; e a baixa Idade Média, que vai até o século XV, caracterizada pelo crescimento das cidades, a expansão territorial e o flores-

abordagens histórico-filosóficas da educação

487

IDADE MÉDIA

cimento do comércio.

(www.nomismatike.hpg.ig.com.br)

Apropriando-se da análise de Aranha (1996) sobre a história da educação neste período, destacamos os principais indicadores que a caracterizam.

Predomínio da educação cristã Na luta contra os pagãos, demonstrando que a fé não contraria a razão, há a sistematização da filosofia cristã em dois períodos: a Patrística e a Escolástica.

Você se lembra de ter estudado, em história universal, os significados de patrística e escolástica?

Confira, agora, o que nos dizem sobre esses períodos da educação cristã:

Denomina-se Patrística ao período entre os séculos II e VII, em que primeiros padres da Igreja Cristã, logo após a conclusão dos Evangelhos (Novo Testamento), elaboraram os fundamentos teológicos e doutrinais do cristianismo. Estes padres, contemporâneos do pensamento grego-romano, não apenas receberam a sua influência, em particular do Platonismo, Aristotelismo e Estoicismo, mas também procuram definir as diferenças do cristianismo em relação às religiões e à cultura clássica. Trata-se de uma etapa crucial do cristianismo, caracterizado por uma grande indefinição entre religião e filosofia, “razão” e “fé” como depois se dirá.

Entre os séculos II e VII foram muitos os “padres-filósofos” que sur-

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giram na África, Ásia e na Europa. Alguns autores agrupam-nos em

abordagens histórico-filosóficas da educação

veram antes ou depois de Santo Agostinho, o mais destacado dos

função das suas origens geográficas, posições doutrinais ou, se vipensadores deste período.

Algumas idéias são praticamente comuns a todos eles: 1. A presença de Deus faz-se sentir ao longo de toda a história dos homens; 2. A verdade está em Deus e só no estudo da Sua “palavra revelada” aos apóstolos pode ser compreendia; 3. O fim supremo do Homem é a sua salvação da sua alma, através de uma relação bondade para com o próximo, e/ou através de uma entrega ao serviço de Deus (oração, penitência, evangelização, etc.).

(http://afilosofia.no.sapo.pt/10Patristica.htm)

A Escolástica representa o último período do pensamento cristão, que vai do começo do século IX até o fim do século XVI, isto é, da constituição do sacro romano império bárbaro, ao fim da Idade Média, que se assinala geralmente com a descoberta da América (1492). Este período do pensamento cristão se designa com o nome de escolástica, porquanto era a filosofia ensinada nas escolas da época, pelos mestres, chamados, por isso, escolásticos. As matérias ensinadas nas escolas medievais eram representadas pelas chama-

________________________ das artes liberais, divididas em trívio - gramática, retórica, dialética ________________________ e quadrívio - aritmética, geometria, astronomia, música. A escolástica surge, historicamente, do especial desenvolvimento da dialética. ________________________ ________________________ ________________________ (www.mundodosfilosofos.com.br) ________________________ ________________________ ________________________ Figura 9 - Representação das três classes sociais - clero, nobreza e povo ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: UNIFACS ________________________ ________________________ Um padre, um cavaleiro e um trabalhador. Esta miniatura medieval ilustra a ide________________________ ologia das três ordens sociais (os que rezam, os que guerreiam e os que trabalham). ________________________ ________________________ Outro destaque marcante da educação na Idade Média é a obra pedagógica de ________________________ Agostinho - De Magistro (do Mestre):


489 abordagens histórico-filosóficas da educação

Figura 10 - De Magistro

Fonte: http://www.wikimedia.org

Na obra De Magistro, Agostinho dialoga com seu filho Adeodato, de 16 anos, sobre a origem e a natureza do conhecimento. Adaptando a explicação de Platão, através da alegoria da caverna (você se lembra do que discutimos na aula passada?), Agostinho afirma que o homem recebe de Deus o conhecimento das verdades eternas. A educação, nessa perspectiva, não é transmitida do mestre para os alunos, mas vem de dentro de cada um. Trata-se de uma autoeducação possibilitada pela iluminação divina (ARANHA, 1996). Outro expoente da educação na Idade Média, no apogeu da Escolástica (século XIII), foi o dominicano Santo Tomás de Aquino. Escreveu também De Magistro, uma obra homônima à de Santo Agostinho, de quem retoma muitos conceitos, incluindo a percepção da educação como uma atividade que torna realidade o que é potencial. Para Tomás de Aquino, somente Deus pode proporcionar a felicidade aos homens e somente Deus permite o acesso ao conhecimento, ao saber.

Figura 11 - Santo Tomás de Aquino

Fonte: http://www.wikimedia.org

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abordagens histórico-filosóficas da educação

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O que você destaca como importante para a educação, das ideias de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino?

Um movimento religioso desenvolvido nos mosteiros que exerceu grande influência na cultura da Idade Média foi o monaquismo.

Quem não ouviu histórias dos monges que procuram a perfeição no afastamento da vida “mundana”?

Em diversas religiões - judaísmo, hinduísmo, budismo e a católica -, há exemplos de monges, mas os primeiros a se destacarem como importantes na Idade Média

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foram os da Ordem Beneditina (criada em 526 por São Bento, em Cassino - Itália). Ao assumir a instrução dos novos irmãos, torna-se inevitável a criação de escolas nos mosteiros - as escolas monacais nas quais se ensinavam o latim e as humanidades. Para os melhores alunos, era reservado o estudo da Filosofia e da Teologia. Diante desse quadro, Aranha (1996) admite que os mosteiros, ao assumirem o monopólio da ciência, tornam-se o principal reduto da cultura medieval.

Para nós, educadoras, mulheres, há um fenômeno ligado à educação na Idade Média digno de registro; trata-se da ausência de restrições, em outros tempos, impostas às crianças. Na Idade Média as crianças participavam das conversas dos adultos, eram-lhes permitidos gestos, contatos físicos, exposição dos corpos e conversas sobre assuntos sexuais. (ARANHA, 1996, p.77)

Outro marco da educação na Idade Média é a escola palatina (porque funcionava ao lado dos palácios), que visava “[...] à reestruturação e fundação de escolas monacais, de escolas catedrais (ao lado das igrejas, nas cidades) e escolas paroquiais, de nível elementar” (ARANHA, 1996, p.77). Nessas escolas, o ensino compreendia as sete artes liberais agrupadas no trivium (gramática, retórica e dialética) e no quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e música). Esse período educacional da Idade Média (final do século VII e início do IX) ficou


Seguiu-se a ele o surgimento das Escolas Seculares (seculares significam do século, do mundo = qualquer atividade não religiosa). As escolas seculares surgiram em decorrência do renascimento das cidades e a conformação de uma nova classe, a burguesia, que se opôs ao poder clerical. Constituíram-se, a partir de então, três pólos de atividade medieval: o castelo, o mosteiro e a cidade, e seus respectivos agentes: o nobre, o padre e o burguês. A educação escolar passou a ter professores leigos, nomeados pela autoridade local. Em vez do trivium e do quadrivium, as escolas seculares enfatizavam as chamadas artes reais: a história, a geografia e as ciências naturais (ARANHA, 1996).

491 abordagens histórico-filosóficas da educação

conhecido como Renascimento carolíngeo (derivado de Carlos Magno).

A Educação Feminina

Um fato marcante na história da educação na Idade Média foi o acesso da mulher à educação. Ainda que tenha sido uma educação diferenciada da que era oferecida aos homens, foi uma educação formal. Como em outras situações, contudo, havia distinção entre ‘categorias’ de mulheres. As mulheres pobres permaneciam como os homens pobres - analfabetas. As mulheres nobres eram educadas nos castelos, as burguesas nas escolas seculares e as meninas destinadas à vida religiosa, nos mosteiros.

O que podemos depreender dessas particularidades da educação feminina? Você percebe, na atualidade, diferenças nessa situação?

Criação da Universidade Inicialmente compreendendo qualquer assembleia corporativa de mestres e estudantes (e não um estabelecimento de ensino), a Universidade que surgiu na Idade Média foi resultante da influência da classe burguesa que almejava ascensão social. Aranha (1996) registra que a universidade mais antiga que se tem notícia talvez seja a de Salerno, na Itália, no século X, que oferecia o ensino de Medicina, seguida da de Paris, no século XII, com o curso de Teologia, e a de Bolonha, também no século XII, com o ensino do Direito. Vieram sucessivamente as de Oxford, Montpellier, Salamanca, Roma e Nápoles.

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Figura 12 - Mapa da Universidade Medieval

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Map_of_Medieval_Universities.jpg

RENASCIMENTO ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________

O Renascimento, também chamado de Renascença, foi um movimento que marcou na Europa o fim da Idade Média. A vida do homem, na Idade Média, esteve centrada em Deus (teocentrismo). Com o Renascimento, nos séculos XV e XVI, o homem passa a ser o principal personagem (antropocentrismo). Inicia-se a utilização dos métodos experimentais e de observação da natureza e do universo. Figura 13 - O homem vitruviano de Leonardo da Vinci sintetiza o ideário renascentista: humanista e clássico

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem


se, nesse período, educadores como Juan Luís Vives, Erasmo de Rotterdam, François Rabelais, Michel de Montaigne e os Jesuítas.1

Dada a sua importância na época, bem como para a educação do Brasil, apresentaremos, a seguir, as principais características da educação jesuítica.

Os Jesuítas compreendem uma Ordem Religiosa da Igreja Católica, famosa desde os primeiros tempos de fundação, pela proposta pedagógica - Ratio atque Instituto Studiorum, chamada resumidamente Ratio Studiorum - no contexto da metodologia

493 abordagens histórico-filosóficas da educação

O Renascimento compreende o período entre os séculos XIV e XVI. Destacam-

das principais universidades europeias nos séculos XVI e XVII: Coimbra, Salamanca, Madri e Paris.

O Ratio Studiorum (plano de estudos) dos jesuítas, introduzindo e consolidando um “sistema” integrado para seus colégios, criou o primeiro sistema educacional unificado que o mundo conheceu.

Figura 14 - Ratio Studiorum Societatis Iesu

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1d/Ratiostudiorum.jpg

1

Para conhecer seus principais feitos, pesquise nos sites indicados ou outras fontes de sua preferência.

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abordagens histórico-filosóficas da educação

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Os cursos previstos pela Ratio Studiorum (ARANHA, 1996) eram:

Studia inferiora Filosofia e ciências

Studia superiora

(ou curso de artes) Letras humanas de grau médio;

Disciplinas: lógica, introdução

Baseado na literatura clássica

às ciências,

greco-romana;

cosmologia,

Disciplinas: gramática, humanidades e retórica; 3 anos de duração.

psicologia, física, metafísica e filosofia moral;

Teologia e ciências sagradas; Finalidade = formar o padre; 4 anos de duração.

Finalidade = formar o filósofo; 3 anos de duração.

Mais detalhes sobre a educação jesuítica serão analisados nas aulas em que estudaremos e como se deu a história da educação no Brasil.

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IDADE MODERNA A Idade Moderna compreende o período que vai do século XVII até a Revolução Francesa, em 1789, quando começa a Idade Contemporânea. A principal tendência que caracteriza a educação neste período é a busca de métodos diferentes que possam tornar a educação mais agradável e mais eficaz para a vida prática. Ao considerar a educação a partir da compreensão das coisas mais do que das palavras, a pedagogia moderna é vista como realista. Seus principais representantes são: Comênio, Locke e Fênelon.

Figura 15 - Jan Amos Komensky

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Relief_Komensky.jpg


tuguês), nasceu em 1592 em Nivnice, Morávia (então domínio dos Habsburgos, hoje República Tcheca); foi filho único de um casal de membros do grupo protestante Irmãos Boêmios. Na Universidade de Heidelberg (Alemanha), se entusiasmou com as idéias de pensadores que criavam uma concepção de ciência baseada no empirismo. Seguiu carreira religiosa e teve de fugir para a Polônia quando, no início da Guerra dos 30 Anos, em 1618, o rei Ferdinando II decidiu reimpor o catolicismo na Boêmia. Sua revolta com a situação o levou a escrever obras filosóficas e pedagógicas satirizando a ordem vigente e propondo radicais mudanças.

(http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/comenio-

495 abordagens histórico-filosóficas da educação

Jan Amos Komensky, (Comenius em latim e Comênio, em por-

307077.shtml)

Destacamos, na pedagogia de Comênio, um dos patrimônios mais importantes da história da pedagogia ocidental, a máxima - “ensinar tudo a todos”, atingir o ideal da pansofi’ ou sabedoria universal.

Figura 16 - Fênelon

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Fenelon.jpg

François de Salignac de La Mothe, Duque de Fénelon, nasceu no castelo da família, em Périgord, em 6 de agosto de 1651 e faleceu em Cambrai a 7 de janeiro de 1715, aos sessenta e três anos de idade.

Até os doze anos, o menino foi educado em casa. Seu preceptor tinha o gosto pelo latim e o grego, e tratou logo de ensinar essas línguas, para que ele pudesse se familiarizar com as obras-primas da literatura clássica.

Escreveu De L’éducation des filles, primeira obra significativa em sua carreira de escritor e educador. O livro, solicitado pela duquesa de Beauviller para orientá-la na educação de suas filhas, alcançou grande

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abordagens histórico-filosóficas da educação

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sucesso, tornando-se obra de referência para as famílias da época, bem como texto de consulta para os estudiosos da pedagogia.

(www.espiritismogi.com.br)

Sobre Fênelon, vale ressaltar o que Aranha (1996, p.109-110) registra com destaque:

No Renascimento, Erasmo já tinha aconselhado maior cuidado com a educação feminina, que merece de Vives uma obra especial. No século XVII, Comênio também trata do assunto, mas é o bispo de Fênelon (1651-1715) que o retoma em A educação das jovens.

[...] Na mesma época, em 1686, madame de Maintenon, mulher de Luis XIV, funda o Colégio de Saint-Cyr, para meninas entre sete e doze anos que ai permaneceriam até os vinte. Esse internato pretendia ser a alternativa secularizada aos conventos femininos, excessivamente rigorosos na disciplina moral e negligentes na formação intelectual.

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Com essa preocupação (educação das meninas), encerramos nossa análise da educação na Idade Moderna, época em que se instala o que depois chamaremos de escola tradicional. Segue-se a ela o Século das Luzes.

SÉCULO DAS LUZES

Com as grandes transformações que abalaram a Europa, no século XVIII, incluindo a Revolução Francesa (1770), que defendeu os princípios de “igualdade, liberdade e fraternidade”, as ideias liberais de Locke se espalham pela Europa e pelo Novo Mundo, onde começam os movimentos bem sucedidos de emancipação, como a Independência dos EUA, e outros reprimidos, como as Conjurações Mineira (1989) e Baiana (1798), no Brasil. O otimismo com respeito à razão, enunciado desde o Renascimento, acentuado pelo racionalismo e pela revolução científica, desencadeia o Iluminismo ou a Ilustração (Aufklãrung), no Século XVIII, fazendo com que ele se torne conhecido como o Século das Luzes. Luzes significa o poder da razão humana em interpretar e modernizar o mundo. Destacam-se como Iluministas, Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant.


497 abordagens histórico-filosóficas da educação

Figura 17 - Jean Jacques Rousseau

Fonte: http://commons.wikimedia.org/

Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra, Suíça, em 28 de junho de 1712 e faleceu em 2 de julho de 1778. Entre suas obras destacamse: Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens; Do contrato social, e Emílio ou Da Educação (1762).

Muito antes do nascimento de Dewey, Montessori, Decroly, Rousseau propôs a liberação do indivíduo, a exaltação da natureza e da atividade criadora, e a rebelião contra o formalismo e a civilização. Sua filosofia, partidária de uma educação natural, sempre esteve vinculada a uma concepção otimista do homem e da natureza. A coerência com suas idéias de liberdade e igualdade o levou a colocar seus filhos em uma instituição de assistência pública da época.

Seu pensamento político, baseado na idéia da bondade natural do homem, levou-o a criticar em diversas ocasiões a desnaturalização, a injustiça e a opressão da sociedade contemporânea. O Contrato Social (1762) e Emílio, ou Da Educação (1762), são entre suas obras, as de maior conteúdo pedagógico. (www.centrorefeducacional. com.br)

Sua pedagogia pressupunha a crença na bondade natural do homem e a atribuição à civilização da responsabilidade pela origem do mal. Rousseau afirmava que a bondade natural do indivíduo podia ser protegida da influência corruptora da sociedade se o seu desenvolvimento adequado fosse estimulado. Assim, encontramos em Emílio ou Da educação a definição de cidadão ideal e os meios de treinar a criança para o Estado de acordo com a natureza, inclusive para um sentido de Deus. O Emílio relata, de forma romanceada, a educação de um jovem acompanhado por um preceptor ideal e afastado da sociedade corruptora (ARANHA, 1996, p.122).

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abordagens histórico-filosóficas da educação

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Personificada por Émile, a fictícia criança deveria ser criada, para Rousseau, em um meio rural em vez de ser nas cidades, de modo que fosse possível desenvolver-se em continuidade com a natureza (vocação humana) mais do que em oposição a ela. Seus primeiros impulsos, embora permitidos, deveriam ser canalizados para um respeito genuíno para com as pessoas, um respeito nascido do amor próprio e não do orgulho. Nesse contexto, Émile desenvolve um senso moral e uma necessidade no sentido da perfeição e do crescimento interior que lhe permitem elevar-se acima das paixões e alcançar a virtude. Através de Soffie, descobre a natureza do amor, mas tem que deixá-la para completar sua educação política.

SÉCULO XIX e XX Na análise de Aranha (1996) e outros historiadores, como Cambi (2001), o Século XIX pode ser considerado o Século da educação nacional, porque nele se concretiza a intervenção cada vez maior do Estado para estabelecer uma escola elementar universal, leiga, gratuita e obrigatória. No século XX, a ênfase da pedagogia recai na educação para a democracia.

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Características e tendências da educação nesses dois últimos séculos e início do atual serão objeto de estudo de aulas futuras.

SÍNTESE Nesta aula, analisamos em que consistiu a educação nas sociedades tribais e na antiguidade oriental, entre os gregos e romanos. Abordamos a educação durante a Idade Média, o Renascimento, a Idade Moderna e o Século das Luzes. Evidenciamos, também, que a educação na atualidade é, ao mesmo tempo, fase do passado e preparação do futuro. Por conseguinte, ao estudar o passado como forma de entender o presente, a história da educação permite encontrar o caminho de uma educação que conduz o ser humano a um desenvolvimento pleno e realizado como cidadão.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Que traços de cada período histórico podemos perceber na educação contemporânea?

LEITURAS INDICADAS Revista Brasileira de História da Educação. Disponível em: http://www.sbhe.org.br/ novo/rbhe/RBHE1.pdf. Acesso em: 15 de abril de 2012.


http://www.unicamp.br/unicamp/ http://www.espacoacademico.com.br http://www.cobra.pages.nom.br http://www.educ.fc.ul.pt http://www.10emtudo.com.br/ http://www.miniweb.com.br/ http://www.consciencia.org

499 abordagens histórico-filosóficas da educação

SITES INDICADOS

http://www.mundoeducacao.com.br http://www.mundodosfilosofos.com.br

REFERÊNCIAS AQUINO, S. Tomás de. De magistro: sobre o mestre (Questões Discutidas sobre a Verdade, XI). Trad. De Maurílio J. O. Camello. São Paulo: UNISAL. 2000. Disponível em:

http://www.lo.unisal.br/nova/graduacao/filosofia/murilo/Tom%E1s%20de%20Aquino.doc. Acesso em 15 de abril de 2012.

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

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www.espiritismogi.com.br. Acesso: Acesso em 15 abril 2012.

www.centrorefeducacional.com.br. Acesso em 15 abril 2012.


LEIRA - DOS JESUITAS À REPÚBLICA Autora: Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes

Nas aulas anteriores, fizemos uma retrospectiva histórica da educação desde as sociedades tribais até os tempos atuais. Nesta aula, focalizaremos nosso estudo na história da educação brasileira do período colonial à república. Você já parou para pensar sobre como a educação formal surgiu e se consolidou em nosso país?

501 abordagens histórico-filosóficas da educação

AULA 04 - HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASI-

A história do Brasil começou vinculada aos acontecimentos da Europa, isto todos sabemos. Logo, também a história da educação brasileira teve seu início com os portugueses que trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, embora as populações que por aqui viviam também possuíssem características próprias de fazer educação. A educação formal brasileira, contudo, teve como marco inicial a chegada dos jesuítas, que além de trazerem os métodos pedagógicos, trouxeram a religiosidade européia. Este período da educação no Brasil ficou conhecido como Período Jesuítico. Vamos saber um pouco mais sobre este período!

PERÍODO JESUÍTICO (1549 - 1759) Com a vinda do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, em 1549, chegaram os primeiros jesuítas ao território nacional. Vieram comandados pelo Padre Manoel da Nóbrega e quinze dias após a chegada, os jesuítas edificaram a primeira escola elementar brasileira, em Salvador, tendo como mestre o Irmão Vicente Rodrigues, um jovem de 21 anos. De Salvador, o trabalho dos jesuítas se estendeu para o Sul e em 1570, vinte e um anos após a chegada, já era composto por cinco escolas de instrução elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). Em Piratininga, destacou-se o noviço José de Anchieta que se tornou mestreescola do Colégio de Piratininga. Como educador, escreveu a Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil.

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Figura 1 - Anchieta

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Anchieta.jpg

As primeiras escolas reúnem os filhos dos índios e dos colonos, mas a tendência da educação jesuítica era separar os catequizados e os instruídos. Historiadores como Aranha (1996) analisam que o objetivo dos jesuítas com os índios era a catequização a fim de torná-los dóceis e obedientes e com os filhos dos colonos, a educação ampla que se estendia para mais do que a escola elementar de ler e escrever. A pedagogia jesuítica era regulamentada pelo Ratio atque Instituto Studiorum, chamado abreviadamente de Ratio Studiorum. Os jesuítas ensinaram as primeiras letras, o curso elementar e cursos de Letras (no qual se estudava Gramática Latina, Humanidades e Retórica) e Filosofia (compre-

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endendo o estudo de Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais), considerados secundários. Mantinham, ainda o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes. Os brasileiros com posses que pretendiam seguir as profissões liberais, nesse período, tinham que ir estudar na Europa, na Universidade de Coimbra, em Portugal, a mais famosa no campo das ciências jurídicas e teológicas, e em Montpellier, na França, para cursar Medicina. Em 1759, por decisão de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal frente às questões políticas e econômicas vigentes, os jesuítas foram expulsos de todas as colônias portuguesas. No caso brasileiro, há quem considere que a riqueza da Companhia de Jesus começou a incomodar o governo de Portugal, desencadeando a alegação da Coroa de que os mesmos estavam se intrometendo nas questões indígenas e políticas no Brasil. Fato é, que o ensino dos jesuítas promoveu a uniformização do pensamento brasileiro e foi responsável pela difusão e sedimentação do cristianismo no Brasil. O período seguinte foi o pombalino, este que desdobraremos a seguir.

Período Pombalino (1760 - 1808) Vimos o processo educativo no período jesuítico, agora vamos compreender as mudanças ocorridas após a saída dos jesuítas.


suprimia as escolas jesuíticas de Portugal e de todas as colônias, Pombal criava as aulas régias de Latim, Grego e Retórica, cada uma autônoma e isolada, com professor único e uma não se articulava com as outras. Os professores não eram devidamente qualificados e eram mal pagos. (AZEVEDO, 2011, p.543).

Se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado.

Figura 2 - Marquês de Pombal

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Marques_Pombal.JPG

Entretanto, no período pombalino a retomada da sistematização do ensino só se deu dez anos após a expulsão dos jesuítas e isto provocou um retrocesso de todo sistema educacional no Brasil. De forma desordenada, a educação passa a ser gerida pelo Estado e enfrenta a primeira reforma de ensino do país: os colégios eram dispersos, não havia formação de mestres nem uniformidade na educação formal. Se existia alguma estruturação em termos de educação com os jesuítas, o que se seguiu foi o mais absoluto caos. Pombal implantou as aulas régias, o subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na Europa, resolve transferir o Reino para o Novo Mundo. Deste período conturbado, contudo, emergiu a criação, no Rio de Janeiro, de um curso de estudos literários e teológicos, em julho de 1776, e o Seminário de Olinda em 1798, por Dom Azeredo Coutinho, governador interino e bispo de Pernambuco. Segundo Piletti (1996, p. 37), o Seminário de Olinda [...] tinha uma estrutura escolar propriamente dita, em que as matérias apresentavam uma seqüência lógica, os cursos tinham uma duração determinada e os estudantes eram reunidos em classe e trabalhavam de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido.

503 abordagens histórico-filosóficas da educação

Através do alvará de 28 de junho de 1759, ao mesmo tempo em que

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A situação caótica do ensino no Brasil, comandado pelo Marquês de Pombal, modifica-se apenas com a chegada da família real ao Brasil em 1808.

Período Joanino (1808 - 1821) A família real portuguesa mudou-se para o Brasil, sua grande Colônia, em decorrência dos acirrados atritos que estava tendo com Napoleão, em nome dos ideais democráticos da Revolução Francesa. A cidade do Rio de Janeiro precisou, então, se adaptar rapidamente ao grande número de cortesãos que invadiram as suas pacatas ruas. Este é o quadro nacional vigente em 1808. Com a chegada da Família Real, o Brasil passou por um período de modernização para atender às exigências e aos costumes europeus de D. João. Desencadeando mudanças administrativas, políticas, sociais e educacionais, D. João tentou transportar para o Brasil a cultura européia a qual estavam acostumados todos da Corte Portuguesa. Fundou uma escola de educação, em que se ensinavam as línguas portuguesa e francesa, retórica, aritmética, desenho e pintura. Criou cursos de cirurgia no Rio de Janeiro e na Bahia e também na Bahia, uma cadeira de ciência econômica.

________________________ Dois anos depois, desfazendo-se de seus sessenta mil livros, D. João fundou a ________________________ ________________________ nossa primeira biblioteca. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Em novembro de 1807, o Príncipe Regente Dom João, a Rainha Dona Maria I, toda a família ________________________ real e grande parte da corte, diante da invasão de Portugal pelas tropas francesas, deixaram ________________________ Lisboa com destino ao Brasil, trazendo consigo todo o acervo da Livraria Real, com cerca de ________________________ 60.000 peças, entre livros, manuscritos, estampas, mapas, moedas e medalhas. ________________________ Em 29 de outubro de 1810, a Biblioteca Nacional foi estabelecida no Rio de Janeiro. ________________________ Inicialmente, a consulta era permitida apenas a estudiosos, mediante consentimento régio. ________________________ Somente em 1814 seu acervo foi franqueado ao público em geral. ________________________ Em 12 de novembro 1822, o governo imperial determinou que fosse entregue à Biblioteca ________________________ Imperial e Pública da Corte, nova denominação da Biblioteca Real, um exemplar de ________________________ todas as obras, folhas periódicas e volantes que se imprimissem na Tipografia Nacional. ________________________ Essa legislação foi-se aperfeiçoando até o Decreto de Contribuição Legal. Através da Lei ________________________ do Depósito Legal para materiais impressos estabelecida através do Decreto n.1825 de ________________________ dezembro de 1907, a Biblioteca Nacional coleta toda a produção intelectual nacional para preservação para gerações futuras. ________________________ Fonte: http://consorcio.bn.br/cdnl/national_library_pt.htm ________________________ ________________________ ________________________ É destaque deste período, a criação, por D. João, de muitos cursos profissiona________________________ lizantes: Agricultura; a escola de serralheiros, oficiais de lima e espingardeiros; Escola ________________________ Real de Ciências, Artes e Ofícios, Química, Desenho entre outros.


centralizado, passando para a iniciativa das províncias.

Período Imperial (1822 - 1888) Com o retorno da Família Real a Portugal, a 7 de setembro de 1822, o príncipe D. Pedro I, filho de D. João VI declara a Independência do Brasil.

Figura 3 - D. Pedro I

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:DpedroI-brasil.png

Dom Pedro I - “Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon” - nasceu em Lisboa no dia 12 de Outubro de 1798. Herdeiro da coroa portuguesa em 1801, era o quarto filho do rei de Portugal, D. João VI, com a imperatriz D. Carlota Joaquina. Com a mudança da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, passou sua juventude no Brasil, tendo tornado-se príncipe regente com o retorno de seu pai a Portugal em 1821. [...] foi proclamado, sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O primeiro indicativo de destaque em termos de educação no Brasil Imperial aconteceu no ano de 1823. Tentando suprir a falta de professores, foi instituído o Método Lancaster, ou do “ensino mútuo”, que consiste em um aluno treinado (decurião) ensinar a um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor. Fernando de Azevedo (2011) explica que, segundo esse método que esteve em voga durante mais de vinte anos, cada grupo de alunos (decúria) era dirigido por um deles, o decurião, mestre da turma. Desta forma, em que o professor explicava aos meninos e estes, divididos em turmas, mutuamente se ensinavam, bastaria um só mestre

505 abordagens histórico-filosóficas da educação

Por outro lado, pouco foi feito para consolidar o ensino elementar que foi des-

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para uma escola de grande número de alunos. Inspirada na Constituição francesa, de cunho liberal, em 1824 é outorgada a primeira Constituição brasileira. O Art. 179 desta Lei Magna preconizava “[...] instrução primária e gratuita para todos os cidadãos”.

Inspirada na Constituição francesa, de cunho liberal, em 1824 é outorgada a primeira Constituição Brasileira. O Art. 179 desta Lei Magna preconizava “[...] instrução primária e gratuita para todos os cidadãos”. www.pedagogiaemfoco.pro.br

Em 1826, por decreto foram instituídos quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Com a Lei de 15 de outubro de 1827 - artigo VI (BRASIL, 1827) ficou estabelecida a competência do professor em ensinar a

[...] ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria, a gramática da língua nacional, e os princípios de moral cristã e da

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doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionais à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a constituição do Império e a História do Brasil.

Nas escolas de meninas, o programa ou currículo sofria algumas alterações: eram suprimidas a geometria e a aritmética, restando aí apenas as quatro operações, e acrescentados ensinamentos sobre prendas da economia doméstica. Para conhecer todo o teor desta Lei, acesse (www.pedagogiaemfoco.pro.br).

Em 1834 o Ato Adicional à Constituição dispõe que as províncias passariam a ser responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Graças a isso, em 1835, surge a primeira escola normal do país em Niterói. Se houve intenção de bons resultados não foi o que aconteceu, já que, pelas dimensões do país, a educação brasileira se perdeu mais uma vez, obtendo resultados pífios. Em 1880 o Ministro Paulino de Souza lamenta o abandono da educação no Brasil, em seu relatório à Câmara. Em 1882, Ruy Barbosa sugere a liberdade do ensino, o ensino laico e a obrigatoriedade de instrução [...] Fonte: www.pedagogiaemfoco.pro.br

Na análise de Aranha,1 no Império não houve, propriamente, o que poderia ser chamada de uma pedagogia brasileira. A educação formal teve um funcionamento irregular, fragmentário e quase não deixou resultados satisfatórios. A reforma decorrente de uma emenda à Constituição, o Ato adicional de 1834 descentralizou o ensino, 1

http://www.suigeneris.pro.br/edvariedade_historia_edu.htm


que as províncias foram destinadas à escola elementar e à secundária. A educação da elite ficou a cargo do poder central e a do povo confinada às províncias.

República A Constituição da República de 1891 instituiu o sistema federativo de governo e consagrou a descentralização do ensino no Brasil. Figura 4 - Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

O juramento da Constituição Republicana. Rio de Janeiro, 1891. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Constituicao1891.JPG

Leia na íntegra a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891) no site: www.planalto.gov.br.

Para fins de análise da educação nesta época, apontaremos para você acontecimentos marcantes que desencadearam a sistematização do ensino no Brasil até a nossa época e convidamos-lhe a refletir mais detalhadamente, a partir de nossas referências ou outras que lhe estejam disponíveis. O regime republicano foi instalado sob a égide teórica do positivismo e tornouse uma filosofia fundamental. Entre as suas numerosas influências na organização formal da República brasileira, destacamos: o dístico Ordem e Progresso da bandeira; a separação da Igreja e do Estado; o decreto dos feriados; o estabelecimento do casamento civil e o exercício da liberdade religiosa e profissional; o fim do anonimato na imprensa; a revogação das medidas anticlericais e reformas educacionais.

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atribuindo à Coroa a função de promover e regulamentar o ensino superior, enquanto

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Figura 5 - Benjamin Constant

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Benjamin_Constant_Botelho_de_Magalh%C3%A3es.jpg

Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), como ministro da Instrução Pública, reformulou todo o ensino brasileiro de acordo com as ideias de Augus-

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to-Comte. Organizada por Benjamin Constant - Primeiro-Ministro da Pasta da Instrução, Correios e Telégrafos (1890/1892), a primeira reforma acontece no ensino secundário. A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a liberdade e a laicidade do ensino e a gratuidade da escola primária, obedecendo ao que estava estipulado na Constituição brasileira. Pretendia transformar o ensino em formador e não apenas preparador de alunos para os cursos superiores. Como pregou a substituição da predominância literária pela científica, foi severamente criticada, por um lado, pelos positivistas, porque não respeitava os princípios pedagógicos de Comte e por outro lado, pelos que defendiam a predominância literária, que desencadeou o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enciclopédico. Veio, depois, a Reforma Rivadávia Correa, de 1911, que impôs ao curso secundário a função formadora do cidadão e não apenas como vinha sendo - promotora dos alunos a um nível seguinte. Esta reforma retomou a orientação positivista e pregou a liberdade de ensino, entendendo-o como a possibilidade de oferta além das escolas oficiais. Defendeu, também, a abolição do diploma em troca de um certificado de assistência e aproveitamento e transferiu os exames de admissão ao ensino superior para as faculdades. Ficou instituída a noção de ‘vestibular’. Mas, ao contrário do que esperavam os seus idealizadores, as consequências desta Reforma foram desastrosas para a educação brasileira. Em 1915 houve a Reforma de Carlos Maximiliano, que teve como destaque a reoficialização do ensino no Brasil.


A partir de 1920, engendra-se no campo educacional brasileiro o movimento eufórico que fora denominado “Otimismo Pedagógico”. Esse movimento desencadeou por todo o país uma série de reforma de ensino a nível estadual, restritas, portanto, aos ensinos primário e normal, visto que o ensino superior estava a cargo do governo federal e o secundário não passava de uma rede de cursos preparatórios.

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Na década seguinte, destacamos a criação do Ministério da Educação, a 14 de

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novembro de 1930 pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas, com o nome de Ministério da Educação e Saúde Pública. O 1º ministro da educação foi Francisco Campos, de Minas Gerais. A “Reforma Francisco Campos” estabelecida pelo Decreto nº 19.851, de 11/4/1931 compreendeu uma série de decretos responsáveis pela criação do Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação, organização do ensino secundário e instituição das Universidades brasileiras.

A Reforma Francisco Campos foi a primeira a colocar a universidade como modelo para o desenvolvimento do ensino superior, estabelecendo a organização, composição, competência e funcionamento da administração universitária (reitoria, conselho universitário, assembléia geral universitária, institutos, conselho técnico-administrativo, congregação etc.) e prevendo a representação estudantil. As instituições não-universitárias seriam a exceção.

Pela primeira vez introduz-se a “investigação científica” como um dos objetivos do ensino universitário, no Brasil. (FRAUCHES, 2004. p.3)

Uma iniciativa de destaque neste período foi Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido em 1932 por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores da época. Refletindo tendências fascistas, no período conhecido como Estado Novo, é outorgada uma nova Constituição, em 10 de novembro de 1937, dentro da qual destacamos, em termos da educação, a distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as classes mais desfavorecidas.

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510 Entre os anos de 1942 e 1946, o ensino brasileiro viria sofrer uma das suas maiores reformulações. Trata-se das chamadas Leis Orgânicas do Ensino; um conjunto de reformas promulgadas por Gustavo Capanema - Ministro da Educação no Estado Novo - As seguintes Leis e Decretos foram promulgadas por ele:

Lei nº 4.244/42 - Lei do Ensino Secundário Decreto-lei nº 4.073/42 - Ensino Industrial Decreto-lei nº 4.048/42 - Cria o SENAI A “Reforma Capanema” completou-se em 1946, quando o país já estava livre da ditadura Vargas. Nesse mesmo ano, entraram em vigor, algumas leis que a complementariam; dentre elas, o Decreto-lei nº 9.613/46 que tratava do ensino agrícola, o Decreto-lei nº 8.529/46 do ensino primário e os Decretos-lei nº 8.621 e 8.622/46, criando o SENAC. www.conteudoescola.com.br

Neste período, e até 1964, atuaram educadores que deixaram seus nomes na história da educação por suas realizações: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lou-

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renço Filho, Carneiro Leão, Armando Hildebrand, Pachoal Leme, Paulo Freire, Lauro de Oliveira Lima, Durmeval Trigueiro, entre outros.

Figura 6 - República Federativa do Brasil

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Coat_of_arms_of_Brazil.svg

Estruturando o ensino no Brasil, nas últimas décadas do século passado, destacaram-se as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: a Lei 4.024/61 (BRASIL, 1961), a Lei 5692/71 (BRASIL 1971) e a Lei 9394/1996 (BRASIL, 1996). Especificamente, legislando o ensino superior, a Lei 5540/68, também chamada de Reforma Universitária, enfatizada nesse curso ao estudarmos a questão da formação de educadores no Brasil, especialmente pelo curso de Pedagogia. Nesta aula, fizemos uma retrospectiva histórica da educação no Brasil durante


Na próxima aula, dialogando com a história, analisaremos as principais correntes filosóficas da educação no Brasil e suas repercussões nas práticas pedagógicas.

SÍNTESE Desde as escolas elementares e colégios dos jesuítas até as transformações implementadas nos períodos pombalino, joanino, imperial e republicano, constatamos uma série de tentativas de formalizar o ensino no Brasil: umas bem sucedidas, outras que deixaram a desejar.

511 abordagens histórico-filosóficas da educação

os períodos históricos: jesuítico, pombalino, joanino, imperial e republicano.

Percebemos, também, que em função das múltiplas contradições sociais e políticas de um país cuja economia consolida o modelo agrário-comercial e faz as primeiras tentativas de industrialização, sempre houve dois tipos de educação: uma para o povo e outra para a elite. E foi de tal forma ‘plantada’ esta situação que permanece esta dicotomia até os dias atuais.

Com ânimo e fé!

________________________ ________________________ QUESTÃO PARA REFLEXÃO ________________________ ________________________ Destaque os reflexos que cada período histórico estudado apresenta para a educação ________________________ atual. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ LEITURAS INDICADAS ________________________ Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Disponível em:<www.pedago- ________________________ ________________________ giaemfoco.pro.br>. ________________________ ________________________ ________________________ SITES INDICADOS ________________________ ________________________ http://www.ensayistas.org ________________________ ________________________ http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb04.htm ________________________ http://pedagogiaemfoco.pro.br ________________________ ________________________ http://portal.mec.gov.br/ ________________________ ________________________ http://revistaescola.abril.com.br/ ________________________ http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do


abordagens histórico-filosóficas da educação

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http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_ action=&co_obra=20498 http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_ action=&co_obra=20493 http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_ action=&co_obra=20448 http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_ action=&co_obra=20457

REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996.

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FRAUCHES, Celso da Costa Frauches. A livre iniciativa e Reforma Universitária Brasileira. IV Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul. UFSC: Florianópolis. 2004. p.3 Disponível em: http://www.inpeau.ufsc.br/coloquio04/a8.htm. Acesso em 16 de abril de 2012.

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LIMA, Lauro de Oliveira, Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Brasília, [197_].

PILLETTI, Nelson. História da educação no Brasil. 6. ed. São Paulo: Ática, 1996.

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO. Decreto-lei imperial. Disponível em: < http://www. pedagogiaemfoco.pro.br/heb05a.htm>. Acesso em 16 de abril de 2012.


REPERCUSSÕES NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Autora: Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes

Nas aulas passadas, nosso estudo propiciou uma breve revisão histórica sobre a educação no Brasil. Ao estudá-las constatamos que, assim como em todas as sociedades e em todos os tempos, dão suporte à educação várias correntes filosóficas, tendências, modelos e teorias, também nomeados Pedagogias que serão objeto de estudo desta aula e das que se seguem. Todas as Pedagogias partem de pressupostos filosóficos que as norteiam.

513 abordagens histórico-filosóficas da educação

AULA 05 - TENDÊNCIAS FILOSÓFICAS E SUAS

O que é e o que pretende a sociedade? Quem são, o que devem ser, e que papéis devem assumir os educadores e os educandos? Qual a finalidade da educação? São exemplos de questões emergentes que requerem uma reflexão filosófica.

Tendências filosófico-políticas da educação Para Luckesi (1993, p.53), há três tendências filosófico-políticas para compreender a educação: educação como redenção, educação como reprodução e educação como transformação da sociedade.

A Tendência Redentora concebe a sociedade como um conjunto de seres humanos que vivem e sobrevivem num todo orgânico que deve ser mantido e restaurado através da educação. A educação como redenção da sociedade visa manter e conservar a sociedade, integrando harmonicamente os indivíduos no todo social já existente.

Nesta concepção, a educação seria uma espécie de instância meio exterior à sociedade, com a finalidade de um pouco distante, contribuir para seu ordenamento e equilíbrio permanentes. Sua finalidade maior consiste em adaptar os indivíduos ao meio social em que vivem.

Dos educadores que estudamos em aulas passadas, destaca-se Comênio (Jan Amos Komensky), como um legítimo representante desta tendência que considera a educação como redentora da sociedade.

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Figura 1 - Revolução Francesa

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Arcole_vernet.jpg

Os enciclopedistas da Revolução Francesa e os pedagogos do final do século XIX continuaram com esta compreensão: os primeiros acreditando que a redenção da sociedade se daria pela educação das mentes e os segundos, pela convivência entre as pessoas e o atendimento às diferenças individuais.

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Outra tendência filosófica marcante na educação brasileira é a Reprodutora, que concebe a educação como reprodução da sociedade; pressupõe que a educação por fazer parte da sociedade, a reproduz. Neste contexto, a escola é vista como uma instituição altamente discriminadora; em vez de democratizar ela reproduz as diferenças sociais e perpetua o status quo. Em outras palavras podemos caracterizar esta tendência como aquela que considera a escola como uma instância dentro da sociedade e exclusivamente a seu serviço. A escola atua sobre a sociedade como uma instância corretora dos seus desvios, tornando-a melhor e mais próxima do modelo de perfeição social, harmônica e idealizada. Escola reproduz os privilégios já existentes na sociedade.

Entre os autores que assumem essa concepção está Louis Althusser, com suas ideias divulgadas na obra Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Baudelet e também Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, esses últimos com a clássica obra - A Reprodução.


Fonte: https://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&cp=5&gs_id=2o&xhr=t&q=bourdieu&bav=on.2,

515 abordagens histórico-filosóficas da educação

Figura 2 - Pierre Bourdieu

or.r_gc.r_pw.r_qf.,cf.osb&um=1&ie=UTF-8&tbm=isch&source=og&sa=N&tab=wi&ei=8fmNT_u LAuPY0QGDv4icDw&biw=1024&bih=637&sei=8_mNT57CFuWt0AH5psm2Dw

A tendência transformadora é uma tendência crítica que tem como perspectiva compreender a educação como mediação de um projeto social. Os teóricos que assumem esta tendência admitem que a educação, agindo a partir dos condicionantes históricos, tem um papel ativo na sociedade. Na análise de Luckesi (1993, p.53), a educação é [...] uma instância dialética que serve a um projeto, a um modelo, a um ideal de sociedade. [...] se o projeto for conservador, medeia a conservação; contudo, se o projeto for transformador, medeia a transformação; se o projeto for autoritário, medeia a realização do autoritarismo; se o projeto for democrático, medeia a realização da democracia.

(www.conexaeventos.com.br)

A educação, como transformação da sociedade, tem por perspectiva compreender a educação como mediação de um projeto social; não a coloca a serviço da conservação, não redime, nem reproduz a sociedade, mas serve como um dos meios para realizar um projeto de sociedade, seja ele conservador ou transformador. A educação, numa perspectiva transformadora, preocupa-se em desenvolver competências: os conteúdos deixam de ser um fim em si mesmos; o professor passa de transmissor do conhecimento a facilitador da aprendizagem; a prática avaliativa se transforma de classificatória e excludente em instrumento para guiar intervenções pedagógicas e; o aluno, de passivo a participante, um ser ativo na construção do próprio aprendizado.

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516

Essas três tendências educacionais se fazem presentes ainda hoje.

abordagens histórico-filosóficas da educação

A seguir, veja quadro que sintetiza essas três tendências.

A tendência redentora

A tendência reprodutora

E a tendência

propõe uma ação

é ao mesmo tempo crítica

transformadora critica e se

pedagógica otimista, do

(em relação à compreensão

recusa ao otimismo ilusório e

ponto de vista político,

da educação na sociedade) e

ao pessimismo imobilizador,

acreditando que a

pessimista (pois não vê saída

propondo a compreensão da

educação tem poderes

para ela, além da submissão a

educação estratégica para a

sobre a sociedade.

seus condicionantes).

transformação

Reafirmando Luckesi (1999), cabe a cada um de nós, como educador/a, descobrir qual a tendência que orientará o nosso trabalho. E mais do que ter a certeza de que é o melhor caminho, é preciso pensar e assumir uma escolha para que não nos deixemos ‘ser pensados’ e conduzidos pela escolha dos outros.

As tendências filosóficas que norteiam as práticas pedagógicas - redentora, reprodutora e transformadora - dão suporte a concepções pedagógicas também cha-

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madas pedagogias, que analisaremos a seguir.

PEDAGOGIA LIBERAL Iniciaremos com o estudo da PEDAGOGIA LIBERAL1, em suas vertentes Tradicional e Renovada Progressivista, Renovada Não-Diretiva e Tecnicista, baseando-se nos estudos de Libâneo (1985). A PEDAGOGIA TRADICIONAL baseia-se numa determinada visão da sociedade, de seus valores e normas, a partir da qual estabelece os conteúdos da educação, as pautas de conduta, os métodos de ensino, os hábitos e normas que devem ser ‘inculcados’ nos alunos e ideais a serem imitados. A partir dos seus nomes, o que você acha que elas significam?

Tradicional Renovada Progressivista Renovada Não-Diretiva Tecnicista

1

Derivada de Liberalismo = conjunto de idéias e doutrinas que visam a assegurar a liberdade individual no campo da política, da

moral, da religião, etc., dentro da sociedade.


esperar do termo.

A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos interesses da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. (LUCKESI, 1993, p.54)

A PEDAGOGIA TRADICIONAL baseia-se numa determinada visão da sociedade,

517 abordagens histórico-filosóficas da educação

A PEDAGOGIA LIBERAL não é democrática, aberta e avançada como era de se

de seus valores e normas, a partir da qual estabelecem os conteúdos da educação, as pautas de conduta, os métodos de ensino, os hábitos e normas que devem ser ‘inculcados’ nos alunos e ideais a serem imitados. Apesar de, historicamente, ter sido a primeira tendência a se manifestar com a institucionalização em nível mais complexo da escola, no Renascimento e na Idade Moderna, a Pedagogia Tradicional continua existindo em grande parte das escolas convivendo com diversas tendências.

[...] a tendência liberal tradicional se caracteriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral. De acordo com essa escola tradicional, o aluno é educado para atingir sua plena realização através de seu próprio esforço. Sendo assim, as diferenças de classe social não são consideradas e toda a prática escolar não tem nenhuma relação com o cotidiano do aluno.

Quanto aos pressupostos de aprendizagem, a idéia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de outra: a de que a capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, sem levar em conta as características próprias de cada idade. A criança é vista, assim, como um adulto em miniatura, apenas menos desenvolvido (SILVA, 2004. s.p.).

Por se encontrar em descompasso com o mundo no qual se acha inserida, a educação desencadeia, no final do século XIX, um movimento que tenta superar a pedagogia da essência pela pedagogia da existência, voltada para a situação do indivíduo único, diferenciado, que vive e interage constantemente com o mundo. Este movimento caracteriza a PEDAGOGIA RENOVADA PROGRESSIVISTA ou PRAGMATISTA, também chamada de ESCOLA NOVA ou ESCOLANOVISMO, que emergiu sob a influência das ideias que vêm desde a Renascença com Vitorino de Feltre, François Rabelais, Michel de Montaigne, João Amós Comênio, Jean-Jacqes Rousseau - seu principal precursor, Johann Henrich Pestalozzi, Johann Friedrick Herbart e Friedrick Froebel, a Escola Nova tem como principais educadores John Dewey, William Kilpatrick, George Kerchensteiner, Celestin Freinet e Anton Makarenko.

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abordagens histórico-filosóficas da educação

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No Brasil, o movimento escolanovista se impôs desde 1920 e teve como marco importante a elaboração do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, do qual tratamos na aula anterior. Seus principais signatários foram Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira (eminente educador baiano).

Desejando dar outra orientação para a escola, alguns educadores começaram a se voltar para a questão dos métodos e processos de ensinar, enfatizando a recusa do exercício do poder nas manifestações escolares. O lema deveria ser: educação em liberdade e para a liberdade.

A vertente da Pedagogia Liberal que emergiu dessas ideias, dando ênfase à orientação para os objetivos da autorrealização ou desenvolvimento pessoal e para as relações interpessoais foi a PEDAGOGIA LIBERAL RENOVADA NÃO-DIRETIVA.

O inspirador da não-diretividade foi Carl Rogers, um psicólogo clínico que atingiu um número expressivo de educadores e professores, orientadores educacionais e

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psicólogos escolares que atuam em processos de aconselhamento. Os princípios norteadores da PEDAGOGIA LIBERAL RENOVADA NÃO-DIRETIVA são:

o ensino deve facilitar aos alunos o alcance dos meios para buscar por si mesmos os conhecimentos - o professor é, portanto, um facilitador de aprendizagem; a escola deve ser, antes de tudo, uma instância formadora de atitudes; a transmissão de conteúdos é secundária aos processos de desenvolvimento das relações e comunicações interpessoais; os métodos não são caminhos estipulados pelo professor, baseiam-se na autogestão; aprender é modificar percepções - só se aprende aquilo que é significativo para a pessoa.

Acentua-se, nessa tendência, o papel da escola na formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo o esforço deve visar a uma mudança dentro do indivíduo, ou seja, a uma adequação pessoal às solicitações do ambiente. Trata-se de um ensino centrado no aluno, sendo o professor apenas um facilitador. No ensino da língua, as ideias da escola renovada não-diretiva, embora muito difundidas, encontraram, também, uma barreira na prática da tendência liberal tradicional.


519 abordagens histórico-filosóficas da educação

Figura 3 - Carl Rogers

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Carl_Rogers.jpg

O aumento de críticas à escola tradicional e também às tendências renovadas desencadeou o surgimento de propostas de uma educação formal baseada no modelo empresarial, modelo de racionalização típico do sistema de produção capitalista. Configurou-se, em consequência, a TENDÊNCIA LIBERAL TECNICISTA, no final dos anos 1960, quando mais uma vez, sob a instalação do regime militar no país, as elites dão ênfase a um outro tipo de educação direcionada às massas, a fim de conservar a posição de dominação, ou seja, manter o status quo dominante. O tecnicismo subordinava a educação à sociedade e teve como princípio nor- ________________________

teador a preparação de “recursos humanos”, utilizando o enfoque sistêmico da tec- ________________________ nologia educacional e da análise experimental do comportamento. Seus princípios ________________________ mais marcantes foram a racionalidade, a eficiência, a produtividade e a neutralidade ________________________ científica. A tendência tecnicista negava os determinantes sociais e desencadeou no âmbito educacional, uma enorme distância entre o planejamento, elaborado por especialistas e não pelos professores, que se tornaram simples executores, e a prática educativa. O comportamento do aluno era controlado para assegurar o alcance de todos os objetivos operacionais previamente estabelecidos. Sob a égide desta tendência, o trabalho da escola torna-se parcelado ou fragmentado a fim de produzir determinados produtos desejáveis pela sociedade capitalista e industrial. Modeladas por esta tendência, foram criadas propostas educativas tais como o microensino, o tele-ensino e a instrução programada, entre outras. Sobre a pedagogia tecnicista, vejamos o que nos diz Fusari (1988. p.20):

A escola é um microssistema dentro do macrossistema.

Assim foi proclamada a escola e por isso considerada um organismo vivo que, dependendo dos estímulos que recebesse (input), processaria internamente esta estimulação (processo) e produziria respos-

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ta (output). Este foi o enfoque sistémico dado ao funcionamento

abordagens histórico-filosóficas da educação

produtiva, racional e organizada e formar indivíduos capazes de se

da escola, principalmente a partir dos anos 70. A escola deveria ser engajar rápida e eficientemente no mercado de trabalho. A Lei n° 5.692/71 oficializa a “preparação para o mercado de trabalho”, com terminalidade no 1° grau e a universalização e obrigatoriedade da profissionalização no ensino do 2° grau, com a tônica na preparação do técnico para o posto de trabalho. Para tanto, a imagem da empresa, a escola deveria apresentar uma produtividade eficiente e eficaz.

Para que a escola fosse realmente produtiva, era preciso que racionalizasse o seu trabalho pedagógico, tornando-o mais “científico” - o que implicava torná-lo observável e quantificável. É claro que os treinamentos de educadores nos anos 70 refletiram, e muito, esta tendência que valorizava fundamentalmente os meios, as tecnologias e os procedimentos de ensino apresentados sempre como “neutros”, “eficientes” e “eficazes”. E isto teve conseqüências negativas na educação escolar brasileira que perduram até o presente momento.

E você, depois dessas reflexões, o que destaca de cada uma dessas pedagogias?

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Você entendia bem o que elas significavam? Houve mudança de percepção?

PEDAGOGIA PROGRESSISTA Ao contrário da Pedagogia Liberal que pressupõe a adaptação dos indivíduos aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual, a PEDAGOGIA PROGRESSISTA pressupõe a análise crítica do sistema capitalista sustentando as finalidades sóciopolíticas da educação. De acordo com Libâneo (1996), as tendências Libertária e Libertadora têm em comum o antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a ideia de autogestão pedagógica.

Tendência libertária O principal pressuposto desta tendência é a autogestão. A partir da criação de grupos de pessoas com princípios educativos e autogestionários, a escola progressista libertária acredita que somente o vivido pelo educando é incorporado e utilizado em situações novas e, por isso, o saber sistematizado só terá relevância se for possível seu uso prático.


ma de repressão visam a favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. No ensino da língua, por exemplo, as ações pedagógicas que se inserem nessa tendência procuram valorizar os textos produzidos pelo aluno, além de negociar os sentidos na leitura. No Brasil, seus principais representantes são Maurício Tratenberg e Miguel Arroyo. Figura 4 - Miguel Arroyo

521 abordagens histórico-filosóficas da educação

A ênfase na aprendizagem informal através do grupo e a negação de toda for-

Fonte: Arquivo pessoal T. C. Fagundes (2005)

Vejamos como Silva (2006, s.p.) nos apresenta, resumidamente, os princípios ________________________ desta tendência: ________________________ LIBERDADE: Entendida como meio e fim, a liberdade é intrínseca à prática libertária. Não se trata da liberdade em abstrato ou no sentido liberal, mas da Liberdade construída socialmente e conquistada nas lutas sociais.

ANTIAUTORITARISMO: Essencial à prática pedagógica libertária. A idéia chave subjacente a este conceito é que não é possível combater o autoritarismo e a opressão presentes no Estado, família, escola, etc., sem que, concomitantemente, se formem homens livres; e, não se formam homens livres através de métodos autoritários e de controle.

EDUCAÇÃO INTEGRAL: Os educadores libertários não recusam a ciência e o saber especializado, mas advogam que, antes, o processo educativo se concentre na formação plena (dimensões física, intelectual e moral), que não separe o saber do saber fazer, isto é, que não se fundamente na divisão entre ação e pensamento (trabalho braçal e intelectual).

AUTOGESTÃO: A Pedagogia Libertária enfatiza que os recursos no processo educacional devem ser controlados e administrados pelos diretamente envolvidos e pela comunidade. Isto significa superar a dicotomia Estado/Sociedade e colocar a educação sob controle da sociedade/comunidade.

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AUTONOMIA DO INDIVÍDUO: O processo educativo pedagógi-

abordagens histórico-filosóficas da educação

desenvolvimento e o estímulo para que ele tome o próprio destino

co centra-se no educando, com pleno respeito aos estágios do seu em suas mãos. O educando não é tratado como objeto (meio), mas como sujeito e fim em si mesmo.

EXEMPLO: A educação libertária pressupõe a busca da coerência entre o falar e o fazer (discurso e ação): os exemplos educam e falam mais do que as palavras; portanto, o educador deve estar sempre aberto a aprender, a se educar, a reconhecer os erros e dar o bom exemplo, a ser coerente em relação aos meios e fins, a teoria e prática; trata-se de, para além de assumir o pensamento anarquista, ter atitude, uma ética e um modo de ser anarquistas.

CRÍTICA: O educador libertário é um educador crítico: dos conteúdos, dos programas e instituições oficiais, da sociedade e todas as esferas de reprodução de formas de opressão e, inclusive, de si mesmo.

COMPROMISSO E RESPONSABILIDADE SOCIAL: A Pedagogia Libertária é profundamente engajada, no sentido da crítica às estruturas de dominação e da formação de homens e mulheres capazes de atuarem como críticos e sujeitos ativos pela transformação das

________________________ suas vidas e do meio social. Nesta perspectiva, não há lugar para a ________________________ neutralidade da educação e do educador. Uma conseqüência lógica dessa maneira de conceber o processo educativo é o compromisso ________________________ com os oprimidos, os deserdados. ________________________ ________________________ ________________________ SOLIDARIEDADE: Uma educação fundada em critérios solidários, de ajuda mútua, que recusa tanto os prêmios quanto os castigos e, ________________________ portanto, os processos classificatórios (exames, notas, etc.) e as rela________________________ ções de ensino-aprendizagem fundadas em critérios competitivos ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Com que princípio atribuído à Tendência Libertária você mais se identifica? Por quê? ________________________ ________________________ Que exemplo de prática pedagógica você tem ou teve em que este princípio se ________________________ evidencia ou evidenciava? ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Tendência libertadora ________________________ ________________________ Rebelando-se contra toda forma de autoritarismo e dominação, defendendo a ________________________ conscientização como processo a ser conquistado pelo homem, através da problema________________________ tização de sua própria realidade, no início dos anos 60 do século passado, Paulo Freire ________________________ deu início à Pedagogia Libertadora. ________________________ Dada a importância da obra de seu principal representante, esta tendência tor-


Paulo Freire desenvolveu um método de educação que promovia a conscientização dos indivíduos através da alfabetização - situação desafiadora dada a sua relevância social e política, consciente da insuficiência dos métodos de ensino então vigentes, que serviam mais a uma manipulação do educando do que a uma real e autêntica formação de cidadãos. Em lugar do professor, ou aquele que pretende ensinar, na Pedagogia Libertadora, temos o coordenador de debates. Em lugar da aula discursiva ou aula expositiva, o diálogo, e em lugar do aluno, como aquele que quer apreender, emerge o participante do grupo. As partes da programação do ensino são chamadas de programação compacta e codificadas em unidades de aprendizado.

523 abordagens histórico-filosóficas da educação

nou-se conhecida como PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE.

Conheça METODOLOGIA PEDAGÓGICA CONSCIENTIZADORA de PAULO FREIRE acessando o site: www.unifesp.br.

Pelas suas características, a educação libertadora questiona concretamente a realidade das relações do homem com o mundo e com os outros homens, buscando uma transformação. Cada pessoa ou grupo dispõe, em si mesmo, dos conteúdos necessários como ponto de partida. Esses conteúdos são temas geradores ou grupos te- ________________________

________________________ ________________________ ________________________ Figura 5 - Paulo Freire (1921-1997) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Method_Paulo_Freire.jpg ________________________ A educação para ser libertadora precisa objetivar uma ação e reflexão conscien- ________________________ te e criadora das classes oprimidas sobre seu próprio processo de libertação. Como ________________________ ________________________ afirma Libâneo (1985). máticos, retirados da própria prática ou experiência de vida cotidiana dos educandos.


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[...] a educação é uma atividade onde professores e alunos mediati-

abordagens histórico-filosóficas da educação

da aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa mesma

zados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformação social [...] (LIBÂNEO, 1985, p.33)

Percebemos esta tendência como decorrência a uma abertura para uma sociedade democrática, que vai se firmando lentamente a partir do início dos anos 80, com a volta dos exilados políticos e a liberdade de expressão nos meios acadêmicos, políticos e culturais do país. Destacamos, também, que a tendência libertadora preocupa-se com quem está fora da escola, buscando a emancipação do homem, contemplando a especificidade da educação. Nesse enfoque freiriano, o educador tem apenas o domínio da leitura e da escrita, mas busca a construção de um novo “coletivo social”.

E você, o que mais destaca na Pedagogia Libertadora?

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Tendência Crítico-Social dos Conteúdos Para complementar o rol das tendências pedagógicas progressistas2, vamos analisar a Tendência Crítico-Social dos Conteúdos ou Pedagogia Dialética, caracterizada por Libâneo diferentemente da libertadora e libertária, porque acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais. A atuação da escola prevista por esta tendência (não reprodutivista) consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade. Na visão da pedagogia crítico-social dos conteúdos, admite-se o princípio da aprendizagem significativa, partindo do que o aluno já sabe. A transferência da aprendizagem só se realiza no momento da síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e unificadora.

A pedagogia crítica ressoa com a sensibilidade do símbolo hebraico tikkun, que significa “curar”, consertar e transformar o mundo; todo o resto é comentário. Ela fornece a direção histórica, cultural, política e ética para aqueles na educação que ainda ousam acreditar. (MCLAREN, 1997, p. 192).

2

O pedagogo George Snyders foi o primeiro educador a usar a expressão Pedagogia Progressista, negando os aspectos conserva-

dores da Pedagogia tradicional e os “excessos” da Escola Nova. Snyders propõe a concepção essencialista e a histórica do ser humano, com uma perspectiva histórico-social.


nomeada pedagogia dialética e pedagogia histórico-crítica. Além de Snyders, Saviani apropria-se dos conceitos de Marx, Gramsci, Karel Kosik, Suchodolski e Álvaro Moreira Pinto. Participaram, também, deste projeto pedagógico baseado na tendência progressiva histórico-crítica os educadores José Carlos Libâneo, Carlos Roberto Jamil Cury e Guiomar Namo de Mello. Nesta aula, analisamos as principais características da Pedagogia Liberal e suas vertentes: Tradicional, Renovada Progressista, Renovada Não-Diretiva e Tecnicista, bem como as vertentes da Pedagogia Progressista: Libertária, Libertadora e CríticoSocial dos Conteúdos. Na próxima aula, abordaremos a educação que desejamos e precisamos conso-

525 abordagens histórico-filosóficas da educação

No Brasil, Dermeval Saviani é o principal articulador desta tendência, também

lidar sob a ótica do paradigma social da contemporaneidade.

SÍNTESE Após caracterizarmos as correntes filosóficas, também chamadas de pedagogias ou tendências filosóficas que repercutem no processo educacional, podemos concluir que, na prática, uma não afasta a possibilidade da outra, uma não elimina a outra, essas tendências se mesclam continuamente. Seu conhecimento, contudo, permite ao/a educador/a tomar decisões conscientes de como conduzir o processo de ________________________

________________________ ________________________ ________________________ “Carpe Diem”3 ________________________ e seja feliz. ________________________ ________________________ ________________________ QUESTÃO PARA REFLEXÃO ________________________ Pense em práticas escolares vivenciadas por você que se associam às tendên- ________________________ cias estudadas. Quais as mais marcantes? Quais as que devem ser ressignificadas na ________________________ ________________________ atualidade? ________________________ LEITURA INDICADA ________________________ ________________________ SILVA, Décio Barros da. As principais tendências pedagógicas na prática escolar ________________________ brasileira e seus pressupostos de aprendizagem. Disponível em http:<//www. ________________________ depotz.net/readarticle.php?article_id=7>. ________________________ ________________________ SITES INDICADOS ________________________ ________________________ http://revistaescola.abril.com.br/ ________________________ http://www.centrorefeducacional.com.br ________________________ ________________________ http://www.espacoacademico.com.br ________________________ ensino-aprendizagem.

3

“Carpe Diem” quer dizer “colha o dia”. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser

economizada para amanhã. Acontece sempre no presente.


abordagens histórico-filosóficas da educação

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http://www.paulofreire.ce.ufpb.br/paulofreire/ http://www.rubemalves.com.br http://www.histedbr.fae.unicamp.br

REFERÊNCIAS FUSARI, José Cerchi. Tendências históricas do treinamento em educação. In: “A Educação do Educador em Serviço: Treinamento de Professores em Questão” -Tese Mestrado - PUC/SP- 1988. p. 13-27. Disponível em http://www.crmariocovas.sp.gov.br/edc_a. php?t=001 Acesso em 17 de abril de 2012.

LIBÂNEO, José C. Tendências pedagógicas na prática social. In: Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

MCLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação.

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Porto Alegre: Artes Médicas. 1997.

SILVA, Antônio Ozaí da. Pedagogia libertária e pedagogia crítica. In: Espaço Acadêmico. nº 42. Nov. 2004. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/042/42pc_critica.htm#_ftn1. Acesso em 17 de abril de 2012.

SILVA, Décio Barros da. As principais tendências pedagógicas na prática escolar brasileira e seus pressupostos de aprendizagem. Disponível em http://www.depotz.net/readarticle.php?article_id=7. Acesso em 17 de abril de 2012.


CONTEMPORANEIDADE

Autores: Karina Nery Embirussu e Sérgio Embirussu Barreto

Nas aulas passadas, estudamos aspectos da educação desde a antiguidade até os dias atuais. Grandes pensadores, filósofos, educadores de destaque colaboraram para firmar o processo educativo em cada época, apresentando teorias que abordavam a forma como adquirimos conhecimento, bem como as concepções de educação, escola, educador e educando. Agora, vamos situar o cenário educacional contemporâneo, com o intuito de entendermos melhor a educação que almejamos e precisamos consolidar. Esta será uma forma também de definirmos o nosso papel como profissionais no enfretamento dos problemas atuais no âmbito educacional. Aceita o desafio? Vamos lá!

527 abordagens histórico-filosóficas da educação

AULA 06 - OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NA

A história é organizada por períodos com características próprias, que se definem por um conjunto de aspectos filosóficos, sociais, econômicos e políticos, capazes de configurar modos de ser e de viver dos povos no decorrer de sua evolução. Esse processo de desenvolvimento dos grupos sociais apresenta oscilações entre movimentos de submissão e de autonomia às crenças e concepções estabelecidas em cada cultura. Acompanhamos, nas aulas anteriores, tal trajetória a partir do salto da visão mítica à reflexão filosófica, ocorrido na antiguidade, quando os indivíduos passaram

a usar sua capacidade intelectual para formular explicações sobre a vida, baseadas na ________________________ razão. Vimos, ainda, o exercício reflexivo ser dominado pela força da doutrina religiosa ________________________ nos tempos medievais. E, posteriormente, verificamos o ressurgimento da racionali- ________________________ dade que se estabeleceu pela superação do primado da fé a partir das concepções ________________________ filosóficas da modernidade. E, então, o que restou para testemunharmos na contem- ________________________ poraneidade?

O paradigma da contemporaneidade no mundo O mundo mudou, as pessoas mudaram, as filosofias são outras. Vivemos uma época de transição paradigmática. Você sabe, afinal, o que significa paradigma?

Um paradigma é um modelo, um conjunto de ideias e valores capaz de situar os membros de uma comunidade em determinado contexto, a fim de possibilitar a compreensão da realidade e a atuação a partir de valores comuns. Nesse sentido, uma crise de paradigma se define pela mudança conceitual dos modelos que satisfaziam essa comunidade, ao mesmo tempo que a caracterizavam. (ARANHAb, 2006, p. 358-359).

Desse modo, o modelo de sociedade atual é marcado por fatores essenciais como o sistema capitalista, o neoliberalismo, a globalização, o desenvolvimento tec-

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nológico, a crise da visão cartesiana de mundo, os quais produziram novas necessidades em escala mundial, definidas pela sustentabilidade, pelo consumo consciente, pela perspectiva interdisciplinar do conhecimento, pela democratização do ensino e pela educação permanente. O paradigma social contemporâneo, nesse sentido, exige a reflexão sobre os aspectos políticos, econômicos, culturais e educacionais vigentes, além de levantar questões de fundo sobre a condição do indivíduo na sociedade, sua participação e atuação nos processos de mudança social. Como estudamos em aulas passadas, não é possível atualmente vivermos ancorados no otimismo exacerbado da educação redentora, nem no imobilismo pessimista da educação reprodutora. Precisamos pensar em um projeto de sociedade no qual a diversidade, o desenvolvimento sustentável, a participação política e a gestão democrática sejam assuntos de relevo a serem discutidos não apenas por pessoas consideradas intelectuais, mas, principalmente, pelos cidadãos e cidadãs que estão ocupados em construir novos rumos para a sociedade em que vivem. Essa proposta emerge do discurso e da prática fundada na educação de cunho transformador, que se pretende libertária, que se baseia na relação dialógica entre educador e educando, tendo como premissa a visão crítica dos conteúdos e da realidade. Com base nesse cenário, indagamos: qual a proposta filosófica da educação

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contemporânea? Quais princípios sustentam tal processo formativo?

Educação permanente Os desafios da educação do século XXI estão calcados nos princípios de educar para a vida e ao longo da vida. É nessa perspectiva que foram definidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) os quatro pilares da educação para o século XXI, que configuram as quatro aprendizagens necessárias à vida na atualidade.

Figura 1 - Símbolo da UNESCO

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:UNESCO_logo_green.svg


gens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. (DELORS, 1998, p. 89-90).

Para nos apropriarmos efetivamente do tema, vamos descrevê-lo melhor:

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[...] a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendiza-

aprender a conhecer: propõe o domínio não dos saberes em si, mas das ferramentas de aquisição do conhecimento. O volume de informações veiculado pelos meios de comunicação demonstra que o acúmulo deve ser substituído pela aquisição significativa e que é necessário aprender a aprender, ou seja, desenvolver estratégias intelectuais, tais como atenção, memória e pensamento; aprender a fazer: é saber aplicar os conhecimentos construídos, tornar prática a teoria. Esta aprendizagem caminha na direção da formação profissional e está intimamente ligada ao aprender a conhecer; aprender a viver juntos: envolve as relações interpessoais, a resolução de conflitos, a liderança. É ensinar a conviver com as diferenças, negar a exclusão, compreender a diversidade e a interdependência entre as pessoas, enfim, viver com base na cooperatividade e colaboração, em detrimento da competição; aprender a ser: significa que a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa. Para alcançar seu objetivo, esta aprendizagem une todas as anteriores.

Tais saberes são fundamentais para o desenvolvimento pessoal e social do sujeito, sendo, portanto, sua inserção no currículo escolar indispensável.

Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida (DELORS, 1998, p. 99).

A concepção dos quatro pilares apresentados referenda uma educação que seja permanente, que se estenda por toda a vida, afinal sempre estamos conhecendo, pondo em prática os saberes adquiridos, nos espaços que ocupamos e na relação com as pessoas que nos rodeiam. Todas as experiências relacionadas aos conhecimentos, às ações e à convivência nos oportunizam sermos pessoas melhores, construirmos novos valores e assumirmos atitudes mais condizentes com as situações com as quais nos deparamos.

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[...] as missões que cabem à educação e as múltiplas formas que

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as pessoas, desde a infância até ao fim da vida, a um conhecimen-

pode revestir fazem com que englobe todos os processos que levem to dinâmico do mundo, dos outros e de si mesmas, combinando de maneira flexível as quatro aprendizagens fundamentais [...] (DELORS, 1998, p. 104).

Educar ao longo da vida reforça o ideal de Freire (1979) de que somos seres inacabados. As possibilidades de aprendizagem e crescimento pessoal são imensuráveis e têm sentido em todas as fases da nossa existência, especialmente quando se trata da aquisição de modo compartilhado, não individualizado. Santos (1994) destaca que a mudança de paradigmas que presenciamos hoje implica uma nova visão da subjetividade e do conhecimento. Novo perfil de ser humano e novas estratégias de aprendizagem vão se estabelecendo. Podemos concluir que cada época produz formas diferentes de compreensão da realidade, portanto reinventam as formas de conhecer e intervir no mundo. Diante desse cenário, a lógica educacional contemporânea requer novas formas de concepção do conhecimento, que valorizem a interdisciplinaridade, o pensamento complexo e a disseminação do mesmo a partir de meios e estratégias diversos.

________________________ ________________________ ________________________ Teoria da complexidade ________________________ A teoria da complexidade, proposta pelo filósofo Edgar Morin, se coaduna com ________________________ ________________________ a nova perspectiva do conhecimento. No combate ao reducionismo e à fragmentação ________________________ do conhecimento, Morin desenvolveu sua proposta filosófica ancorada nos princípios ________________________ da integração, do diálogo, do contexto, ou seja, da complexidade. ________________________ ________________________ Figura 2 - Edgar Morin ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte:http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Edgar_Morin_IMG_0558-b.jpg ________________________ ________________________ Edgar Morin nasceu em 1921 em Paris. Seu nome verdadeiro é Edgar Nahoum. Fez os estudos universitários de História, Geografia e ________________________ Direito na Sorbonne, onde se aproximou do Partido Comunista, ao


cia à ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Depois do fim da guerra, participou da ocupação da Alemanha. Em 1949, distanciou-se do PC, que o expulsou dois anos depois. Ingressou no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), onde realizou um dos primeiros estudos etnológicos produzidos na França, sobre uma comunidade da região da Bretanha. Criou o Centro de Estudos de Comunicações de Massa e as revistas Arguments e Comunication. Em 1961 rodou o filme Crônica de um Verão em parceria com o documentarista Jean Rouch. Em seguida, fez uma série de viagens à América Latina. Em 1968 começou a lecionar na Universidade de Nanterre. Passou um ano no Instituto Salk de Estudos Biológicos em La Jolla, na Califórnia, onde acompanhou descobertas da genética. Redigiu em 1994, com o semiólogo português Lima de Freitas e o

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qual se filiou m 1941. Teve papel ativo no movimento de resistên-

físico romeno BasarabNicolescu, um manifesto a favor da transdisciplinaridade. Em 1998, promoveu, com o governo francês, jornadas temáticas que originaram o livro A Religação dos Saberes. Em 2002, a Justiça o condenou por difamação racial devido a um artigo no qual dizia que “os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem sua ordem impiedosa aos palestinos”. Morin, que é judeu, pagou 1 euro como pena simbólica. Ainda diretor de pesquisas no CNRS, ele é doutor honoris causa em universidades de vários países e presidente da Associação para o Pensamento Complexo.

(http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/ arquiteto-complexidade-423130.shtml?page=3).

Morin destaca a necessidade de compreensão da complexidade do pensamento em detrimento da simplificação, que não revela a diversidade e a riqueza do todo. Precisamos reformar o pensamento, construir uma nova maneira de olhar o mundo e compreendê-lo. Religar os conhecimentos é uma das formas de alcançar tal objetivo. No campo educacional, a complexidade se apresenta de diferentes formas, a começar pela sala de aula, que é um espaço heterogêneo por natureza: integra um universo de sentimentos, diferentes personalidades, classes sociais, culturas, religiões e gêneros. A própria escola, que pode ser comparada a um organismo vivo, possui seus vários setores que precisam estabelecer um diálogo afinado para funcionar bem. Todos os saberes se entrecruzam e são interdependentes. O conhecimento, quando trabalhado de forma contextualizada, gera maior aprendizagem, uma vez que o estudante consegue relacioná-lo com sua vida pessoal. Nas atividades práticas, em visitas ou viagens, a aprendizagem é mais carregada de sentido do que na aula teórica exposta na sala de aula. Além da reforma do pensamento proposta por Morin, o mundo atual clama por novas estratégias de ensino e novos recursos de comunicação.

Novos recursos de comunicação A época atual demarca um momento de desenvolvimento brusco do conheci-

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mento. Aquilo que aprendemos na escola hoje já está obsoleto. Já imaginou que tudo que você está aprendendo nesta aula precisa ser ressignificado por você para continuar tendo sentido? Percebeu que você também produz conhecimento? A relativização das teorias e costumes tradicionalmente aceitos favorece a abertura de espaço para a autoria em vários campos do saber. Significa que hoje todo e qualquer cidadão e cidadã pode questionar os conhecimentos validados secularmente e sugerir novas formas de interpretação da realidade. A comunicação assume formas diferenciadas, o diálogo não carece mais da presença de dois ou mais sujeitos. É possível extinguir a distância e se comunicar com pessoas ou grupos em localidades diferentes simultaneamente. A ideia de produção do conhecimento em rede ganha força cada vez mais. Falamos agora em construção colaborativa. Eis que surge uma nova concepção filosófica, que apresenta novos conceitos de indivíduo, de sociedade e de educação, voltados à inteligência coletiva.

Devemos antes entender um acesso de todos aos processos de inteligência coletiva, quer dizer, ao ciberespaço como sistema aberto de autocartografia dinâmica do real, de expressão das singularida-

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des, de elaboração dos problemas, de confecção do laço social pela aprendizagem recíproca, e de livre navegação nos saberes. (LEVY, 1999, p. 196).

O acesso às mídias digitais, aos jogos eletrônicos e às redes sociais traduz a vigência de uma nova geração, que se assenta na produção/socialização do conhecimento de forma dinâmica, colaborativa e virtual. As mudanças no foco da aprendizagem, no modo como compreendemos o conhecimento, bem como as novas ferramentas utilizadas na sociedade contemporânea e, consequentemente, na escola, anunciam a existência de um novo perfil de educando. Se buscarmos caracterizá-lo, veremos que ele pertence a uma nova geração, diferente da geração de seus professores. Podemos classificar as gerações em três, conforme apresentamos a seguir:

Geração X, também abreviado como Gen X, é o termo que refere-se à geração nascida após o “Baby boom”. Embora não haja acordo em relação ao período que a expressão abrange, ela geralmente inclui as pessoas nascidas a partir do início dos anos 1960 até o final dos anos 1970, podendo alcançar o início dos anos 1980, sem contudo ultrapassar 1984.

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peito da juventude britânica. [...] O estudo revelou uma geração de adolescentes para quem era normal manter relações sexuais antes do casamento, que não acreditavam muito em Deus, que não gostavam da Rainha Elizabeth II e não respeitavam os pais.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_X)

Geração Y

A Geração Y, também chamada geração do milénio ou geração da

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O termo foi usado, por Jane Deverson, em um estudo de 1964 a res-

Internet, é um conceito em Sociologia que se refere, segundo alguns autores, à coorte dos nascidos após 1980 e, segundo outros, de meados da década de 1970 até meados da década de 1990, sendo sucedida pela geração Z.

Essa geração desenvolveu-se numa época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade econômica. Os pais, não querendo repetir o abandono das gerações anteriores, encheram-nos de presentes, atenções e atividades, fomentando a autoestima de seus filhos. Eles cresceram vivendo em ação, estimulados por atividades, fazendo tarefas múltiplas. Acostumados a conseguirem o que querem, não se sujeitam às tarefas subalternas de início de carreira e lutam por salários ambiciosos desde cedo. Uma de suas características atuais é a utilização de aparelhos de alta tecnologia, como telefones celulares de última geração, os chamados ‘smartphones’ (telefones inteligentes), para muitas outras finalidades além de apenas fazer e receber ligações como é característico das gerações anteriores.

[...] a chamada Geração Y cresceu em meio a um crescente individualismo e extremada competição. Não são jovens que, em geral, têm a mesma consciência política das gerações da época contracultural. E também, como as informações aparecem numa progressão geométrica e circulam a uma velocidade e tempo jamais vistos antes, o conhecimento tende a ficar cada vez mais superficial.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Y)

Geração Z é a definição sociológica para definir geração de pessoas nascidas desde a segunda metade da década de 90 até os dias de hoje.

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As pessoas da Geração Z são conhecidas por serem nativas digitais, estando muito familiarizadas com a World Wide Web, compartilhamento de arquivos, telefones móveis e mp3 players, não apenas

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acessando a internet de suas casas, e sim pelo celular, ou seja, extremamente conectadas à rede.

Desde o século passado, classificar gerações de épocas específicas e nomeá-las tem sido um hábito cada vez mais comum. Diferentemente de separar por idades, sexo ou renda, a classificação por gerações se apresenta mais correta para definir alguém, mesmo com o passar dos anos, pois ela permance com suas denominações, independente de mudanças pessoas, de faixa etária ou econômica.

Algumas denominações têm usado as letras do alfabeto. Assim a Geração X se refere aos filhos dos BabysBoomers da segunda guerra mundial e a Geração Y se refere aos filhos da Geração X. No entanto, uma nova denominação está sendo utilizada para uma geração de indivíduos preocupados, cada vez mais, com a conectabilidade com os demais indivíduos de forma permanente, a Geração Z.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Z)

Para saber mais sobre esse assunto, acesse os vídeos:

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http://www.youtube.com/watch?v=pydDtb18bxo&feature=related http://www.youtube.com/watch?NR=1&feature=endscreen&v=ctx6OlURwuQ

A evolução das gerações tem acompanhado o desenvolvimento político, financeiro e cultural do mundo contemporâneo de forma muito veloz. A escola, como instituição de formação por excelência, deve acompanhar esse ritmo, sob pena de não atender às exigências da vida social e do mercado de trabalho. A partir desse cenário, encontramos discussões polêmicas sobre os rumos da educação e a função social da escola.

Para Illich, um dos grandes mitos de nossa época está na crescente institucionalização: todos os nossos passos são submetidos a instituições criadas para “proteger” e “orientar”, mas que na verdade cerceiam as ações humanas. Saúde, nutrição, educação, transporte, bem-estar, equilíbrio psicológico, comunicação, ao serem colocadas nas mãos dos especialistas e tecnocratas, retiram dos indivíduos a capacidade de decidir por si mesmo (ARANHAa, 2006, p. 242).

Como vimos na citação, Illich questiona a relevância da escola. Sua crítica pode ser melhor compreendida através da sua indagação “por que não desescolarizar a sociedade?”. Para ele, uma forma de resolver os problemas da educação é entendendo que este não é o único e melhor espaço de aprendizagem. Ainda que os projetos pedagógicos sejam repensados, a estrutura física seja redimensionada ou que os profis-


deveria ser compartilhado por todos de forma democrática e livre.

Para saber mais sobre a proposta de Ivan Illich relacionada à sociedade sem escolas, assista ao vídeo através deste link: http://www.youtube.com/watch?v=L4da3qZhegU.

A posição de Illich é radical, mas nos provoca reflexões acerca da função social da escola e de que forma esta instituição tão importante para a sociedade está real-

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sionais sejam melhor qualificados, a escola limita e monopoliza o conhecimento, que

mente cumprindo sua finalidade, que é formar indivíduos para atuar digna, crítica e conscientemente nas esferas pessoais, profissionais e sociais.

O paradigma contemporâneo no brasil Você já parou para pensar sobre como os movimentos e propostas internacionais influenciam a nossa educação? As concepções filosóficas produzidas em nível mundial - escala global - repercutem nos países, confirmando a teoria da complexidade de Morin, que sustenta que tudo está intrincado. Estudamos em aulas anteriores que o século XIX esteve voltado para educação nacional, na qual a intervenção cada vez maior do Estado buscou estabelecer uma escola elementar universal, leiga, gratuita e obrigatória, enquanto o século XX enfocou a educação democrática. Historicamente, vimos que no Brasil, assim como no mundo, a educação sempre foi um meio de uso do poder. Os grupos opressores vislumbravam utilizá-la para por em prática seus interesses, em detrimento daqueles que não detinham o conhecimento e dela precisavam para, de algum modo, ascender socialmente. A pirâmide social sempre se fortaleceu através da educação, embora vários pensadores, ao longo da história, constituíssem teorias e discursos denunciadores. A centralização do conhecimento, tanto nas esferas políticas quanto nas escolas, tornou-se tradição, que apenas no fim do século XX e início do XXI começou a ser combatida com maior intensidade. Um dos eventos mais evidentes do uso exacerbado do poder e da centralização do conhecimento em nosso país foi o regime ditatorial militar que, se valendo da repressão, implementou uma educação castradora, capaz de silenciar vozes e o desejo de liberdade de expressão. Durante vinte anos (de 1964 a 1985) os brasileiros viveram o medo gerado pelo governo do arbítrio e pela ausência do estado de direito. Esses anos de chumbo, além de sofrimento dos torturados e “desaparecidos”, foram desastrosos para acultura e a educação (ARANHAb, 2006, p. 313).

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Esse foi um dos momentos de maior opressão sofrida pela educação brasileira, marcada pela negação à participação popular na vida política e à liberdade de expressão. O ensino deveria atender à ideologia de base da ditadura. Para tanto, foram extintas do currículo escolar as disciplinas Filosofia e Sociologia, que foram substituídas pelas disciplinas obrigatórias: Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social e Política Brasileira (OSPB), ambas para a educação básica, e Estudos dos Problemas Brasileiros, para o ensino superior. Outra ação do militarismo foi coibir a representação estudantil, através de grêmios, diretórios acadêmicos e diretórios centrais dos estudantes. Tal cenário mobilizou, além dos profissionais da área, toda a sociedade civil para pensar estratégias de resistência e implementar ações para superação da crise instalada. Era a hora de empreender esforços para consolidar a tão desejada democracia. Algumas personalidades se destacaram nessa luta, no âmbito educacional, tais como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro. Estes foram alguns dos educadores que se incomodaram com o conformismo e chamaram a atenção de toda uma geração para a máxima de que “a educação exige intencionalidade e recusa o espontaneísmo na ação.” (ARANHAb, 2006, p. 362). As políticas públicas brasileiras avançaram no sentido da universalização do ensino e da consolidação da democracia, ocasionando a aprovação de leis que devolveram à população as possibilidades de participação na construção da sociedade e

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resguardaram os direitos de grupos excluídos. Você conhece alguma lei recente que proporcionou esse avanço na área educacional? Vamos citar alguns exemplos:

Constituição Federal de 1988, que estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996, que se destacou por vincular a educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social e por disciplinar a gestão participativa e democrática dos sistemas de ensino público. Lei nº 11.684/2008, aprovada com o objetivo de alterar o art. 36 da LDB nº 9.394/1996, para a inclusão da Filosofia e da Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Lei 11.645/2008 disciplina a introdução no currículo oficial da temática história e cultura afrobrasileira e indígena.

Outras iniciativas tanto governamentais quanto no campo teórico e prático têm demonstrado que a educação brasileira está buscando tomar um rumo diferenciado no sentido da afirmação de sua identidade. Reconhecemos que há um hiato entre o real e o ideal. Ainda é necessário unir forças para o enfrentamento das desigualdades sociais, os processos de exclusão, extinguir os índices alarmantes de analfabetismo,


e que denunciam a necessidade de políticas de formação de professores que respondam aos anseios da educação atual. O que atende aos interesses atuais, no Brasil e no mundo, é uma educação emancipatória, que negue toda e qualquer forma de opressão, exclusão ou segregação, que possa abolir a simplificação e a forma linear de interpretar a realidade, que assuma o conhecimento como sua matéria-prima primordial, de forma reflexiva. É uma educação que tenha como projeto a construção de uma sociedade justa, igualitária e ética, que se concretize a partir da formação de cidadãos e cidadãs críticos e conscientes de sua participação ativa nesse processo. As educadoras e os educadores, então, agora como protagonistas, não mais espectadores, devem ser os intelectuais transfor-

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dentre outros problemas que caracterizam a crise em nosso sistema de ensino público

madores capazes de multiplicar a relevância desse propósito. O percurso trilhado até aqui revela que ainda temos um longo caminho pela frente, muito se tem a fazer pela educação. A reflexão sobre a responsabilidade que cada um assume na construção da história é o que nos marca como protagonistas do processo de instauração de uma educação de qualidade. Os temas contemplados nesta disciplina possivelmente serão revisitados, melhor discutidos ou aprofundados em outras disciplinas do curso, pois além dos aspectos filosóficos e históricos, exigirão outros elementos que demandarão um olhar muito mais apurado para analisá-los.

SÍNTESE Esta aula teve como objetivo apresentar o panorama educacional contemporâneo no mundo e no Brasil. Abordou os aspectos de relevo que caracterizam a época, tais como a educação permanente, as aprendizagens essenciais representadas pelos quatro pilares propostos pela UNESCO, o pensamento complexo e as novas formas de comunicação. Foi destaque, ainda, o avanço das políticas públicas ligadas à educação democrática e emancipatória. As abordagens históricas e filosóficas foram delineadas de forma articulada, com o propósito de demonstrar que todo momento histórico possui uma ou mais concepções filosóficas a ele atreladas, assim como toda proposta filosófica está carregada de historicidade. História e Filosofia são áreas indissociáveis e imprescindíveis para a compreensão da realidade passada ou presente.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Reflita sobre o avanço ocorrido no âmbito educacional atual e sobre os reflexos desse avanço na educação experienciada na região onde você vive.

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LEITURA INDICADA IVAN ILLICH: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/ illich/#Educa%C3%A7%C3%A3o%20sem%20Escola

SITES INDICADOS http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/arquitetocomplexidade-423130.shtml?page=all http://4pilares.net/text-cont/delors-pilares.htm http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/sonho-dramapresidente-423064.shtml?page=all http://www.brasilcultura.com.br/historia/redemocratizacao-historia/

REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 2006a.

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ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 2006b.

DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo; Cortez, 1998.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre a ciência. Lisboa: Edições Afrontamento, 1994.

http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/arquiteto-complexidade-423130. shtml?page=3

http://pt.wikipedia.org


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