Ser Corpo - Dyana Santos

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado ao Colegiado de Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais.

Habilitação: Pintura Orientador: Mário Azevedo Escola de Belas Artes da UFMG Belo Horizonte, 2014 Dyana Santos

Ser Corpo Dyana Santos

Agradeço aos meus pais e à minha irmã, pelo amor, apoio

e incentivo incondicionais. Aos professores, em especial ao Mário Zavagli, Giovanna Martins e Andrea Lanna, pela generosidade com que transmitem seus ensinamentos.

Aos amigos artistas Gilson Rodrigues, Gizelle Cândido, Samuel Wenceslau, Gabriella Sousa, Daniel Guimarães, Xikão Xikão, Aline Firpe, Fabrício Fernandino e Mário Azevedo, pelo carinho, pelas parcerias e trocas artísticas. À Cristina Andrade e Luiz Henrique Vieira, por gentilmente aceitarem o convite para compor a banca. E à Bela, por tudo.

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Mais do que produzir um objeto, o artista trabalha para desenvolver uma vida de significações, propagar um comprimento de ondas, modular a frequência conceitual em que suas proposições serão decodificadas para um público. Uma “ideia” pode, assim, passar do sólido para o flexível, de uma matéria para um conceito, da obra material para uma multiplicidade de extensões e declinações. Arte da transferência: transportam-se dados ou signos de um ponto para outro, e esse gesto expressa nossa época mais do que nenhum outro.

(Radicante, Nicolas Bourriaud)

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10.

Prefácio Imagético 19.

Introdução

21.

XIFOPAGIA: corpo-identidade

Identidade: uma invenção cultural

51.

RELICÁRIO: corpo-memória

65.

PÓ DE ESTRELAS: corpo-consciência

88.

Projeções e Considerações Finais 90.

Posfácio Imagético 98.

Referências

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*As legendas podem ser consultadas no Caderno de Imagens, que acompanha este Trabalho.

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A partir da leitura de meus diários de bordo (elabora-

a consciência, como parte do todo; num movimento

dos durante os Ateliês de Pintura I, II, III e IV) e de um

que vai do bidimensional ao tridimensional, das fi-

olhar atento sobre fotografias dos meus trabalhos,

guras duplas e singulares, às múltiplas e dos tons

em processo ou finalizados, apresento aqui um pa-

pastéis ao uso mais expressivo da cor.

norama reflexivo da minha produção pictórica entre 2012 e 2014. Seccionado em três capítulos, cada um

As artes visuais formam o prisma pelo qual perce-

referente a uma série temporariamente concluída,

bo e procuro compreender o mundo. Minha principal

este Trabalho de Conclusão de Curso traz relatos

busca através do meu trabalho é decodificar campos

pessoais e reflexões que ajudam na contextualização

sensíveis e intangíveis por meio de imagens, que são

e melhor entendimento dos trabalhos em conjunto e

oferecidas ao outro na possibilidade deste encontrar

isoladamente.

correspondências.

O ser enquanto corpo (ou o corpo como ser), interesse central em meu trajeto, é aqui explorado sob três campos sugestivos: a identidade, a memória e

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Xifopagia corpo-identidade

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Trago comigo desde o tempo de criança um grande fascínio pelo corpo e pela figura humana. Tenho a lembrança de, numa certa tarde, sentar-me à mesa da copa para fazer o dever de casa do jardim de infância, que consistia em desenharmos a nós mesmos ou a nossa família. Iniciei a tarefa esboçando um clássico boneco-palito, que ornamentaria em seguida. Observando o desenvolvimento do desenho, minha mãe perguntou por que eu estava desenhando daquela forma. Respondi que era porque todos os colegas desenhavam assim. Ela então, tomou o lápis da minha mão, e num pedaço qualquer de papel fez seu próprio desenho, que na minha percepção se parecia com um misto de boneco-palito com gente de verdade. Enquanto ela fazia o esboço me dizia

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que não precisava desenhar como todas as pessoas

porque minhas mãos não conseguiam realizar o que

faziam, que podia encontrar minha própria maneira

minha imaginação idealizava, reuni algumas sucatas

de representar as coisas. Creio que recebi um belo e

e decidi que faria um robô, meu próprio Frankens-

importantíssimo presente de minha mãe.

tein. Um dos pontos altos desta jornada foi quando, já no ensino médio, arrisquei-me a fazer minha pri-

Este ato espontâneo me abriu um mundo de possibi-

meira figura em escorço, auxiliada pela observação

lidades, me conduzindo a uma verdadeira empreitada

de meu corpo nu refletido no espelho. Foi o mais pró-

em torno da representação e apresentação da figura

ximo que consegui chegar de um naturalismo ideal

humana. Meu passatempo favorito tornou-se então

nesta tarefa um tanto solitária.

o desenho, atividade que desenvolvi incansavelmente por toda a infância e adolescência. Minhas referências imagéticas durante um bom período foram os cadernos de arte dos jornais de domingo (que meu pai trazia), as ilustrações contidas em meus livros de fábulas e as revistas de moda de minha mãe. Aos catorze anos descobri as pinturas renascentistas e barrocas nos meus livros de História, momento em que a busca se tornou quase uma missão alquímica, à procura do elixir da vida. Meu objetivo desde então passou a ser criar desenhos que tivessem vida própria. Recordo-me de uma manhã em que, frustrada

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Em minha busca, tão importante quanto o olhar sobre o corpo, era o olhar sobre o diferente como algo que nos identifica, estimulada por aquela experiência inicial com minha mãe. Comecei a observar e admirar as diferenças de cada um e a identificar minhas próprias peculiaridades. Nestes termos, coleciono

presença cotidiana ao longo da vida ser nele condu-

recordações que já se tornaram um interessante

zida e materializada. É nele e através dele que per-

material de base para alguns de meus desenhos,

cebemos o entorno e nos conectamos com o mundo.

que nesta época eram, ainda que em menor escala,

Nas palavras de Nízia Villaça e Fred Góes, “Viver,

a forma como eu registrava e buscava compreender

nesse sentido, é assumir a condição carnal de um

o mundo, utilizando o corpo e a figura humana como

organismo cujas estruturas, funções e poderes nos

suportes e veículos de minhas impressões.

dão acesso ao mundo, nos abrem à presença corporal do outro”1 , nos põe em contato com todos os

Talvez, esse tamanho interesse pelo corpo (que só

outros, mesmo quando este outro é uma outra face

se intensificou desde então) se dê pelo fato de nossa

de nós mesmos, parecido, estranho ou diverso.

VILLAÇA, Nizia; GÓES, Fred. Em nome do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 23

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Dor”, de Leonardo da Vinci, que ilustrava um destes cadernos de arte em jornais de domingo. O certo é que passaram a me olhar e a exercer um grande encantamento sobre mim.

O enlevo estava na dubiedade destes corpos: dois Minhas primeiras pinturas, realizadas no início da

seres partilhando as mesmas seções de um corpo,

graduação, apresentavam como única constante

logo, dois corpos formando apenas um. Seres dis-

a presença do corpo. Não havia uma demanda por

tintos, porém o mesmo. Um todo formado de duas

unidade temática ou formal e as imagens-referên-

partes, se espelhando na vida e na morte. Frente a

cias eram praticamente reproduzidas em termos de

um confronto, a vontade de quem deve prevalecer?

composição. Meu interesse consistia em explorar as

Se um agoniza e o outro se inebria em felicidade,

possibilidades pictóricas neste primeiro contato com

como reage este corpo duplo? Estas dicotomias e

as diferentes técnicas e materiais. Neste sentido,

dubiedades me levam a acessar as minhas próprias

considero “Xifopagia” um marco em minha produção,

ambiguidades, minhas “Duas Fridas”. Vi na imagem

pois é a primeira vez que uma série é formada.

dos xifópagos uma metáfora para nossas identidades contemporâneas, que hora se somam, hora se

Nesta série, o corpo duplo é uma constante, apre-

subtraem; opõem-se e sobrepõem-se, num jogo que

sentado, na maior parte dos trabalhos, por figuras

diz muito sobre identificações e conflitos eternos da

de gêmeos xifópagos. Tais figuras, talvez, tenham

humanidade.

me sido transmitidas pela “Alegoria do Prazer e da

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Foram estas áreas de sentimentos que guiaram na construção das minhas imagens, como se elas fossem uma tentativa de decodificar sensações e percepções. Apesar de um planejamento prévio, considero as minhas pinturas um tanto intuitivas; elas surgem num movimento de dentro para fora. A imagem que se revela durante o processo pictórico conduz as reflexões teóricas, que servem, então, de base para a elaboração do trabalho subsequente.

“Xifopagia” não foi uma série planejada. Sua formatação se deu durante o próprio processo, no qual uma pintura por vezes sugeria a seguinte, que se movimentava tanto num sentido de continuidade quanto de ruptura. Cada pintura se revelava um laboratório, um universo a ser explorado, desde a escolha do suporte às pinceladas até seu estágio final.

O primeiro trabalho da série foi realizado ainda na disciplina de Pintura-Projeto, como proposição de um exercício que consistia na busca por suportes

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não convencionais para a pintura. Minha proposta foi a realização de uma pintura sobre uma persiana vertical. A sobreposição das fitas talvez tenha me levado a um campo de sensações meio fragmentar do qual surgiram as figuras humanas também sobrepostas, o que me sugeriu dubiedades físicas e identitárias.

As dificuldades do material, muito absorvente, determinaram uma pintura mais plana. Desta vez, os tons pastéis da tinta a óleo, já trabalhados em pin-

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turas anteriores, vieram a dialogar com volumes corpóreos que, embora pertençam a universos distintos, relaciono aos trabalhos de Jenny Saville. As padronagens surgem como solução de um fundo etéreo e ordenado, para equilibrar o peso dos corpos com um dado material.

A sequência desta série foi trabalhada de maneira mais intensa durante a disciplina Atelier I. Na segunda e terceira pinturas, procurei um suporte que fosse tão etéreo quanto o fundo constituído de padronagens, chegando assim ao voil. A dificuldade inicial em pintar sobre este suporte, devido a sua trama aberta, logo foi resolvida com testes de encolagem.

A pintura plana do trabalho anterior me levou a explorar áreas de pintura mais matérica, alternadas com áreas inacabadas e veladuras transparentes. A busca por uma certa materialidade talvez também tenha sido estimulada pelo convívio com os colegas de atelier, aonde sentia um interesse comum por esses procedimentos.

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Nas telas em voil, utilizei bastante as aguadas em tinta acrílica; um recurso para se trabalhar os fundos e uma tentativa de encobrir (e/ou destacar) a estrutura do chassi, visível através do suporte – questão que ainda busco solucionar.

Na terceira pintura senti a necessidade de explorar a transparência do suporte pintando também em seu avesso. Em determinadas áreas, não encolados, a tinta invadia o lado direito do tecido me sugeriram o trabalho de texturas em seu fundo, pintando com massas de tinta pelo verso.

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Os trabalhos seguintes foram impulsionados por movimentos de ruptura. A quarta pintura, intitulada “Xifópagos”, foi a busca por uma representação mais sintética em termos formais. Nela, voltei a utilizar a lona, tradicional suporte pictórico, numa pintura caracteristicamente mais acadêmica. Considero esta síntese alcançada um grande ganho para o trabalho, pois ela foi o princípio de um olhar mais atento às estruturas corporais e suas relações com o espaço no qual estão inseridas. Trabalhei através de pensamentos que me impulsionaram a explorar o espaço tridimensional por meio da pintura, em soluções mais desafiadoras.

Em “Ofélia”, a quebra se encontra na figura, que

de de trabalhar com elementos do terceiro plano no

não mais se apresenta como dupla em termos re-

espaço bidimensional da pintura.

presentacionais; a duplicidade aqui está na relação

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entre o bidimensional e o tridimensional. O emprego

As queimaduras e incisões em meu trabalho se de-

do molde em atadura gessada surgiu neste trabalho

ram também num impulso de ruptura, resultando na

após o contato com as pinturas de Adriana Varejão; a

desconstrução do suporte para revelar-lhe o aves-

partir deste momento, me encantei pela possibilida-

so. Ao romper-lhe a pele, posteriormente suturada,

buscava evidenciar-lhe os ossos, com a estrutura do chassi a mostra, em um contexto bem vindo.

Se nos trabalhos anteriores o questionamento identitário era sugerido por meio dos corpos duplos, em “Ofélia” é a morte quem questiona a natureza do ser e sua identidade aos pedaços. A referência para este trabalho pontual, que decidi agregar a série por ter sido elaborado no mesmo período, foi uma das imagens mais bonitas e aterrorizantes de que tenho memória: a exumação dos ossos de uma parenta longínqua. Era criança quando, entre os adultos, tentei espiar escondido o conteúdo do caixão aberto.

Os ossos, escuros e carcomidos, se encontravam alinhados e envoltos em fragmentos amarelados do que um dia foi um vestido de noiva; elementos que compuseram minha própria Ofélia.

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“Xifopagia” é, desta maneira, o resultado de uma confluência de interesses. Seu agrupamento em série foi demandado pelo próprio trabalho e pelo trabalhar. Como observa Francis Bacon sobre suas séries, “um quadro reflete o outro continuamente e às vezes eles ficam melhores quando estão juntos No último trabalho desta série in progress, houve

do que quando estão separados, e também porque,

uma ruptura narrativa da figura dos xifópagos, ainda

in[felizmente], ainda não consegui fazer aquela ima-

interligados por uma espécie de cabo de força umbi-

gem que é capaz de reunir nela todas as outras. Por

lical. O elemento tridimensional foi inserido ao traba-

isso, uma imagem contraposta a outra parece que

lho por meio de incisões, recursos resignificados do

pode comunicar muito mais”2 daquilo que anseio.

trabalho precedente. O fundo, etéreo e transparente, não mais se apresenta adornado em padronagens,

Percebo sua inconstância formal como elemento po-

mas exibe as estruturas fundamentais dos chassis,

tencializador da metáfora narrada pelos xifópagos, o

os ossos deste corpo-tela. O grande desafio aqui (por

que também me leva a questionar o estilo, algo con-

mim mesma proposto) foi a realização de um díp-

siderado por muitos como sinal de maturidade em

tico constituído por tondos, que não se restringia à

um trabalho. Se a obra é realizada pelo corpo do ar-

solução das pinturas isoladamente, mas também se

tista, e este corpo-artista é inerentemente mutante

relacionando explicitamente ao seu conjunto, à sua

em suas identidades e identificações, a constância de

duplicidade.

um estilo seria um movimento genuíno?

SYLVESTER, David. Entrevistas com Francis Bacon. São Paulo: Cosac Naify, 2007. P. 22.

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Identidade: uma invenção cultural Se, por um lado, o corpo é este objeto que nos conecta com o mundo, com nós mesmos e com os outros, por vezes idealizado em suas formas de identificação e pertencimento, por outro, constitui o próprio sujeito. Segundo Maria Rita Kehl (citada por Katia Canton) “existe [aí] um paradoxo interessante, porque dizemos sempre ‘meu corpo’, como se existisse um eu em algum lugar externo ao corpo que é dono desse corpo, porque não existe nenhum eu em nenhum outro lugar que não seja o próprio corpo. Quer dizer, o eu é o corpo”3.

Desta forma, somos ao mesmo tempo sujeito e objeto. Somos um corpo em constante metamorfose ao longo do tempo e do espaço, formado a partir de dois materiais genéticos e potencialmente portador de inúmeras possibilidades genotípicas, fenotípicas, ideológicas e psicológicas. Um ser cambiante por natureza, um conjunto de probabilidades. Neste contexto, a busca por definições fixas se faz tão contraditória quanto inalcançável. Este é um pensamento contemporâneo, frequentemente colocado em muitas de nossas elaborações mais atualmente.

Zygmunt Bauman nos introduz a noção de dois tipos de comunidades identitárias. Uma delas inclui as comunidades de vida e

de destino, como nacionalidade, gênero, raça, família ou classe social, cujos membros são unidos por laços sociais herdados; e outro, que se refere àquelas fundidas por ideias ou princípios, como agrupamentos formados a partir de gostos e interesses em comum. No entanto, a identidade é descrita por ele como uma ficção, que “só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto”. É, portanto, uma tarefa inconclusa, “realizada vezes e vezes sem conta, e não de uma só tacada”4.

Tomemos, por exemplo, a criação da ideia de nação pelo Estado moderno. A ordem que vigorava nas regiões pré-nações era a sociedade de conhecimento mútuo, em que ela era entendida como a vizinhança adjacente; uma infinidade de religiões, línguas, costumes e etnias compunham estas regiões. A fim de legitimar a imposição de subordinação incondicional de seus indivíduos, uma uniformização cultural foi aplicada ao longo de todo território, aos modos do modelo francês. “Não fosse o poder do Estado de definir, classificar, segregar, separar e selecionar, o agregado de tradições, dialetos, leis consuetudinárias e modos de vida locais, dificilmente seria remodelado em algo como os requisitos de unidade e coesão da comunidade nacional”5.

Com o desenvolvimento dos meios de transporte, as vizinhanças foram desaglutinadas e as bordas do território habitadas. A identidade nacional exigia adesão inequívoca e fidelidade exclusiva,

CANTON, Katia. Corpo, Identidade e Erotismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 24.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 17, 18, 21.

5 BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 24, 27.

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alcançadas pelo Estado por meio do poder coercivo da exclusão.

O principal mecanismo de poder do Estado, nesta tarefa de atribuir uma identidade forçada, foi a natividade do nascimento: “A ficção aqui implícita é que o nascimento [nascita] vem à luz imediatamente como nação, de modo que não pode haver diferença alguma entre os dois momentos”6.

práticas sexuais e diferenças: um olhar autorizado, segundo uma ótica masculina, empregando como padrão o comportamento de homens brancos, pertencentes às classes média e alta das sociedades urbanas ocidentais. Ainda hoje tais padrões são facilmente identificáveis em nossa sociedade.

Concomitante à natividade do nascimento, na ancoragem do Estado-Nação, uma outra ficção é criada: a divisão binária da sociedade. Guacira Louro nos apresenta um pequeno histórico desta divisão. Até o início do século XIX, vigorava o modelo de sexo único, em que os indivíduos eram hierarquizados em torno do sexo masculino. Neste modelo, acreditava-se que também as mulheres portavam, internamente, as mesmas estruturas do órgão genital masculino. Nas palavras de Thomas Laqueur: “as mulheres eram essencialmente homens nos quais uma falta de calor vital – de perfeição – havia resultado na retenção, interna, de estruturas que nos machos eram visíveis”7.

Hoje sabemos que somos corpos habitados por discursos, corpos que carregam discursos como parte de seu próprio sangue, que, por vezes, nos determinam e nos definem de maneira arbitrária. Nos fazem homens ou mulheres numa sociedade binária, processo “baseado em características físicas que são vistas como diferenças e às quais se atribui significados culturais. Afirma-se e reitera-se uma sequência de muitos modos já consagrada, a sequência sexo-gênero-sexualidade”8. Esta ordem pressupõe o sexo como um determinante a-histórico, a-cultural, imutável e binário, categorizando como anormal ou ilegítimo todo um espectro de indivíduos que desta pré-destinação desviam como monstros, aberrações, doentes.

A divisão binária surge, então, como um mecanismo que permite ao Estado-Nação regular a família, as práticas sexuais e a reprodução, de forma a garantir a vida e a produtividade de seu povo. Ainda segundo Louro, no final do século XIX, homens vitorianos utilizavam de discursos carregados da autoridade da ciência para normatizar os corpos de homens e mulheres, suas

Vejo o marketing capitalista como um dos grandes intensificadores do binarismo: vivemos num mundo rosa e azul. A partir dos anos 70, iniciou-se a separação de brinquedos infantis, determinando-se: frescuras para garotas e força para garotos9 , numa estratégia que, visando ao lucro, divide os consumidores em dois grupos, segundo seu sexo, desconsiderando o espectro do gê-

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 25.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 77, 79.

8 LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 15.

9 Gendered marketing. https://www.youtube.com/watch?v=d6AWeBDqMJI 6 7

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nero. Esta segmentação pode ser observada nas mais variadas linhas de produtos, infantis ou adultos, por vezes tão associados a um gênero que o outro se recusa a comprá-lo.

Tais noções de identidades são questionadas apenas quando seu pertencimento é negado ou deixa de ser importante. “Quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer ‘natural’, predeterminada e inegociável, a ‘identificação’ se torna cada vez mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um ‘nós’ a que possam pedir acesso.”10 É a isto que assistimos com as desconstruções de toda ordem que marcaram os anos 90. Nas palavras de Villaça e Góes, mergulhamos [...] na destruição ou indistinção dos modelos, exemplificada pela queda do Muro de Berlim, pela dissolução da União Soviética, pelo questionamento dos padrões éticos, pelo processo de estetização geral e o sequencial abalo do estatuto da criação artística, pelas turbulências e revoluções da nova física e da nova biologia e, finalmente, pela multiplicação de vozes que se configuram em reivindicações e radicalismos de caráter fundamentalista11.

Uma nova ordem corporal é adicionada à precedente, apoiando-se dentro de “uma visão antropológica global, que consider[a]

os múltiplos mitos que atravessam a contemporaneidade, as invenções que revolucionam o conhecimento, aprendendo que ordem/desordem não são excludentes e podem dar lugar ao novo”. Assim, se por um lado o ato de fazer o corpo ainda pode ser um instrumento de poder opressor, normatizador, por outro é também um instrumento de poder do indivíduo, que dele se utiliza para se posicionar no interior de um grupo ou na sociedade.

“O hábito da alteração do corpo, comum a várias culturas, atinge hoje seu ápice, desestabilizando categorias tradicionais como homem/mulher”, o humano torna-se “um ser mutante, um corpo virtual, e interferindo, até mesmo, na sua estrutura química”.

A antiga questão de aceitar ou não o corpo, agora cede lugar a “pensar os limites do corpo e suas possibilidades de significar” 12.

Incontáveis são os artistas e figuras midiáticas que ilustram este quadro, construindo, desconstruindo ou testando os limites de si próprios: Matthew Barney, Orlan, Marina Abramovic, Berna Reale, Madonna, Lady Gaga, Michael Jackson, Ney Matogrosso, Ed Marte, e uma série de barbies humanas...

Nesta configuração atual, esbarramos em questões éticas e, muitas vezes, numa postura redutora, atribuímos à sociedade de consumo a idealização e manipulação do corpo. Frente a isto, Villaça e Góes assinalam:

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 30.

VILLAÇA, Nizia; GÓES, Fred. Em nome do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 29.

12 VILLAÇA, Nizia; GÓES, Fred. Em nome do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 28, 30, 33.

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É preciso evitar a postura unívoca de se colocar a favor ou contra a sociedade de consumo e suas simulações, a favor ou contra as mirabolantes fantasias difundidas pela técnica. Não se trata de ver apenas o corpo disciplinado, que permanece na obediência cega as regras do look, no sacrifício ascético em prol da manutenção da juventude, e da bela forma.

O corpo, com suas estratégias, como também coloca o professor Maffesoli, não é apenas veículo de aparência enganosa, mas lugar de fascínio, sedução, criação de alianças, via de pactos estéticos que celebram o prazer, a criatividade e o humor. 13 Gostaria de concluir esta problematização em torno do tema identidade propondo uma reflexão a partir do filme “A Pele que habito”. Nele, um jovem que supostamente comete um estupro é sequestrado e tem seu corpo reconstruído por um médico, pai da vítima, à forma e semelhança da falecida mãe da garota. Neste processo de remodelamento de seu corpo, não apenas seu sexo é modificado, mas também seu gênero: aprende a se maquiar, a vestir-se como mulher, a portar-se como tal. De sua antiga identidade, restam-lhe apenas os olhos, pois até sua pele é trocada.

Ao final do filme, o rapaz, agora uma mulher, retorna para casa e reencontra a mãe. Obviamente não é reconhecido à primeira vista; o processo de identificação só acontece por meio do relato

13

de situações vividas por ambos.

Esta narrativa me leva a citar outra, relatada pela historiadora Norma Côrtes, durante o Seminário “Espaço, Trabalho e História”, promovido pelo projeto “Inhotim Escola”, em julho deste ano.

Durante muito tempo, espelhos não eram comuns na casa das pessoas simples, fato este que afetava-lhes a percepção física de si próprios e dos outros. Neste contexto, certo alguém sofre um naufrágio, demorando anos até que consiga retornar para casa. Durante estes anos, várias pessoas aparecem dando-se por ele. Quando retorna, não é reconhecido e, diante da dúvida de quem verdadeiramente seria ele, o que o identifica é o discurso oral, mais uma vez, a memória dos acontecimentos vividos em comum.

Seres cambiantes que somos, espelhados em uma certa xifopagia, fragmentados, inconstantes em nossas modificações biopsicológicas, identidades e identificações culturais, ponho-me a pensar que talvez a única coisa mais ou menos fixa que nos identifique sejam nossas memórias compartilhadas – registro etéreo de nossas viagens.

VILLAÇA, Nizia; GÓES, Fred. Em nome do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 33.

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Relic谩rio corpo - mem贸ria

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Eu que sou o que agora está cantando serei em breve o misterioso, o morto, o morador de um mágico e deserto orbe sem antes nem depois nem quando. Assim afirma a mística. Não julgo que mereça o Inferno nem a Glória, porém nada prevejo. Nossa história se altera como as formas de Proteu.

Que errante labirinto, que brancura cega pelo fulgor será a minha sorte, quando me entregue o fim desta aventura essa curiosa experiência, a morte? Quero beber seu cristalino Olvido, ser para sempre; mas nunca ter sido.

(Os enigmas, Jorge Luis Borges)

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cei a tocar meu rosto veementemente. Naquela hora, como Medusa petrificada pelo próprio reflexo, tive uma certeza: um dia não iria mais ver, ouvir, falar ou sentir; eu iria desaparecer. Espelhando-me no vazio reconheci minha morte futura, e tudo ficou branco.

Voltando à memória, meu primeiro contato íntimo

Em “Relicário” trabalho um universo bastante pesso-

com a morte se deu aos oito anos de idade. Lembro-

al, trazendo alguns conteúdos autobiográficos muito

me de estar em sala de aula quando um feixe de luz

evidenciados em sua concepção plástica. Hoje, vejo

alaranjada adentrou o ambiente anunciando a morte

este trabalho como uma segunda pele, descamada

de meu bisavô – naquela tarde, pela primeira vez,

e exposta; nas palavras de Leonardo Da Vinci, como

o relógio parou. O velório foi muito tranquilo, e sua

vestiduras do sentido14. Há muito pensava em desen-

morte foi recebida como um descanso justo àquele

volver um trabalho com a temática da morte, mas

homem quase centenário que antes sucumbia enfer-

esbarrava na dificuldade de traduzir em imagens mi-

mo. No cortejo final, me foi dada a tarefa de segurar

nhas percepções em relação ao tema, de materiali-

a mão de minha avó e éramos, naquele momento,

zar o etéreo. Acredito que o gatilho inicial tenha sido

duas crianças a compartilhar o som surdo que a

despertado pelo próprio suporte, além das impres-

morte exalava. Após os ritos, na casa de minha avó,

sões antigas, guardadas e narradas acima.

sem motivo aparente, me dispersei do grupo que se reunia na cozinha e dirigi-me ao banheiro. Erguendo-

Recordo-me de ter acabado de desenvolver o díptico

me na ponta dos pés para alcançar o espelho, come-

composto pelos tondos da série “Xifopagia”; na épo-

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DIDI-HUBERMAN, Georges. A pintura encarnada: seguido de A Obra-Prima Desconhecida, de Honoré de Balzac. São Paulo: Escuta,

2012. p. 19.

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ca, a minha pesquisa de suportes era bastante inten-

meu inconsciente imagético e habitarem meu coti-

sa. Os tondos me sugeriram o formato quadrado. Na

diano passado.

minha percepção, ele apresenta o mesmo grau de dificuldade do círculo, pois ambos direcionam o olhar

A princípio, a ideia era desenvolver um tríptico que

do espectador diretamente para seu centro. Resol-

abordasse a questão do tempo, no qual trabalharia

ver composicionalmente esta questão foi um desafio

minha passagem pelo passado, explorando o nasci-

que senti a necessidade de aceitar e tentar resolver

mento e a infância; o presente e o futuro, relacionan-

em uma certa radicalização.

do-os à morte certa. Encomendei, então, três gavetas de madeira que, para minha surpresa, chegaram

A escolha por gavetas, por sua vez, veio da possi-

imprimadas em tinta látex branca. Estas gavetas,

bilidade de explorar mais a colagem de objetos tri-

brancas, absorveram as cores da minha infância e

dimensionais, iniciada com “Ofélia”, em um suporte

do meu presente lançando-me com potência a um

rígido e continuar a minha pesquisa por suportes

esvaziamento de minha própria existência.

mais teatrais, cenograficamente sugestivos em sua tridimensionalidade. Oratórios, caixas, armários, relógios antigos e biombos constituíam alguns dos muitos objetos que me interessavam por estes aspectos. Hoje percebo melhor certa relação deste trabalho com as caixas de Joseph Cornell e os objetos de Farnese de Andrade. É possível que também tenham me direcionado nesta escolha, por povoarem

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Materializar o vazio ou o esvaziar-se do corpo diante

blage utilizando meus vestígios como ingredientes.

da morte, só me foi possível a partir do pensamento

Num primeiro momento selecionei alguns brinque-

da memória do corpo. Acredito que seja por meio da

dos, sapatos e roupas da primeira infância, peque-

memória que um ser, através de seu corpo, conti-

nos objetos e uma fotografia. As composições me

nua a viver após sua morte; memória materializada

pareciam muito carregadas, o que ia contra minha

em suas fotografias, objetos pessoais, memórias

intenção de capturar o vazio. Ademais, precisava de

coletivas de feitos e situações; mais que registros,

vestígios de minha existência no presente, que não

vestígios.

fossem a própria obra realizada. Necessitava apreender meu ser ao trabalho, para que o espectador

Ainda persigo meus vestígios, agora de forma cons-

reconhecesse imediatamente meu corpo e existên-

ciente, incorporando-os ao repertório de meus tra-

cia, e em seguida reconhecer o vazio e/ou o esvaziar-

balhos. Este interesse antigo se tornou mais pronun-

se dos mesmos.

ciado no início de 2012, quando comecei a reunir e colecionar insetos mortos, reproduções digitais de

Desta maneira, reduzi os elementos a duas bonecas.

fotografias post-mortem vitorianas de peças ana-

Reproduzi a fotografia em um desenho à grafite e

tômicas, múmias, corpos embalsamados e imagens

lápis conté branco, para trazer mais humanidade à

de criogenia, além de fotografias e objetos antigos

imagem. A escolha do papel vegetal como suporte

pessoais e da minha família.15

veio do trabalho anterior da pintura sobre voil, suporte que me remete ao etéreo por sua transparên-

Assim, de forma intencional e ao mesmo tempo aci-

cia e fragilidade. Por fim, encontrei nos fragmentos

dental, desenvolvi meu primeiro trabalho em assem-

de moldes em atadura gessada um recurso que me

15

Algumas destas imagens podem ser vistas no Pequeno Gabinete de Curiosidades, que acompanha este Trabalho.

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permitiu deixar meu corpo impresso, sinalizado, no trabalho de forma mais evidente, quase tautológica.

Penso nestes objetos pessoais como crisálidas que vamos deixando ao longo do caminho à medida que temos nossos corpos, nossos seres, metamorfoseados pela própria vida. Atribuo uma maior potência a esta comparação aos moldes em atadura gessada.

Atenuados do fator cultural que imediatamente conferimos às roupas e brinquedos – por exemplo, uma série de determinações binárias – estas impressões corporais dizem mais do ser humano, de sua inevitável fisicalidade.

Estes moldes, talvez pela fidelidade aos volumes corporais somada à sua textura – que me remete às gazes utilizadas para cura em enfermos, ao sudário que abrigou o corpo de Cristo morto ou aos fragmentos ósseos de santos contidos nas relíquias – me deram a sensação de serem fragmentos mesmos de mim. Tenho-os como carapaças, como pe-

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les, vestiduras do sentido; vazios cheios de corpo que

permitisse desvios no ato de olhar, propondo um

versam sobre a vida, e a morte.

confronto sem possibilidades de escape; um silêncio inelutável. Minha questão agora estava entre o bran-

Uma vez concluída a montagem da obra, veio a fina-

co e o preto.

lização do trabalho: cogitei pintar o suporte e, depois de várias possibilidades, faria uma veladura em vá-

O preto, ocidentalmente associado ao luto, anularia

rios tons de negro sobre todo o trabalho, cobrindo-o,

as texturas alvas das ataduras gessadas que me

ao final, com um véu de organza preta. Também me

eram caras neste contexto. Ademais, refletindo so-

foi sugerido pintar tudo de branco e cobrir alguns

bre minha própria percepção das cores, o preto não

elementos em vermelho, ou azul, para dialogar com

abre espaço para diálogo, mas dele emanam muitos

o trabalho de George Segal, opção logo descartada

ruídos; é o lugar do desconhecido, do misterioso e,

pela distância existente entre os universos de nossos

por vezes, do mais temido. Tal como sua caracterís-

trabalhos.

tica óptica absortiva, a impressão que tenho é que diante dele somos engolidos, derivando em labirin-

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Diante da dúvida, iniciei a carnação das pernas e logo

tos polifônicos dos nossos próprios pensamentos.

um novo problema se apresentou: o uso das cores.

Assim, retornei ao início – e tudo ficou branco. Este,

As cores, em minha percepção, além de carregarem

com sua propriedade reflexiva, não me permitia

muitos significados são também muito sedutoras,

infiltrações e me confrontava com a delicadeza e a

abrindo, assim, espaço para vários outros diálogos

austeridade surda que buscava. Recobri então toda a

e associações. Ao contrário disso, buscava a aus-

caixa com alguns tons de branco, velando-a em se-

teridade, em uma espécie de verdade crua que não

guida com tule; como aqueles que cobrem os corpos

dentro dos caixões.

que de modo nenhum concerne mais ao mundo do artefato ou do simulacro, um

Continuando as reflexões sobre o tema, encontrei

esvaziamento que aí, diante de mim, diz

nas palavras de Georges Didi-Huberman uma cor-

respeito ao inevitável por excelência, a

respondência com a sensação de esvaziamento que

saber: o destino do corpo semelhante ao

me acompanha desde a infância. Ao falar sobre a

meu, esvaziado de sua vida, de sua fala,

cisão do olhar, o autor nos apresenta um exemplo,

de seus movimentos, esvaziado de seu

fatal, de situação em que a questão do vazio e do

poder de levantar os olhos para mim. E

volume divide nossa percepção fenomenológica em

que no entanto me olha num certo sen-

duas: estar face a face com um túmulo. Ele impõe

tido – o sentido inelutável da perda posto

esta divisão do olhar ao nos remeter instantanea-

aqui a trabalhar16.

mente ao que ele encerra, portanto, ao seu significado, guardado, oculto e expresso ao mesmo tempo.

Há uma espécie de reflexão entranhada entre dois corpos [cheios e/ou vazios], ou muitos mais, redi-

16

Por um lado, há aquilo que vejo do túmu-

mensionados pela ação do próprio olhar sobre o tal

lo, ou seja, a evidência de um volume [...]

objeto, que se coloca no ausente. Farnese, ao falar

Por outro, há aquilo, direi novamente, que

da morte do pai, reconhece este espelhamento: “A

me olha: e o que me olha em tal situação

gente não chora a morte do ser que está morrendo,

não tem mais nada de evidente, uma vez

a gente chora a própria morte da gente. A morte que

que se trata ao contrário de uma espé-

a gente sabe que vai enfrentar. Naquele momento

cie de esvaziamento. Um esvaziamento

você chora, você tem o desespero, não é pela cria-

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 37.

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tura que vai, é pela sua própria morte que você está

rém morto. E, aqui, temos uma outra negação: a do

vendo ali” 17.

vazio; a negação deste ser esvaziado de sua vida, que nos preenche com algo presente, vazio, vazado.

Para o artista, é impossível o ser humano continuar tão intensamente vivo e feliz, tendo consciência

A segunda maneira seria manter-se além da cisão

de sua morte, de seu desaparecimento [a não ser

que “consiste em querer ultrapassar a questão, em

que acredite na volta pela reencarnação ou aceite a

querer dirigir-se para além da cisão aberta pelo que

morte como uma transição]. Esta esfera da crença

nos olha no que vemos. Consiste em querer superar

constitui um escape diante do horror e da angústia

– imaginariamente – tanto o que vemos quanto o que

imposta pela morte, pela ausência que se instala em

nos olha”. Há neste exercício da crença, tal como no

vazio.

anterior, a negação do cheio; ignora-se aqui o conteúdo do túmulo, imaginando-o vazio e desencarnado,

Ainda segundo Didi-Huberman, existem duas ma-

“como se a vida – chamada então de alma – já ti-

neiras de suturar esta angústia, que nos dilacera

vesse abandonado esse lugar”. Assim, nega-se mais

em dois. A primeira seria manter-se “aquém da ci-

uma vez o horror inerente ao vazio. O corpo, agora

são aberta pelo que nos olha no que vemos. Atitu-

em outro lugar, “será sonhado como permanecendo

de equivalente a pretender ater-se ao que é visto”,

belo e benfeito, cheio de substância e cheio de vida”.

fazendo “da experiência de ver um exercício da tau-

Aqui, “volume e vazio, corpo e morte” continuam “a

tologia: uma verdade rasa” . Há neste movimento a

viver no interior de um grande sonho acordado”19, se

negação do cheio; a negação do reconhecimento de

confundindo em reapresentações simbólicas e/ou

um túmulo cheio de um ser semelhante a nós, po-

materiais, objetuais.

18

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17

Farnese. https://www.youtube.com/watch?v=7PGRHbOAvvc#t=41

18

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 38, 39

19

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 40..

O autor ainda nos relembra que a produção de imagens em muito contribuiu para estes escapes. Sobretudo a “arte” cristã, que “terá assim produzido as imagens inumeráveis de túmulos fantasmaticamente esvaziados de seus corpos – e portanto, num certo sentido, esvaziados de sua própria capacidade esvaziante ou angustiante. O modelo continua sendo, é claro, o do próprio Cristo que, pelo simples fato de abandonar seu túmulo, suscita e conduz em sua totalidade o processo mesmo da crença” 20.

Numa via contrária, a atividade de produzir imagens me proporcionou uma terceira maneira de suturar minhas angústias ao confrontá-las, jogar com elas.

Entre o aquém e o além, busco fazer do objeto artístico e de sua apresentação uma oferta de fruição ao espectador e o espelho de meus vazios e cheios; o reflexo da minha vida e da minha morte pela arte.

20

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 41.

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P贸 de Estrelas corpo - consci锚ncia

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O fundamento da mutação em curso deve ser buscado na mudança da natureza do laço. Nenhum ser, por mais simples, ou complexo que seja, subsiste ou pode subsistir isoladamente. Os laços são a condição mesma de sua existência, de toda existência. Laços endógenos que ligam os componentes de um organismo, laços exógenos que ligam os seres entre si e com seu ambiente. Estranha coincidência, é agora que nós temos, pela primeira vez, os meios de estender os laços a todo o planeta, como se a formidável extensão da tecnologia se acompanhasse silenciosamente de uma aspiração de encontrar nossos laços com nossas origens, com aqueles que fizeram de nós, na sequencia das espécies, não “produtos”, mas os portadores da instância criadora.21 (Arte e vida no século XXI: Tecnologia, ciência e criatividade, René Berger)

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Pensando na relação do meu corpo com o cosmos, encontrei uma frase de Carl Sagan, da qual se originou o nome da série: “Somos todos feitos do mesmo pó de estrelas”.

Os gabinetes de curiosidades e suas peças anatômiEsta série de trabalhos surgiu concomitantemente

cas eram alguns dos muitos interesses que me per-

ao “Relicário”, como se num movimento de pensar

meavam neste período. Havia ganhado uma moldura

o suposto fim pelo esvaziamento da morte, estives-

antiga e espessa, que me remetia à janela ou porta

se também questionando a origem da vida. De onde

de armário; nela, estiquei uma tela e tive a ideia de

viemos? Qual o nosso propósito? O que acontece

construir, pictoricamente, uma espécie de aquário.

quando morremos? Para onde vamos? Muitas e recorrentes são as questões, ainda sem respostas, que

Tomando por referência uma das peças do Museu

levam o ser humano a direcionar o olhar para o céu

de Morfologia do Instituto de Ciência Biológicas da

em busca de algum entendimento.

UFMG, desenvolvi a primeira pintura que compõe a série. Os estratos daquele corpo seccionado, bem

Frente a minha imanente limitação para compreen-

como suas ramificações circulatórias e nervosas ex-

der tais questões, procurei ater-me aos laços que a

postas, me interessaram muito visualmente.

tudo conectam e [re]ciclam, fazendo do universo um grande organismo; ao fluxo, que rompe a cisão en-

A princípio, tentei trabalhar os volumes com tinta a

tre o início e o fim, e que considero ser a vida em si.

óleo, mas, diante da dificuldade de obter precisão,

21

DOMINGUES, Diana. Arte e vida no século XXI: tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo: Editora UNESP, 2003. P. 43.

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recorri à encáustica fria nas áreas mais elevadas.

O branco aqui teve papel fundamental, o de eviden-

Havia aqui uma tentativa de ganhar o espaço tridi-

ciar minha metáfora e tentar levar o espectador di-

mensional – antes alcançado com a inserção de mol-

retamente a um estado reflexivo diante da narrativa

des em atadura gessada e formas em tecidos – atra-

visualmente proposta.

vés da tinta e do ato de pintar.

A resina, terceiro elemento comum à série, me posAs ramificações da peça me sugeriram associações

sibilitou fazer o preenchimento do olho e dos múscu-

a raízes, nervuras vegetais, rios, raios. Também as

los na pintura sem perder a leveza dos bordados em

redes neuronais, imaginadas a partir da estrutura

cobre. Estes dois materiais, juntos, me interessaram

do cérebro, sugeriram conexões; impalpáveis, po-

por conferirem às figuras uma aparência cibernética

rém inteligíveis. São como vias de acesso que, numa

e, assim, romperem com a cisão entre os meios na-

escala planetária, refletem no ser humano o cosmo,

turais e artificiais. Esta cisão, distinguida pelo mode-

tornando-o consciente de ser mais uma parte deste

lo ocidental, em que sujeito e objeto são separáveis,

todo.

pertencendo assim a naturezas distintas22 se revela ilusória, ao lembrarmos que tudo o que no universo

Pensando na natureza destes laços e fluxos, encon-

existe originou-se do mesmo lugar.

trei no cobre, metal de grande capacidade condutora, um material adequado para minha metáfora. Realizei, então, bordados com fios desencapados representando tais conexões. A tinta cor cobre também foi utilizada para realização de alguns detalhes.

22

DOMINGUES, Diana. Arte e vida no século XXI: tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo: Editora UNESP, 2003. P. 41.

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Após a conclusão da figura, encontrei dificuldades em resolver o fundo da pintura. Buscava estabelecer conexões entre as terminações acobreadas e os insetos, que pintados em tons de branco, se camuflariam ao fundo e não resolveriam o desequilíbrio compositivo. Pintá-los em tons de cobre tiraria da evidência os bordados e tornaria o trabalho muito carregado. Ademais, buscava por volumes que a tinta não conseguia suprir naquele momento. A solução me veio sugerida pelas ilustrações anatômicas de Bernard Sigfried Albinus e Juan Gatti. Seus esqueletos e corpos, cheios de vida e integrados à natureza, me deram o insight de inserir na tela os insetos ao invés de pintá-los. Assim, realizo as primeiras incrustações de flores e insetos. Dentre estes, uma crisálida de cigarra e uma borboleta, símbolos metamórficos, fixados com resina, fecham as composições formais e conceituais deste pequeno aquário de conexões.

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O próximo trabalho da série, “Eva e Adão”, parte das

em resina, posto que sem suporte não se mante-

ilustrações de Gatti e Sarah Simblet como referên-

riam verticais. A princípio, realizei todo o trabalho

cias imagéticas para reconstruir o mito do suposto

sobre apenas uma camada de tecido objetivando

casal que cria a humanidade. Nesta ficção proposta,

maior transparência e nulidade do suporte. O peso

os criadores voltam suas costas para nós, pois reco-

do metal, entretanto, colocou em questão a possibi-

nhecem sua posição de criaturas e também buscam

lidade do suporte ceder num futuro, o que me levou

por seus arquitetos, pela origem da vida.

a acrescentar ao trabalho uma segunda camada de voil.

Estava interessada pelas relações entre as figuras e o espaço, num raciocínio mais escultórico. O voil, praticamente sem tratamento, foi utilizado apenas para dar sustentação aos bordados e aos detalhes

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Os bordados, antes bem rentes à tela, em “Eva e

o material, obtendo assim a visualidade não alcan-

Adão” projetam-se para fora do suporte, como se

çada no suporte bidimensional. Conectei-a a placen-

buscassem conectar-se conosco, com o meio exte-

tas bordadas em telas esticadas sobre bastidores de

rior. A intenção era que estas conexões nervosas e

bordar, também trabalhados com resina, pois me

emocionais, trabalhadas nas figuras, ficassem soltas

interessava seu aspecto viscoso e úmido, somado às

no ambiente, se completando por ele e pelo olhar do

tramas dos vasos sanguíneos e cordões umbilicais.

espectador.

Com “Raízes”, uma instalação em meu percurso artístico, consigo finalmente atender ao desejo de alcançar o espaço tridimensional. As relações do corpo com o espaço, aqui foram trabalhadas de forma a remeter a genealogias e elos perdidos.

O trabalho veio de uma tela anterior, em que tentei trabalhar a imagem de um bebê, filho de vários úteros, com relevos em encáustica fria e resina. Mais uma vez, frustrei-me na busca de uma pintura tridimensional e recorri a uma boneca pronta. Trabalhei-a imprimando com tinta látex branca, realizando desenhos em tinta cobre e veladuras em resina sobre

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Hoje vejo uma relação visual muito forte entre estes

se desloca da posição de criatura para criador de sua

dois últimos trabalhos e as dualidades exploradas

própria existência e realidade, trânsitos que se tor-

em “Xifopagia”; minhas séries não se fecham em si,

nam possíveis por meio do trabalho na arte.

os assuntos estão sempre sendo revisitados e resignificados nos trabalhos posteriores.

Este é o caso de “Sobre o mundo, os homens”. Realizada um ano após “Raízes”, esta pintura articulável carrega as cores e o aspecto teatral trabalhados anteriormente em “Xifopagia”, “Relicário” e a seguir em “Circus”. Inconscientemente reuni, talvez, todos os interesses anteriores e atuais nesta tela.

Os bordados em fios de cobre, aqui trabalhados em diferentes espessuras, ganharam autonomia dentro de janelas articuláveis, montadas a partir de bastidores. Os mapas, terrestres e estelares, bem poderiam ser também os mapeamentos contidos neste corpo humano. Ser que, ao reconhecer sua morte, busca entendimento sobre si e sobre a vida, além de seu espaço. Ao apreender o mundo sob seu olhar, o ser

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Durante meu percurso acadêmico vi os laços entre meu trabalho e a figura humana se estreitarem ainda mais; ela continuou sendo um bom recurso para explorar assuntos e emoções, veiculadas e registradas pelo corpo. Tal relação me conduziu à busca por suportes de maiores formatos, que comportassem figurações próximas do tamanho natural, próximas do meu corpo-artista.

Progressivamente, sob uma demanda pessoal, vi também meu trabalho se projetar em direção ao espaço tridimensional. Na busca por um melhor entendimento desse campo escultórico, me matriculei em disciplinas de escultura, nas quais comecei a desenvolver dois projetos que pretendo dar continuidade:

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o de múmias em cerâmica, em que além da forma,

Em “Circus”, série in progress, a paleta pastel ou

trabalho no esmalte questões relacionadas à pintura;

monocromática deu lugar ao uso mais expressivo

e o de esculturas de vestir, carapaças em ferro oxida-

da cor. As figuras, antes duplas e singulares, abriram

do, modeladas a partir do meu corpo, para as quais

espaço para outras múltiplas, que em suas diferen-

penso em desdobramentos performáticos.

ças me remetem mais a metáforas do queer que às suas heranças monstruosas ou enfermas, assuntos

Nestes trabalhos escultóricos, revisito e resignifico

que desejo estudar com maior profundidade, conco-

alguns dos meus temas, anteriormente explora-

mitantemente ao desenvolvimento da série.

dos pictoricamente. Entretanto, ao me conduzir ao terceiro plano, não sinto que a pintura se encer-

Por fim, deixo minha resposta à pergunta feita no

ra enquanto um ciclo ou fase; ainda trago muitas

primeiro capítulo deste trabalho. Em meus proces-

questões a serem abordadas bidimensionalmente e

sos, as únicas constantes genuínas são os interes-

pretendo seguir por este mesmo rumo.

ses pelo ser-corpo e pelos materiais e suportes dos quais se originam meus Frankensteins. Neste pro-

Buscando por um tema que abarcasse meus múlti-

cesso contínuo em que um trabalho vai sugerindo o

plos interesses anteriores encontrei no circo (outra

seguinte, mais importante que a busca por um estilo

obsessão que me acompanha desde a infância) um

é o próprio caminhar, o fazer artístico e seus resul-

lugar momentaneamente ideal para melhor explorar

tados plástico-visuais, acompanhado das reflexões

a teatralidade e algumas questões existenciais, es-

que os cercam.

pecialmente pertinentes às dubiedades e às angústias do ser, imersas e expostas pelas imagens.

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Referências Farnese. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7PGRHbOAvvc#t=41 (05/11/2014).

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VILLAÇA, Nizia; GÓES, Fred. Em nome do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

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Fotografias Dyana Santos Projeto Gráfico Samuel Wenceslau Encadernação Rosceli Vita Silveira Papel - Sulfite 90g Fontes - Din Text Pro / Ophélia Script / Amazone BT Foram impressos 5 exemplares Novembro/2014

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