HISTÓRIA DA POLICIA EM PORTUGAL

Page 1

HISTÓRIA DA POLICIA EM PORTUGAL (FORMAS DE JUSTIÇA E POLICIAMENTO) O Autor Domingos Vaz Chaves Chefe da POLICIA DE SEGURANÇA PÚBLICA 3ª.EDIÇÃO

1


Hist贸ria da Policia em Portugal

Dep贸sito Legal N.潞 000291/05 Tiragem: 1 000Exemplares Direitos de Autor Reservados

2


História da Policia em Portugal

O AUTOR

DOMINGOS VAZ CHAVES, nasceu em 3 de Agosto do ano de 1954, na freguesia de Gralhas, concelho de Montalegre, onde viveu com os seus avós maternos até aos 7 anos de idade. Aí iniciou a instrução primária, tendo após conclusão da 1ª. Classe rumado a Lisboa, onde se juntou a seus pais. Em 1965, inicia os estudos secundários no então Liceu Nacional de Gil Vicente. Trabalhando e estudando alternadamente, conclui o Curso Geral dos Liceus em Julho de 1974, então com 19 anos de idade. A Policia de Segurança Pública, surge no seu percurso a partir do ano de 1980, através de um concurso público. Candidata-se e após a prestação das respectivas provas, dá entrada na Escola Prática de Policia, em Torres Novas, no dia 19 de Outubro de 1981. Concluído o respectivo Curso de Formação, é colocado em Março do ano seguinte, na 2ª. Divisão/10ª.Esquadra, do Comando Distrital de Lisboa, local onde permanece até Outubro de 1985, data em que regressa à Escola Prática, para frequentar o 19º. Curso de promoção a Subchefe. Após frequência do mesmo com aproveitamento, regressa a Lisboa, sendo colocado numa primeira fase, na 3ª. Divisão/17ª. Esquadra e posteriormente no seu local de origem. A partir daí reínicia os seus estudos e após conclusão do 12º. Ano, na Escola Secundária D.Pedro V, em Lisboa, no ano de 1989, entra na Faculdade de Direito de Lisboa, onde frequenta o respectivo curso.

3


História da Policia em Portugal Desde muito cedo, que se envolveu nas lutas sindicais, e com apenas 16 anos de idade e em plena ditadura, era já membro do Sindicato do Comércio de Lisboa. Após ingressar na P.S.P., continuou a dedicar-se à causa do sindicalismo, e à defesa pelos direitos de cidadania, tendo integrado numa primeira fase a Direcção Distrital de Lisboa da ASPAssociação Sócio-Profissional da Policia, e posteriormente a partir de 1992 a Direcção Nacional da mesma Associação, desempenhando então o cargo de Vice-Presidente. Em 1994, após profundas divergências no seio da ASP, que tinham como pano de fundo, a colagem desta ao Partido Comunista Português, cria com outros companheiros a APP/PSP - Associação dos Profissionais de Policia, a qual preside até Outubro de 1999, data em que foi eleito, para o Conselho Superior de Policia. Sempre fiel à independência das Associações SócioProfissionais, relativamente ao poder politíco, em Setembro de 2001, abandona, por renúncia ao mandato, o Conselho Superior de Policia, como consequência do alinhamento da APP/PSP, que o tinha apoiado quando da sua candidatura, ao CDS/PP e ao seu lider Paulo Portas. Conta no seu currículo com uma medalha de cobre, por comportamento exemplar e três louvores, desempenhando actualmente funções, na área da Formação do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa.

. . .

4


História da Policia em Portugal

HISTÓRIA DA POLICIA EM PORTUGAL (FORMAS DE JUSTIÇA E POLICIAMENTO)

O Autor Domingos Vaz Chaves Chefe da POLICIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

3ª.EDIÇÃO

5


Histテウria da Policia em Portugal

Para os meus filhos JOテグ e LUIS e minha AMIGA e companheira de todos os dias.

6


História da Policia em Portugal

COMENTÁRIO PARA A 3.ª EDIÇÃO

“Quando Portugal era mais pobre, era também mais pacifíco”. Não vou revelar quem um dia me transmitiu esta mensagem, mas adianto que a pessoa que o fez, não é inimputável. Poder-se-à considerar, que tal raciocínio será certamente redutor e até errado, mas toca um problema essencial: o aumento da prosperidade geral, não implica, ao contrário do que alguns pensam, a diminuição da delinquência. Claro que se poderá logo contra-argumentar, que em países “pobres” com governos “fortes”, o estado policial ou policiado, impede a criminalidade pública, mas com o custo de ser o próprio poder o delinquente habitual. Claro que se dirá ainda, que o disparo da riqueza no Portugal “capitalista” (imaginando que o Estado Novo era um “socialismo atípico”, desde logo não reconhecido pelos socialistas típicos), mantém as injustiças sociais seculares, alienando do progresso e do conforto, bolsas populacionais importantes, que acabam por se tornar nos principais bastiões do crime. Mas pode também objectar-se, que a transgressão violenta, tem tanto ou mais a ver, com a destruição das bases morais da própria comunidade, como com a pobreza. Uma sociedade que desvaloriza o trabalho como produtor de riqueza, a investigação como raíz do progresso, a excelência escolar como factor de

7


História da Policia em Portugal selecção, a competência técnica enquanto critério de promoção e sucesso, a cultura como bem social básico, o meio familiar como entidade nuclear voluntária de solidariedade, educação e formação ética, a função politíca como dominio sacrificado de mérito e serviço, as Forças Armadas como extensão militar do povo e da sobrevivência nacional, e aí por diante, serão sempre um meio onde a morte sairá à rua quando menos se espera. Ora, é esta a nossa comunidade, onde o capitalismo selvagem e especulativo (a que não corresponde nenhum acréscimo dos bens comuns nem do bem comum) compete com a mediocridade profissional, onde a fraqueza dos politicos é compensada com a força dos grupos de pressão, onde a indecisão do poder soberano é colmatada pela arbitrariedade dos funcionários ilegitimados e onde a ausência de exemplos, provoca o triunfo da superstição, da autotutela, da arruaça, do boato, da suspeição, do falso testemunho e da maledicência. Num país de barcos perdidos, águas tempestuosas e amarras desatadas ou cortadas, o criminoso limita-se a sobreviver ou a exercer a sua “profissão”. É a selva!... E na selva, a primeira regra é a do triunfo do mais forte. É o deserto!...E no deserto, salva-se o açambarcador de água. É o dilúvio!...E no dilúvio resgata-se o que ocupar o primeiro barco. Onde deixou de haver mal e bem, qualquer acto predatório é apenas julgado em função da eficácia, toda a crueldade é relativa, toda a bestialidade é explicável. Intolerável, esta sociedade à deriva é também intolerante: julga pelas aparências... e a olho. Guia-se pela voz mais alta ou por aquilo que dizem ser a tendência do maior número. Está sempre pronta a crucificar. Refugia-se nas modas, e em função disso, abdica

8


História da Policia em Portugal de pensar sobre a sua própria vida, o seu destino e as suas bases. No fundo tranca-se em casa, mas deixa-se ir no rebanho. Claro que alterar uma sociedade não é tarefa de um dia. É até duvidoso que se possa “mudar” uma sociedade, se os seus membros não possuem em número ou qualidade suficiente, a convicção ou o desejo de mudança. Daí que quando soam alarmes sobre níveis intoleráveis de desordem e sofrimento se ergam vozes iradas, compreensivelmente desejando trocar de vida. Mas face à enormidade da tarefa, limitam-se a ensaiar rearranjos. Em vez de uma nova meia, remendase a que está rota... No meio de tudo isto, de todas estas confusões, de todas estas arbitrariedades, há uma coisa que urge também questionar: Como vivem os agentes da Policia de Segurança Pública, neste tipo de sociedade? Que recompensa possuem pelo risco que assumem? Que preparação têm? Que estruturas os assistem socialmente? Esta pequena inquirição, da enorme que poderia colocar-se, parece um objectivo modesto, mas é fundamental. Porque se um policia que passe a vida a queixar-se em público – com ou sem cara tapada – se arrisca a perder a consideração do cidadão honesto e do delinquente (com o primeiro a dar-lhe esmola e o segundo a escarnecer), também é certo que as queixas justas e ponderosas, canalizadas pelos meios internos próprios, precisam de ser analisadas e respondidas, o que vezes de mais não acontece. Os Governos ou alguns que fazem da politica profissão, não podem nem devem, apenas anunciar medidas avulsas de resguardo dos agentes ou perder até muito tempo em emocionadas tiradas de felicitações e solidariedade. Era o que faltava, se não se presumisse

9


História da Policia em Portugal – sempre -, que o Comandante é unha com carne com o comandado, dando-lhe o necessário apoio pelos serviços prestados. Em poucas palavras: precisamos de uma Policia, que tenha dentro da sua casa, os meios dignos e adequados para ser “autoridade”. Não apenas para ser forte ou mais forte do que os meliantes. Mas para possuir a “força que protege” e para se ver reconhecida como poder legitimo, mesmo por uma sociedade em convalescença.

. . .

10


História da Policia em Portugal

“SENDO presente ao PRINCIPE REGENTE Nosso Senhor a necessidade, que há, naõ só de se observarem exactamente todos os Alvarás, Decretos, e Ordens, com que, em diversos campos, e em menos urgentes circunstancias se tem regulado a Policia desta Capital; mas tambem a precisaõ de algumas providencias subsidiarias para a particular Policia de alguns Bairros, que pela sua grande extensaõ, e excessivo número dos seus habitantes fazem actualmente difficultoso o necessario conhecimento, que os Ministros delles devem ser, do seu Estado Economico, e Politico, e

11


História da Policia em Portugal que he indispensavel para a manutençaõ da boa Ordem, e tranquilidade Pública: O dito Senhor Há por bem Aprovar as Providencias, que baixaõ com este por mim assignadas; e Ordena que se cumpraõ, e observem inviolavelmente em quanto naõ Mandar o contrario: O que participo a V.S. para sua intelligencia, prompta, e inteira execuçaõ; passando V.S. as Ordens necessarias para esse effeito. Artigo I. “Os Corregedores, e Juizes do Crime de Lisboa, residiraõ dentro dos seus respectivos Bairros, como se acha determinado pelos Alvarás de 30 de Dezembro de 1605, e 25 de Março de 1742, naõ bastando satisfazer a esta obrigaçaõ ter nellas casas, em que despachem, como se declarou pelo Decreto de 24 de Dezembro de 1665. A mesma obrigaçaõ tem os seus Officiaes. II. Como pela mior extensaõ, e contínua alteraçaõ, que tem ocorrido nos Bairros de Lisboa depois do anno de 1608, se não póde observar o que determinou o Alvará de 25 de Dezembro do referido ano na designaçaõ dos sitios, em que hão de residir Ministros Criminaes delles, se entenderá a sua determinaçaõ pelo lugar mais central de cada hum dos Bairros; ficando-lhes neste sentido competindo a livre escolha de casas para a sua residencia. III.

12


História da Policia em Portugal Fazendo impossivel a grande extensõ de muitos dos Bairros, que os Ministros delles possaõ saber tudo quanto he necessario para a consevaçaõ da boa ordem, terá cada Bairro alguns Commissarios de Policia, quando os fogos, de que elles se compõem, exceda o número de dois mil; proporcionando-se o dos Commissarios à maior, ou menor extensaõ, e povoaçaõ dos Bairros excedentes. IV. Terá portanto o Bairro Alto quatro Commissarios de Policia; o de Alfama dois; o da Mouraria dois; o de Andaluz dois; o do Mocambo dois; o do Rocio Hum; o de Belém hum; e o de santa Catharina hum. V. Como aos Ministros dos Bairros he permittida a escolha de casas para sua residencia; e convem ao fim para que se estabelecem os ditos Commissarios que elles sejaõ moradores em differentes ruas affastadas da residencia dos Ministros; estes proporaõ ao Intendente Geral da Policia, tanto os sitios de cujos moradores devem ser escolhidos os ditos Commissarios, como os districtos que devem a cada hum delles pertencer, fazendo designar estes pelo nome das ruas, e travessas, que lhe devem servir de limites. VI. Seraõ escolhidos para Commissarios de Policia pessoas de conhecida honra, probidade, e patriotismo; e só os que se achaõ empregados nos Regimentos de Milicias, e Corpo dos Voluntarios Reaes do

13


História da Policia em Portugal Commercio, que estaõ em actual serviço, podem allegar isençaõ deste emprego; porque em materias de Policia cessaõ todos e quaesquer privilegios, posto que sejaõ incorporados em Direito; por ser esta estabelecida em beneficio público, e proveito dos visinhos, e moradores. VII. Seraõ obrigados os ditos Commissarios a vigiar, se nos seus respectivos districtos há conventiculos, assembléas clandestinas, e ajuntamentos perigosos; se nelles há pessoas de roim suspeita, assim Nacionaes, como Estrangeiras; e se occorre qualquer outra cousa, que seja, ou pareça prejudicial à segurança publica; e de tudo quanto a estes respeitos houver noticia, daraõ parte aos Ministros dos respectivos Bairros. Quando porém occorra algum caso extraordinario, e que exija prompto remedio, poderaõ dirigir a parte delle ao Intendente Geral da Policia. E nos casos de rixas, e motins procuraraõ acudir a elles, mandando conduzir os que nelles se acharem aos mesmos respectivos Ministros, para o que a Real Guarda da Policia lhes prestará, sem hesitaçaõ alguma, o auxilio que exigirem. VIII. Os Ministros dos Bairros acima indicados proporaõ ao Intendente Geral da Policia as pessoas, que julgarem mais edoneas para o dito emprego; e este dirigirá as ditas propostas ao Governo com as informações necessarias para a sua aprovaçaõ, ou rejeiçaõ. E pela Intendencia Geral da Policia se passaraõ os titulos necessarios para o exercicio da commissaõ. No reverso destes se escreverá o temo

14


História da Policia em Portugal de juramento, que lhe deve ser conferido pelo Ministro do Bairro, a que pertencem;o que tudo será gratuito. IX. Nenhum Commissario de Policia será obrigado a servir mais de hum ano; e os que nisto se acharem occupados, seraõ isentos de outro qualquer encargo pessoal. X. Ainda que pela creaçaõ dos mesmos Commissarios fica a Policia mais ao alcance dos conhecimentos, que lhe convem obter; como os districtos saõ extensos, e nenhum acontecimento deve ser ignorado dos Ministros dos Bairros; haverá em cada hum Cabo de Policia, o qual será obrigado a dar parte ao seu respectivo Commissario de todos os acontecimentos do dia, e noite antecedente; poderaõ porém os Ministros dos Bairros ordenar que os Cabos das ruas mais proximas à sua residencia lhes dirijaõ as partes. E quando os casos forem de mortes, ou quaesquer outros crimes, que exijaõ, ou huma promptissima providencia, ou hum instantaneo conhecimento judicial, os Cabos de Policia daraõ immediatamente parte ao Ministro do Bairro. As partes, que os Commissarios receberam dos Cabos, seraõ diariamente participadas aos mesmos Ministros. XI. A nomeaçaõ dos Cabos será da competencia dos Corregedores, e Juízes do Crime, sem mais formalidade do que a de remetterem à

15


História da Policia em Portugal Intendencia Geral da Policia huma Relaçaõ nominal de todos os Cabos nomeados, e huma parcial aos Commissarios dos districtos; cujas relações seraõ remettidas nos mezes de janeiro, e Julho, por causa das mudanças, que possaõ occorrer. XII. Sómente os privilegios, que podem servir de isençaõ para recusar o cargo de Commissario da Policia, podem aproveitar aos que forem eleitos para Cabos. XIII. Supposto que pela creaçaõ da Real Guarda da Policia se estabelecêo hum methodo regular de effectivas rondas de noite, nem por isso se devem os Ministros Criminaes dos bairros julgar desobrigados de fazer aquellas, que as circumstancias exigirem; e para auxilio dellas a mesma Real Guarda da Policia prestará sem delongas as patrulhas, que os Ministros exigirem, como he obrigada pelo Decreto de 2 de Janeiro de 1802 no 16 Artigo, que regula a sua policia interior. XIV Como pela effectiva residencia dos Ministros nos seus Bairros fica cessando o motivo, por que as patrulhas da dita Real Guarda conduzem arbitrariamente muitas pessoas às Cadêas se primeiro serem apresentadas aos ditos Ministros, como devem praticar na forma do sobredito Artigo, o que he em grande prejuizo da justiça, à qual convém, para a instrucção dos processos, que os prezos sejaõ

16


História da Policia em Portugal immediatamente examinados pelos Julgadores, que os haõ de formalizar; as patrulhas da real Guarda da Policia observaraõ o que se acha determinado no dito Artigo, levando os prezos em direitura a casa dos Ministros dos Bairros, onde saõ aprehendidos; e na falta destes ao do bairro mais visinho. O Intendente Geral da Policia da Corte e Reino fará exactamente observar estas providencias, dirigindo para esse fim todas as Ordens”. Deos guarde a V. S. Palacio do Governo em vinte e oito de Maio de mil oitocentos e dez”.

João António Salter de Mendonça

17


História da Policia em Portugal

INTRODUÇÃO O HOMEM E A SOCIEDADE

18


História da Policia em Portugal

Em sociedade ninguém pode viver isolado. Todo o cidadão necessita da colaboração de outrém, para satisfação das suas necessidades, as quais só podem ser supridas, pela acção conjunta do colectivo. Desde os primórdios, que o homem percebeu que a vida em sociedade, tem de estar subordinada, a um conjunto de normas, que regulem a actividade dos indivíduos que a integram, isto é: Ninguém pode satisfazer os seus interesses, prejudicando os da colectividade. É a partir deste pressuposto, que foram criadas e aperfeiçoadas ao longo do tempo, normas de conduta do indivíduo!... Só a observância dessa disciplina social, permite a harmonização entre os homens. Contudo e face ao incumprimento desses princípios, agrupamentos humanos houve, que delinearam determinados conjuntos de meios, por forma a que o desrespeito e os lesa-sociedade, fossem forçados ao seu cumprimento. A essa acção dos agrupamentos humanos se chamou "contrôle social", o qual era exercido através da aplicação de sanções, que variaram desde uma simples reprovação, até à pena de morte, muitas vezes envolvida de extrema crueldade.

19


História da Policia em Portugal

Tais sanções sucederam-se ao longo de séculos e séculos, transmitindo-se de geração em geração, embora como é óbvio e ao longo do tempo, tenham sofrido significativas alterações e sido objecto de múltiplos aperfeiçoamentos!... Enquanto a justiça dos primórdios aceitava a "Pena de Talião", ou seja, o direito de um indivíduo se vingar de quem o tivesse ofendido - causando-lhe dano idêntico ao cometido pelo seu agressor - actualmente, raros são os povos que adoptam este costume penal. Nos dias de hoje, cabendo ao Estado criar regras consideradas justas, para que todos possam viver em segurança, cabe-lhe também a prerrogativa de fazer cumprir essas mesmas regras, baseando-se para tal, não só na justiça da Lei e nos "instrumentos" ao seu dispor, que a própria sociedade adoptou ao longo do tempo, como também na experiência da vida em comum, dos diversos grupos sociais e na imposição de novos conceitos e aperfeiçoamentos, designadamente numa maior humanização e moralidade. Para tal e desde há algumas centenas de anos, que os diversos Estados foram criando Grupos de Pessoas incumbidas de assegurar a observância da "Ordem Pública". A sua missão, era vigiar, prevenir e também reprimir todos aqueles que violassem as normas

20


História da Policia em Portugal

estabelecidas, entregando-os ao poder judicial. A esses grupos de vigilantes, que tinham e ainda hoje têm como missão, proteger os cidadãos e harmonizar a vida da comunidade, apelando ao cumprimento das regras, se chamou e chama, "CORPOS DE POLICIA". É de um desses Corpos de Policia - da POLICIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE PORTUGAL - bem como das formas de prevenção, de policiamento e da aplicação da justiça, desde o início da nacionalidade até aos nossos dias que irei falar!... Fá-lo-ei com a paixão natural de quem há cerca de vinte anos a serve. Sem pretensiosismos de qualquer espécie, quero afirmar com orgulho, que sempre pautei a minha conduta pelo respeito, à Instituição! Sempre a coloquei acima de todas as causas. Mesmo nas horas atribuladas que na última década a atingiram, os sentimentos que por ela nutro, permanecem inalteráveis, como inalterável permanece tambem no meu espírito, o desejo da sua dignificação, enquanto Instituição, por forma a que sejam vencidas as amplas dificuldades que enfrenta e que por acréscimo vão atingindo os profissionais que a servem. Contudo, não poderei nunca deixar de afirmar, que vivendo-se hoje numa sociedade aberta, parece não ser segredo para ninguém, que vivemos igualmente e cada vez

21


História da Policia em Portugal

mais numa "sociedade de risco"!... Hoje é difícil ser Policia... Ver os direitos liberdades e garantias, serem sacrificados ou perturbados, ser-se vítima de um crime, de uma incivilidade agressiva, ou de uma manifestação de intolerância, morrer ou ficar estropiado nas estradas às mãos da incúria, ver jovens e familias atingidas pela progressão das drogas e das suas consequências, assistir à destruição do património, são, entre tantos, alguns dos fenómenos preocupantes que se têm expandido e que deveriam requerer uma maior atenção, de quem tem responsabilidades perante a sociedade e os cidadãos. É verdade que a solução de toda a espécie de problemas que hoje enfrentamos, requer mais diálogo, mais capacidade de ouvir e mais espírito solidário. Contudo, também não é menos verdadeiro, que independentemente da aplicação dos referidos pressupostos, a solução passa igualmente e sem qualquer sombra de dúvida também, por um respeito mais amplo e por um maior rigor entre os diversos intervenientes... Vivemos numa sociedade e num Estado, em que é preciso reconhecer com toda a frontalidade, que continuam insatisfatórios os padrões de observância da Lei, a todos os níveis, desde o cumprimento dos deveres e do exercício dos direitos, até à forma deficiente como

22


História da Policia em Portugal

funcionam os sistemas de prémios e sanções, decisivos para a vida em comunidade. A abundância legislativa de que dispomos, está longe da equivalência relativamente ao plano do seu cumprimento. O progresso cívico, não acompanhou o ritmo do progresso material, e hoje assiste-se desmesuradamente a actos incívicos, quando não ilegalidades ou crimes, demasiadamente tolerados e até mesmo em alguns casos incentivados. O respeito pela lei e o sentido do dever, devem ser urgentemente promovidos. A exigência da autoridade democrática, não se reduz à existência de leis emanadas da autoridade do povo!... Requer igualmente que elas não sejam defraudadas pela sua não observância, pelo desrespeito e pela impunidade. Sem ignorar que a PSP não é nenhum mosteiro de “frades imaculados”, tenho a certeza, de que a grande maioria dos profissionais da P.S.P., sabe e tem a noção do sentido da responsabilidade e da convivência cívica!... Os fenómenos de intolerância e de "agressão", do que é diferente pela religião, pela côr, pela etnia, pelo sexo, pela origem, estão hoje em vias de extinção. Quanto ao resto, que cada um assuma as suas responsabilidades...

23


História da Policia em Portugal

Para terminar esta pequena introdução, quero deixar expressamente claro, que com esta obra, não pretendo criar polémicas, agravar ou desagravar pessoas, mas unicamente retratar com verdade e à minha maneira, através de uma visão própria, aquilo que constituíu e constitui a segurança de uma sociedade ao longo de mais de oito séculos de existência!...

O AUTOR

24


História da Policia em Portugal

CAPÍTULO I (FORMAS DE JUSTIÇA E POLICIAMENTO NA ANTIGUIDADE)

25


História da Policia em Portugal

Num mundo onde reine a tolerância mútua, a paz social, onde a autoridade seja justa, verdadeira e legítima e onde os cidadãos cumpram os seus deveres e gozem na plenitude os seus direitos, nada justifica a existência de meios coercivos públicos. Mas, a experiência humana, demonstrou ao longo dos anos, que os sentimentos nobres só por si, são uma barreira demasiado fraca, para impedir a acção dos indivíduos, cuja ambição, avidez e agressividade, produzem um comportamento ameaçador ou mesmo lesivo de terceiros, à pequena ou grande escala. A prática habitual de delitos de toda a ordem, - desde a insurreição armada ao simples roubo - exige a institucionalização legal de um sistema formal de controle social, corporizado na Instituição Policial. Face a tal, prefigura-se assim, a necessidade colectiva da existência de uma Policia. Independentemente do juízo crítico que se faça sobre a Revolução Francesa (1789) e dos seus excessos, os revolucionários franceses, consagraram logo a necessidade de instituir uma força, "para manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade e a segurança individual", inscrevendo mesmo esse desígnio no Código dos Delitos e Penas. A Instituição Policial, visa desde então, o benefício de todos os cidadãos e a garantia dos seus direitos fundamentais, tendo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, consagrado plenamente essa nobre finalidade. A sociedade propriamente considerada, torna-se assim o objecto natural da Policia, do mesmo modo, que o carácter principal desta, se traduz na vigilância. Este é o ideal que hoje perdura, quer na "velha" Europa, quer cada vez mais no mundo em geral.

26


História da Policia em Portugal Entre nós e na actualidade, a Policia de Segurança Pública "tem por função, defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos". Com tais prerrogativas, dá-se assim pleno cumprimento a um dos direitos basilares e inadiáveis do Homem: O Direito à Segurança. De facto, a segurança "consiste na protecção concedida ao cidadão, com vista à salvaguarda da sua integridade física e moral, dos seus haveres e dos seus direitos"! Todavia nem sempre foi assim.... Nas sociedades arcaicas, a prevenção e repressão de qualquer delito, era normalmente deixada à iniciativa pessoal. Por esse motivo e regra geral, todo o homem andava armado, defendendo-se cada qual e aos seus, quer em "família", quer na vida pública, da forma que lhe era possível!... Vingava enfim, a lei do mais forte... Com o decorrer dos anos, o homem compreendeu ser necessário disciplinar a vida dos diversos grupos sociais! Assim, todo aquele que violasse as regras de conduta estabelecidas pela tribo, era "julgado" pelos seus companheiros, através de uma rudimentar "jurisprudência" emanada pelo parecer oral e momentânea dos chefes dos respectivos grupos. As mais antigas leis escritas que se conhecem, datam do século 23º A.C., sendo atribuídas ao "Deus Sol", sintetizando na sua essência, normas idênticas, às constantes nas chamadas "Penas de Talião". Narra-nos Tácito, que num território tão populoso como a Germânia, era raro uma mulher cometer adultério!... Caso o fizesse, o marido tinha o direito de rapar-lhe o cabelo, em frente dos familiares e de expulsá-la da cidade a chicote, nunca mais podendo alguém, dar abrigo à esposa infiel.

27


História da Policia em Portugal Nesta época, a tortura era incluída nas punições por crime!. As práticas mais utilizadas, eram o lento esmagamento dos ossos, entre barras de ferro, o vergastamento com varas ou cordas, a crucificação dos que atentavam contra as leis do estado e o apedrejamento de mulheres adúlteras. O afogamento provocado pelo encarceramento dos criminosos no interior de sacos, era também um método muito usado, particularmente em relação aos parricidas... As Cidades-Estado Gregas, foram as primeiras comunidades "políticas", a encarregar um certo número dos seus melhores cidadãos, da vigilância dos grandes aglomerados populacionais no início do século VII a.C.. Cada estado helénico, dotava-se normalmente de uma força "armada", votada essencialmente, quer à ordem interna, quer à "Policia" urbana. Já Aristóteles (384 a.C.322), considerava a existência da Policia, um bem essencial à felicidade pública e à paz, designando os "agentes policiais", pelo nome de Guardas Cívicos. Na concepção de Aristóteles, estes, deveriam cultivar a virtude da amabilidade em relação aos concidadãos e a dureza relativamente aos estrangeiros e aos escravos. A civilização Romana, estabeleceu a primeira força pública, votada à segurança citadina e rural e tinha fundamentalmente como finalidade, fazer face à assolação de extensas regiões, levadas a cabo por bandos armados. Tal ocorreu em Roma, no tempo do rei Numa (714 a.C.-671 a.C.), símbolo da organização da urbe, em que aos "Questores", assistidos por "Edis" e "Censores", competia o exercício da função policial.

28


História da Policia em Portugal Decorridos anos, o Imperador Augusto, em 27 a. C., determinou o desarmamento de todos os cidadãos encarregues da segurança pública e criou as legiões permanentes, destinadas à segurança interna do Império, ao mesmo tempo que organizava uma guarda pretoriana cuja missão tinha por finalidade, zelar pela sua segurança pessoal. Na sequência da reforma introduzida pelo imperador Augusto, o policiamento urbano ficou confiado aos "Stationardis" - legionários dotados de poderes policiais - , os quais eram auxiliados pelos "Vico Magistri" - cidadãos habilitados a indicar as leis aos vizinhos. Os Stationardis estavam às ordens dos "Curatores" (existia um em cada bairro Romano) que dependiam do "Praefectus Urbis" (Perfeitos da Cidade). Nos meios rurais do Império Romano, milícias especiais de legionários defendiam a tranquilidade, na época de Augusto: Eram os "Latrunculatores", mais conhecidos por caçadores, de salteadores armados. A partir da época Augustiana, o desarmamento da população e a protecção desta por uma "força policial ou militar" armada, tornase em regra de ouro da maioria dos Estados, numa situação de normal funcionamento das instituições. A excepção a esta regra altera-se apenas nos periodos de grave perturbação da ordem pública ou de guerra, como aquela que se seguiu à queda do Império Romano, em 476. Nesta época, a sociedade judicial e policial, não admitiam contemplações! Os crimes eram normalmente punidos com a morte cruel, a qual era justificada pelo jurisconsulto romano, Domitilio Ulpiano, no seu livro Digesto, da seguinte forma: "Aplica-se tal pena,

29


História da Policia em Portugal para que os criminosos vendo o exemplo, se afastem da prática do crime". Foi uma justiça deste tipo, que mais tarde, quando da invasão da Pinínsula Ibérica pelos Bárbaros, veio a ter uma significativa influência, sobretudo no que diz respeito às práticas punitivas, nos primeiros tempos da nacionalidade portuguesa.

. . .

30


História da Policia em Portugal

CAPÍTULO II DO INÍCIO DO SEC.XII AOS FINAIS DO SEC.XVI (RETROSPECTVA)

31


História da Policia em Portugal

No limiar do século XII, surgiu o reino de Portugal, num periodo de contínuo e incessante batalhar em azaria, algarrada ou cavalgada. Ao grito de "mouros na terra e moradores às armas", todos os habitantes concelhios acorriam ao apêlo. Todos os homens válidos, geralmente munidos de armas de sua propriedade, serviam o esforço de guerra em permanente batalhar, prática constante na época, a qual nem sequer era interrompida em tempo de paz. Nestes periodos não faltavam sequer as realizações de exercícios, os quais eram denominados por, "justas", "passos de armas", "torneios", "touradas", "barreiras" e "sacarias", entre outras. Neste tipo de actividades, eram observadas meticulosamente determinadas regras, as quais quando não cumpridas, eram severamente punidas. Sabe-se que no início da nacionalidade, a distribuição da população pelo território, era muito irregular. As zonas do litoral eram pouco povoadas, e tal contribuía para a falta de segurança das pessoas, cujos bens ficavam expostos às assolações dos piratas àrabes e normandos. A característica fundamental da sociedade portuguesa desta época, é a rudeza. Forjada e mantida na guerra, tendo como classepadrão a nobreza militar, a população era em geral pobre, vivendo sem luxos e sem cultura. A insegurança das pessoas e dos seus bens tinha várias origens. Para além das assolações dos piratas como já foi dito, havia ainda a considerar, as guerras contra os muçulmanos, as lutas civis, resultantes das disputas entre senhores, as vinganças e o próprio banditismo que as circunstâncias favoreciam.

32


História da Policia em Portugal Isoladas e organizadas em pequenos grupos sociais - Familia, Aldeia ou Senhorio - a solidariedade era estreita e implacável. Os homens davam enorme importância aos laços de sangue, à comunidade da vizinhança ou aos deveres de protecção senhorial. Funcionava o figurino do "um por todos e todos por um", pese embora a rudeza dos costumes e a própria insegurança da época dessem origem a constantes focos de violência. Neste "mundo conturbado", há ainda a considerar a mentalidade religiosa, que penetrava até ao âmago, na vida individual e colectiva das pessoas, potenciando tambem, azedas lutas entre cidadãos ou grupos, que à sua maneira, procuravam resolver os seus problemas pelos próprios meios. Deste periodo, apenas há noticia de uma lei escrita, cujo texto se refere às sanções a aplicar às "berregãs dos clérigos", que determinava o encarceramento de todas as mulheres, que se entregassem aos padres. Sabe-se também, que as leis portuguesas mais antigas que se conhecem, datam de 1211 e surgem durante o reinado de D.Afonso II(1186 -1223). Embora como já se disse, a influência do Direito Romano e do Código Visigótico, não deixassem de fazer-se sentir, nesta época prevaleciam para aplicação da justiça, normas baseadas naquilo que hoje designamos por Direito Consuetudinário. Segundo o Direito Medieval, o rei era o chefe supremo de todos os poderes - o militar, o judicial e o administrativo -, e na consciência popular, estava radicada a convicção, de que o monarca recebia directamente de Deus, o atributo da sua autoridade. Acontecia amiudadas vezes, o rei descentralizar o poder e responsabilizar os municípios pela sua própria gestão!... Como exemplo, poder-se-à referir o caso do primeiro rei relativamente à

33


História da Policia em Portugal cidade de Lisboa, concedendo-lhe total autonomia para se reger, quer em matéria de natureza fiscal, quer económica. A partir de 1211, para combater a justiça privada, cimentar o poder judicial público e manter a ordem urbana em determinados lugares, outorgava-se o previlégio da paz, começando por se institucionalizar-se o Direito Positivo em todo o reino e cuja quebra era considerada como um crime contra o rei. Com esta medida, pretendia-se aflorar a paz doméstica, designadamente a inviolabilidade de domicilio, a paz do concelho e do mercado, a paz da igreja e as tréguas em relação a Deus. Estava desta forma lançada a "primeira pedra", para o exercício da função policial. Com este conjunto de novas regras, implementadas pelo rei e a consequente consolidação do poder real, abriu-se caminho a um vasto campo de reformas da administração régia e autárquica. Ciente da necessidade, quer de manter a ordem cívica, quer de prevenir e reprimir a criminalidade, o rei D.Dinis (1261-1325), empossou alcaides em todos os concelhos do reino, os quais tinham como função principal, comandar militarmente as terras afectas a cada autarquia, e manter a ordem pública, designadamente no que diz respeito à segurança das pessoas e dos seus bens. Além destas missões, aos alcaides competia ainda, assegurar o exacto cumprimento das leis, dos alvarás régios e dos editais, assim como exercer as competências judiciais, que lhes eram delegadas pelo soberano. Quais as razões que levaram os reis a tomar esta atitude? Em primeiro lugar, punir as infracções que os costumes não consideravam puníveis, baseando-se para tal na aplicação do Direito Positivo. Depois, uniformizar as penas aplicáveis a actos que tinham punição variàvel de concelho para concelho. Por último, a

34


História da Policia em Portugal necessidade de corresponder com clareza e justiça, às solicitações dos juízes da corte, que muitas vezes protestavam junto do poder real, face ao vazio legislativo existente.

A TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES A "tipificação" dos crimes, surge também pela primeira vez, com o rei D.Dinis no trono, salientando-se já das demais infracções, os crimes graves, como o homicidio, o roubo, o rapto, o rouso (violação de mulher) e o arrombamento. De entre os referidos crimes, o homicidio era o mais severamente punido, aplicando-se normalmente como pena, o enforcamento, havendo contudo casos, em que o homicida era enterrado vivo, sob o cadáver da vítima. Outra nota saliente nesta época, é aquela que nos é descrita no Livro IV das Ordenações Afonsinas e que foca a determinação régia, de que nenhum preso, podia em caso algum "fazer contrato com aquele que o prendia", desconhecendo-se contudo, qual o tipo de sanção, aplicada a cada caso. D.Pedro I, a quem se chamou o "Homem da Justiça", continuou a implementação de novas normas e a consequente aplicação das penas. Salientam-se o enforcamento, para as mulheres cristãs, que fossem encontradas de dia ou de noite, em arraial de mouros, bem como a amputação de pés e mãos a golpes de machado, aos falsos moedeiros e ourives, que falsificassem objectos de ouro e prata. O "Justiceiro", estabeleceu igualmente e pela primeira vez, locais onde os criminosos podiam fugir à justiça. As igrejas, os mosteiros e os terrenos coutados, (fora das portas da vila ou 35


História da Policia em Portugal cidade) eram alguns dos lugares, designados pelo monarca, para refúgio dos violadores da lei. Estes "coutos" chamados de "previlégio", foram mais tarde extintos por D.João I, o qual os considerou como covis de ladrões e assassinos. Esta prática, tinha sido já iniciada em 1375 por D. Fernando, que permitia apenas, que os foragidos da justiça se pudessem refugiar, em igrejas e conventos. Ainda no tocante à justiça e durante a vigência do reinado de D. Pedro I, há a salientar o facto de pela primeira vez, os Alcaides e os juízes deixaram de ser nomeados por opção régia, passando a ser eleitos pelo povo, tendo as respectivas funções sido reguladas posteriormente, através de uma Ordenação do rei D.João I. As suas competências eram idênticas às anteriormente verificadas, isto é: Para além da efectivação dos julgamentos da sua área de jurisdição, da fiscalização da lei e dos costumes, passaram também a deter a prerrogativa de vigiarem a conduta dos padres, fidalgos, tesoureiros e almoxarifes no contacto com o povo, não permitindo que sobre este, fossem cometidos abusos. Posteriormente e ainda no reinado de D. Pedro, os seus poderes foram também descentralizados, tendo sido criados os "Meirinhos da Côrte" e os "Meirinhos das Cadeias", ficando os primeiros incumbidos de desempenhar as acções de fiscalização até aí levadas a cabo pelos Alcaides e os Juízes, enquanto os segundos, passaram a desenvolver um papel algo semelhante, ao que hoje é exercido pelos Guardas-Prisionais, isto é: Orientavam, fiscalizavam e geriam a população prisional!... A este propósito, dizem as Ordenações: "Haverá cuidado, em cada dia, levar por si ou pelos seus homens, duas vezes, todos os presos das cadeias (...) a folgar e fazer sua necessidade".

36


História da Policia em Portugal É dentro deste quadro de acção fiscalizadora, que foi igualmente criado um "corpo" de fiscais, -os Almotacés- os quais e durante o reinado de D.Pedro I, passaram a julgar sumariamente determinadas infracções no então recém-criado "Tribunal do Juízo dos Almotacés", na Ribeira das Naus, -Mercado Público- em Lisboa, designadamente os casos de especulação, nos preços do géneros alimentícios, essenciais à vida da população. Quando condenados, os especuladores após o pagamento da respectiva multa, eram expostos à "Assoada" da multidão e a então chamada "Casa da Almotaçaria" passou a ser extremamente conhecida e temida, tendo sido extinta apenas no seculo XIX, pese embora, a "Assoada" já não se praticasse e fosse até considerada crime, desde há muito tempo. Aliás diga-se de passagem, que no periodo considerado, abrangendo a segunda metade do século XIII e quase todo o século XIV, se notaram importantes progressos, no campo do Direito Criminal e Processual. Exemplo desse progresso e para além das acções de fiscalização que então já operavam, é o aparecimento do primeiro "Corpo de Agentes Policiais", de que há registo: OS QUADRILHEIROS, também depreciativamente conhecidos pelos "MOSCAS", título este, normalmente utilizado pelos malfeitores.

OS PRIMEIROS AGENTES POLICIAIS (OS QUADRILHEIROS) Durante a alta Idade Média, a defesa da ordem pública, estava como já se disse, a cargo das comunidades urbanas e rurais do paço real e dos senhores feudais,tendo-se esta situação 37


História da Policia em Portugal prolongado até à introdução progressiva da orgânica "policial" em cada território municipal, a começar por Lisboa, onde em 12 de Setembro do ano de 1383, foi criado pelo rei D.Fernando, o primeiro corpo de Quadrilheiros, como forma de fazer face, a uma aterradora desorganização social e à ocorrência de crimes graves em catadupa. Este "Corpo de Agentes Policiais", foi de facto, a primeira instituição formal de natureza policial e foi criado por alvará régio, ficando subordinado à edilidade por um periodo de três anos, justificando-se a sua criação,

QUADRILHEIROS

com a necessidade de "eleger certos homens que vigiem sobre o sossego público"!... Eram ajuramentados e recebiam armas e soldo não fixo. Na cidade de Lisboa, havia então vinte Quadrilheiros (cinco grupos de quatro). Cada um dispunha de duas lanças, sendo uma de nove palmos, usada nas detenções individuais e outra de dezoito palmos, utilizada para manter a ordem da multidão.

38


História da Policia em Portugal Detinham também uma vara verde, com as insígnias da "autoridade" e podiam ter armas (lanças) à porta de casa, para mais lestos ocorrerem ao primeiro alvoroço, devendo ostentar o seu nome escrito nessa porta, com o escudo real, para se distinguirem dos demais moradores. Os Quadrilheiros, tinham como missões fundamentais, para além de manter o "sossego público", impedir a proliferação de adivinhos, feiticeiros, vadios, prostitutas, alcoviteiras - assim chamadas por se dedicarem a propiciar encontros para venda de prazer - , berregãs dos clérigos e frades e toda e qualquer violação de posturas municipais, incluindo a proibição de "gente poderosa", amotinar o povo. "Patrulhavam" inicialmente apenas durante o dia e agiam somente em relação aos Cristãos nacionais e estrangeiros, salvo se em caso de qualquer rixa, esta envolvesse cristãos e judeus ou mouros. Quanto a estes, cada mouraria, dispunha desde 1374, de um alcaide, com guarda cívica própria, por determinação da casa real. O mesmo se passava relativamente aos judeus, no interior de cada judiaria. Estava-se assim e já nesta época, perante evidentes factores étnico-religiosos, a limitar o exercício da actividade policial dos Quadrilheiros, sobretudo na cidade de Lisboa, que comportava cerca de 65.000 habitantes e se tinha tornado o centro da vida económica, social, política e cultural do país. A nomeação dos Quadrilheiros, era regulada pelos vereadores concelhios e pelos juízes, que tomavam a relação de todos os moradores do lugar e sobre cada vinte, um era obrigatoriamente

39


História da Policia em Portugal escolhido e compulsivamente obrigado, a servir durante três anos consecutivos, a causa da ordem pública. A sua actividade, era extremamente difícil e penosa!... Tão difícil e penosa, que todos tentavam fugir à sua nomeação, chegando inclusivé a refugiar-se fora dos respectivos concelhos, com o intuito de evitarem o inevitável. Com o decorrer do tempo e face às dificuldades que encontravam no cumprimento da sua missão, este "Corpo de Agentes", ía vendo aumentados os seus soldos e previlégios, havendo a salientar, as prerrogativas que lhes foram concedidas por D. Afonso V, que os dispensou de trabalhar nas obras públicas, e também as que igualmente lhes foram atribuídas mais tarde por D. Sebastião que os isentou do pagamento de impostos. Mesmo assim, poucos se predispunham a desempenhar tão arriscada função, para além dos três anos a que eram obrigados!... Não se pode esquecer, que na época, o povo continuava ainda ignorante, a que se juntava o fanatismo, a superstição, a violência e a crueldade nas suas diversas manifestações!... Acreditava-se em fantasmas, maus-olhados, feitiços, e pese embora as terríveis penas judiciais aplicadas, roubava-se e matava-se, por motivos muitas vezes fúteis. A vingança, quer individual, quer familiar (do clã), era tradicionalmente praticada, mesmo contra o Quadrilheiro, que apenas cumpria o seu dever. Como curiosidade, deve dizer-se que o Porto, foi a segunda cidade a receber um Corpo de Quadrilheiros, tendo ocorrido tal, em 12 de Setembro do ano de 1421. Os diversos Corpos de Quadrilheiros, particularmente a partir do início do reinado de D. Afonso V, foram sofrendo diversas remodelações, nunca tendo no entanto atingido um nível

40


História da Policia em Portugal organizacional suficiente, que satisfizesse as necessidades de segurança, quer das populações, quer da administração local. Assim no reinado de D. Sebastião (1554-1578), foram promulgadas várias leis, para melhor conter a onda do crime, tendo especialmente em vista, um melhor combate aos actos dos desvairados enlouquecidos, designadamente pela prática de feitiçarias, que havia sido incrementada com a chegada dos ciganos a Portugal. Originários da Índia, os ciganos foram-se instalando pouco a pouco em Portugal!... Depois de terem atravessado Castela, muitos grupos deste povo, entraram no nosso país. Eram nómadas e adestrados, em toda a casta de actividades irregulares ou proibidas (roubo, engano, feitiçaria, etc.), levando a que, já em 1526, fosse decretada uma proibição oficial -várias vezes renovada -que impedia a sua entrada no território, mas sem resultados práticos e com as consequências já descritas. Com a finalidade de fazer face, à onda de crimes que varria a capital, zelar pela segurança das pessoas e seus bens, conseguir um maior contrôle e operacionalidade, principalmente devido ao aumento da população nas judiarias, nas mourarias e também como reflexo de uma maior vigilância dos escravos que na época aí existiam, e que atingiam 1/10 da população total, a cidade de Lisboa foi dividida em 10 bairros, passando a ser cada um deles vigiado em permanência pelos Quadrilheiros, ao mesmo tempo que era também designado para cada um dos referidos bairros, um oficial de justiça, com poderes quase discricionários. A partir do ano de 1580, data da perda da independência e como consequência do desastre de Alcácer-Quibir, deixa de haver noticia sobre este primeiro Corpo de "Agentes Policiais", os quais

41


História da Policia em Portugal voltam a reaparecer, por Decreto do rei Filipe II, de 12 de Março de 1603, que outorgou um novo regulamento a este "Corpo de Agentes", reforçando-lhes a autoridade na defesa da legalidade, tornando obrigatória a existência de um, em cada rua do bairro, e impondo a obrigatoriedade e a intensificação das "patrulhas" nocturnas. Para além das referidas directrizes, há ainda a salientar a determinação da Câmara de Lisboa, que obrigou que cada Quadrilheiro, tivesse um dístico sobre a sua porta de residência, com o seu nome escrito, para melhor serem identificados pelos cidadãos, que necessitassem dos seus serviços e uma medida considerada extremamente importante no combate ao crime, redigida pelo rei Filipe II, que decretou a proibição do povo andar armado pelas ruas, e a obrigatoriedade dos corregedores e juízes, acompanharem as "patrulhas", quando disso houvesse necessidade. Pese embora todo este conjunto de medidas e o reforço de poderes dos Quadrilheiros, raros eram aqueles, tal como no passado, que se sentiam motivados para abraçar a causa da segurança pública. Como consequência dessa falta de vocação, nos inícios do ano de 1631, registou-se em todos os bairros da cidade de Lisboa, a falta destes "Agentes Policiais", o que levou o rei Filipe III (16051665), a conceder-lhe novos previlégios, decretando que as multas pagas pelos infractores à lei, fossem distribuídas pelos Quadrilheiros existentes nas cidades. Mas nem com a adopção destas medidas, se resolveu o problema da falta de homens que zelassem pela segurança, tanto que, e face às dificuldades surgidas na sua nomeação, a Câmara de Lisboa se viu obrigada, a fazer consultas e apresentar sugestões ao poder real, para resolver o problema do policiamento na cidade.

42


História da Policia em Portugal Como resultado das referidas consultas e das sugestões apresentadas, foram então impostas severas sanções aos Quadrilheiros, que não cumprissem os serviços do ofício, para que fossem designados.

O APERFEIÇOAMENTO DA JUSTIÇA PÚBLICA Como anteriormente já foi dito, designadamente no periodo que precedeu o reinado de D.Afonso III, assistiu-se a um importante esforço dos monarcas, no sentido de melhor organizar o sistema judiciário, a justiça pública, e o policiamento nas "grandes" cidades. Após serem criados os Quadrilheiros, as reformas processuais foram-se também sucedendo. Essas reformas passaram por diversas fases, havendo a salientar a ocorrida no reinado de D. Dinis, que estabeleceu pela primeira vez, uma lei reguladora do sistema processual, quer nas questões em que a côrte funcionava como primeira instância, quer naquelas, que a ela subiam em recurso. Essa lei passou a determinar a fixação de prazos, para os diversos actos e também o modo de proceder, nas questões prévias e prejudiciais. Importante, também o facto de a partir desta época, se estipular de que todas as demandas, deveriam passar a ser escritas desde o início do processo, assim como escritas deveriam ser as sentenças. Igualmente relevante, foi também a reforma levada a cabo pelo rei D. Afonso IV, no ano de 1355 e posteriormente recolhida nas Ordenações Afonsinas (Livro V Pagª.59).

43


História da Policia em Portugal Para conseguir com que a justiça funcionasse e de forma a torná-la mais célere, determinou que os "pequenos crimes", designadamente as injúrias e os pequenos furtos, fossem julgados, segundo a "Verdade Sabida", pelos juízes da terra, de acordo com os vereadores, ou sendo estes suspeitos, por dois "Homens-Bons"pessoas conceituadas e de bom porte - do lugar, não admitindo as sentenças proferidas por estes, apelação nem agravo. Neste periodo, as principais preocupações incidiram fundamentalmente, na necessidade de aplicar a justiça no mais curto espaço de tempo possível, e no consequente apuramento da verdade. A adopção do Direito de Justiniano, permitiu também nesta época, o aparecimento de "defensores oficiosos". Utilizando os meios legais previstos na lei, desempenhavam já um papel importantíssimo e algo semelhante àquele que os juristas dos nossos dias desenvolvem, designadamente no que diz respeito à utilização de enredos e artifícios, de forma a melhor servirem, os interesses das partes. Nesta fase, deve ser ainda salientado o papel dos "Tabeliães", que além de outras tarefas, tinham também a obrigação de tomar notas de todas as "malfeitorias" de que tivessem conhecimento na sua localidade. Obrigavam-se a anotar ainda, se à "malfeitoria" havia sido instaurado processo ou não, e em caso afirmativo, a sua sequência.(Hist da Leg.e Costumes Portugal-pagª.422 e Seg.). Todo este tipo de trabalho, permitia ao rei quando de passagem pela localidade, inteirar-se de como ali funcionava a justiça, sendo mesmo dever dos corregedores, após examinar os escritos, informar o monarca. Pese embora o esforço desenvolvido, tendo em vista o aperfeiçoamento da justiça, não se pense contudo, ter a mesma algo

44


História da Policia em Portugal de semelhante com a dos nossos dias. Para além de não haver qualquer respeito, pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os direitos humanos, não existiam sequer no subconsciente de cada um. Em matéria criminal - onde os crimes eram muitas vezes designados por pecados - notando-se o progresso da justiça pública, através da aplicação de normas gerais, que se sobrepuseram aos costumes locais ou às regras foraleiras, as penas e as formas de investigação dos crimes, eram ainda aterradoras. O DIREITO CRIMINAL NESTE PERIODO A LUTA CONTRA A FEITIÇARIA NA IDADE MÉDIA A primeira lei portuguesa que se conhece, combatendo a feitiçaria, remonta ao reinado de D. João I, tendo inclusivé sido impressa em 1534, contendo os seguintes princípios: "...Proíbimos que qualquer pessoa, seja qual fôr o seu estado ou condição, invoque diabólicos espíritos, em círculo ou fora dele; ou em encruzilhadas; nem dê de comer ou beber qualquer coisa, para querer bem ou mal a outrém, ou outrém a ele; nem lance sortes para adivinhar, nem para achar haver; nem veja em água, ou em casa luzente, nem em espádua de carneiro: (...) nem em cabeça de animal; nem ande com corda de enforcado ao peito, ou outra coisa, para fazer dano ou proveito a alguma pessoa ou propriedade; nem faça coisa para que uma pessoa queira bem ou mal a outrém; nem para ligar homem ou mulher ..." Nos séculos XV e XVI, a feitiçaria expandiu-se de sobremaneira pelo país, atingindo o auge já no limiar do século XVII,

45


História da Policia em Portugal época em que se chegou a matar crianças e também jovens adolescentes, para a prática de feitiços. OS TRATOS E A CRIMINALIDADE EM GERAL Para se poder ter uma ideia, do âmbito da aplicação das penas pelos Tribunais da época, quer no combate à feitiçaria, quer à criminalidade em geral, há que falar também dos "tratos". Alguns tratos ou torturas, fizeram história em Portugal!... O "esquartejamento" e a morte através do "garrote", são disso exemplos. O "esquartejamento", era um método violentíssimo e consistia no amarrar de cada braço e de cada perna de um infractor à lei, a um conjunto de quatro cavalos, os quais eram posteriormente chicoteados de forma a seguirem direcções diferentes. O resultado era óbvio... O "garrote" consistia no estrangulamento do sentenciado, de forma lenta, através de corda ou anel de ferro móvel, sobrevindo a morte por asfixia. ( Estas práticas viriam a ser igualmente utilizadas no século XVIII, por Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro do rei D.José I, durante o reinado deste). Nesta época foram ainda usados outros métodos de tortura, designadamente, aquilo a que se chamou "o polé" e o "potro", práticas muito queridas da inquisição e que também mais tarde, quer durante o século XVII, quer ainda no século XVIII, foram "ressuscitadas". Para as colocar em prática, os torcionários, deitavam as vitímas sob uma bancada especial de madeira, com os braços e pernas ligadas por correias, incidindo preferêncialmente nas zonas dos cotovelos e joelhos. De seguida, colocavam-lhes

46


História da Policia em Portugal "arrochos", por forma a apertarem gradualmente os laços em volta da carne, enquanto esta e a estrutura óssea o permitissem. Com a utilização destas práticas, conseguiam-se obter as "confissões" desejadas, embora as mesmas se revelassem muitas vezes como não verdadeiras. Outros métodos utilizados, foram o "trato do fogo", da "água" e ainda o das "cunhas". No Portugal da época, a forca era usualmente aplicada aos condenados plebeus, reservando-se a decapitação para os nobres. A fogueira tinha como destinatários os feiticeiros e apóstatas, que tendo professado o Cristianismo, haviam renegado a fé ou praticado actos injuriosos para a religião católica, segundo o conceito que deles faziam os inquisidores da época. As execuções públicas, constituíam verdadeiros "exemplos", e eram vistos por multidões, como se de um espectáculo se tratasse. Rezam as crónicas, que se chegaram a alugar janelas de edifícios, dos prédios envolventes da área de execução, para que tudo pudesse ser melhor "apreciado". Tudo quanto fermentava de mais vil e degradante na alma humana, se transmitia emocionalmente dos autores do suplício para a multidão contagiada. Durante as execuções, era inclusivamente necessário, efectuar um "policiamento" apertado no local onde as mesmas tinham lugar, o qual segundo a versão oficial, se destinava a "defender o sentênciado" da ira do povo!... No entanto, sabe-se, que na maioria dos casos, os referidos policiamentos tinham lugar, isso sim, mas apenas com a exclusiva finalidade de defender os carrascos. Naquele tempo, o analfabetismo era quase geral, os editais não tinham função prática e a informação existente, limitava-se ao

47


História da Policia em Portugal "passa-palavra" ou ao pregão público. A vóz do pregoeiro, era o veículo de transmissão de que os governantes se serviam para preparar o povo, para uma acção de justiça, manipulando o seu simples entendimento, de maneira a graduar a ira e dominar o ímpeto da multidão. Muitas vezes utilizavam-se agitadores entre as "massas populares", para melhor lhes ensinar a instigação à hostilidade e à violência. Os primeiros escritos sobre informação, "As Gazetas", surgiram apenas no século XVII, vindo posteriormente a dar origem aos primeiros jornais, que começaram a aparecer no século seguinte. Aos "Agentes Policiais", nesta verdadeira tormenta, competia-lhes cumprir com as ordens recebidas, relativamente ao seu "trabalho" e "patrulhamento" diário, prender os acusados e guardar os condenados, até à execução da sentença final. Neste tipo de actividade, participavam igualmente alguns soldados e a execução dos sentenciados, estava a cargo dos "Algozes ou Verdugos", profissão esta, que até ao início do século XIX, foi normalmente hereditária. Nesta altura, embora as penas continuem a ser duríssimas, com a cominação frequente da pena de morte, começa contudo a verificar-se, sobretudo a partir dos finais do século XV, uma tendência em alguns casos, para o seu abrandamento. E diz-se em alguns casos, porque a aplicação da justiça, continua ainda a variar, conforme a classe social dos cidadãos, aplicando-se penas diferentes para o mesmo facto, conforme o autor, fosse pessoa vil, homem honrado ou fidalgo. Como exemplo, a estes não podiam ser aplicados açoites e estavam geralmente isentos de tormentos.

48


História da Policia em Portugal A discriminação abrangia inclusivé os efeitos das penas. Em geral, a condenação em degredo ou multa, fazia com que o condenado ficasse inabilitado para desempenhar cargos públicos ou usar honras, até que fosse reabilitado pelo rei. Destas impossibilidades, estavam isentos os fidalgos, os vassalos do rei, os doutores e os cidadãos de "qualquer cidade que andem nos pelouros dos vereadores, juízes, almotacés ou procuradores desses concelhos". Mas crimes existiam para os quais não havia contemplações: Dentre estes pode citar-se como exemplos os crimes contra a religião, contra o rei e os direitos régios, contra a moralidade, contra as pessoas sua honra e reputação e também contra o património.

OS CRIMES CONTRA A RELIGIÃO Os crimes contra a religião - a religião católica, apostólica romana - eram dos mais gravosos da época e como tal não podiam deixar de ser punidos. Mas nestes delitos, havia que fazer uma distinção de jurisdições, isto é: Se pertencia aos juízes eclesiàsticos, inquirir e julgar os factos, em que estivesse em causa matéria religiosa, ou se tal inquirição ou julgamento, era da competência dos juízes comuns. O título 1 do livro V das O.A., refere-se ao crime de heresia, como o acto de dizer, crer e afirmar "cousas que são contra Nosso Senhor Deus e a Santa Madre Igreja", consistindo no afastamento da ortodoxia, por parte de quem fosse baptizado e se dissesse membro da igreja. Uma vez apurados os factos hereges, estávamos perante um crime, cuja competência para julgamento era dos juízes

49


História da Policia em Portugal eclesiásticos, requerendo as sentenças por via de regra, a execução de sangue, por morte ou mutilação, a qual era apenas levada a cabo, após ratificação régia e também só depois dos autos serem revistos pelos "desembargadores da justiça", que em decisão final, opinavam ou não, pelo cumprimento inicial da sentença. Há porém conhecimento de delitos contra a religião, sentenciados pelos juízes comuns. Durante a primeira metade do século XIV, as penas aplicadas por estes, eram quase sempre a morte na fogueira, após ser arrancada a língua pelo pescoço aos infractores, principalmente àqueles que descressem de Deus e de sua Mãe. Nestes casos, havia contudo, sempre a preocupação de se fazer a prova, do facto ilicíto ter sido ou não, praticado "sanhudamente", isto é: em estado de cólera ou irritação ou com intenção e propósito de renegar a fé em Deus e sua Mãe. Se fosse provada a intenção de renegar a fé, o crime era considerado como heresia, se tal intenção não se verificasse, estavamos perante um caso de "simples" blasfémia, havendo nesta situação ainda a considerar, se o seu autor era fidalgo, cavaleiro, vassalo, ou simples peão. Se o blasfemo se enquadrasse na classe nobre, a pena a aplicar seria de multa, devendo pagar por cada vez que tivesse praticado blasfémia, mil reais. Caso se tratasse de algum peão, a pena a aplicar, seria a de ser açoitado, vinte vezes no pelourinho, devendo enquanto tal decorresse, ter a língua atravessada por uma agulha de albardeiro.

OS CRIMES CONTRA O REI E OS DIREITOS RÉGIOS

50


História da Policia em Portugal Outro dos crimes graves desta época, eram os crimes contra o rei e os direitos régios! A matéria referente aos crimes resultantes da ofensa do dever de lealdade e respeito ao monarca, foi profundamente reformada nas Ordenações, de harmonia com os ensinamentos dos "sabedores antigos". (Glosadores e Comentadores do Direito Romano). Assim no título 2 do livro V das O.A., a pretexto de uma lei de D.Afonso II, àcerca da aleivosia ou traição, desenvolve-se com larguesa e minúcia, a definição dos crimes de lesa-majestade, fazendo-se mesmo a distinção, de os crimes terem sido cometidos por "obra" ou "palavra"! Dos referidos crimes, destacavam-se os seguintes: Lesa Majestade de Primeira Cabeça - Pertenciam à Primeira Cabeça, os crimes em que se considerava ofendida a própria pessoa do rei, por meio de traição. Os infractores eram punidos com morte cruel e a confiscação de todos os bens, de que fossem titulares à data da condenação, sem embargo de que existam filhos legítimos ou ascendentes. Nem a sua morte extinguia a responsabilidade criminal, podendo a memória do criminoso ser "danada" e ficando os seus filhos varões "infamados" para sempre, o que tinha como implicação, não poderem receber honra de cavaleiros, nem tornarem-se herdeiros, legatários ou donatários. Eram normalmente considerados crimes de primeira cabeça, o homicidio tentado, frustado ou consumado do rei, da rainha, dos descendentes, ascendentes ou outros familiares do monarca, bem como provocar a morte de algum dos seus conselheiros, ou matar ou ferir alguém de forma intencional e na presença daquele. Lesa Majestade de Segunda Cabeça - Pertenciam à Segunda Cabeça, todas as formas que pusessem em perigo a segurança real,

51


História da Policia em Portugal ajudar preso acusado de traição, ou dar-lhe fuga, colaborar na evasão de presos, ferir ou matar oficial de justiça ou juíz, falsificar sinal de desembargador, ouvidor, corregedor ou qualquer outro julgador, com intenção de causar qualquer dano, ou pretender retirar qualquer proveito. A estes crimes eram aplicadas geralmente penas corporais, em cada caso, determinada segundo o arbitrio do rei, o qual tinha normalmente sempre em conta, a condição dos visados, a qualidade da infracção e tudo o que "se achar por direito". Os bens dos condenados, só eram confiscados, se à data da condenação, não houvesse ascendentes ou descendentes legítimos.

OS CRIMES CONTRA A MORALIDADE À semelhança das penas aplicadas às diversas infracções, os crimes contra a moralidade, eram também severamente punidos. O título 6 do livro V das O.A., retrata alguns desses crimes e a forma de punição dos mesmos!... Assim e relativamente ao adultério da mulher, sabe-se que era lícito ao marido matar a adúltera e o homem que com ela fosse encontrado, salvo se este fosse cavaleiro ou fidalgo de solar, pois neste caso não deveria ser morto por "reverença e honra de sua pessoa e estado de cavalaria ou fidalguia". Outro crime considerado grave e ao qual foi movida uma luta tenaz e persistente, foi a luta contra as "berregãs dos clérigos". O celibato eclesiástico não era respeitado por grande parte do clero secular e regular, de pouco valendo, para reprimir os abusos, quer a "fiscalização" levada a cabo pelos Quadrilheiros e as consequentes penas criminais impostas às mulheres, que vivessem nesse "pecado",

52


História da Policia em Portugal quer as sanções canónicas, cominadas para os clérigos. Exemplo destas ligações, era o muito conhecido Santo Condestável -Nuno Álvares Pereira -um dos numerosos filhos do então arcebispo de Braga. Em 1401, D. João I, correspondendo a uma solicitação saída das Côrtes de Braga em 1387 e após circular, aos prelados do Reino e resposta deles, promulgou uma lei que consta das O.A., - Livro V título 19 -, da qual consta "que muitos clérigos e religiosos tinham berregãs em suas casas a olhos e face dos prelados e de todo o povo, e as trazem vestidas e garnidas tão bem e melhor que os leigos trazem as suas mulheres, pela qual razão, muitas mulheres deixam de tomar maridos lídimos... e juntam-se com clérigos e com frades e com outras pessoas religiosas e vivem com eles por suas berregãs em pecado mortal..." Convidados os prelados a castigar os clérigos, publicaram constituições a ameaçar os berregueiros com penas de "excomunhão e suspensão", mas responderam ao rei, que com essas sanções nada conseguiriam "por quantas penas pusessem aos clérigos e religiosos para que não tivessem berregãs, que as não deixariam de ter", se o monarca não impusesse penas temporais às mulheres. Face a tal, o rei passa a proíbir, que as mulheres do seu senhorio vivam publicamente por berregãs, com clérigos ou frades, de qualquer estado e condição que sejam. Assim à mulher que contrariasse tais princípios incorreria em pena de prisão, multa e degredo do local onde residia, pelo periodo de um ano, com pregão. A primeira reíncidência, seria punida com uma multa e degredo, por um ano com pregão, para fora da área da diocese; a segunda, com açoites públicos com pregão e degredo da área da diocese, por tempo indeterminado.

53


História da Policia em Portugal Tais sanções, podiam ser evitadas pelo casamento com maridos legítimos, ou pelo ingresso em algum mosteiro, mas se após isso, voltassem à berregaria com clérigo, incorreriam na pena de morte. Havia contudo excepções: Assim aos clérigos com mais de sessenta anos, era permitido ter em suas casas, mulheres honestas, com mais de cinquenta anos, para "... continuadamente os servirem e lhes prover em suas dores e enfermidades sem temor de pena alguma". A rufiagem, era também um crime previsto e punido nas O.A.Livro V título 22-! Rufia, era o sedutor que lançava as mulheres seduzidas e tiradas às famílias "na mancebia, pondo-as em estalagens para publicamente dormirem com os homens passageiros e havendo eles em si tudo o que elas assim ganham em o dito pecado", ou as levam "às vilas e cidades de que ouvem maior fama, por aí mais ganharem e ali as põem em mancebias públicas, para haverem como de feito hão, todo o seu torpe ganho". Este tipo de crime, também combatido de forma severa pelos Quadrilheiros, provocou inclusivé azedas lutas, entre estes e os rufias, sendo cominado com a pena de açoites públicos, aplicados ao rufião e à sua manceba, bem como o degredo de ambos e para sempre, do Reino. Outro crime severamente punido e que era englobado, na tipificação das infracções contra a moralidade, era o "ajuntamento carnal de pessoas de religião diversa", isto é: Cristão com moura ou judia, ou mouro ou judeu com cristã, com consentimento de ambas as partes! A esta relação, era aplicada a pena de morte, -Livro V título25 -. Mais dolorosas ainda, eram as sanções aplicadas aos crimes, pela prática de sodomia. Reza o Livro V, título 17 das O.A., que este,

54


História da Policia em Portugal era considerado "...sobre todos os pecados o mais torpe, sujo e desonesto...". "...Por isso, todo o homem que tal pecado fizer, por qualquer guisa que ser possa, seja queimado e feito pelo fogo em pó, por tal que já nunca do seu corpo e sepultura possa ser ouvida memória". CRIMES CONTRA AS PESSOAS SUA HONRA E REPUTAÇÃO O homicídio, as ofensas corporais as injúrias e a difamação, eram alguns dos principais crimes que atentavam contra as pessoas, sua honra e reputação. Em declaração da lei de D. Dinis, sobre homicídios e ferimentos, as Ordenações, -Livro V título 32 -cominam a pena de morte para o homicídio "sem razão", qualquer que seja o estado e condição do delinquente. Mas abranda a pena quanto aos ferimentos, mandando que se aplique, não a pena de morte como na lei dinosiana, mas "a que fôr achada por direito que merece, segundo a qualidade do feito" No título 33, reproduz-se uma lei de D.João I, sobre a punição do homicídio ou ferimento na corte, ou seus arredores. Nesse caso concreto, à pena que couber ao delito, acresceria prisão e multa, não podendo o delinquente ser solto sem pagamento desta, podendo igualmente ser executados os seus bens, para satisfação da pena pecuniária, cujo produto reverteria, um terço para o denunciante e dois terços para a redenção dos cativos. Quanto aos crimes de injúria ou difamação, as Ordenações Afonsinas, continuam a empregar o termo "injúria", no sentido da acção contrária ao Direito, podendo o delito contra a pessoa, ser

55


História da Policia em Portugal cometido por palavras ou por factos. Assim a par das injúrias verbais, havia as escritas em "cartas de maldizer". Os títulos 52 e 58, do Livro V das O.A., ocupam-se das injúrias em geral, incluindo as ofensas ao bom nome, honra e reputação, regulam as condições em que podem ser propostas acções criminais, a pedir a condenação dos réus, quer em indeminização, quer em pena corporal, proibindo a prisão por mera acusação: "Só com querela jurada e testemunhas nomeadas", poderá haver lugar a prisão.

CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO Os crimes contra o património, incidiam fundamentalmente, sobre as apropriações de coisas achadas, arrancamento de marcos e também sobre as burlas. Sobre a apropriação de coisas achadas, a legislação existente neste periodo, é reveladora do tipo de vida das comunidades rurais e da importância que para elas, o gado, as aves de presa e a caça representavam. Nesta época, o achador tinha a obrigação de no caso de ignorar quem fosse o proprietário da coisa achada, fazer apregoar em concelho, dentro do prazo de trinta dias o achamento. Aparecendo o dono, devia este pagar ao achador " as custas e despesas que fez por achar e conservar essa cousa" e se fosse caçador ou dono de mouro cativo, deveria pagar ao achador um prémio a que se chamava "achadego". Se o achador assim não procedesse, retendo em seu poder a coisa achada, sem a restituir ao dono conhecido, ou sem a mandar apregoar, a retenção da coisa era considerada furto.

56


História da Policia em Portugal O arrancamento dos marcos, era um dos crimes contra o património, considerados como dos mais graves nesta área. Assim todo aquele que "... de qualquer estado e condição seja, e que, sem autoridade da justiça ou consentimento das partes, arranque marco posto entre vinhas, olivais, pomares, marinhas, herdades de pão ou qualquer outra coisa de senhorio distinto e partido entre alguns...", era punido com açoites públicos na vila, ou lugar onde o feito tivesse acontecido, seguido de degredo de dois anos para Ceuta, salvo se fosse vassalo ou daí para cima, a quem neste caso, era aplicada uma pena de degredo por quatro anos, para a mesma cidade. Os crimes de burla, estavam contemplados no título 89 do Livro V das O.A.! Eram seis os casos considerados como passíveis de condenação dos "burlões e enliçadores" como também eram conhecidos: 1-Vender a mesma coisa a duas pessoas em ocasiões diferentes, com a agravante de receber duas vezes o mesmo preço. 2-Empenhar a mesma coisa a dois credores, sem estar paga a dívida ao primeiro e não sendo o valor da coisa suficiente para satisfazer a ambos. 3-Vender a diversas pessoas, frutos pendentes a colher no ano, como se viesse cada qual a receber a colheita inteira, ou não sendo o vendedor proprietário ou possuidor de terras de onde possam ser colhidos tais frutos. 4-Vender ou empenhar coisa alheia, obtida por empréstimo, por tempo e para uso certos. 5-Obter dinheiro por empréstimo "fazendo muitas seguranças por palavra", e na altura do pagamento recusá-lo, dizendo não ter por onde pagar.

57


História da Policia em Portugal 6-Obter coisas "em guarda e codicilo", isto é, em depósito, e recusá-las depois àqueles que as confiaram. O acusado por algum destes crimes, uma vez a "querela jurada e as testemunhas nomeadas", seria logo preso até que "pague na cadeia tudo aquilo que assim dever", incorrendo na pena de degredo "segundo o caso de burla que assim fizer e o julgador entender que o burlão merece".

...

58


História da Policia em Portugal

CAPÍTULO III A INQUISIÇÃO

59


História da Policia em Portugal

A origem da Inquisição, remonta aos finais do século XII, quando o Papa Lúcio III, ordenou aos bispos, para pessoalmente ou por interpostas pessoas, se informarem dos suspeitos da prática de heresias. Desta distinguiam-se três graus: Os convictos, que renegavam a fé de Deus, os penitentes, que juravam estar arrependidos do crime praticado e os relapsos, que tendo-se arrependido das práticas heréticas e delas se penitenciado, regressaram às mesmas. A Inquisição, foi instituída inicialmente para combater uma seita cristã, que se havia formado numa vila do sul de França -Alby- , onde foram efectuadas numerosas execuções. No entanto as práticas da referida seita, estenderam-se ao reino de Aragão, aos estados Itálicos e à própria Inglaterra, onde o rei Henrique VIII, se havia separado da Igreja Católica, tomando o poder inquisitorial nas mãos, com a única finalidade de melhor poder corresponder aos seus desígnios, particularmente no que se refere à anulação constante dos seus diversos casamentos, iniciando a partir daí, uma perseguição feroz, a todos aqueles que praticavam o Catolicismo. Em Portugal, foram os Dominicanos que no século XIII, pregaram contra a heresia "Albigense", transportada segundo eles, do sul de França para Aragão, donde era natural a princesa Isabel, que viria a casar com o rei D. Dinis e a quem era atribuída, uma forte ligação à referida "seita". Pese embora em toda a Europa se terem verificado fortes perseguições e também execuções de toda a ordem, em Portugal

60


História da Policia em Portugal nada disso se verificou e só no princípio do século XVI, o rei D. Manuel I, em obediência ao seu contrato matrimonial com a filha dos reis católicos de Castela e Aragão, acedeu à condição imposta pelos sogros de expulsar os judeus, sem qualquer outro tipo de consequências. Deve dizer-se contudo, que D. Manuel havia já pedido ao Papa, o estabelecimento da Inquisição em Portugal no ano de 1515,isto é, dois anos antes da rebelião Luteriana. O objectivo real do rei, era fundamentalmente, conseguir uma arma, para o reforço e centralização do poder régio, por forma a que o contrôle por parte da Corôa, relativamente à expansão e poderio económico dos judeus, fosse uma realidade. Estes desígnios, haviam já sido conseguidos pelos reis católicos, os quais detinham uma autorização papal de 1478, concedida pelo Papa Sixto IV, que lhes permitiram estabelecer os tribunais do "Santo Ofício". Todavia e até pelas consequências negativas, que estas autorizações tinham trazido para Roma, o rei de Portugal, foi vendo ao longo do seu reinado, todos os seus pedidos sido "indeferidos". Mas a corôa portuguesa não desistiu e D. João III, retomou a ideia de ver estabelecida a Inquisição no país! Desenvolveram-se então diversas manobras diplomáticas e fomentaram-se incessantes intrigas junto do Papa. Todavia tal não foi suficiente, pois Roma resistiu sempre aos desejos do monarca português, pese embora com os judeus, com a perícia que lhes era habitual, a manobrarem nos bastidores, subornando quer o papado, quer determinadas figuras de prôa da corôa de Portugal, com o objectivo único de ganhar tempo e até se possível impedir que os desígnios do rei fossem concretizados.

61


História da Policia em Portugal Segundo reza a história, a Inquisição veio finalmente a ser "comprada" a Roma, ainda no tempo de D. João III no ano de 1536, mas com grandes restrições a uma plena liberdade de acção, designadamente até ao ano de 1547, data em que as mesmas foram levantadas pelo Papa, Paulo III, passando a Inquisição portuguesa, a dispor de plenos poderes, à semelhança de outros países da Europa. Apesar das referidas restrições, que Roma impôs, sabe-se contudo que as primeiras vítimas desta crueldade, remontem ao ano de 1543, quando na cidade de Évora, foram queimadas centenas e centenas de pessoas, o que por si, significa que mesmo antes de levantadas as restrições papais, a inquisição já funcionava em Portugal. Apesar de tudo, os portugueses, foram o último país europeu a estabelecer os "Tribunais do Santo Ofício". Fizeram-no por acordo papal como já foi referido em 1536 e 50, 250 e 300 anos depois da Espanha, Inglaterra e França respectivamente.

OS JUDEUS A Inquisição constituíu um verdadeiro flagelo durante os séculos XVI, XVII e XVIII. Pese embora no princípio do século XVII, se tivessem travado algumas "lutas" contra a Inquisição, de que é exemplo aquela que foi levada a cabo pelo padre jesuíta, Diogo Aredo, fazendo saber que ..."Os Cristãos-Novos, estão já incorporados com os Cristãos-Velhos, de maneira que não há nenhuma família de consideração, em que não haja muitos homens e mulheres de sangue hebreu", tal de nada valeu e as perseguições e os julgamentos continuaram a suceder-se, sendo inclusivé alargados

62


História da Policia em Portugal aos padres jesuítas, que contestavam os "Tribunais do Santo Ofício". Nos finais do século XVI, calculava-se que a comunidade judaica residente em Portugal, era já de cerca das 200.000 famílias, algumas das quais fazendo já parte da fidalguia, e das Ordens Militares e Seculares, representando cerca de um terço da população total do país, facto que pode ser justificado, pela protecção de que beneficiaram, principalmente durante os dois primeiros séculos da nacionalidade portuguesa. Já D. Afonso Henriques fizera saber que ..."o judeu pode e deve apresentar as suas queixas aos oficiais d´El-Rei, Alcaides e Alvazis, para que se lhe faça justiça". Tal princípio a que não foram alheias as ajudas financeiras que estes lhes prestavam, designadamente durante o periodo da reconquista, foi seguido e até intensificado pelos reis que se lhe seguiram, a ponto do bispo de Lisboa, D. Soeiro, se ter queixado ao Papa Gregório IX, nos seguintes termos: ..."Na diocese de Lisboa, as funções públicas são dadas aos judeus (...) com apróbio de Cristãos e com o escândalo de muita gente"... Exemplo do poderio judaico durante os séculos XIV e XV, eram os constantes abusos, cometidos em função dos previlégios de que dispunham e que podem ser retratados, através das perseguições efectuadas a todos os que se convertessem ao Cristianismo, quer fossem hebreus ou muçulmanos, ousando até confiscar-lhes os bens e até escravizá-los!... Entrar nas igrejas, ameaçar de morte quem lá se encontrava, retirar figuras personificando diversos santos e agredir padres e bispos era o "pão nosso de cada dia" e os Quadrilheiros como única via para acabar com tais violências, nada podiam fazer, e raramente

63


História da Policia em Portugal ousavam intervir, contra a acção violenta e poderosa da comunidade judaica, que inclusivé detinha importantes posições no "aparelho" de Estado, o que tornava em muitos casos as suas acções permissíveis. Em toda a Europa, a situação era idêntica, e não demorou, que a raiva ao povo judeu se materializasse e se viesse a tornar numa verdadeira hecatombe. Em Estrasburgo na Alemanha, foram queimadas num só dia dentro de suas casas, cerca de 2000 hebreus, sendo degolados, todos os que procuravam fugir às chamas! Na zona de Le Mains em França, foram trucidadas cerca de 12000 pessoas, não escapando sequer as mulheres, os idosos e as crianças. Face a estas tragédias e para evitar conflitos entre a população católica e a comunidade hebraica, foi estabelecido no Sínodo de Palência, que nas cidades onde habitem judeus, estes devem viver em bairros à parte. Nasciam desta forma os primeiros "ghettos" na Europa, sendo a "Carriére" no sul de França, o "Judenviertal" na Alemanha e as "Judiarias" em Portugal, exemplos concretos, dos muitos que ao longo da história se vieram a constituir. Durante o periodo medieval, os judeus portugueses beneficiaram como já se disse, de uma situação previligiada! Tinham direito a escolher os seus próprios bairros pelo país, e em Lisboa, ocuparam a zona senhorial da cidade, onde se erguiam as moradias apalaçadas dos mouros, vencidos durante o periodo da reconquista. A partir do reinado de D. Afonso IV, foram-lhe contudo impostas algumas restrições! Destas, salienta-se a proibição da usura, e a perda da totalidade dos empréstimos em dinheiro, sobre os quais fossem cobrados juros. Ora sendo os judeus, peritos neste tipo de negócio, (chegavam a cobrar 1/3 da quantia emprestada) tal funcionou como um forte revés, nos seus desígnios, levando-os a

64


História da Policia em Portugal "fechar as portas", a qualquer pedido de crédito que lhe fosse solicitado. Face a tal medida, e como forma de fazer vingar a sua revolta, os populares durante a epidemia -Peste Negra- que assolou o país em meados do século XIV, como resposta ao "boicote" dos judeus na concessão de créditos, resolveram inventar, terem estes envenenado as águas, invenção essa que secundada pelo papel desenvolvido pelos "pregoeiros", teve tal projecção, que milhares de judeus foram mortos, sem que ninguém lhes pudesse valer, nem mesmo o próprio poder real. A hostilidade era de tal modo gritante, que foi estabelecida a proibição a qualquer mulher cristã, de andar acompanhada de judeu, salvo se andasse às compras e fosse obrigada a frequentar as lojas "hebráicas", mas mesmo assim com a obrigatoriedade de se fazer acompanhar por dois homens cristãos. Esta medida, tinha como finalidade, prevenir a possibilidade das mulheres Cristãs se ligarem aos judeus, que frequentemente as aliciavam com dinheiro e dádivas em objectos de ouro. Face à intranquilidade e às rivalidades reinantes, D. Pedro I nomeou o rabi Moyseh, Almoxarife-Mor, ao mesmo tempo que estabelecia severas regras com vista a punir os fomentadores da desordem. Exemplo de tais regras, foram as penas aplicadas a dois escudeiros da Côrte, os quais haviam assassinado numa rixa, um judeu! Depois de os chamar à sua presença e embora "...chorando, por muito lhes querer, ordenou que os degolassem e assim foi feito". No sentido inverso, ordenou igualmente o lançamento à fogueira de um judeu, que havia subornado um Cristão, para que este lhe fornecesse "hóstias sagradas", com as quais efectuou experiências de feitiçaria.

65


História da Policia em Portugal Nesta fase, em que as ordens do rei eram implacáveis, os judeus no interior dos bairros que habitavam, detinham a organização da sua própria segurança, obedecendo aos seus juízes, que detinham o poder delegado pelo rei, para proferir sentenças e inclusivé decretar penas de morte. A Acção de manutenção da ordem pública, em assuntos que envolvesse Cristãos e mouros, era desenvolvida pelos Quadrilheiros. Mas, pese embora as várias tentativas levadas a cabo pelo rei, tendo em vista o amenizar das lutas, entre judeus e Cristãos, tal não foi possível, tendo-se a situação até agravado, quando da primeira invasão castelhana, comandada por D. Henrique de Transtâmara, que após entrar em Lisboa, incendiou a judiaria, levando à fuga de milhares de judeus para a Andaluzia, onde igualmente acabaram por ser chacinados, mais de 4.000 hebreus, incluindo mulheres e crianças. Já no reinado de D. João II, mais precisamente no ano de 1482, as quezílias continuaram, e quando de um surto de peste bubónica, os judeus de Lisboa que entretanto se haviam reorganizado, foram mais uma vez vítimas da ira dos católicos e até da própria vereação camarária lisboeta, que através de um edital, ordenou a sua expulsão da cidade, como forma de preservar a saúde pública, dando assim de forma implícita razão, às acusações que o povo fazia aos judeus, a quem acusavam de terem introduzido a doença em Portugal, via Andaluzia, onde nessa época proliferava tal epidemia. Tal medida - que a Câmara do Porto havia também seguido e que viria a ter as mesmas consequências - mereceu forte censura do rei, o qual se impôs inclusivamente à sua concretização.

66


História da Policia em Portugal Perante a recusa do rei em acatar as deliberações camarárias, a polémica que envolvia Cristãos e judeus, agudizou-se ainda mais, a tal ponto que o monarca se viu impotente para conter a fúria do povo. Exemplo de tal, foi o que se passou nas côrtes de Évora no ano de 1482, e nas quais os Procuradores do Povo, se queixaram ao rei, acusando-o não só, de proteger os judeus, como também de permitir que usassem jóias de alto preço e de trajarem fazendas das mais finas, raras e caras, em contraste com a miséria que atormentava o povo Cristão, levando a que a população das classes pobres e menos abastecidas, se sentisse contagiada com tal ostentação, chegando inclusivé a ceder aos desígnios dos judeus, particularmente no que diz respeito ao seu endividamento, ou a dedicarem-se ao roubo ou a profissões repugnantes, como forma de competir com eles. Nesta fase, os judeus ocupavam as profissões mais "nobres" da época! Eram tesoureiros, conselheiros, médicos da côrte, artifíces, comerciantes, entre tantas outras. Percorriam o país de lés-a-lés e por onde passavam deixavam marcas, designadamente aliciando mulheres cristãs, com quem adoravam relacionar-se. Face ao aumento desenfreado da população judaica, o rei D. João II começa seriamente a pensar, para onde mandar tanta gente. Os arquipélagos da Madeira, dos Açores e as Ilhas de Cabo Verde, tinham já sido povoadas com algum êxito, pelos judeus convertidos. Assim, não seria despropositado utilizar o mesmo método relativamente à Ilha de São Tomé, na altura praticamente desabitada. Havia contudo alguns inconvenientes!... Um deles, era o facto do rei não pretender levar a cabo tal decisão, utilizando para o

67


História da Policia em Portugal efeito judeus acusados de todos os vícios sociais e morais, muitos deles vivendo sem praticar a sua própria religião, condição extremamente importante neste periodo. Assim e tendo a exacta noção de que era preciso fazer alguma coisa, o rei decide iniciar a colonização da Ilha de São Tomé! Fê-lo utilizando para o efeito, os judeus sem grandes vícios e facilmente cristianizáveis, isto para além de não deixar igualmente de recorrer a muitos menores também eles hebreus, arrancados à força às próprias famílias. Face à resistência de muitos e após uma pregação dominicana, ocorrida em 15 de Abril de 1506 contra o povo judaico, só na cidade de Lisboa, foram mortos mais de cinco centenas de judeus, facto que veio agravar ainda mais, o clima de intolerância e suspeição que se vivia, no país, com particular incidência na cidade de Lisboa. No reinado seguinte, o rei D. Manuel I, com a promessa de expulsão dos judeus, conseguiu de certa forma acalmar o povo Cristão, e pese embora não tenha deixado de reprimir alguns casos de perseguição popular contra o povo judaico, e de fazer várias tentativas junto do Papa -como já se disse-, para que a inquisição fosse instalada em Portugal, fez publicar no ano de 1512, as "Ordenações Manuelinas", as quais vieram conferir novo regulamento aos Quadrilheiros, obrigando à sua existência em todas as vilas e cidades, como forma de mais eficazmente combater a delinquência, que continuava a grassar. Apesar do rei nunca ter conseguido lograr os seus intentos, face às medidas adoptadas e no periodo compreendido entre os anos de 1507 e 1521, ano da sua morte, conseguiu pelo menos que os judeus pudessem viver numa paz relativa, comparativamente a

68


História da Policia em Portugal outras cidades Europeias, onde os "Tribunais do Santo Ofício", estavam já implantados. Em Lisboa por exemplo, apenas ocorreram algumas rixas e perseguições de natureza religiosa, a que, e à semelhança de outros desacatos de natureza diversa, os "Agentes Policiais", fazendo uso das novas prerrogativas que as "Ordenações Manuelinas" lhes concediam íam pondo cobro. Como curiosidade, refira-se que as "Ordenações Manuelinas", para além de estipularem novas regras relativamente aos Quadrilheiros, proibiram igualmente o uso e porte de arma, quer de natureza defensiva, quer ofensiva, durante o período da noite, com excepção da espada, do punhal e da adaga, cujo porte e uso eram livres, até às "Avé-Marias". Aqueles que não respeitassem estas regras, para além da perda das armas, eram punidos com penas, que variavam entre a multa de 200, -que poderia ser convertida em prisão efectiva, caso o prevaricador fosse peão -, e 2.000 reais ou ainda um mês de prisão efectiva. As armas e o dinheiro resultante das penas aplicadas, revertiam em partes iguais, para o Alcáide-Mor do castelo e para o Meirinho da comarca. Contudo havia excepções às referidas regras: Assim em relação às armas dos nobres e dos fidalgos do reino, estas possuíam obrigatoriamente sinais distintos, conforme a linhagem de cada um, podendo qualquer deles usar livremente até quatro armas brasonadas. O desrespeito por estes princípios, implicava a perda das armas e da honra, bem como também dos previlégios inerentes ao título de nobreza e à linhagem. É assim com as "Ordenações Manuelinas", que surge a primeira forma institucionalizada de identificação das armas e dos

69


História da Policia em Portugal seus proprietários, no fundo podendo-se considerar, como o primeiro sistema de manifesto e registo de armas em Portugal, o qual viria a ser extinto mais tarde, quando do surgimento das "Ordenações Filipinas".

OS CRISTÃOS NOVOS Os judeus convertidos ou Cristãos-Novos, como também lhes chamavam, conservavam alguns rituais e modos de proceder, característicos da sua origem hebraica! Tal, era suficiente para desde logo serem acusados de heresia e consequentemente serem presos e julgados. Face a tais atitudes e porque com tais procedimentos se colocava em causa o expansionismo Cristão, muitos membros do clero protestaram junto dos inquisidores, havendo a destacar em tais acções, o Bispo do Funchal, D. Diogo Pinheiro e mais tarde muitos padres jesuítas, os quais e pese embora o esforço que desenvolveram, nunca conseguiram levar por diante os seus intentos, valendo-lhes isso sim, serem fortemente perseguidos pelos defensores do "Santo Ofício". Durante o periodo da inquisição, as denúncias mesmo sem qualquer prova, faziam fé. Os cidadãos viviam numa angustiante insegurança, à mercê da inveja, da cobiça e das vinganças pessoais. As diferenças religiosas, tinham feito instar o ódio e em cada rua, cada bairro ou cada cidade, o caos era total, sucedendo-se os autos de fé, a que assistiam multidões ignorantes, contagiadas pelos agitadores da época, que as "arrebanhavam" para presenciarem estes autênticos actos de puro sadismo. À semelhança de Portugal, também no resto da Europa se desenvolvia idêntica tragédia, a qual tomou ainda maiores

70


História da Policia em Portugal proporções com o desenvolvimento dos movimentos da Reforma, protagonizada por Martinho Lutero e da qual resultaram morticínios em massa, ultrages, mutilações e destruição de relíquias e templos católicos. Felizmente que tais movimentos não tiveram qualquer repercussão em Portugal, onde a repressão religiosa visava apenas os os judeus.

A SAÚDE PÚBLICA A "Policia" do reino, que era completamente alheia a todos os actos inquisitoriais, tinha então a seu cargo, não só as funções respeitantes à segurança das pessoas e seus bens, mas também as de fiscalização dos preços, dos impostos e a da observância das normas estabelecidas, para manutenção da saúde pública, zelando pela legalidade das obras e também pela limpeza da cidade. Esta situação mais visível na cidade de Lisboa veio contudo a alterar-se em 11 de Fevereiro de 1502, através de uma pequena reforma, levada a efeito pela Câmara, a qual decretou a sua divisão em pelouros, facto que levou a que os respectivos vereadores substituíssem os "Agentes", em algumas das funções que até aí se encontravam sob sua responsabilidade, designadamente, em tudo que dizia respeito à fiscalização das obras e também dos impostos. Nesta época, a doença era considerada uma fatalidade ou um "castigo dos deuses". Todas as comunidades, expulsavam as pessoas, cujas enfermidades de que padeciam,- designadamente a peste, a cólera e a lepra- fossem consideradas perigosas para o tecido social.

71


História da Policia em Portugal As "bruxas" e os "feiticeiros" proliferavam, e valendo-se da ignorância do povo, exploravam-no com promessas de curas e a invenção de novas doenças, tornando o caos ainda maior. É neste periodo que surgem em Portugal as "gafarias", para assistência aos tuberculosos, havendo a salientar, a de Coimbra, que abriu a expensas do rei D. João II, a de Lisboa, que tinha administração municipal e a de Santarém, que foi fundada e administrada pela própria comunidade de leprosos. Durante o reinado do referido monarca, foram igualmente criados alguns hospitais, havendo a salientar, o Hospital de Todos os Santos e também após a sua morte a criação das Misericórdias, que teve como finalidade a prestação de assistência aos pobres e enfermos e ainda a recolha de crianças órfãos. Com a expansão, levada a cabo no século XVI, particularmente após a chegada à Índia e ao Brasil, o número de doenças aumentou no país, e os hospitais existentes não respondiam às necessidades! Os doentes "amontoavam-se" nas ruas e os "policias" sentiam sérias dificuldades em zelar pela saúde, e manter a ordem pública, onde a agonia atingira o seu ponto máximo, designadamente após o aparecimento de novas doenças de natureza tropical, que vieram complicar ainda mais o estado da saúde no país. Face a tal calamidade, havia que fazer alguma coisa e daí até ao início do ensino da medicina em Portugal foi um salto, havendo a salientar neste domínio o papel desenvolvido pelo Cristão-Novo Garcia da Horta, não só pela dedicação à causa médica, como também pelo facto de se ter tornado no impulsionador de um processo de desmistificação, da ideia medieval de que se "adoecia por vontade de Deus".

72


História da Policia em Portugal Face às limitações da época e tendo em conta que a maioria das enfermidades era incurável, os Quadrilheiros, responsáveis pela manutenção da "ordem pública", tinham também a obrigação de fiscalizar o comportamento da população! Vigiavam os poços e as cisternas de água potável, a queima do lixo e a lavagem das ruas, para onde os habitantes (dado não existir saneamento) lançavam os dejectos. Tudo isto, aliado à falta de limpeza, à proliferação de insectos transportadores de doenças, à falta de água, que era transportada para as habitações em bilhas e barris, contribuía para o alastrar da epidemia, que era necessário "combater" a todo o custo.

A PESTE A população portuguesa foi dizimada por surtos desta terrível doença, em vários periodos da sua história. Tomada de pânico, grande parte da população, vendo a morte à sua volta, a arrebatarlhes familiares e amigos, organizavam procissões, refugiavam-se em costumes pagãos mandando rezar missas, fazendo constantes penitências, promessas de devoção religiosa e peditórios a Deus, para que debelasse o "mal" que os atormentava!... Outros, designadamente as gentes das cidades, fugiam para os campos, contagiando os aldeões ainda não contaminados. Nos "grandes centros urbanos" e a céu aberto, os ratos, cuja pulga se veio a apurar como sendo a principal transmissora da doença, comiam os restos dos cadáveres existentes nas ruas, provocando o caos total, a que os zeladores da "ordem pública" tinham que assistir sem nada poderem fazer, a não ser, a vigilância exercida sobre os enfermos que necessitavam de ajuda, ao mesmo

73


História da Policia em Portugal tempo que não deixavam de reprimir determinados desmandos mais graves, particularmente o assalto às residências abandonadas, por aqueles que fugiam em busca de outras paragens... Do surto de peste ocorrida no ano de 1569, dá-nos Bernardo da Sylveira d´Alva notícia em seu manuscrito, o seguinte: ..."De Julho a Agosto desse ano de Peste Negra, a cidade de Lisboa despovoou-se, para logo vagarem arredores e herdades onde os fugitivos ocorriam a buscar refúgio, ali passando o mal a gente sã. Calculava-se em oitenta mil as pessoas mortas na cidade e mais de cem mil no país. E grassando mais ainda a doença nos bairros da judiaria e de Alfama, cercaram-se de escopeteiros e piqueiros (militares) que cortavam as saídas, pelo que assim condenavam muitos sãos, quase todos cristãos-novos que mais não dariam ofício à Santa Inquisição, mesmo que se dessem a apostasia. Denunciado o mal numa morada, pregavam-lhe as portas e fenestras, sepulcrando, vivos, os moradores; e a ralé apavorada dava-se a incendiar casas suspeitas, pegando fogo também às vizinhas (...) Sagravam-se baldios e olivais para enterrar os mortos; sulcavam-se covas alongadas, para cinquenta cadáveres a eito, dos setecentos que, por dia, se carregavam para fora das portas de Lisboa (...) mandavam a criadagem, por aguadeiros, encher pipos às fontes do Andaluz e de Palhavã, para lavar da pestilência a rua, em frente das suas portas; e dizer missa todo o dia. Alumiavam velas na Sé e em S. Vicente de Fora e em todas as igrejas e capelas, se encomendavam a S. Marçal e a todos os Santos do Reino dos Céus (...) Caía-se morto na rua e apodrecia-se nas calçadas, nos adros das igrejas, nos terreiros senhoriais, onde ratos e corvos gulosamente se fartavam (...) Rolava para o chão da tenda o mercador; na estrebaria, o índio que selava a montada; o amante furtivo, no escuro dos portais. Caíam de borco,

74


História da Policia em Portugal sem um ai, os soldados nas muralhas, os frades nos refeitórios, os padres nos altares(...)". Descrevendo a doença diz ainda o narrador: "(...) O médico que sentia o pulso do enfermo, não tardava em aconselhar que chamassem um padre, porque as bobas (borbulhas linfaticas) não tardariam. Os mais débeis finavam-se ao terceiro dia, de súbito, sem que eles mesmo o esperassem, os mais fortes, tacteavam os bubões das virilhas, inchando como favas, dilatando-se e logo gangrenando e enegrecendo, ou rebentando como fétidos antrazes (...) ao quarto dia, a pele alterava-se, o peito entrava em convulsões e a morte arrebatava-os. Só por o medo lhes tirar o siso se entende almas que eram cristãs perderem a fé em Deus e que, faltando-lhes, se entregavam à prática de feitiçaria (...)"

AS GALÉS Como já se disse, a partir do ano de 1512, foi proibida a entrada de gente armada na cidade de Lisboa, e reforçado o poder dos Quadrilheiros no contrôle dos marginais e prevaricadores da ordem, passando os mesmos a ter um papel muito mais activo, em contraste com o periodo anterior, no qual os cidadãos era autorizados a usar armas, para se defenderem dos assaltantes. Também a 12 de Junho de 1514, o rei D. Manuel I fez sair um decreto que estipulava, que todos os presos uma vez detidos, por furto, que não tivessem recorrido à violência, não fossem enforcados, mas simplesmente marcados com um ferro em brasa, tendo o ferrete a marca de um "F". Esta medida já praticada há

75


História da Policia em Portugal muito tempo, em França, Alemanha e Inglaterra, foi importado para o nosso país, -que a manteve durante muitos anos, - veio originar um recrudescimento ainda maior da criminalidade, dado as medidas adoptadas, terem sido consideradas como "benevolentes" pela população, que inclusivamente se chegou a manifestar ruidosamente, contra a adopção de tais medidas e a proliferação dos ociosos e vádios, que durante a noite saíam dos covis onde se acoitavam, para se dedicarem à execução de assaltos e assassínios. A maior onda de protestos, surgiu nas Cortes de Almeirim em 1544, quando representantes do povo apelaram ao rei , para que todos os vádios e indivíduos sem modo de vida, fossem presos e embarcados para o Brasil. Pese embora não tenha atendido a tais pedidos, o rei ordenou contudo, que todos aqueles que se dedicassem à marginalidade, fossem enviados para as "galés" (navios), onde deveriam passar a trabalhar. Tratava-se de grandes navios de guerra de baixo bordo, movidos à vela e a remos, para poderem prosseguir viagem, na calmaria do vento e conseguirem manobrar mais rapidamente em combate. Tinham um esporão à proa, para perfurar o costado dos navios abordados de frente e os remadores eram escravos ou marginais condenados, os quais se achavam presos aos bancos por grilhetas nos pés, para que não tentassem fugir no terror do combate, sob o fogo dos canhões de bordo inimigo. Muitos chegaram a morrer queimados ou afogados, nos diversos casos de incêndio ou naufrágio, que frequentemente aconteciam. Quando não estavam a bordo das "galés", os condenados ficavam entregues às autoridades policiais em terra e tinham uma prisão própria "A Galé", que ficava situada em Lisboa na actual Rua da Galé. Se aí morriam, eram atirados para uma larga cova, aberta

76


História da Policia em Portugal às portas de Santa Catarina "...e em outros lugares, pelas herdades dos arredores", sendo pasto de ratos, corvos e cães famintos. Com o fim de sanear a cidade e fazer face a esta calamidade, o rei D. Manuel I ordenou que se abrisse um grande e fundo poço, onde deveriam ser lançados os cadáveres dos presos das galés e dos escravos falecidos, derivando de tal medida, o nome actual da Rua do Poço dos Negros, também em Lisboa, onde o mesmo era localizado. Outra das obrigações dos condenados, era trabalharem na construção de obras públicas, e porque manuseavam instrumentos contundentes que podiam ser utilizados como armas, muitas vezes amotinavam-se, "reivindicando" a sua liberdade, facto que levou a que muitos fossem enforcados e outros tantos açoitados nos pelourinhos públicos. Aos açoites, era frequente assistirem outros condenados por forma a dissuadi-los de práticas contrárias à disciplina que lhes era imposta. A título de curiosidade, deve dizer-se, que os presos quando saíam a "folgar e fazer sua necessidade" ou quando se deslocavam de prisão para prisão, ou de galé para galé, usavam um capuz branco, que lhes cobria o rosto e com orifícios para os olhos, nariz e boca. Os condenados à morte destinados à forca (se plebeus), levavam vestida apenas uma camisa branca, a qual se designava por "alva". Os destinados à degolação por cutelo (fidalgos), transportavam na cabeça um capuz negro. Os mouros e os acusados de heresia, estavam dispensados de qualquer indumentária, todavia durante a inquisição, os apóstatas, os relapsos e os feiticeiros, subiam também ao cadafalso e às fogueiras com vestimenta própria: A "Opa", colorida e desenhada em função do seu

77


História da Policia em Portugal gosto pessoal e a que poderiam juntar uma cruz de S. Bento pintada.

OS PELOURINHOS Chama-se pelourinhos ou picotes, às colunas de pedra que podemos observar em quase todas as comarcas do país, e que retratam o lugar onde os juízes expunham os criminosos ou o local onde se efectuaram julgamentos de vários delitos de somenos importância e que normalmente tinham como sanção as vaias e os apupos da multidão, que dessa forma condenava as acções dos julgados. Em Portugal, raramente se executaram penas de morte junto aos pelourinhos, sendo quase sempre e por norma, os locais utilizados pelos pregoeiros, para lerem as sentenças judiciais, bem como para dar a conhecer as posturas municipais mais importantes à população. Estes locais eram igualmente utilizados pelos "Agentes Policiais", onde normalmente se reuniam antes de se lançarem em "rusgas" ou em qualquer outra missão que devesse ser devidamente planeada. Na cidade de Lisboa ergueram-se vários pelourinhos, também conhecidos por lugares de suplício, de que são ainda exemplos os existentes no Campo dos Mártires da Pátria, Campo de Ourique, Campo de Santa Clara, Praça da Ribeira, Largo do Limoeiro, Praça Afonso de Albuquerque e tantos outros locais por esse país fora, desde o Minho ao Algarve.

A CENSURA

78


História da Policia em Portugal Os "Agentes Policiais" dos finais do século XVI, além de terem como missão principal o zêlo pelo cumprimento da lei, passaram também a partir do ano de 1581, a inspeccionar o comportamento de determinados escritores "suspeitos" e contrabandistas de livros, que começavam a proliferar no país e que com as suas ideias poderiam "contaminar" o povo, que os Inquisidores tentavam por todos os meios ao seu alcance evitar. Como a maior parte eram - tal como grande percentagem da população - analfabetos e porque as obras contrabandeadas, estavam redigidas em latim, a sua dificuldade era enorme, para levarem por diante a sua missão. Tal dificuldade valeu a muitos deles alguns dissabores, de natureza "disciplinar" chegando inclusivé, a ser confrontados com os homens da inquisição, que eram implacáveis. Os inquisidores encarregavam-se da leitura das obras suspeitas, pois o sistema de censura geral das publicações, impunha que toda a obra impressa, ostentasse os carimbos das autorizações oficiais. Este serviço de censura inquisitorial, viria mais tarde a ser "aperfeiçoado", durante o reinado de D. José I, o qual e sob a batuta do seu ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, incluía já poderes de buscas domiciliárias.

79


História da Policia em Portugal

...

CAPÍTULO IV DOS FILIPES A PINA MANIQUE

80


História da Policia em Portugal

A PERDA DA INDEPENDÊNCIA Logo após a derrota militar de D. Sebastião em AlcácerQuibir, o Duque de Alba, um dos mais prestigiados e experimentados generais espanhóis do tempo, resolveu em Junho de 1580 invadir Portugal, utilizando para o efeito um forte e apetrechado exército. Ao tomar conhecimento das suas intenções e enquanto a esquadra espanhola prosseguia a sua marcha ao longo da costa portuguesa, D. António Prior do Crato, fez-se aclamar rei na cidade de Lisboa, organizando de imediato um exército, com a finalidade de fazer frente aos espanhóis. Contudo e sem que ninguém lhe fizesse frente, os espanhóis chegaram ao Tejo em poucas semanas! O Duque de Alba desembarcou em Cascais e logo ali próximo, em 25 de Agosto na batalha de Alcântara, derrotou o improvisado exército de D. António, cujo exército constituído por cerca de sete a oito mil homens pouco pôde fazer, entrando no próprio dia em Lisboa. O Prior do Crato, fugindo aos seus perseguidores, refugiou-se em França e dois meses após ter ocorrido a batalha, todo o país ficou pacificado, estando por isso criadas as condições, para a entrada em Portugal do primeiro monarca espanhol, dos três que durante sessenta anos iriam estar à frente dos destinos do país.

81


História da Policia em Portugal Filipe I chega então a Lisboa, onde no início de Dezembro de 1580 estabeleceu residência durante dois anos, tendo em Abril de 1581, convocado as Côrtes para Tomar, onde foi solenemente jurado e aclamado rei de Portugal. Deve dizer-se, que no início esta união ibérica, não significou qualquer perda de identidade.! Vinte e cinco capítulos assinados pelo rei, nas Cortes de Tomar, garantiam ao país uma boa dose de autonomia, mau grado o facto de a política externa, passar a ser comum aos dois países. A administração Pública ficou inteiramente nas mãos dos portugueses e nenhum espanhol podia igualmente ser nomeado para cargos da administração civil ou ecelesiástica, justiça ou defesa. Vice-Reis e governadores, só poderiam ser espanhóis, quando pertencessem à família real e inovações em matéria legal, tinham de resultar de decisões tomadas em Côrtes, reunidas em Portugal e em que só os portugueses participassem. A língua oficial permanecia a portuguesa, e a moeda e as despesas e receitas públicas, continuavam separadas O rei não podia conceder terras nem rendas em Portugal, a não ser a súbditos portugueses, e na casa real eram proibidas as discriminações. É ainda de referir outras vantagens, designadamente a supressão das barreiras alfandegárias, nas exportações de trigo para Castela e também a concessão de um "avultado" empréstimo de 300.000 cruzados, para despesas urgentes do reino, surgidas em consequência do desastre de Alcácer-Quibir. Para fins práticos de orientação e politíca geral administrativa, criava-se então um Conselho Estado de Portugal que trabalhava com o rei e o acompanhava por toda a parte.

82


História da Policia em Portugal Deixando Portugal em 1583 para não mais voltar, Filipe I nomeou um governador para dirigir o país em seu nome, tendo recaído a escolha no arquiduque Alberto de Áustria. As normas especifícas de governo do país, entregues pelo monarca ao novo governador, confirmavam e precisavam os artigos jurados nas Côrtes de Tomar! Isto é: O governador devia reunir-se com o Conselho de Estado todas as semanas e com três dos seus membros -espécie de ministério- todos os dias. Regulava-se assim de forma cuidadosa, a administração da justiça, os assuntos de defesa, as audiências ao povo, etc. No entanto se no início as coisas correram de forma razoável, o descalabro governativo não tardou. Durante algum tempo, a nação aceitou menos mal a perda da independência!...A prosperidade voltara, as finanças mostravam-se de novo relativamente equilibradas, as perseguições politícas não existiam e o império português ía-se conservando sem grandes perturbações... Contudo a partir das reformas administrativas judiciais e financeiras de 1582 tudo se modificou: Os impostos aumentaram assustadoramente, os actos irresponsáveis dos governantes foramse sucedendo e daí até ao espezinhamento continuado do povo, foi um ápice, sendo somente contrariado com a revolução de 1 de Dezembro de 1640, que pôs fim à ocupação espanhola e à dinastia Filipina que governou Portugal durante 60 anos.

A REESTRUTURAÇÃO DA "POLICIA" Durante o reinado de Filipe II, os Quadrilheiros que entretanto haviam desaparecido de cena, desde o acontecimento de Alcácer-Quibir, voltam a surgir, após uma cuidada reestruturação

83


História da Policia em Portugal de todo o "aparelho policial antecedente", fixando-se os seus limites através da publicação das Ordenações de 1603. Por carta régia e como já atrás se disse, a cidade de Lisboa foi dividida em dez bairros, tendo cada um deles um "juíz", que superintendia o serviço dos oficiais de justiça, meirinhos da côrte, alcaides, escrivães e os "Agentes Policiais", todos eles obrigados a "...residir nos bairros em que exercem as suas funções, para que, vivendo assim juntos dos ministros necessários, possam acudir com mais facilidade, dia e noite, aos arruídos, desordens e insultos, sem terem de esperar pelos outros". Ainda e no que diz respeito às novas disposições Filipinas, estas abrangiam ainda uma vasta diversidade de situações, para além das já mencionadas!. Assim era concedida alguma tolerância aos oficiais mecânicos de Lisboa e aos mestéres (trabalhadores manuais), permitindo-se-lhes que circulassem a qualquer hora do dia ou da noite, armados com espada, punhal ou adaga. Deste conjunto de medidas, sobressai a intenção do Estado, em manter quer a ordem e a paz social, quer ainda o controlo do uso e porte de armas, por particulares. Inclusivé para o exercício de uma maior e melhor fiscalização passaram a ser obrigatoriamente organizadas "patrulhas" nocturnas, devendo o "juíz", acompanhado pelo meirinho da côrte e pelo alcaide, revistar o seu bairro de quinze em quinze dias, consultar a população e dar conta do estado em que o encontrasse ao rei Cada Quadrilheiro passou igualmente a dispôr de um conjunto de vinte vizinhos - uma milícia - , os quais eram obrigados a acudirlhe nas "operações" de manutenção da ordem pública, estando cada um deles autorizado a usar arma de sua pertença, mesmo em contravenção à lei.

84


História da Policia em Portugal

A MORAL E O SENTIDO DA LIBERDADE Desde a época pré-histórica, que os escravos nada tinham de seu. Tudo quanto obtivessem, pertencia ao seu senhor. O trabalho escravo era forçado, feito sob coacção e sem direito a vontade própria e à propriedade do que quer que fosse. O Cristianismo veio dar o primeiro golpe na escravatura e as pregações de S. Paulo na epístola aos Gálatas (3.28), proclamando que "...depois que veio a fé, somos todos filhos de Deus... e que não há mais nem escravo , nem livre", é um reconhecimento da identidade da natureza humana. Como consequência das referidas pregações, verificou-se com o decorrer do tempo, uma tendência para a passagem do estado de escravidão ao estado de servidão, passando o servo a trabalhar em terra de outrém, mas já com personalidade juridíca. Inclusivamente, o Direito Romano, contém já a condição de arrendatário, que é um grau mais livre da servidão e durante o regime feudal, muitos arrendatários obtiveram a titularidade da terra, no sentido juridíco, tornando-se proprietários, quer por doações recebidas dos seus senhores, quer por aquisição em numerário. Genericamente, poder-se-à dizer, que o escravo deixou de sêlo, passando a homem livre, logo que pôde ter algo de seu: A propriedade como primeiro factor da liberdade!... Contudo, tal não impediu que o tradicional proprietário, não procurasse engrandecer a sua propriedade, quer pelo aumento de trabalho, quer por meio de ligações matrimoniais directas, ou dos seus descendentes.

85


História da Policia em Portugal Os casamentos passaram a efectuar-se por conveniências de interesses económicos, designadamente com o objectivo de alargamento do latifúndio. Na sociedade portuguesa, como em toda a Europa, o filho primogénito devia herdar a propriedade, o segundo filho seguiria normalmente a carreira das armas e o terceiro rumaria às ordens religiosas. Quem tinha filhas, deveria dotá-las para que se casassem e geralmente havendo várias, eram estas também destinadas a fazer a a sua vida nos conventos. Desta maneira, tornava-se desolador para alguns, a atribuição da herança e matrimónio, que apenas previligiava a primogenia. O facto de muitas jovens serem coagidas familiarmente à vida monacal, implicou o desrespeito pela regra claustral de castidade, por parte de muitos varões. No século XVI, em virtude do abandono de certos costumes, inclusivé os de âmbito conventual, decretou-se que todo aquele que (por seu ofício de carregador, ou por outro mister que lhe permitisse ter contacto com freiras) entrasse no Mosteiro para fazer alguma "coisa ilicíta", fosse enforcado ou degolado, conforme a sua condição social. Aquele ou aquela que levasse carta a outro, era açoitado na praça pública, com "baraço" (corda nodosa) pregação (declaração pública) do que fizera ,e condenação a sete anos de degredo.

ARMAS E DISFARCES Face às constantes movimentações e critícas da população contra a política filipina, o rei Filipe III viu-se obrigado a reformular a lei de 1512 decretando ainda mais proibições. De entre as várias, há a salientar a proibição de depois do recolher, ser

86


História da Policia em Portugal proibido "...trazer espingardas carregadas, dentro das cidades e vilas, (...) ou entrar nesses lugares, mesmo com elas carregadas (...), pela muita devassidão que nelas há (...) de que se segue haver muitos roubos, afrontas e mortes (...) e muitos excessos de que há geral escândalo". Em 1630, determinava igualmente que as pessoas que tivessem mais de dois mil cruzados, estariam autorizadas a possuir pistolas e espingardas em casa, e em 1634, além da proibição de andar armado de noite, estendeu tal medida também às bengalas de estoque (de lâmina desembaínhável), punhais e facas. Ainda neste periodo, foi igualmente proibido, "que os homens açoitassem ou esbofeteassem mulheres", sendo aos prevaricadores aplicada a pena de degredo para o Brasil ou para a Índia. Face à desordem politica reinante, aos roubos, furtos, violência fisíca, violações e tantos outros crimes, os homens encarregados da vigilância e do sossego público, tinham enormes dificuldades, no contrôle dos malfeitores. Assim não tardou a resposta do rei, por forma a pôr cobro a tais situações: Para além de ter determinado um aumento substancial das penas, decretou ainda a proibição pura e simples, do uso de cabeleiras postiças (muito usadas na época), por forma a que os malfeitores não pudessem dissimular a sua fisionomia, fazendo igualmente saber, que o uso de tais artifícios passava a ser considerado um acto indigno nos homens de bem, tanto mais que servia para ladrões e assassinos não serem reconhecidos. Já muito mais tarde e após a restauração, mais concretamente no reinado de D. João V, a moda das cabeleiras voltou a surgir, causando verdadeiro escândalo, determinados indivíduos, muitos deles da própria realeza, usarem as ditas

87


História da Policia em Portugal cabeleiras e passearem-se pelas ruas depois do sol-posto, trajando fatos brancos, capotes e sapatos da mesma côr, num clima de ostentação nunca antes visto, mas que na época, era prática corrente. A riqueza proveniente do ouro do Brasil, servia de suporte a todas as atrocidades. Poucos se dedicavam ao trabalho, e gente havia, que não fazia outra coisa que não fosse dedicar-se a desmandos, de que muitas vezes resultavam muitos mortos e feridos. As grandes obras desta época, foram levadas a efeito pela mão de obra escrava e pelos presos obrigados a trabalhar nos grandes empreendimentos públicos, havendo mesmo quem afirme, que a vontade de trabalhar era tão pouca e a ostentação tão grande, que os próprios andaimes do Convento de Mafra, cuja construção havia sido iniciada, tinham sido importados. O Infante D. Francisco, irmão do rei D. João V, e aquele que mais tarde viria a ser ministro do reino, -O Marquês de Pombalforam dois dos muitos arruaceiros, cúmplices de muitas mortes que se verificaram, entre populares inocentes. O MARQUÊS DE POMBAL Depois da morte de D. João V no ano de 1750, D. José I seu filho, assumiu os destinos do país, tendo concedido plenos poderes a um ex-diplomata maçónico, Sebastião José de Carvalho e Melo, oriundo da pequena aristocracia e a quem o monarca, elevou sucessivamente aos títulos de Conde de Oeiras em 1759 e Marquês de Pombal no ano de 1770. Com o decorrer do tempo, Sebastião José aniquilou toda e qualquer veleidade de oposição -incluindo a do próprio rei- que digase de passagem, mostrava escassos talentos governativos.

88


História da Policia em Portugal O regime de Pombal, teve o grande mérito de voluntária ou involuntariamente, preparar o país para a revolução liberal do século XIX! Quer a Igreja, quer a própria nobreza, sofreram um golpe tal, que nunca mais se conseguiriam recompor. Ao mesmo tempo, o Marquês, concedia à burguesia -homens de negócios e burocratas- , o poder de que necessitava para tomar conta da administração e do domínio económico do país. Assim ao excluir a Igreja e ao nivelar todas as classes, leis e instituições, ante o despotismo único do rei, o Marquês de Pombal preparou a "revolução" da igualdade social e o fim dos previlégios feudais, ao mesmo tempo que reforçando a máquina repressiva, através de uma profunda reestruturação do aparelho "policial", preparou a rebelião contra a opressão laica e portanto a revolução pela liberdade. É com base nos referidos pressupostos que no ano de 1760, surge o primeiro Intendente da Policia da Corte e do Reino, o desembargador Inácio Ferreira Souto, amigo pessoal do Marquês de Pombal, o qual ficou conhecido, pelo carácter "exemplar" com que dotou a actuação da Policia, não olhando a meios para atingir os fins, perfilando-se esta, como um exemplo a todos os regimes de tirania de natureza absolutista/totalitária, só comparável à França prénapoleónica. Até então, toda a legislação emanada da era Pombalina era irrisória, havendo contudo a salientar um decreto de Março de 1751, que estipulava pesadas penas, contra os que "de noite, colocavam chifres de boi à porta dos homens casados". Toda a demais legislação existente neste período, era um decalque das Ordenações Filipinas.

89


História da Policia em Portugal Nesta época, há a salientar o registo da prisão do primeiro grupo, que se dedicava ao crime organizado. Tal ocorreu no ano de 1753, quando a Policia numa "operação de grande envergadura" prendeu vinte e três bandoleiros da chamada "Companhia do Olho Vivo", a qual tinha como chefe de grupo um tal José Nicós Lisboa Corte-Real. Nove dos elementos deste "bando", foram mais tarde condenados à forca, enquanto os restantes foram chicoteados publicamente e condenados à pena de degredo perpétuo para Àfrica. Dizem ainda os registos, que duas mulheres que com eles viviam, foram igualmente condenadas a degredo, mas para CastroMarim, no Algarve e que tão mal se houve a justiça, por morosidade e incúria na aplicação das sentenças, que três dos condenados à forca, assim como o respectivo chefe do bando, conseguiram fugir e assim livrar-se da morte. É também neste periodo, que a um de Novembro do ano de 1755 -dia de Todos os Santos- , que se verifica em Lisboa um violento terramoto, transformando a cidade num monte de ruínas, o que levou o Marquês de Pombal a decretar determinadas providências, através das quais se determinava o castigo de ladrões, que se dedicavam a saques, assaltando casas, templos e roubando mortos e feridos, que muitas vezes apressavam a desfalecer, para melhor se dedicarem ao furto. O Marquês de Pombal, decretou igualmente que em toda a área de Lisboa, se vigiasse o Tejo, para evitar que os roubos saíssem da cidade por mar, que se recapturassem os presos fugidos das cadeias arruinadas pelo terramoto e mandou igualmente erguer forcas, para imediata punição dos ladrões, ficando os seus corpos a apodrecer nas ruas, para exemplo de outros malfeitores, facto que contribuíu de sobremaneira, para o aumento da pestilência que na

90


História da Policia em Portugal altura grassava na cidade, constituíndo assim esta medida, um verdadeiro atentado à saúde pública. Ainda no âmbito das medidas que na altura adoptou, o Marquês fez saber, que os ciganos deveriam coercivamente ser obrigados a trabalhar nas obras-públicas, arruamentos e edifícios do Estado, sem receberem salário algum, o que por si, significava a sua redução à escravatura, ao mesmo tempo que proíbia que os senhorios aumentassem as rendas das habitações, que viessem a reconstruir, o que levou a que muitos proprietários de imóveis, desistissem de efectuar as reparações dos seus imóveis. Com estas medidas, aparentemente destinadas a favorecer a população martirizada, o ministro de D. José, tinha como finalidade conquistar uma maior tolerância do povo, facto que levou, a que, quando do aumento dos impostos "a bem da cidade", não sofresse a contestação generalizada da população. Na reconstrução de Lisboa e com os necessários reajustamentos introduzidos pelo arquitecto Eugénio dos Santos, foi aproveitado um projecto de remodelação dos bairros, entre o actual Rossio e o Terreiro do Paço, que havia sido preconizado por D. Afonso VI e que só não foi levado a efeito durante a vigência do reinado de D. João V, pela dificuldade que houve em desalojar os moradores desses locais, dificuldade essa que viria a ser ultrapassada pelas consequências resultantes do terramoto. O INTENDENTE GERAL DA POLICIA DA CORTE E DO REINO A escolha de Inácio Ferreira Souto, para Intendente Geral da Policia, surge não só como recompensa pelos serviços por este prestados ao Marquês de Pombal, quando da organização de

91


História da Policia em Portugal "brigadas" recrutadas por ambos, de entre "gente expedita", para fazer face às dificuldades surgidas durante o seu periodo de governação e que levou à prisão de muitos indivíduos ligados à fidalguia, padres e populares indesejáveis ao regime, como também ao facto do referido desembargador, ter sido o autor da redacção do Decreto de 25 de Julho de 1760, que criava os serviços da Intendência Geral de Policia da Côrte e do Reino e os moldes de funcionamento da mesma, que se viriam a revelar no futuro tenebrosos. Esta medida, preconizada pelo Intendente Geral Inácio Souto e ratificada por Sebastião José, nada tinha a ver com uma Policia de natureza preventiva e que zelasse pela defesa das pessoas e dos seus bens. Tratava-se isso sim de uma autêntica Policia Politíca, que levaria a que em Portugal, se instaurasse um regime de terror, o qual e tendo em conta os métodos utilizados, só viria a encontrar parelha, sete anos mais tarde em França, durante o reinado de Luis XV. Inácio Souto, com o apoio implícito do Marquês de Pombal, constituíu assim uma autêntica ditadura administrativa, chegando inclusivé, a possuir um tal poder discricionário, que lhe permitia dispor de total liberdade para prender não só aqueles que defendiam a liberdade de reunião, expressão e pensamento, como também os responsáveis por todo o género de publicações que atentassem contra o "iluminado" despotismo de Sebastão José. A reestruturação da Policia saída do Decreto de 25 de Julho de 1760, transformou-se assim, numa organização de informação e defesa de um Estado que poderá considerar-se como singular, isto é: O Estado em que prevaleciam acima de tudo os interesses politícos e pessoais do Marquês de Pombal. Como prova disso,

92


História da Policia em Portugal interessante se torna indicar sumariamente o conteúdo de alguns parágrafos da "lei da Policia", publicada em 26 de Outubro de 1763. Além das prescrições contra ladrões e assassinos, o seu articulado visava o seguinte: (...) "4º.-Ficarão debaixo da Inspecção do mesmo Intendente Geral, todos os crimes de armas proibidas,(...) e bem assim todos os demais delitos". "5º.-Logo que os Corregedores e Juízes do Crime recebam dele as Instruções e Ordens necessárias (...) passarão, em benefício do sossego público da Côrte que deve prevalecer a toda e qualquer outra contemplação particular, ao exame e prisão dos mesmos réus, autuando-os em processo simplesmente verbal, sem limitação de tempo e sem determinado número de testemunhas, somente até constar a verdade fe facto; a qual averiguada (...) lhes ordene que os remetam aos Corregedores do Crime da Côrte, para serem imediatamente sentenciados (...) admitindo-se contudo, os réus a embergarem, com o termo de vinte e quatro horas, por uma vez somente: e executando-se a sentença logo que for passado o termo". Como se pode depreender destes dois artigos, colocava-se nas mãos do homem de confiança do ministro, todos os crimes, desde a revolta popular, à divulgação de um panfleto critíco, ou simplesmente a redacção de versos satíricos, visando determinadas pessoas, como muitas vezes aconteceu. O Intendente dominava inteiramente os Corregedores do Crime e os Juízes, para exame e captura dos presumíveis delinquentes, já antecipadamente

93


História da Policia em Portugal considerados réus, não para sossego do povo, mas para sossego da Côrte. O réu era processado, sem que nada ficasse escrito, permanecendo encarcerado o tempo que o inquisidor entendesse; bastava apenas um denunciante (se as testemunhas lhe fossem favoráveis arranjavam-se outras que o comprometessem), até que "confessasse" o crime, mesmo não cometido, ou ser este registado nos autos, como comprovado, embora inexistente - o que frequentemente aconteceu. Tolerantemente concedia-se o prazo impraticável de vinte e quatro horas para contestação e embargo, de maneira que ao preso a quem demorasse o contacto com um advogado, ou tivesse sido capturado longe, só lhe restasse ver-se condenado, visto naquela época não existirem rápidos meios de comunicação. E como os advogados eram também ferozmente perseguidos, recusavam-se a defender os réus indigitados pela poderosa "máquina pombalina". "6º.- Cada um dos ministros dos respectivos Bairros terá um livro de registo, em que descreve todos os moradores do seu Bairro, com exacta declaração de ofício, modo de viver, ou subsistência de cada um deles, tirando informações particulares quando fôr necessário, para alcançar um perfeito conhecimento dos homens ociosos e libertinos". Esta última especificação, era a prova evidente de como era permitida a intromissão na vida privada dos cidadãos, inclusivé chegando-se ao ponto de averiguar os rendimentos de cada um, enquanto o artigo seguinte retrata de forma clara a constatação, de que de facto estava instituída uma autêntica "Segurança de Estado Pombalina".

94


História da Policia em Portugal "7º.-.(...)escrevendo as declarações das pessoas suspeitas (mesmo as) que não forem manifestamente nocivas à tranquilidade pública, para serem guardadas em segredo estas informações". (...) "9º.-.Todos os inquilinos, de qualquer estado, qualquer condição que sejam, que pretendam mudar-se das casas que habitarem, devem dar parte ao ministro do Bairro, não só de que se mudam, mas também do lugar para onde fazem a mudança (...) E todos aqueles que assim não observarem, serão condenados: Pela primeira vez, em metade do rendimento anual da casa para onde fizeram a mudança. Pela seguna vez no dobro e pelas outras reincidências, se irá sempre dobrando a pena, à dita proporção". Quando do terramoto de 1755, a população de Lisboa estava calculada em 500.000 habitantes, tendo morrido com a catástrofe cerca de 100.000. Significa isto, que 400.000 cidadãos tinham de informar o Intendente Geral da Policia da sua vida. O cidadão comum, perdera com as medidas adoptadas, toda a sua liberdade de cidadania e de privacidade do prório lar. A espionagem e a denúncia, obtida muitas vezes a partir da própria auscultação dos vizinhos, induzia a todo o tipo de acusações, muitas das vezes tendo até "como pano de fundo" a inveja, o ciúme ou a vingança. Este parágrafo 9º, evidência o falso propósito, do Marquês de Pombal defender os inquilinos como quis fazer transparecer com as medidas adoptadas e já descritas! O seu objectivo principal era apenas e só, encher os cofres do Estado, à custa daqueles que até por falta de informação, não cumpriam com as regras estipuladas. O parágrafo 12º., obrigava ainda todos os estalajadeiros, taberneiros, vendedores, ou qualquer outra pessoa, a comunicar à Policia, terem recebido como hóspede, qualquer cidadão nacional ou estrangeiro, sob pena de lhes serem fechadas as casas, ficando

95


História da Policia em Portugal ainda, caso não cumprissem estas regras, impossibilitados de procederem à abertura de outras casas. O parágrafo 13º., ordenava a todos os mestres de navios, nacionais ou estrangeiros, a comunicar também à Policia, os passageiros que transportam, tanto ao embarque como ao desembarque e o parágrafo 17º., impunha a todos os cidadãos, que pretendam sair do país, o pedido de um passaporte, onde conste a legítima causa que tiverem para saírem do Reino. Estavamos assim, perante uma forma de investigação da maior parte dos negócios privados, a que acresciam determinadas limitações, relativamente à liberdade de circulação, mesmo no interior do próprio Reino, investigações e limitações essas, só possíveis, pela rudeza de processos, que o Intendente Geral Inácio do Souto implantou e só possíveis em regimes de natureza totalitária. Este parágrafo 17º., instiga mesmo à espionagem mútua colectiva, estabelecendo, que "toda e qualquer pessoa particular que for inspirada pelo zelo do bem comum (...) possa perguntar, nas vilas e lugares, por onde passarem os viandantes, pelos vistos de entrada ou licença de saída; e que não os apresentando, possam os referidos particulares prendê-los (...), convocando a gente necessária, e remetê-los ao magistrado mais vizinho o qual os fará recolher à cadeia". Estas prerrogativas, que segundo a Intendência visava os ociosos e os vagabundos, aplicaram-se também a muitos dissidentes politícos da época, principalmente aos que de forma mais aberta, contestavam o despotismo do Marquês de Pombal. Deve dizer-se em abono da verdade, que este sistema de absoluta repressão policial,

96


História da Policia em Portugal funcionou com extraordinária eficiência, até à morte do rei D. José I. Quanto à Inquisição neste periodo, é importante dizer, que em 1774, depois de Sebastião José ter exterminado todos aqueles que eventualmente lhe poderiam causar alguns amargos de boca, nos seus desígnios e de ter instituído um Tribunal do Estado para assuntos politícos, achou por conveniente propôr a extinção do Tribunal do Santo Ofício, o que de alguma forma se justificava, pela eficácia da "sua Policia", que lhe permitia com toda a sua "operacionalidade", a dispensa do referido Tribunal. Não se pense contudo, que com esta medida o Marquês de Pombal acabou com a tortura Inquisitorial!... Nada disso. Prova de tal, é o que nos relata Camilo Castelo Branco nos seus escritos : "...em 1804, ainda as alfaias inquisitoriais eram as mesmas com que se tinham servido Paulo de Carvalho (irmão do Marquês) e o Cardeal da Cunha, seu sucessor (conselheiro e amigo de Sebastião José)". Na realidade, a extinção da Inquisição foi apenas aparente, prosseguindo a Policia do Marquês e de Inácio do Souto, com terríveis perseguições, sendo inclusivé aplicadas pelos seus carrascos as mais hediondas torturas, no mesmo edifício. Quanto à vil tortura do esquartejamento a que já foi feita referência, João Batista Pelle, foi uma das vitímas do Marquês, o qual terá ditado a seguinte sentença: "(...) ali vivo, lhe sejam cortadas as mãos e que, depois, seja tirado e desmembrado por quatro cavalos, sendo o seu corpo feito em pedaços". Os termos descritivos desta redacção, demonstram por si só, o sadismo do déspota, para o qual não bastava o corte das mãos e o desmembramento!... Era preciso também queimar o resto...

97


História da Policia em Portugal Este João Batista Pelle, havia sido - segundo as crónicas denunciado por um invejoso e acusado de "estar a pensar atentar contra a vida do Marquês", o qual e pese embora a sua inocência se viesse mais tarde a provar, foi executado no dia de anos do rei D. José I e da inauguração da sua real estátua equestre, ainda hoje existente na Praça do Comércio em Lisboa. Neste periodo, se por um lado a vida dos cidadãos passara a ser profundamente devassada, para segurança do governo da Côrte, por outro, é sabido que os roubos, os assaltos, as violações, os estupros e os assassínios, não haviam diminuído. Sabe-se que a situação era gravíssima e que as grades e as trancas nas portas eram tão necessárias para os cidadãos indefesos, como de pão para a boca, tanto mais que o ministro mandara desarmar a população indefesa, por temor à sua reacção em relação ao seu governo e os agentes policiais estavam tão obrigados à vigilância dos dissidentes politícos, que não podiam dar conta da grande maioria dos crimes de natureza comum. Assim e no sentido de tentar por côbro a tal situação, instituíu aquilo a que hoje se poderá chamar um "serviço remunerado"!... Com o pretexto de que os roubos e assaltos às residências resultavam da pouca vigilância policial e como havia multiplicado o efectivo de agentes, determinou que "...todas as casas, sem excepção alguma", pagassem coercivamente o salário mensal de um homem armado que lhes rondasse a rua durante a noite, facto que causou grande revolta não só nos moradores, que tinham de se quotizar para fazer face a tal medida, como também nos Policias, que eram assim obrigados, findo o normal serviço, a elaborarem os "relatórios" (dado que maioria eram analfabetos, havia sempre um relator) das suas rondas nocturnas nas diversas

98


História da Policia em Portugal artérias, dando conta das entradas, e saídas dos diversos suspeitos. É em consequência deste tipo de policiamento, que os Policias (já assim designados nesta altura) passaram a ser designados de forma depreciativa por "Morcegos", "Sizudos" ou "Nocturnos". Quanto ao Intendente Geral Inácio Ferreira do Souto, a sua credibilidade junto do Governo era enorme, o que lhe valeu, além de primeiro responsável pela Policia, a concessão de cargos, honrarias e honorários de "Desembargador da Casa da Suplicação", "Juíz dos Cavaleiros, das três Ordens Militares -Cristo, Aviz e Santiago- , "Conservador Geral do Comércio do Reino", "Membro do Conselho de Sua Majestade" e " Colegial de São Pedro na Universidade de Coimbra". Em boa verdade e como é óbvio, não poderia acumulá-los todos, principalmente por forma a desempenhar cabalmente as respectivas funções, mas tais distinções, derivaram do facto de ter sido o mais preponderante elemento do "Juízo da Inconfidência", que condenara à morte, ao encarceramento e ao degredo de centenas de fictícios conspiradores, contra el-rei ou o seu ministro, "atentando contra a vida destes".

AS PRISÕES Durante o reinado de D. José I e o consequente governo do seu Ministro, Sebastião José, a Policia, sob a batuta do seu "timoneiro" Intendente-Geral desenvolveu intensa actividade! As prisões do Limoeiro, do Tronco, da Cadeia do Castelo de S. Jorge, do Aljube, da Cova da Moura, da Torre de S. Julião da Barra e do Forte da Junqueira, depressa se encheram. A situação apesar de caótica, tendia a agravar-se, devido ao facto do número de vítimas

99


História da Policia em Portugal enclausuradas não parar de aumentar. A sobrelotação era de tal ordem, que quer o ministro, quer o seu braço direito, Inácio do Souto, se viram na necessidade da improvisação. Ordenaram então, que grande número de condenados -criminosos uns, inocentes outros, embora indiciados por dissidência politíca - fossem enviados para os Presídios de S. Pedro, das Pedras Negras e de Angoche, em Angola, e para a Fortaleza das Cobras no Brasil, dando igualmente ordens no sentido de que, quer a Cadeia de Belém, quer o Forte de Pedrouços, o Palácio dos Aveiros (Azeitão) e a Torre do Outão, fossem também utilizados como prisões. No Forte da Junqueira, que a rainha D. Maria mandou posteriormente demolir, estiveram presos, por razões de natureza política, o Conde da Ribeira, D. Manuel e D. João de Távora, o Conde de Óbidos e o Procurador Real da Fazenda António Castro Freire, tendo todos aí morrido devido a maus tratos e privações. Também D. Nuno, D. Manuel, Frei Rafael (da Ordem de Cristo), todos eles Távoras e ainda os Marqueses de Alorna e de Gouveia, D. José de Almeida (2ºMarquês de Alorna) e a Condessa de Atouguia, conheceram pelos mesmos motivos tal cárcere durante cerca de duas décadas. A propósito da dita prisão, refere-se Luz Soriano nos seguintes termos: "(...) E para que não restasse vestígio algum que despertasse a lembrança dos males causados a tantas vítimas inocentes, os cárceres do celebrado forte da Junqueira foram mandados arrasar por expressa ordem do Governo, levantando-se sobre os seus alicerces o edifício que, junto da Cordoaria, actualmente se vê com a denominação de Porto-Franco" (edifício esse que veio a ser também demolido em 1940, para alargamento da actual Avenida da Índia).

100


História da Policia em Portugal

A GUERRA DOS SETE ANOS Como já foi dito, durante a vigência do governo Pombalino e a intendência de Inácio do Souto, os tumultos, as lutas sangrentas, os roubos e os assaltos em plena via pública, tinham-se acentuado significativamente! Perante este cenário se viveu durante vinte longos anos (1760/1780), época em que foi nomeado IntendenteGeral o Dr. Pina Manique, cuja acção e trabalho desenvolvido, levou à criação no ano de 1801, de uma corporação armada e a cavalo, a que foi dado o nome de Guarda Real de Policia, dando-se assim e desta forma início à verdadeira instituição policial da era moderna em Portugal. Antes porém e durante a Guerra dos Sete Anos, que teve lugar no periodo compreendido entre 1756 e 1763, quer a França, quer a Espanha, que lutavam contra os ingleses, procuraram que Portugal aderisse à sua causa, designadamente no plano estratégico, com o fecho dos portos ao comércio britânico. Pese embora a fragilidade do exército de Portugal na altura, o Marquês de Pombal não cedeu, tentando por todos os meios manterse neutro!...Contudo uma batalha naval entre ingleses e franceses, em águas territoriais portuguesas, deitou tudo a perder e tornou-se extremamente difícil manter a neutralidade do país, tanto mais que as facilidades portuárias concedidas aos britânicos, eram mais que evidentes... Face a tal, no ano de 1761, os monarcas Bourbons de França, Espanha, Nápoles e Parma, assinaram uma aliança, conhecida por "Pacto de Família" e deram uma última oportunidade ao governo de Portugal, convidando o rei D. José I, que era casado com uma

101


História da Policia em Portugal Bourbon a aderir aos aliados, contra a Inglaterra! Como as pretensões dos aliados não foram atendidas, o país vê-se invadido por tropas espanholas e francesas a partir da região de Trás-osMontes. O exército português encontrava-se depauperado e os preparativos para a guerra eram quase nulos!...É nesta altura, que o Marquês de Pombal "joga a sua cartada": Consegue um auxilio britânico no valor de um milhão de libras-ouro, e contrata o conde Wilhelm Von Schaumburg Lippe, para comandar as tropas nacionais e lhe atribuir a missão de as reorganizar. Ao mesmo tempo recrutaram-se também contingentes de soldados ingleses e mercenários suiços, os quais uma vez integrados com os militares nacionais, conseguiram obrigar à retirada dos invasores no norte do país e também pôr cobro a novas invasões nas Beiras e Alentejo. É neste periodo que se distingue então Pina Manique, que além de organizar todo o serviço de transportes e manutenção do exército, a partir de Vila Franca de Xira, conseguiu por cobro a todo o tipo de incúria, resultante da própria guerra, designadamente a resolução atempada de problemas relacionados com os prisioneiros, feridos e mortos em combate, factos que lhe valeram a sua nomeação para "Corregedor do Crime do Bairro de Alfama" no ano de 1762 e " Desembargador da Relação da Casa do Porto de Lisboa", em 1768. Nesse Periodo, elaborou as chamadas " Listas dos povos de todas as comarcas do Reino" o que permitiu determinar a densidade demográfica do país, em cerca de três milhões e meio de habitantes. Mandou prender todos os ciganos, todos os contrabandistas e desertores, num total de três mil seiscentos e vinte e seis homens, dos quais quatrocentos eram ciganos, que enviou degredados para o

102


História da Policia em Portugal Brasil. Se até aí o contrabando arruinava as receitas do Estado, com tais medidas, Pina Manique conseguiu um melhor equilibrio sócioeconómico, valendo-lhe tal ousadia, pelos serviços prestados, mais uma nomeação, desta vez para o " Conselho da Fazenda". Integrado já este conselho, consegue "colocar a marginalidade na ordem" designadamente pondo fim aos desmandos ocorridos durante a intendência do Desembargador Dr. António Gonçalves de Miranda, que havia substituído o Intendente Inácio do Souto e em cujo mandato, a onda de crime invadiu o país, motivada não só pela inércia do magistrado, mas também pela crise de emprego, que existia nos finais do reinado de D. José I e se prolongaria pelo periodo de governação de sua filha D. Maria. Por decreto de 18 de Janeiro de 1780, Pina Manique é então nomeado "Intendente-Geral da Policia da Côrte e do Reino". Recebeu a "Carta de Largo", pela qual a raínha lhe dava secretamente, " ampla jurisdição na matéria de Policia, sobre todos os ministros criminais e civis, para a ele recorrerem e receberem ordens (...), com todas as honras, proeminências, previlégios, liberdades, isenções, franquezas (...), de que usou o seu antecessor Inácio Ferreira do Souto".

O "REINADO" DE PINA MANIQUE Durante o seu mandato, Pina Manique procedeu a múltiplas reformas!...Em Maio de 1780, incumbiu a respectiva Intendência, da missão de construir e conservar as calçadas e zelar pela saúde pública. O Intendente determinou ainda, a proibição das prostitutas frequentarem os locais "aristocratas" da cidade de Lisboa,

103


História da Policia em Portugal designadamente as Praças do Comércio, da Figueira, da Alegria, do Rossio, o Cais de Santarém e da Ribeira Nova. No ano de 1781 obrigou igualmente a que as referidas mulheres, fossem devidamente identificadas e "registadas", e lhes fosse efectuada periodicamente uma fiscalização sanitária, medida esta extensiva a todo o país, mas com particular incidência, nas cidades de Lisboa, Porto, Coimbra, Lagos, Tavira e Faro. Impediu-as ainda de frequentarem restaurantes, tabernas e casas de jogo, sob pena de encarceramento pelo periodo de três anos, que normalmente tinha lugar na "Casa da Força do Castelo de S. Jorge", estabelecimento correccional da época, que foi criado pelo próprio Pina Manique e se destinava à recuperação de indivíduos de ambos os sexos. O Intendente proibiu ainda o lançamento de foguetes e morteiros festivos, em zonas públicas e ordenou que todos os menores, surpreendidos em flagrante delito, a praticar jogos (cartas, dados ou lotaria), em que se investisse dinheiro, para perder ou ganhar, fosse punido com dez dias de encarceramento na Casa Pia, (que o próprio Intendente também fundara em Maio de 1780) ou caso tivesse meios para o fazer, pagasse multa, da qual dois terços reverteriam para aquela Instituição. Em caso de reincidência, os menores seriam enviados para recuperação, para a "Casa da Força", onde deveriam permanecer por um periodo que lhes fosse pré-determinado e que normalmente variava em função do delito cometido. O Intendente determinou ainda, uma perseguição feróz, a todos quantos se dedicassem, às várias formas de ociosidade disfarçada, particularmente, aos vendedores ambulantes. Chegou mesmo a ordenar a afixação de Editais, dando um prazo de vinte

104


História da Policia em Portugal dias, aos que se dedicassem a tal actividade, para que em vez disso, regressassem às terras de suas naturalidades, a fim de aí se dedicarem à agricultura e à indústria, a que se furtavam, por tais actividades, além de pouco rentáveis serem também bem mais dolorosas. Destas normas estavam isentos os vendedores de hortaliças, as peixeiras, os aguadeiros e outros fornecedores de géneros essenciais à população. Mais fez saber Pina Manique, que quem não respeitasse tais directrizes "seria forçado a trabalhar nas obras de reedificação da cidade e nas repartições da Marinha e do Exército" Para além destas medidas, o Intendente ordenou a demolição de todas as barracas, que surgiram na cidade de Lisboa, como consequêmcia do terramoto de 1755, sendo delas expulsos todos os que se dedicavam à marginalidade; proibiu as construções clandestinas, particularmente aquelas que não observassem as regras de um plano arquitectónico, previamente aprovado, designadamente em tudo que se referia a condições de salubridade e sanitárias; ordenou que fossem implantados chafarizes e reparadas fontes na cidade; preocupou-se com o sistema de esgotos, por forma a evitar frequentes inundações e procurou ornamentar as estradas de acesso e as ruas da cidade, mandando que se procedesse à plantação de àrvores. Como tudo isto não bastasse e seguindo a sua "politíca", o Intendente Pina Manique, obrigou ainda todos aqueles que possuíssem cães, a transportá-los sempre atrelados, com o nome do respectivo dono fixado na coleira do animal e que todos os animais mortos fossem enterrados e não lançados ao Tejo, como era habitual, por forma a que tal prática deixasse de constituir riscos para a saúde pública. É também da sua responsabilidade a criação

105


História da Policia em Portugal das "carroças do lixo", medida implementada pelo facto de na altura, a mão de obra escrava estar já em vias de extinção e não haver gente suficiente que se encarregasse dos despejos. Para se fazer uma ideia do estado em que o Marquês de Pombal deixou o país, durante o seu governo, no que respeita a segurança pública, limpeza e salubridade, atente-se no testemunho constante do relatório do Dr. Gonçalves de Miranda, Intendente da Policia no ano de 1779: ..." A cidade estava bloqueada de ladrões; os templos, os vasos sagrados e os adornos das igrejas, sacrilegamente roubados; as casas dos habitantes, diària e nocturnamente roubadas; os viandantes, a cada passo, atacados e despojados não só de ténues bens que levavam, mas até da própria vida". (...) "No Inverno, as lamas amontoam-se; as ruas principais, mais frequentadas, têm sempre meio pé de lama aos lados (passeios) e montes enormes, no meio. Pior é ainda, nas pequenas ruas que estão, muitas vezes impraticáveis; não é possível permanecer em Lisboa, no Inverno, sem uma pessoa se afundar até aos joelhos; é necessário andar a cavalo, ou de botas altas; nas vielas, estão acumulados montes de lixo, há mais de vinte anos e, em alguns pontos, estrangulam completamente a passagem". Para além disto, sabe-se que as casas sofrendo ainda das agruras e das consequências do terramoto se encontravam na sua grande maioria sujas e degradadas, que as ruas estavam cobertas de imundícies, que não havia iluminação pública, que a cidade estava infestada de cães (cerca de 80.000) que passavam a noite a ladrar e pior que tudo isso, os ladrões proliferavam, mantendo com os Policias acesas lutas, particularmente durante os periodos da noite.

106


História da Policia em Portugal Para combater tudo isto e seguindo as linhas programáticas do seu mandato, o Intendente Pina Manique, deu ordens expressas, para que as ruas fossem iluminadas com lampiões e que a Policia desse "caça a quem se entretinha a quebrá-los à pedrada", medidas estas que permitindo à cidade ter já 724 lampiões no ano de 1791, levaram a que, quer a Casa Pia, quer a Casa da Força do Castelo de São Jorge se enchessem de vândalos, que era preciso alimentar. Com a implementação destas medidas, as despesas cresceram substancialmente e quer a manutenção da Casa Pia, quer a da Casa da Força, aliada ainda aos gastos com os encarcerados, eram quase insuportáveis!... O país era nesta altura economicamente débil e o Intendente sem meios para fazer face às despesas correntes, que as medidas por si preconizadas impunham, viu-se obrigado a retirar os lampiões que iluminavam a cidade, já que o seu consumo (de azeite) e os salários dos lampianistas eram deveras dispendiosos e incomportáveis, para o orçamento que lhe havia sido atribuído. Um dos motivos que contribuíu também para esta situação, foi a "guerra politíca" entre o Intendente e o Duque de Lafões, que no governo tudo fez para camuflar o prestígio do Intendente e boicotar o trabalho, opondo-se sistematicamente à viabilização da sua politíca de segurança e às despesas que a mesma implicava. Deve dizer-se que Pina Manique tentando esclarecer determinadas atitudes declarava: "Desde o ano de 1788, tenho combatido o estabelecimento dos pedreiros-livres (Maçonaria), neste reino". Ora sendo o Duque de Lafões um adepto incondicional da "anglo-maçonaria", introduzida em Portugal pelo Marquês de Pombal, de forma alguma perdoava ao Intendente o combate que este lhe movia, tanto mais estando já implementada em Portugal a "franco-maçonaria" de cujos membros era um terrível adversário!...

107


História da Policia em Portugal Daí o tal boicote e a recusa do dispêndio das verbas necessárias, as quais só foram desbloqueadas em 2 de Fevereiro de 1802, data a partir da qual os lampiões voltaram a iluminar Lisboa.

A REMODELAÇÃO DOS SERVIÇOS DA POLICIA Neste periodo, a cidade estava infestada de desertores e contrabandistas, formando quadrilhas que não só assaltavam os transeuntes e as residências, mas até os navios ancorados no Tejo, como foi o caso do francês "Paristen"!... Neste exemplo concreto, os contrabandistas, chefiados por um tal "Clavineiro" abordaram-no e chacinaram pura e simplesmente os passageiros, a tripulação e o próprio capitão que previamente havia acordado com os bandidos a divisão da mercadoria roubada. Neste famoso assalto, para a época, o Clavineiro mandara fazer rombos na linha de água do costado, para que o navio se afundasse, com as provas da carnificina, contudo o mar extremamente calmo, não "colaborou" e o crime foi descoberto por pescadores de Sesimbra, para onde o navio Zarpara. Após várias diligências o Intendente Pina Manique, com a inteligência que lhe era reconhecida e com o auxilio dos seus homens, conseguiu capturar o bando e recuperar o produto do roubo. Escaparam apenas o Clavineiro e dois dos seus acólitos, todos os restantes foram chicoteados em público, até os ossos romperem as carnes e seguidamente enforcados. A partir deste momento, o governo determinou, que fosse regulado o policiamento do Tejo, contudo e à semelhança do que acontecia em Lisboa os actos criminosos recrudesciam por todo o país, quer pela enorme crise de desemprego, quer também como

108


História da Policia em Portugal resultado da libertação dos escravos, que não tendo quem os alimentasse, teriam de sobreviver de qualquer maneira... A situação era tão grave, que muitos militares se dedicavam também à marginalidade, podendo ver-se vários soldados, semifardados ou trajando à civil, abrir tendas de adelo na Feira da Ladra, para venda de objectos roubados, objectos esses provenientes da recepção que eles mesmo faziam junto das quadrilhas. Outros dedicavam-se à manutenção de núcleos de prostituição, forçando as mulheres a pagar-lhes e rixando inclusivé entre si pelo domínio da "exploração". Durante o reinado de D. Maria I, a situação manteve-se!... Nos próprios quartéis, era vendida carne de rezes de proveniência duvidosa e abatidas clandestinamente. Neles se dava guarida a desertores e fornecia-se fardamentos a vádios e armas a civis economicamente desesperados, para melhor levar a efeito os seus assaltos. Pina Manique, pediu então a colaboração do exército, para fazer face a tal tragédia, colaboração essa que lhe foi negada, com o argumento de não competir aos militares, concorrer com as justiças civis, isto pese embora o exército nada fazer na época, dado a guerra já ter terminado. Com o recrudescer desta onda de crimes, em Janeiro de 1783, travou-se uma verdadeira batalha campal, que envolveu Policias e bandidos, muitos deles desertores, civis armados (pelos cúmplices dos quartéis, utilizando mesmo armas proibidas por lei) e também marginais que já haviam sido presos e se encontravam em liberdade condicional, com alvarás de fiança e cartas de seguro, por não haver lugar nas prisões, onde só se mantinham os que não possuíam dinheiro para pagar a respectiva fiança. Os presos em

109


História da Policia em Portugal liberdade, continuavam a praticar toda a espécie de crimes, dando o seu exemplo ânimo a que outros os imitassem. Chegou-se ao ponto, nesta época negra para a segurança dos cidadãos, de um malfeitor partir para um assalto e deixar um procurador munido com o dinheiro para pagar a sua fiança em caso de malogro e de ter de se haver com a Policia do Reino. De resto deve dizer-se , que para os marginais, essa liberdade criminosa, era mais lucrativa do que quanto oneravam as fianças, podendo inclusivé permitirem-se jamais comparecerem em juízo. Nesta onda de criminalidade, os agentes policiais sentiam-se desmoralizados e sem capacidade de resposta, para fazer face a tal surto de violência, tanto mais que era prática corrente verem aqueles que haviam prendido na véspera, com risco da própria vida, pavonearem-se pelas tabernas, como se nada tivessem feito e como se a acção policial mais não fosse do que um acto convencional. Casos houve em que a corrupção era tanta, que tendo um contrabandista a protecção de certo sector do governo, foi desfeiteada a própria Policia, como por exemplo, após a descoberta de grande quantidade de contrabando, numa das casas do Duque de Cadaval. Neste local, quando os agentes policiais pretendiam intervir, foram aí desarmados por ordem do Duque e "corridos" à paulada, pelos seus criados, que ali se encontravam em muito maior número que os próprios Policias. Ao tomar conhecimento de tal ocorrência, bem protestou o Intendente Pina Manique junto do Governo, contudo e pese embora os seus esforços, nada aconteceu ao ilustre contrabandista. Foi neste periodo, que a lotaria nacional foi regulada, deixando de ser clandestina e passando a constituir um precioso

110


História da Policia em Portugal auxílio pecuniário, quer à Casa Pia, quer à própria Policia, dado que com parte dessa verba, Pina Manique fez uma verdadeira reestruturação do Corpo Policial existente, recrutando do exército todos os soldados, após dez anos de bons serviços prestados. Pina Manique pretendia constituir uma corporação de 1.200 homens, sendo essa Policia a que pretendia chamar "Municipal" mantida à custa da cidade. Pese embora tal intenção, não passou disso mesmo!... O Duque de Lafões, homem forte da época opôs-se redondamente contra tal e a criação do referido Corpo, ficou adiada. Deve dizer-se que para tal decisão, muito contribuíu o facto dos governantes, terem a sua segurança pessoal mantida por Guardas e escoltas privadas, facto que os levava a alhearem-se do martírio do povo, permanentemente acossado pelo banditismo. Em 1796, a Revolução Francesa impeliu muitos exilados a refugiarem-se em Portugal. Muitos deles foram assassinados pelos marginais que pululavam pela cidade. Só então Pina Manique, face a esta onda, obteve a colaboração do exército no combate ao banditismo, efectuando-se numerosas prisões. A 10 de Dezembro de 1801, Pina Manique consegue finalmente formar um Corpo de Policia Militarizada, com um efectivo de 600 homens, a que foi dado o nome de Guarda Real de Policia. Por Alvará de 25 de Dezembro de 1801, se determinou também, que todos os militares perturbadores do sossego público fossem processados sumariamente

... 111


História da Policia em Portugal

CAPÍTULO V A POLICIA PORTUGUESA (ÉPOCA CONTEMPORÂNEA)

112


História da Policia em Portugal

A GUARDA REAL DE POLICIA Por alvará do ano de 1801, é criada a Guarda Real de Policia, constando do mesmo o seguinte: "(...) Hei por bem criar uma Guarda Real de Policia, de Lisboa, a pé e de cavalo, para vigiar a cidade (...)". A nova Guarda era então constituída por oito companhias, com quatrocentos e vinte e quatro homens de infantaria e quatro companhias, com duzentos e oito de cavalaria. O seu comandante, ficava subordinado ao General das Armas da Província e ao Intendente Geral da Policia. O primeiro comandante da Guarda Real de Policia, foi o conde de Novion, exilado de França, após a revolução de 1789/1794, que havia entretanto ingressado no exército português como Tenente-Coronel, por solicitação do marquês da Fronteira e do conde da Torre, D. João de Mascarenhas Barreto, que o julgaram como homem de " fina educação e bons princípios ". Com a criação deste Corpo Policial, foram igualmente criadas directivas orgânicas e de funcionamento, das quais se podem destacar as seguintes: 113


História da Policia em Portugal "(...) Deve o Corpo conservar força moral e física; esta reconhecida pela aparência militar, adolescência e robustês dos indivíduos que o compõem, que é precisa para reprimir os malévolos perturbadores da boa ordem (...). "...O costume de se embebedar será bastante, sem outras circunstâncias agravantes, para ser expulso deste Corpo (...). ... " Os indivíduos deste Corpo devem andar sempre vestidos com os seus uniformes, bem estimados por limpeza e decência (...). "... Devem ter a mais escrupulosa escolha das pessoas com quem acompanham em sociedade, nos passeios, e mesmo nas casas que frequentam; não sejam suspeitas, desprezíveis, nem mereçam má opinião do público(...).É proibido que apareçam nos lugares públicos, cigarrando ou cachimbando. É igualmente proibido andar sem uniforme ou disfarçado (sem ordem positiva), mesmo fora do serviço (...). Todo o indivíduo da Guarda Real de Policia que emprestar ou vender algum dos seus uniformes a pessoa que não deva usá-lo, deve ser asperamente punido (...). Todo aquele que contraír divídas em tabernas e casas públicas, ou convencido de caloteiro, será severamente castigado e, reíncidindo, expulso do Corpo (...). É proibido aos indivíduos deste Corpo, frequentar as ruas de mulheres meretrizes públicas, bilhares, botequins, tabernas, casas de sorte e jogos; somente em serviço, para diligências, ou investigações". Entre outras, algumas das funções deste Corpo, foram também pré-definidas, destacando-se os seguintes exemplos:

114


História da Policia em Portugal "(...) Prisão de todos os criminosos e cúmplices de crimes e delitos públicos achados em flagrante, bem como dos causados pela vóz pública(...). Prisão de salteadores, ladrões de estrada, incendiários e assassinos, apreendendo-lhes as armas, instrumentos ou materiais dos seus crimes(...). Prisão dos contrabandistas e apreensão de suas fazendas e transportes; apreensão de armas proibidas e prisão dos desertores de terra e mar; vigilância sobre os vádios, vagabundos e mendigos ociosos que podem trabalhar, ou que fingem chagas ou enfermidades, ou que disfarçam de qualquer outra maneira(...). Prisão dos suspeitos contra a segurança pública, dos perturbadores do Culto Divino, nos templos ou fora deles; dar parte de todos os cadáveres, ou fetos recém-nascidos, guardando o local até à chegada do Ministro Criminal; participar dos incêndios, arrombamentos, assassínios, destruição de plantações e edifícios públicos, ou particulares, mesmo fora do acto de flagrante delito(...). Prender os que por imprudência, ou pela rapidez de suas cavalgaduras, atropelem ou maltratem qualquer pessoa, ou causem prejuízo nas estradas, ruas, ou praças públicas; prender os jogadores de azar (...). A casa de qualquer cidadão não pode ser ocupada, nem entrada, quer de dia, quer de noite, salvo no caso de incêndio ou inundação, participada por quem lá more(...). Prender pessoas de qualquer sexo que, sob pretexto de banhar-se, o fazem indecentemente nas praias públicas; prender as pessoas de qualquer sexo que praticarem publicamente actos

115


História da Policia em Portugal desonestos, ou mostrarem figuras que ofendam o pejo, a honestidade e os bons costumes. Praticar actos de caridade com indivíduos que necessitam de pios socorros, conduzindo aos hospitais os moribundos e os feridos desamparados, para ali serem tratados ou curados(...). Recolher nos Postos da Guarda aqueles desfalecidos ou embriegados que encontrem nas ruas, demorando-os ali, até recobrarem alívios, ou seu perfeito juízo, que então serão despedidos ou acompanhados a suas casas, não sendo criminosos que, algumas vezes, se fingem para melhor escapar-se". Como se vê por esta amostragem, a Guarda Real de Policia, procurava desta forma, defender a sociedade dos males que física e moralmente a apoquentavam, ao mesmo tempo que com a sua atitude, evitava a "degradação do próprio Estado". Em 1802, foi também constituída a Guarda das Barreiras, a qual viria mais tarde a dar origem à extinta Guarda Fiscal, passando a funcionar em Postos situados em locais estratégicos da cidade, designadamente em Alcântara, Rua das Águas Livres, Santa Apolónia e Sacavém, que eram na altura considerados como sendo os lugares previligiados de acesso à capital e onde a partir de então passaram a exercer a fiscalização aduaneira, que até aí vinha sendo efectuada pela Guarda Real. A Guarda Real de Policia, exerceu igualmente a vigilância da costa maritíma, até ser criada no ano de 1818, a Policia Maritíma, uma força militar vocacionada especialmente para exercer tais funções. Face à carência de pessoal e aos abandonos que ao longo do tempo se verificaram, o efectivo da Guarda Real de Policia, foi-se

116


História da Policia em Portugal deteriorando de tal modo, que houve necessidade de proceder não só à sua renovação, como também ao aumento dos seus efectivos. Contudo e face à falta de candidatos, tal só veio a acontecer no ano de 1810, com o General Beresford, o qual com promessas de váriada ordem, conseguiu reunir um total de 1030 homens na arma de infantaria e 258 na de cavalaria, ocupando ainda mais 30, no respectivo Estado-Maior, isto pese embora a necessidade de efectivos se tivesse feito sentir desde o ano de 1803, quando por Decreto e "...tendo em atenção o bom serviço da Guarda Real de Policia"(...), se propunha o aumento dos seus efectivos. Os oficiais que ocupavam o Estado-Maior, eram na sua grande maioria, oriundos de famílias aristocráticas francesas, que se haviam refugiado em Portugal, por serem contrários ao espírito da revolução que na altura se desenvolvia no seu país de origem. De entre os poucos portugueses colocados em lugares de destaque, sobressaía o Coronel Gomes Freire de Andrade, filho do fidalgo português António Pereira de Andrade, que comandava um regimento policial e que havia regressado após 24 anos de permanência na Austria onde nascera, e era tido como um adepto incondicional do espírito revolucionário francês!... Como era inevitável e face aos diferentes pontos de vista da hierárquia, o relacionamento e as divergências existentes nem sempre foram as melhores, tendo-se inclusivé gerado alguns atritos, entre os contra-revolucionários liderados pelo conde de Novion e o próprio Gomes Freire de Andrade, homem de grandes ambições. Assim e como reflexo disso mesmo, o comportamento e os diferentes pontos de vista dos referidos Oficiais Superiores, depressa se transmitiram aos respectivos subordinados, com reflexos evidentes na sua conduta e comportamento, o que teve

117


História da Policia em Portugal como consequência um grave conflito, ocorrido em 1803, em Campo de Ourique, que opôs dois regimentos de policias contra policias, conflito esse de que resultaram alguns mortos e muitos feridos. No conselho de guerra que se seguiu, Gomes Freire de Andrade foi julgado e encarcerado por ordem do rei.

AS INVASÕES FRANCESAS Quando o General Junot, no ano de 1807, invadiu Portugal, não era já um desconhecido dos portugueses. O mesmo, havia permanecido em Lisboa como embaixador da França, no periodo compreendido entre 1805/1806, tempo suficiente, para lhe permitir importantes contactos, com os revolucionários portugueses, no sentido de os atrair para os ideais imperialistas da França, daquela época. Neste mesmo periodo, (em que também o ditador Napoleão Bonaparte, procurava o domínio do mundo pelas armas, impondo uma nova "ordem") Junot, procurou igualmente reconquistar a simpatia dos oficiais de origem francesa, exilados em Portugal, facto que conseguiu levar por diante, chegando inclusivé a colocar no mesmo lado da barreira, os dois grande inimigos, Gomes Freire de Andrade e o conde de Novion, a quem condecorou com o "Grau de Veneráveis da Loja Franco-Maçónica da Regeneração". Assim e logo após a primeira invasão, embora com objectivos distintos, ambos se tornaram aliados do General Junot, que por sua vez se veio a tornar Duque de Abrantes. Esta investida das tropas francesas levou a que a Guarda Real de Policia se desorganizásse completamente. Tal desorganização permitiu ao Conde de Novion, colocar de lado a segurança interna do reino e escolher 30 dos seus

118


História da Policia em Portugal melhores homens para prestar vassalagem ao invasor, a quem deu inclusivé protecção, desde Sacavém até Lisboa, onde Junot se veio instalar. Junot, necessitava de ter do seu lado as forças policiais, e se bem o pensou melhor o fez: "Extinguiu" a Guarda Real de Policia e passou a designa-la por "Guarda Militar de Policia". O General , não contou contudo, com o patriotismo da maioria dos soldados da ex-Guarda-Real, os quais sob o comando de Elisário de Carvalho, partiram para o norte do país, onde se juntaram a outros corpos militares, para combate ao invasor. No ano seguinte, o exército francês é derrotado pelas várias coligações de portugueses, retirando-se do país, não sem contudo terem procedido a autênticos saques e massacres junto das populações indefesas. No ano de 1809, verifica-se nova investida francesa, desta vez sob o comando do General Soult. A invasão dura quatro meses e os imperialistas são então expulsos do país, desta vez com o auxilio das tropas inglesas, comandadas pelo General britânico Beresford e também pelos portugueses, Generais Bernardim de Andrade, Botelho e Bacelar. Em 1810, Gomes Freire de Andrade o "velho idealista" português, que se havia refugiado em França, como consequência da derrota dos franceses, quando da primeira invasão, recebe ordens para acompanhar o General Massena, durante a terceira investida ao nosso país!...Compreendendo quanto seria impopular a sua reentrada no país, devastado pelos assassínios, pilhagens, destruição e violação, levados a cabo pelos invasores durante as duas primeiras invasões, recusa participar e decide por sua vez incorporar as hostes napoleónicas no norte da Europa.

119


História da Policia em Portugal

A GUARDA MILITAR DE POLICIA Durante os dez longos anos que duraram as invasões francesas, a população portuguesa, sofreu uma diminuição em termos demográficos de cerca de meio milhão de habitantes. As cidades, vilas e aldeias, designadamente no centro e norte do país, encontravam-se em ruínas e a economia portuguesa, tinha sido completamente arrasada. Para se poder entender, como funcionava a sabotagem francófona em Portugal, teremos de recuar aos tempos de Pina Manique, época em que o governo francês, enviara como seu representante a Lisboa, o General Lanes, que beneficiando dos previlégios alfandegários diplomáticos, se dedicava ao contrabando em larga escala... Tendo a Guarda Real descoberto este expediente, o Intendente Pina Manique, "ajustou algumas contas do passado" e decidiu denunciar o General ao Governo, motivo pelo qual, Lanes foi expulso do país. Porém, não era só o referido General que operava em Portugal!... Aqui se tinham instalado, traidores e oportunistas, organizados para degradar a autoridade do Estado e atacar a ordem pública e o prestígio de que a Guarda já desfrutava. A este propósito se refere o historiador Oliveira Martins, da seguinte forma: "...os franceses e os amigos da revolução, em presença da vitória de Pina Manique, juram vingar-se. Louis Lacence, recém chegado de França, provoca distúrbios, blasonando completo desrespeito pela policia e pretendendo, por essa forma, visar o Intendente. Do

120


História da Policia em Portugal desrespeito pela Policia, passou-se à pateada politíca. Pina Manique deixa as coisas subirem de ponto, aguardando o momento de intervir. E, assim, ordena ao juíz do crime que proceda inexoravelmente contra os desordeiros". Ocorrendo uma desordem no Teatro S. Carlos, o ministro do Bairro da Ribeira actua e manda prender os provocadores do tumulto, encontrando-se ali, entre outros, vários homens ligados à maçonaria francesa, desde Beniot de Roure, Laborde e até Gomes Freire de Andrade, que entretanto havia regressado a Portugal e em conjunto com Francisco Coelho da Silva, que usava o pseudónimo de Padre Francisco Manuel, distribuía panfletos apelando à revolução. O causador da dita desordem, Hipólito José Furtado de Mendonça, inimigo figadal de Pina Manique e sobrinho do Marquês de Pombal, que havia sido preso pela Intendência , por crime grave, em 1803 e mal acabara de chegar a Portugal, vindo da colónia de Sacramento, no Rio da Prata no Brasil, para onde havia sido deportado para cumprimento de uma pena de prisão, foi igualmente preso, mantendo-se em tal situação durante dois anos e meio, até que alguém do exterior lhe proporcionou a fuga da prisão. Entretanto, António de Araújo Azevedo -futuro conde da Barca -, que fora ministro plenipotenciário em Paris, durante a revolução francesa (1795-1797), passa a fazer parte do governo, permitindo de imediato que o General Lans, que havia sido expulso do país, regresse a Portugal. Uma das suas primeiras medidas e tendo como objectivo travar a interferência de Pina Manique, na "guerra" ao contrabando, foi elevar o pelouro alfandegário a Superintendência-Geral, ficando a mesma sob a sua dependência directa, ao mesmo tempo que acumulava outros cargos,

121


História da Policia em Portugal nomeadamente o de Director Geral da Alfândegas e dos Descaminhos. Por àlvara de 1803, viria a ser promovido a Chanceler Mór do Reino, enquanto Pina Manique, teve como "recompensa" pelos serviços prestados ao país, a sua exoneração do cargo. A Pina Manique, sucedeu na Intendência Lucas Seabra da Silva, também antigo contestatário do ex-Intendente e a quem Luz Soriano se refere como "(...) homem servil e ignorante (...) que restabeleceu a censura pombalina e perseguiu a comunicação social da época...", designadamente as gazetas, tudo por forma a servir deliberadamente o governo intruso. Quando da entrada de Junot em Lisboa, toda a sua comitiva teve como primeira preocupação, a sua instalação! Assim trataram de ocupar palácios e conventos, não olhando a meios para atingir os fins!... Toda a sua conduta se resumiu a violências, pilhagens, extorsões de toda a ordem, abusos de poder, delações e sequestros para atingir os fins pretendidos. Face às facilidades permitidas, o General francês, transformado em Duque de Abrantes, recompensa a traição do Conde de Novion, nomeando-o Comandante das Armas da Cidade de Lisboa e Dependências e apesar da subserviência que lhe havia sido prestada, por Lucas de Azevedo, que então desempenhava as funções de Intendente-Geral da Policia, exonerouo do cargo e substituíu-o pelo francês Pierre Lagarde, o qual tomou posse em 25 de Março de 1808. A este propósito dizia o jornal da época, Observador Português, o seguinte: ... "Tomou posse de Intendente-Geral da Policia, Mr. Lagarde, bem conhecido pela sua crueldade em Veneza e Itália e, anteriormente em Paris; o eco da sua desumanidade retumbava nesta cidade, muito

122


História da Policia em Portugal antes de chegar de França, e a nação ficou atemorizada com a posse deste monstro". Pierre Lagarde instalou-se no Palácio da Inquisição, que ornamentou com as melhores mobílias e objectos decorativos, que mandou pilhar a outros palácios!... Auto nomeou-se redactor de "A Gazeta de Lisboa" com o claro intuito de dinamização da sua politíca e consequente instrumentalização do Povo, que naturalmente contestava as forças invasoras e paralelamente a estas medidas, reinstalou a "Policia Politica", que havia sido extinta desde a morte do Marquês de Pombal. A 19 de Março, Pierre Lagarde determina ainda, a criação de um Tribunal especial, destinado a julgar todos os delitos que atentarem contra a segurança pública e se cometerem em toda a extensão do reino de Portugal. Um dos delitos mais severamente punidos, era o de gritar-se na via pública, "Viva o Rei" ou "Viva Portugal". Face à acumulação de processos, que em pouco tempo entupiram por completo o Tribunal, Lagarde decidiu a criação de outro com a mesma finalidade na cidade do Porto, merecendo-lhe tais ousadias, a sua nomeação para "conselheiro do governo". Num dos seus relatórios enviados para Napoleão Bonaparte chegou a afirmar o seguinte: "...O governo deixado pelo príncipe (futuro D. João VI), se deixava conduzir por frades e lacaios do pior, mas que neste momento, Portugal parecia ser mais um país francês". Exemplo do temperamento de Lagarde, é o ocorrido em 24 de Junho de 1808, data em que por sua ordem, foi fuzilado no Terreiro do Paço em Lisboa, um jovem de 28 anos, cujo crime cometido foi o de se colocar "em traje de rebelde, com a cruz, à porta de uma das principais igrejas de Lisboa". Em contrapartida e segundo relato do

123


História da Policia em Portugal jornal "A Gazeta de Lisboa", na mesma data era publicada uma lista de promoção de vários oficiais da chamada " Guarda Militar de Policia", também chamada "Legião de Policia". De entre os promovidos, contavam-se 16 traidores portugueses, entre os quais se distinguiam o Tenente- Coronel Baracho, Manuel de Carvalho, José de Melo, Curvo Semedo e Severim Antunes e ainda 7 súbditos franceses, onde se salientava como não podia deixar de ser Edurand Novion, filho do ex-comandante e carrasco Conde de Novion. Nesta remodelação de quadros, foram então passados compulsivamente à reforma, os Tenentes Marco António Ferreira e Leonardo Augusto Salazar, por se terem tornado indesejáveis ao Comando hierárquico da Corporação, o qual constantemente os acusava de serem "contra-revolucionários". Em 19 de Julho de 1808, é divulgada a "Proclamação aos Habitantes de Lisboa e de todo o Portugal", comunicando a derrota dos franceses no norte do país. A imprensa, totalmente controlada pelos quadros das tropas invasoras e na qual Lagarde emitia comunicados a seu belo prazer, tenta ocultar os factos, manipulando por completo o povo, com informações totalmente viciadas. Mesmo a 24 de Agosto, sabendo-se já da derrota do exército francês em debandada para a capital a "A Gazeta de Lisboa", ainda informava: "...Estamos mais fortificados, porque nos têm chegado novas tropas (...) . O inimigo teve muitos oficiais superiores feridos e mortos", o que por si só prova o poder de Lagarde junto da comunicação social da época. A 11 de Outubro do mesmo ano, foi reactivada a Guarda Real de Policia e nomeado seu Comandante, o Coronel Filipe de Sousa Canavarro.

124


História da Policia em Portugal

A REVOLTA DE GOMES FREIRE DE ANDRADE Gomes Freire de Andrade, nasceu em Viena de Àustria no ano de 1757. Era filho de António Pereira de Andrade, fidalgo português que naquele país contraíu casamento com uma cidadã austríaca. Com a morte de seu pai, regressou a Portugal, tendo assentado praça como cadete em Peniche no ano de 1781 e sido promovido a Alferes no ano seguinte. Após ter cumprido o serviço militar, abandona de novo o país, tendo permanecido no estrangeiro por largo período de tempo, onde participou em vários combates como mercenário. Regressa a Portugal no ano de 1793, onde um primo o recomenda ao Marquês das Minas, sob as ordens do qual intervém em várias batalhas. Sempre na rota do Marquês, seu protector, entra para a maçonaria em 1801, sendo feito marechalde-campo. Em 1803, após cumprir uma pena de prisão por desordem politíca junto ao teatro S. Carlos em Lisboa e a que já foi feita referência, é elevado ao grau "venerável" da maçonaria, regressando ao "combate" fora de portas. Em 1815 volta a Portugal e embrenha-se de tal forma na luta política pela monarquia constitucional, que acaba por perder a vida em consequência de uma conspiração abortada. Tudo aconteceu no tempo em que o desembargador João de Matos Vasconcelos Barbosa de Magalhães, era Intendente-Geral da Policia. Os Capitães Pedro Pinto de Morais Sarmento da loja maçónica de Santarém, José de Andrade Corvo Camões e João de Sá Pereira Soares, ambos da loja maçónica de Lisboa, haviam

125


História da Policia em Portugal aliciado para o seu campo revolucionário a Viscondessa de Juromenha Dª. Maria da Luz!... A esta confidenciaram a invasão do país por tropas estrangeiras a partir do Alentejo, com a finalidade de derrubar o poder absoluto que reinava em Portugal. Receando ver-se envolvida na revolta em caso de malogro, confidênciou ao marido aquilo que se estava a passar. Este logo que tomou conhecimento dos factos, de imediato transmitiu ao General Beresford, de quem até era amigo pessoal, a novidade. Beresford, não perdeu tempo e de imediato deu ordens à Guarda Real de Policia, para prender os conspiradores. Estes uma vez detidos, "depressa" denunciaram Gomes Freire como chefe da rebelião, pretendendo "mudar a monarquia pura, em constitucional, ou (...) pôr um Governo Revolucionário, em lugar do legitímo, com o nome de Conselho Conservador". Após a sua capitulação perante o escrivão do Crime do Bairro do Limoeiro, Joaquim António Cabral, Gomes Freire foi preso e colocado no forte de S. Julião da Barra, às ordens de Beresford, enquanto os restantes elementos do grupo recolheram à prisão do Limoeiro. Após o respectivo julgamento, levado a cabo no "Tribunal da Inconfidência", dois dos conspiradores foram ilibados, quatro condenados a degredo e seis enforcados no Campo dos Mártires da Pátria em Lisboa. Quanto a Gomes Freire, teve a mesma sorte destes últimos, tendo a sua execução tido lugar em 18 de Outubro de 1817, em frente ao Forte de S. Julião da Barra. (Gomes Freire viria a ser nomeado Patrono dos Oficiais do Exército, oriundos da Academia Militar, a partir de 25 de Abril de 1974).

126


História da Policia em Portugal

. . .

CAPÍTULO VI 127


História da Policia em Portugal

(O FIM DO ABSOLUTISMO E O TRIUNFO DA REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1820)

No começo do século XIX, existia em Portugal um governo monárquico puro. A dinastia de Bragança, ocupava o trono invocando o "direito próprio", que lhe vinha da sucessão por varonia, quer do fundador do reino D. Afonso Henriques, quer de D. João I, cujo filho D. Afonso, casado com a única filha de Nuno Álvares Pereira, fundara a Casa de Bragança. Além do referido, o rei exercia o poder supremo! As leis eram a expressão da sua vontade, pertencendo-lhe sempre a última decisão, nos diversos assuntos do governo e da administração corrente. Limitados em consciência pela religião (católica), pela moral e ainda sujeitos a observar a constituição natural do reino, isto é, a necessidade de respeitar o equilibrio de facto, de certas forças sociais, os reis consideravam-se desprendidos de limitações

128


História da Policia em Portugal juridícas provenientes de qualquer outros poderes paralelos e neste sentido se diziam absolutos. Contudo, a doutrina do absolutismo, admitia a existência de certas "leis fundamentais do reino", superiores à vontade do rei, e nas quais muitos têm querido ver o início das constituições escritas. A "Dedução Cronológica e Analytica", que Sebastião José de Carvalho e Melo mandou publicar, para justificar muitas das suas atítudes em geral e a expulsão dos Jesuítas em particular é um exemplo concreto da apologia da monarquia ilimitada, chegando a afirmar: "por mais augusto que seja o poder dos reis só não é contudo superior à lei fundamental do Estado. São juízes soberanos das riquezas e da fortuna dos seus vassalos, dispensadores da justiça e distribuidores das mercês, mas por isso não devem observar menos uma lei primitiva à qual são devedores das suas corôas."(Paragº.602) Essa norma fundamental que no século XVIII se julgava estar traduzida nas Actas das Cortes de Lamego e se achava consagrada por constante costume, na "Dedução Cronológica e Analytica" (parágº.601), reduzia-se porém a estabelecer a forma monárquica do governo e a ordem de sucessão na Corôa. A característica fundamental destas leis fundamentais, era a de não poderem ser modificadas sem acordo entre o rei e o povo reunidos em cortes, sendo por via de tal, reconhecidas pela teoria da monarquia absoluta, impedindo apenas o rei, de mudar a forma monárquica de governo e de alterar a ordem da sucessão do trono. Eram consideradas leis fundamentais além das Actas das Côrtes de Lamego, as leis feitas nas Côrtes de 1674 sobre regências e tutorias na menoridade dos reis, de 1679 sobre casamento dos príncipes e de 1698 sobre a sucessão da Corôa.

129


História da Policia em Portugal Tratava-se sobretudo de disposições relativas à instituição da Corôa e que praticamente nada estabeleciam sobre os direitos e deveres recíprocos do rei e dos seus súbditos. Perante este paternalismo monárquico, através do qual o rei era o "pai" do seu povo e de que a sua autoridade traduzia uma forma do "poder paternal", quando providênciava, como quando castigava, bem como a brandura das leis, (excepção feita como já foi dito à do governo de Pombal) faziam com que a monarquia absoluta não fosse considerada despótica e o Povo de bom grado a aceitasse. Contudo tudo se alterou após as invasões francesas!... A primeira, originou a transferência da Côrte, de Lisboa, para o Rio de Janeiro, acto este que não podendo deixar de ser considerado compreensível, levou a que militarmente o país ficasse mais débil e a que a resistência ao invasor francês se tornasse quase inexistente, permitindo-lhe a entrada na capital, com a maior das facilidades. Por outro lado são conhecidos os factos que se seguiram: Após os exércitos invasores terem estacionado no país, chegaram igualmente os exércitos estrangeiros libertadores e a uma ocupação inimiga, seguiu-se imediatamente outra, que nem por ser "amiga" deixou também de ser opressora. Se a partida de D. João VI para o Brasil foi justificada, não o era menos o ressentimento do Povo, ao verificar que passada a guerra, o rei não regressara a compartilhar com os vassalos, os cuidados da reconstrução material e moral do Reino, deixando este entregue a um conselho de regência com insuficiente prestígio e escassa autoridade perante os estrangeiros que efectivamente preponderavam na vida portuguesa. A sensação de abandono que se instalou no país, em virtude da prolongada ausência do rei, a partir de determinada altura, já

130


História da Policia em Portugal sem qualquer justificação, as somas de dinheiro que numa época em que o país se encontrava completamente arruinado, eram enviadas anualmente para o soberano e toda a escolta de fidalgos que com ele se mantinham, a irritação contra as autoridades britânicas, que preponderavam no governo e usavam e abusavam do povo, o declinio comercial, o permanente desiquilibrio comercial, criaram condições que geraram todo um clima propício à revolução que veio a acontecer em 1820. A conspiração abortada de Gomes Freire em 1817, foi o prólogo daquilo que estava para suceder. A regência tinha perfeito conhecimento da gravidade da situação, tendo inclusivé sugerido ao governo ausente no Brasil, várias formas de solucionar a crise!...Como este não desse respostas convincentes, preocupava-se sobretudo com os aspectos económicos e financeiros, tentando reduzir a despesa pública e efectuar tímidas reformas na administração. Longe do país, quer o rei quer o governo, continuavam a "ignorar", as tensões politícas que aí se íam desenvolvendo. Nos inicios do ano de 1820, o liberalismo triunfa em Espanha e os contactos entre espanhóis e conspiradores portugueses intensificam-se de tal modo que Beresford o homem forte da regência, resolve ir ao Brasil em busca de poderes mais amplos,quer para melhorar o estado do exército como ele dizia, como também para conjurar o "perigo liberal". Assim, aproveitando a ausência do General inglês, em 24 de Agosto do já referido ano de 1820, o exército revolta-se no Porto, alcançando em poucos dias, a adesão de todas as estruturas militares do norte do país e também do Povo aí residente. Forma-se então, uma Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, sob a presidência do Brigadeiro General António da Silveira, tendo como

131


História da Policia em Portugal principais objectivos, tomar conta da regência e convocar Côrtes, com a finalidade única de adoptar uma constituição. Em Lisboa a regência tentou por todos os meios resistir, denunciando e tentando fazer crer, que os revolucionários eram inimigos e traidores à Pátria. Contudo não pôde evitar um segundo levantamento, que teve lugar em 15 de Setembro na própria cidade de Lisboa, o qual e após se ter tornado vitorioso, expulsou os regentes e se constituíu como governo interino, sob a presidência de Freire de Andrade, principal Decano da Sé de Lisboa e parente do Comandante Freire de Andrade, que em 18O3, à frente de uma companhia da Guarda Real de Policia, se havia revoltado contra o ditador e responsável máximo da Guarda Real, o francês Conde de Novion e em 1817 viria a ser condenado à morte como consequência da sua luta, contra a ditadura dos invasores estrangeiros. Pela mesma altura, os revolucionários do norte, iniciavam a sua marcha para o sul e uma vez aí chegados, em 28 de Setembro resolveram fundir-se, numa nova Junta, onde Freire de Andrade detinha a presidência e António da Silveira a Vice-Presidência. Os verdadeiros chefes e estrategas da revolução, Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Silva Carvalho, tomaram conta em conjunto das pastas do Reino e da Fazenda. Sendo certo que havia, sobretudo nas classes intelectuais, muitos partidários das novas ideias preconizadas e derivadas da revolução francesa e espalhadas pelos exércitos napoleónicos, outros existiam que admiravam as instituições liberais representativas da Inglaterra. Contudo a grande maioria dos que inicialmente apoiaram a revolução, mais não queriam que o regresso do rei, a independência nacional, um governo melhor e quando muito a reposição das "velhas" instituições portuguesas, tais como haviam

132


História da Policia em Portugal sido concebidas e explicadas, quando da restauração em 1 de Dezembro de 1640.

A CONSTITUIÇÃO DE 1822 Da revolução de 1820, saíu como já se disse um Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que em Dezembro desse mesmo ano, mandou proceder à eleição de deputados às Cortes Extraordinárias Constituintes, convocadas para Lisboa. A eleição foi feita segundo as disposições constantes na Constituição de Espanha, votada em Cádis no ano de 1812 e segundo as quais, cada freguesia elegia um eleitor paroquial. Só no mês de Fevereiro de 1821, as Côrtes discutiram um projecto de bases da Constituição Portuguesa, que o presidente da comissão que o elaborara justificou, dizendo que "os membros da comissão, bem longe de se embrenharem no labirinto das teorias dos publicistas modernos, foram buscar as principais bases para a nova Constituição ao nosso antigo Direito Público, posto acintemente em desuso pelos ministros despóticos que lisongeavam os reis à custa do povo" (Diário das Cortes, Vol.I pág.79). E concluíu, afirmando que a comissão se cingiu "...aos nossos bons e antigos usos e costumes. Todavia, acordou em dividir e equilibrar os três poderes para evitar o despotismo que resulta da sua acumulação e em ordenar outras cautelas que nos ponham a coberto das tentativas do poder arbitrário" (id.,pág.8O). As bases vieram a ser convertidas no Decreto das Cortes de 9 de Março de 1821 e consagraram "os príncipios mais adequados para assegurar os direitos individuais do cidadão e estabelecer a organização e limites dos poderes politícos do Estado".

133


História da Policia em Portugal Perplexo perante as notícias da revolução, o rei D.João VI, vê-se forçado por uma sublevação desencadeada no Rio de Janeiro, a aprovar as bases da Constituição, que estava a ser elaborada, pese embora não tivesse o mínimo conhecimento do seu conteúdo. Em Abril do mesmo ano o rei regressa a Lisboa, onde chega a 3 de Julho e juradas as bases que as Côrtes tinham aprovado, por todas as autoridades, funcionários e pelo próprio monarca, foi sobre elas elaborado o projecto de Constituição que apresentado às Côrtes em 25 de Junho de 1821, começou pouco tempo depois a ser discutida, vindo a ser aprovada após longa discussão em 23 de Setembro de 1822. Em todo o articulado desta primeira Constituição, nada se encontra relativamente à instituição policial! Os seus primeiros 19 artigos, contêm uma enumeração dos " direitos e deveres individuais dos Portugueses". Os direitos fundamentais nela consagrados, são a liberdade, a segurança pessoal e a propriedade, sem se fazer qualquer outra menção da igualdade, senão a de que "...a lei é igual para todos". A enumeração do seu articulado compreende ainda: A proibição da prisão sem culpa formada, a inviolabilidade do domicilio, a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito de petição, o direito ao sigilo da correspondência, o direito de acesso a cargos públicos, a igualdade perante a lei e a justiça penal e a abolição das penas cruéis e infamantes. A única referência à autoridade pública, consta do seu artigo 19º., que enumera todo um conjunto de deveres, nos seguintes termos: ... " Todo o português deve ser justo. Os seus principais deveres são, venerar a religião, amar a Pátria, defendê-la pelas armas

134


História da Policia em Portugal quando fôr chamado pela lei, obedecer à Constituição e às Leis, respeitar as autoridades públicas e contribuir para as despesas do Estado". A Constituição de 1822, instaurava assim um regime liberal, o qual e tendo em conta as circunstâncias, nunca chegou a ser implementado durante a sua vigência.

A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE Com o regresso de D. João VI do Rio de Janeiro, seu filho D. Pedro proclama a independência do Brasil, onde permanecera. O rei tenta a todo o custo manter a unidade nacional, contudo o príncipe numa clara hostilização às suas tropas, declara em carta dirigida a seu pai, " não ter pretensão alguma, nem direito à corôa de Portugal". Após a aprovação da Constituição e tendo verificado o esvaziamento dos poderes do monarca, seu filho, o Infante D. Miguel resolve reagir e concertando a sua estratégia com o exército, na sua maior parte descontente com o procedimento dos políticos constitucionalistas, consegue através de um movimento militar desencadeado a partir de Vila Franca de Xira, retirar o poder aos defensores da Constituição e recolocar o rei na sua função tradicional, não sem contudo prometer formalmente a promulgação de uma nova Constituição, mais de acordo com "as tradições nacionais". Era a contra-revolução em marcha... Em 3 de Junho de 1823, o rei dissolve as Côrtes. Em 19 de Junho nomeia uma Junta Preparatória para elaboração da nova Constituição, presidida pelo então Duque de Palmela, a qual e apesar de ter redigido todo o seu articulado nunca chegou a vê-la aprovada,

135


História da Policia em Portugal em parte devido não só aos progressos do Absolutismo em Espanha, que naturalmente influênciaram o rei português, como também à reacção da Santa Aliança, que não via com bons olhos a instauração do liberalismo em Portugal. Assim e dadas as contingências e interesses politícos que vigoravam na Pinínsula Ibérica, o rei declara em 4 de Junho de 1824, o retorno às leis tradicionais, mandando de imediato convocar as Côrtes. Contudo os liberais voltam à carga e ainda em 1824, apoderam-se de novo do poder. O Infante D. Miguel promove então mais um movimento militar " A Abrilada", mas os seus adversários já apoiados pelos representantes diplomáticos da França e da Inglaterra, que defendiam o fim do absolutismo, conseguem vencê-lo e convencem igualmente o rei, a ordenar o exílio de seu filho para o Brasil. Com a morte de D. João VI, D. Pedro proclama-se imperador do Brasil. Desta maneira abdica do seu direito ao trono de Portugal, recaíndo a sucessão em sua filha D. Maria II, que por conveniência politíca se propunha vir a casar com seu tio D. Miguel, o qual e logo que chegasse a Portugal, tomaria o cargo de Regente até à maioridade da noiva e sobrinha. Nesta altura e face ao caminho traçado, grande parte do exército revoltou-se, retirando-se para as fronteiras, pronto a lutar pela legitimidade da sucessão. D. Miguel tenta então por todos os meios, evitar uma guerra civíl entre constitucionalistas e legitimistas, e quando em 1827 regressa a Portugal, apercebe-se da grave crise económica e social que o país atravessa, particularmente com a agitação reinante entre a população. O Regente resolve então auscultar a vontade do Povo e convoca as Côrtes.

136


História da Policia em Portugal Uma vez consultada, a Assembleia esta decidiu que a Corôa pertencia por direito próprio a D. Miguel, motivo pelo qual foi aclamado rei de Portugal, visto D. Pedro embora primogénito, se ter tornado imperador de um território que tornara estrangeiro, cometendo assim um crime de lesa-pátria. Não tendo gostado deste tipo de soluções e tendo inclusivé encontrado algumas dificuldades no Brasil, D. Pedro resolve abdicar da Corôa brasileira e desencadear uma guerra cívil em Portugal com o fim único de se apoderar do Reino. Forma com elementos ligados à maçonaria francesa e outros tantos mercenários estrangeiros um pequeno exército para invadir o continente português a partir dos Açores. Os franceses enviam uma esquadra ao Tejo e capturam grande parte da armada portuguesa aí fundeada. D. Pedro tem a seu lado colaboradores activos e homens experientes como Mouzinho da Silveira e os Duques de Terceira e Saldanha (este neto do Marquês de Pombal), os quais com o auxílio dos maçónicos conseguem desembarcar no Mindelo em 8 de Julho de 1832, e a partir daí desencadear toda a sua estratégia, visando a conquista do poder. Perante a iminência de se vêr derrotado, D. Miguel contrata um General estrangeiro, Bourmont, e passa também a partir de 9 de Julho de 1832 a contar com o apoio da Guarda Real de Policia do Porto e do seu Comandante Tenente-Coronel de cavalaria Gaspar Teixeira mais tarde Visconde da Régua, que viria a ser a primeira força a entrar em combate, incorporada na 4ª. Divisão do exército legitimista do rei D. Miguel, a qual mais tarde viria a ser reforçado pelo Corpo de Voluntários de Chaves e da Guarda Real da Policia de Lisboa, então comandada pelo Brigadeiro Sousa Tavares que tal como a do Porto, era avessa ao avanço das tropas de D.Pedro.

137


História da Policia em Portugal Se no início a guerra civíl assumiu as características de um combate desigual, tendo de um lado da "barreira" um conjunto de exilados liberais, ajudados por franceses e ingleses e do outro a grande maioria do povo, apoiado num exército de cerca de 80.000 homens, com o decorrer do tempo as coisas foram-se alterando!... Os liberais para além de terem do seu lado toda a massa intelectual do país e de muitos oficiais relativamente jovens, ousados e combativos tinham a vantagem de lutar por um ideal novo: Podiam prometer muito, anunciar um regime de liberdade e de prosperidade para todos, comparar um passado de violação de direitos e de corrupção, com um futuro de glória, que tinha como significado principal a instalação de um regime onde todos podiam caber. Estas motivações aliadas à propaganda com que os liberalistas inundaram o país, depressa fizeram com que os pratos da balança se alterassem e a vitória lhes sorrisse, quando em 24 de Julho de 1833 o Duque de Terceira entrou triunfalmente em Lisboa D. Pedro, entra em Portugal passados quatro dias após a vitória de Terceira. De imediato impõe sua filha D. Maria como raínha e D. Miguel é obrigado a refugiar-se em Santarém, onde passado pouco tempo o seu exército se vê confrontado com uma forte epidemia de febre tifóide e de cólera-morbus que dizima um quinto dos seus soldados, pondo fim à pouca esperança de que já dispunha. Como se isto não bastasse, logo no mês de Dezembro, tropas espanholas aliadas de D. Pedro, conquistam novas posições ainda em poder dos Miguelistas e em 23 de Março do ano seguinte o mesmo exército dá a machadada final nos desígnios dos Absolutistas, conquistando-lhes Valença, Chaves, Mirandela, Guarda e mais tarde

138


História da Policia em Portugal todo o reduto Alentejano e o Algarve. A paz viria a ser assinada com a "Convenção de Évora Monte" em 26 de Maio de 1834.

A EXTINÇÃO DA GUARDA REAL DE POLICIA Ao Coronel Sousa Canavarro, nomeado Comandante da Guarda Real de Policia, no ano de 1809, sucedeu D. João da Câmara em 1813. O seu mandato foi relativamente curto e ao fim de três anos, estava já a ser substituído no cargo pelo Coronel José de Lacerda Freire da Costa, que o manteve até 1823. Neste ano, foi também criada a Guarda Real de Policia do Porto, cujo primeiro Comandante, José Leite Berredo, após redigir um minucioso trabalho sobre os serviços de Policia, avançou com várias propostas junto do poder local, destacando-se entre elas e como medida prioritária a necessidade urgente de proceder à iluminação da cidade, como forma de combater o crime que começava a tornar-se preocupante. Entretanto em Lisboa, o Coronel Freire da Costa após um periodo de "governação" algo discreto, deixa a Guarda Real, sucedendo-lhe no cargo Bernardo Doutel de Almeida, Barão de Portela, que se manteve à frente dos destinos deste Corpo de Policia, até 22 de Agosto de 1826, data em que, com mais 20 Oficiais, vários Sargentos e Praças, foi preso, em consequência de uma maquinação politíca, levada a cabo pelos cartistas, que manipulando por completo a comunicação social da época, não olhavam a meios para atingir os fins, na sua luta contra os seus adversários politícos. A este propósito relatava "A Gazeta de Lisboa":

139


História da Policia em Portugal "(...) Uma conspiração louca de um punhado de malvados e intrigantes, já conhecidos pela sua imoralidade, índole perversa (...). Esta traição de nova espécie não podia convir se não a um Corpo que, com muitas excepções, se compõe do refugo de todos os Corpos do Exército e que, atolando na corrupção da capital, se tornou, por isso mesmo, o mais corrompido de todo o Reino". Este texto, totalmente falso e manipulado pelos cartistas, foi o suficiente, para merecer do então Duque de Saldanha, uma nota oficial que entre outros pormenores frisava o seguinte: (...) " Sua Alteza Real (a Infanta Regente D. Maria), em nome de ElRei, novamente manda repetir que o prémio e o castigo devido à lealdade ou à revolta, será repartido sem demora, com mão igual. A mesma sorte, o mesmo desdouro espera todo aquele Corpo, aquele indivíduo, em que tiver mais império a voz do crime e de rebelião, do que a de virtude e de fidelidade que os portugueses tributarão sempre aos seus legítimos soberanos". Esta foi a versão que os liberais tornaram histórica e dela fizeram bandeira, acusando os absolutistas. Verdade ou não, é que em manuscrito da Secção de Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa (In Memórias de Acontecimentos nº.153 págª.106), se dá outra versão sobre o sucedido, que diz o seguinte: "(...) Em 21 de Agosto de 1826 (...) foi extinta a Guarda Real de Policia. (...); tendo sido desarmados violentamente, pelas onze horas, por tropas de Linha, as quatro Companhias de Cavalaria, remetidos os soldados e presos para bordo da Nau S. Sebastião, entre alaridos e vozearias da Brigada Constitucional; os Oficiais para o Castelo. O crime que lhes foi atribuído, para sofrerem este procedimento, foi porque tinham tenção, naquela mesma noite, de

140


História da Policia em Portugal quererem fazer uma contra-revolução (...). (...) e na realidade tudo foi falso, porque os soldados, às onze horas da noite em que os prenderam, foram achados, uns a dormir, outros em jaquetas, sem haver sinal algum de saída dos quartéis (...); os cavalos todos em osso (sem arreios), nas mangedouras (...), enfim, foi tudo mentira, e foi vóz pública que este procedimento foi mandado fazer por João Saldanha, o Ministro da Guerra, que recebeu uns pares de mil cruzados para extinguir a dita Policia". Como resultado de tudo isto, um facto se tornou real: A quase totalidade dos elementos que constituíam a Guarda Real de Policia, foram forçados a abandoná-la, ficando a cidade de Lisboa, praticamente desprovida da segurança pública, a que já habituara os respectivos habitantes. Contra esta atitude se levantou o Marquês de Vagos, que de imediato alertou a Câmara para a irresponsabilidade de tal conduta. Contudo nada havia a fazer, como ficou provado através da resposta dada às suas preocupações, pelo cartista Conde de Linhares, ao responder-lhe, que " existiam ainda 200 homens armados", isto apesar do efectivo da Guarda Real se cifrar na altura em cerca de 2 700 efectivos. Lisboa tornou-se então, a capital menos policiada da Europa, passando a depender apenas dos tais 200 homens armados, a quem Linhares continuava a chamar " Policia". O ratio era então de 1 Policia para 1500 cidadãos e a situação foi-se deteriorando de tal modo, que o governo se viu na obrigação de repensar todo o sistema de segurança.

A GUARDA NACIONAL E A POLICIA PREVENTIVA

141


História da Policia em Portugal No periodo referido, os conflitos eram a todos os níveis mais que evidentes!... Politícamente o país encontrava-se dividido entre cartistas e legitimistas e os elementos que restavam da Guarda Real de Policia, tendiam preferêncialmente para estes últimos. Face às circuntâncias, o governo liberal decidiu então em 22 de Março de 1823, de modo formal, proceder à extinção da Guarda Real e criar uma Guarda Nacional, na qual poderiam apenas ingressar, Oficiais Sargentos e Praças cartistas. Em 23 de Junho do ano seguinte, o governo cria igualmente uma Policia Preventiva, em plena contradição ao lema da revolução "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" que os liberais tanto apregoavam. A esta Policia foram dadas ordens expressas, para escutar as conversas do Povo, identificando mesmo todos os indivíduos " (...) que desvairam a opinião do vulgo", bem como averiguar (...) se há sintomas de comunhões civis, meditadas, ou excitadas por indivíduos de espírito tumultuoso e dados a desordens, (...) ou por descontentes de não serem contemplados pelo governo e postos em lugar de representação ou de pingues rendimentos". Esta Policia tinha ainda como funções, indagar o que pensavam na administração da justiça, os Magistrados, os Tribunais, o Clero, a Força Armada, ter a devida atenção à conduta de todos cidadãos em geral e sem distinção, bem como participar tudo quanto ocorresse diariamente e tivessem conhecimento, nos regimentos, conventos, lojas, tabernas, botequins, hospedarias e nas repartições públicas.

EXTINÇÃO DA INTENDÊNCIA-GERAL DA POLICIA

142


História da Policia em Portugal Nesta altura, a situação quer politíca, quer social começa a degradar-se progressivamente, chegando a atingir o caos quase total!...A pobreza alastrava de tal forma, que só na cidade de Lisboa e no periodo compreendido entre 2 e 20 de Agosto, a "Associação Sopa Económica" se viu na necessidade de distribuír 843.239 "rações", aos necessitados, números que representavam uma média diária de 4.217, para uma população de cerca de 300.000 habitantes. A Intendência-Geral da Policia não tendo já capacidade nem competência para se debruçar sobre estes problemas de protecção aos desprotegidos, como fizera no passado, já que tal função cabia agora às instituições de benemerência, não deixa contudo de chamar a atenção para a situação. O Intendente-Geral Filipe de Araújo e Castro, através de ofício dirigido à regência do Reino, alerta o Governo para a situação caótica que se vivia, chamando a especial atenção para " a multidão de rapazes que vagueavam pelos lugares públicos desta capital, com escândalo da Policia e civilização". Pese embora esta chamada de atenção, as coisas não mudaram e para além do alastramento da fome e da miséria, dos roubos e da prostituição, a corrupção começou igualmente a germinar, criando vários focos de tenção entre os próprios liberais, que não se entendiam na forma de a combater. Em 1826, o Intendente-Geral da policia, Simão de Lima e Castro, "(...) não concordando com o que a maioria dos seus antecessores faziam na Intendência, em matéria politíca, deixou adormecer, nas gavetas da sua secretária, muitos processos motivados pela vil denúncia, o que fez acirrar os ânimos (...)". Sempre que um cartista era acusado de fraude, contrabando, posse ilegitíma de armas etc., o processo era "congelado", porque Lima e

143


História da Policia em Portugal Castro entendia que tais acusações eram vis calúnias dos legitimistas. Face à contestação gerada à sua "politíca", foi substituído no cargo por Correia de Lacerda, que alterou por completo o rumo dos acontecimentos, chegando inclusivé a ordenar a prisão do seu antecessor, o qual uma vez julgado à revelia, foi condenado e " privado de todas as honras, previlégios e dignidades de que gosava neste Reino, do qual o haviam desnaturalizado; condenado com baraço e pregão e conduzido pelas ruas do Porto, até à Praça Nova, e morresse num alto cadafalso, a garrote; depois, ser-lhe-ía decepada a cabeça que seria espetada em alto poste, na estrada de Matosinhos, onde estaria até que o tempo o consumísse". Porém conseguiu livrar-se de tal pena, dado nunca ter sido capturado!... A Correia de Lacerda sucedeu Arriaga Brun da Silveira, que se manteve apenas quatro meses no cargo, sendo substituído a 24 de Julho de 1833, por António Maria de Sousa Azevedo. Este logo que tomou posse, ordenou a todos os responsáveis pela segurança pública, que procurassem todo o armamento que se conhecesse em mãos ilegais. A devassa às habitações foi implacável e a breve trecho as prisões ficaram superlotadas, criando-se então um clima de verdadeira rebelião. Face a tal e dada a incapacidade da Guarda Real responder às exigências, o Duque de Terceira cria então uma Policia Nacional, (Militar) determinando que o Governador Militar de Lisboa, Brigadeiro Francisco da Gama Lobo Botelho, fosse nomeado Chefe Superior da nova Corporação "(...) e como tal, encarregado de auxiliar, com a Força Armada, as Autoridades". Mas nem com a adopção destas medidas a situação amainou! O Castelo de São Jorge transformou-se em Cadeia Militar, o Aljube

144


História da Policia em Portugal passa exclusivamente a ser destinado a presos politícos e o cargo de Intendente-Geral da Policia e do Reino, é extinto em 8 de Novembro de 1833, passando todos os serviços de Policia a estar a cargo, do Perfeito de Província (Governadores Civis a partir de 18 de Julho de 1835), o qual se tornava assim no Chefe Supremo da segurança pública.

. . .

CAPÍTULO VII A GUARDA MUNICIPAL E A 145


História da Policia em Portugal

POLICIA CÍVICA

Com a extinção da Guarda Real de Policia e a fugaz existência da Guarda Nacional, os crimes aumentaram assustadoramente!... A população vivia alarmada e sentindo no seu dia a dia uma permanente insegurança. Face a tal conjuntura, é criada em 1 de Julho de 1834, uma nova força policial "A Guarda Municipal", da qual foi seu primeiro Comandante o Brigadeiro Francisco Paula de Oliveira. Contudo, esta Policia não viria a ter vida fácil. A conturbada vida politica que se viveu durante décadas, aliada à faculdade que o rei tinha de dissolver a Câmara de Deputados, sempre que o Governo o julgasse conveniente, assim o determinava. Para se ter uma ideia da instabilidade politíca e social que se vivia, basta dizer que do ano de 1834, data da criação da Policia Municipal, até 1851 se realizaram dez actos eleitorais, isto sem contar com eleições suplementares e de 1852 a 1885, por mais dezassete vezes o Povo teve de ir a votos. Com as naturais consequências, as eleições tornaram-se assim em algo de corriqueiro na vida politíca do país, tanto mais, que havia ainda que contar com as eleições paroquiais e as eleições municipais igualmente frequentes. Estes factos, contribuíram de

146


História da Policia em Portugal sobremaneira, para que a coesão, a disciplina e a própria operacionalidade da Guarda Municipal, fossem seriamente afectadas, tanto mais, que estando na dependência directa dos politicos, se viam constantemente na obrigatoriedade de proceder a múltiplas formas de organização e de intervenção.

A ORGANIZAÇÃO "PARTIDÁRIA" NA ÉPOCA Afinal de contas, como funcionava então o sistema partidário: Antes da década de 1860, apenas existiam correntes de opinião, grupos ideológicos, forças politícas ou o que quer que lhe possamos chamar, mas nunca Partidos Politícos no verdadeiro sentido do termo. Frequentemente defrontavam-se desprovidos de qualquer nomenclatura, utilizando apenas os nomes especifícos de "Governo" e "Oposição". Até 1834, as duas principais forças, foram os Absolutistas que defendiam a monarquia tradicional e os Liberais, que lutavam pela Constituição. Deve dizer-se no entanto, que no interior destas duas forças se distinguiam ainda várias tendências, sobretudo entre os liberais, onde os democratas, por vezes chamados vintistas (por alegadamente se intitularem fiéis ao espirito da revolução de 1820), se opunham aos conservadores ou cartistas, que continuavam fiéis à Carta Constitucional e aos burgueses ou grupo do centro, que defendia o meio termo entre democratas e conservadores. Estas três tendências, dentro da ideologia liberal, compuseram o Parlamento até 1840, embora com rótulos variados e algumas coligações. É de salientar no entanto, que as quezílias eram constantes e por volta de 1838, surgiu uma nova tendência, mais ligada à direita, que se viria a denominar como "Partido Ordeiro",

147


História da Policia em Portugal vindo a conquistar o poder na década de 1840, impondo uma ditadura sob a égide do ministro Costa Cabral, após ter lançado uma forte campanha de oposição ao Governo, para a qual contou com a exaltação das massas populares, que antecipadamente havia preparado e a colaboração ainda que de forma camuflada da Policia Municipal, que fazia vista grossa, a muitos desmandos cometidos durante manifestações contrárias à politíca do Governo. Em oposição a este "Cabralismo" (Partido Cartista Ortodoxo) todas as outras forças se reuniram numa coligação "Progressista", que inclusivé veio a pegar em armas, organizando duas rebeliões, a primeira em 1846 e a segunda em 1851. A estas rebeliões (conhecidas pela Patuleia), se veio a chamar "A Regeneração", bandeira sobre a qual se pretendia regenerar o país. Foi deste grupo que emergiu o primeiro partido politíco organizado, sempre fiel à mesma bandeira e ao mesmo nome e persistindo como o mais forte e o mais qualificado de todos os agrupamentos politícos até ao começo do século XX. O Partido Cartista, subsistiu como oposição, para lá da queda de Costa Cabral, embora cada vez mais esvasiado de conteúdo, em boa parte devido ao facto de muitos dos seus lemas terem sido adoptados pelos regeneradores, os quais, utilizando estratégias desprovidas da violência ditatorial que caracterizou os Cabralistas, íam conseguindo impôr as suas ideias e os seus métodos. Os regeneradores, ainda com muitas variantes de tendência pelo meio, conseguiram manter-se no Governo entre 1851 e 1859. Após este último ano, coligaram-se com os Cartistas em diversos ministérios e entre os anos de 1865 e 1868, tentaram inclusivé efectuar a fusão das duas forças, facto que pese embora tenha sido consumado, foi de pouca duração.

148


História da Policia em Portugal No início de 1870, o leque partidário ampliou-se: Se por um lado, os Cartistas deixaram de existir, pelo outro, novas formações politícas começaram a surgir. Entre elas aparecem os Partidos Repúblicano e Socialista, o primeiro dos quais com um forte poder de atracção das massas populares, designadamente nas grandes cidades. A INSTABILIDADE SOCIAL Com a tomada do poder pelos Liberais/Democratas em 1834, estava assim em marcha o Setembrismo, ou seja a politíca resultante da revolução de Setembro, que rapidamente evoluíu para um compromisso de governo Centro-Esquerda, primeiro sob a direcção do moderado Visconde de Sá da Bandeira e mais tarde tutelado por Passos Manuel, homem mais virado à esquerda radical. Logo que se verifica a mudança do governo, o primeiro Comandante da Policia Municipal, é imediatamente substituído após permanecer onze meses no cargo, pelo Coronel Luis de Moura Furtado, que no lugar se manteve apenas durante 26 dias, para logo ser substituído pelo Tenente-Coronel Francisco Xavier António Ferreira, que se manteve à frente dos destinos da Policia durante 17 meses. A revolução "Setembrista" continuava em marcha, tratandose sobretudo de uma reacção da burguesia industrial urbana, aliada à classe média de comerciantes, as quais mereceram o apoio incondicional das classes inferiores, até aí martirizadas pela prepotência dos grandes proprietários rurais e da alta burguesia. Contudo, depressa se tornou evidente, que os "revolucionários" não dispunham da força indispensável, para levar por diante o seu programa de governo, tanto mais que, embora os 149


História da Policia em Portugal seus interesses estivessem voltados para as áreas urbanas, contradiziam-se internamente, opondo os ricos industriais, aos pequenos comerciantes. O governo de Passos Manuel caracterizouse por várias medidas importantes e "revolucionárias", mas não conseguiu durar mais que oito meses. Uma coisa é certa, se até aí a criminalidade se acentuava cada vez mais, com a instabilidade politíca que se gerou, as coisas ficaram muito piores!... O país encontrava-se assolado pelo banditismo, grupos de marginais infestavam as estradas e assaltavam as propriedades urbanas e rurais, o Pinhal da Azambuja nos arredores de Santarém, tornou-se nesta época um dos grandes covis da marginalidade, facto que levou o então Comandante da Guarda Municipal Major António César de Vasconcelos, que havia sucedido ao Tenente-Coronel Francisco Ferreira, a ordenar várias operações àquele local, chegando a travar-se em muitas delas, autênticas batalhas campais, entre Policias e ladrões, facto que levou a que dezenas de delinquentes recolhessem às prisões. Nesta altura, surgem igualmente altos cadastrados e as primeiras quadrilhas organizadas, sendo de salientar uma quantidade enorme de roubos, levados a cabo por um tal conhecido assassino Diogo Alves, que na altura e em muitas das suas "operações" se servia de uma passagem aberta para transeuntes, no alto do arcos do Aqueduto das Águas Livres em Lisboa, para aí assaltar as suas vitímas e posteriormente as lançar, para o descampado sob o mesmo existente. Este perigoso marginal, bem como toda a sua quadrilha, onde despontavam Manuel Joaquim da Silva e António Palhares, acabariam por ser executados em Fevereiro dos anos de 1840 e 1841 respectivamente, em consequência de sentenças proferidas pelo

150


História da Policia em Portugal Tribunal de Relação de Lisboa, face aos vários crimes pelos mesmos cometidos, designadamente, roubos e homicidios. Para se ter uma ideia das dificuldades que a Policia enfrentava, é de referir ainda, um caso que então empolgou a opinião pública da capital: Após denúncia motivada por gritos de socorro, elementos da Guarda Municipal, deslocaram-se a uma residência da Rua de São Paulo, em Lisboa. Aí depararam com a respectiva locatária, Adelaide Pereira da Costa, seus filhos Júlia e Emilio da Costa e também uma empregada, completamente mergulhados num banho de sangue e sem darem sinais de vida. O assassino, Francisco de Matos Lobo, foi pouco tempo depois preso e interrogado durante 14 horas no local do crime, acabando por confessar o feito. Passados que foram alguns meses, a 15 de Abril de 1842, foi julgado e condenado à morte. Segundo rezam as crónicas, apurou-se mais tarde, que o referido indivíduo era familiar das vitímas e cartista convicto e que o móbil do crime teve a ver com razões de natureza politíca. Pese embora tenha tido poderosos e dedicados protectores, estes de nada lhe valeram e a sua permanência na cadeia pública foi apenas de 8 meses. Diz-se, que para que tal tivesse acontecido, muito contribuíu o então Comandante da Guarda Municipal, D. Carlos de Mascarenhas, que numa altura em que a politíca se sobrepunha a tudo e a todos, inviabilizou toda e qualquer tentativa, de branqueamento do crime, inclusivé das diversas tentativas do então Prior de Marvão, acérrimo partidário de D.Pedro, que tudo fez para salvar a vida ao bandido. Como corolário deste estado de coisas, a segurança das pessoas e bens mantinha-se péssima e face à desordem politíca e social, o Povo começava a clamar pelo restabelecimento da páz

151


História da Policia em Portugal pública. Esta agitação social, veio contribuir para a situação se agravasse ainda mais, facto que levou a que por decreto de 22 de Fevereiro de 1838 e para auxílio das forças da ordem, fossem criados corpos militares, para manter a segurança pública nos diversos distritos espalhados pelo país. O referido decreto, baptizava cada um desses corpos militares, com o nome de Corpos Municipais de Segurança Pública. Pese embora este esforço dos governantes de então, a tentativa de colocar um ponto final no clima de insegurança que existia, não resultou, havendo por via de tal, a necessidade de procurar novas soluções, sendo então criados em 1840, Corpos Nacionais de Policia, os quais se revelaram ineficazes e tal como os Corpos Municipais vieram a ter uma curta duração, vindo inclusivé a ser extintos por decreto de 12 de Junho de 1842. Desde então, a reforma da organização administrativa, passou a estabelecer uma Junta Paroquial em cada freguesia, prevendo a existência de um Regedor (só extinto em 1977) e de Cabos de Policia. O regedor, funcionava como magistrado administrativo-policial da freguesia e era coadjuvado no exercício das suas funções, pelos Cabos de Policia e os chamados Cabos da Ordem, que eram nomeados sob proposta do Regedor. Ao Cabo de Policia e ao Cabo da Ordem, competia tanto assegurar a tranquilidade pública em cada freguesia, como coadjuvar as autoridades policiais e judiciais, bem como proceder à detenção dos delinquentes em flagrante delito, apresentando-os no mais curto espaço de tempo possível, às entidades policiais. Esta metodologia policial, viria a funcionar na sua plenitude até 2 de Julho de 1867, data em que por decreto, o rei D. Luis I criou o 1º. Corpo de Policia Civil, (antepassada da Policia de

152


História da Policia em Portugal Segurança Pública) fundamentalmente destinada ao policiamento das cidades com maior densidade populacional, motivando substanciais alterações no sistema policial que então vigorava. Não se pense contudo, que os tempos que mediaram esta transformação foram pacifícos, nada disso: Já com os Regeneradores no poder, a Guarda Municipal defrontou-se com um grave problema de marginalidade, como consequência da existência de grande número de indivíduos, que se haviam concentrado nas grandes cidades, particularmente em Lisboa, sem nada fazerem. Os sucessivos governos, para angariarem simpatizantes e militantes para os partidos que lhe serviam de suporte, no claro intuito de angariação de votos, "distribuíam", quer por cartistas, quer por setembristas, empregos públicos sem qualquer critério, sendo os salários inerentes a esses mesmos empregos, suportados pelo povo trabalhador, mediante o crescente e esmagador fluxo de impostos, o que como é lógico provocava, não só a redução real dos próprios salários, como também o aumento do custo de vida. Rezam as crónicas, que muitos desses funcionários, nem conseguiam lugar nas respectivas repartições públicas, dedicando-se então a uma ociosidade, que muitas vezes descampava em sérios conflitos, principalmente em zonas onde proliferava a prostituição, a qual era fundamentalmente "alimentada", pelos famigerados ociosos funcionários, que, libertos da alçada da justiça, se dedicavam ao jogo, à frequência de bordéis e até ao roubo, para satisfação de todos os vícios resultantes da ociosidade em que mergulhavam. Àcerca da depredação das finanças do país, vale a pena citar O Jornal do Comércio, na sua edição de Novembro de 1865, o qual dizia o seguinte: "Não podemos crer que seja ainda possível atreverse qualquer ministério a pedir dinheiro ao povo, antes de mostrar

153


História da Policia em Portugal que cortou por todas as despesas luxuosas e improdutivas (...). Enquanto tivermos no orçamento Generais para um exército de 500.000 homens, quando o nosso não passa de 15.000, nem vintém. Se não se acabar com a emprego-mania, reduzindo-se o pessoal do funcionalismo às condições reclamadas pelas necessidades de serviço e pela pobreza do Tesouro, nem vintém. Enquanto estiverem as secretarias atulhadas de empregados e o Chiado de madraços, com fatia no Orçamento, tratando do bem-estar das próprias barrigas, em nome da salvação do País, nem vintém. Enquanto a foice económica dos senhores ministros não cortar por todas as despesas improdutivas e luxuosas, nem vintém. Enquanto se não souber quem são os devedores do Tesouro, quanto devem e porque meios pode ou entende o governo que há-de pagar, nem vintém. Enquanto pagamos a funcionários que só aparecem para receberem a papança, arrancada ao suor dos que trabalham para os engordar, nem vintém"... Tal estado de coisas, levou a que pelo país se desencadeassem vários tumultos, havendo a salientar os ocorridos em Lisboa e Braga (este conhecido pela Janeirinha), os quais foram duramente reprimidos pela Guarda Municipal e pelo exército. Face à situação em que mergulhava o país e à própria agitação social, os politícos de então tudo tentaram para normalizar as coisas, tendo José Estevão, então deputado e Grão-Mestre da Maçonaria, desempenhado um papel importantíssimo no parlamento, propondo um conjunto de medidas, tendo em vista não só a estabilidade politíca e social, como também e através das mesmas, dar cobertura à politíca de Joaquim António de Aguiar, seu compartidário e chefe do governo.

154


História da Policia em Portugal

ASSOCIAÇÕES SECRETAS E RELIGIOSAS As sociedades secretas e semi-secretas e as Associações religiosas, proporcionaram nesta altura o enquadramento para muita actividade politíca. De entre elas, a Maçonaria era sem sombra de dúvida, a mais importante dessas sociedades. A sua acção e o número dos seus filiados aumentaram durante todo o século XIX, tornando-se repúblicana toda a sua orientação prática e politíca. Ser maçon era na altura uma moda em permanente ascensão, dizendo-se mesmo que este "título", não significava necessariamente ser revolucionário em potência. Outra das sociedades secretas da época, foi a Carbonária, organização muito ligada às massas populares e também muito activa nos seus propósitos politicos e sociais. Entre as associações religiosas, que incluíam pelo menos para alguns dos seus membros, cláusulas semi-secretas da defesa de Deus, da fé católica inalterável, das instituições, contra a "subversão" liberal, repúblicana ou socialista, há a salientar entre outras o Ordem Terceira da Companhia de Jesus e as Irmãs da Caridade. Esta última organização, pese embora os motivos pouco claros com que operava em Portugal, teve grande importância nesta época. Tal ficou a dever-se ao facto de ter dado uma enorme ajuda no "combate" a outro dos grandes problemas, para além da já citada agitação social que reinava, que foi o aparecimento de várias doenças, que inclusivé levaram à morte o próprio rei D. Pedro V, sua mulher e grande número de homens, mulheres e crianças. Contudo foi sol de pouca dura e a partir de 1860, José Estevão, começa no Parlamento a desenvolver uma campanha contra aquela organização religiosa. Se bem o pensou, melhor o fez e em 21

155


História da Policia em Portugal de Junho do mesmo ano, apresentou uma proposta que levou à extinção dessa instituição, argumentando para o efeito e segundo o jornal "Diário" de 24 de Julho de 1861, o seguinte: "O que eu pergunto aos senhores ministros, é se julgam as Irmãs de Caridade uma instituição necessária, aceitável, sem perigos para a organização do Estado (...). As ordens religiosas não servem para nada, estão caducas, não as queremos (...). Sou inimigo das Irmãs da Caridade, porque as considero como um ataque ao princípio da familia e a caridade atribuída a uma certa instituição, com o piedoso fim de educar as crianças e tratar dos enfermos, nos diferentes países da terra, é uma milicia ostentosa, feita em nome de Deus". Este inflamado discurso, levou a que o assunto fosse discutido durante duas sessões plenárias, findas as quais se procedeu à votação, tendo a proposta de José Estevão sido aprovada, com 87 votos a favor e 67 contra. Independentemente das razões desta atitude, o que é certo, é que após a saída efectiva e de forma progressiva do país, das Irmãs da Caridade, que somente se veio a concluir em Junho de 1867, a situação motivada pelo alastrar de diversas doenças que proliferavam na época se agravou consideravelmente. Para a produção de tais efeitos, muito contribuíu também o facto, de a prória Casa Pia de Lisboa, que funcionava como instituição de solidariedade social, se encontrar sobrelotada, não podendo por conseguinte albergar todos aqueles que necessitavam de ajuda. As constantes epidemias de febre amarela, febre tifóide, cólera-morbus e de difteria (de que morrera a raínha), continuavam a alastrar de forma assustadora e o número de mortos não parava de baixar. Os hospitais com a expulsão das ordens religiosas, que detinham a quase totalidade do pessoal de enfermagem ficaram sem

156


História da Policia em Portugal pessoal qualificado e os cuidados a ter com os doentes internados, por mais ninguém podia ser prestado. A juntar a tudo isto, a Guarda Municipal com efectivos bastante reduzidos não podia multiplicar-se nas diversas missões que lhes estavam conferidas, incluíndo a defesa da própria saúde pública, designadamente no que dizia respeito ao isolamento de casas de família afectadas e na trasladação dos mortos. A criminalidade aterrorizava a população, os postos escolares de ensino "obrigatório" , instituídos pela raínha D. Maria II, que havia subido ao trono e que funcionavam como propaganda politíca Cartista, não acolhiam mais que três por cento da população infantil e juvenil do país, estavamos enfim no caos quase total...

AS AMNISTIAS E A POLICIA CÍVICA Para a libertação de muitos, do elevado número de presos, designadamente por cometimento de crimes de delito comum, mas que militavam nos Partidos que alternadamente disputavam o poder, os sucessivos governos mal eram empossados, utilizavam o processo das amnistias gerais. Ora como as diversas "forças" politicas alternavam no poder, acontecia pura e simplesmente que os perdões se repetiam assiduamente, isto é: Os presos revezavam-se nas cadeias, conforme a sua côr politíca. Eram tais os favores, que o deputado Pires de Lima, em discurso no Parlamento chegou a denunciar, ter sido "um sapateiro nomeado Director da Alfândega" . Quer os profissionais da Guarda Municipal, quer os Juízes se sentiam traídos com este estado de coisas. As penas não eram

157


História da Policia em Portugal cumpridas e os malfeitores chegavam a ameaçar uns e outros com represálias de toda a ordem. Nesta altura, como a perseguição politíca era norma, as autoridades, quer policiais, quer judiciais, estavam atemorizadas, não sendo inclusivé poupados à calúnia e às falsas acusações. A Guarda Municipal, chegou inclusivé a servir de "chacota" a várias publicações, de que é exemplo uma, publicada em 1865, na cidade do Porto no jornal "O Demócrato", a qual ridicularizava em sucessivos artigos, os agentes de autoridade, alcunhando-os de "coitados" e "desgraçados", como na altura era uso chamar às prostitutas, que vagueavam de noite pelas ruas da cidade. Este ataque jornalistíco, ilustrado com diversas caricaturas, acabou por se tornar benéfico para a Guarda Municipal, visto o sucedido, ter chamado a atenção para a necessidade de serem encontradas alternativas, tendo em vista não só um novo conceito de policiamento urbano, como também para o facto do pessoal da Guarda ver melhoradas as condições em que operavam os seus profissionais, designadamente no que dizia respeito ao aumento de efectivos e à melhoria dos seus salários. Face a tal situação e como resultado de um projecto sobre segurança pública, elaborado pelo então Secretário de Estado da Justiça, José da Silva Carvalho, o rei D. Luis I cria a 2 de Julho de 1867 uma Policia Civíl, a qual baptizou com o nome de "Corpo de Policia Cívica", passando a operar na cidade de Lisboa e dependendo apenas da justiça do Reino. Esta Policia, que como já se disse veio dar origem à Policia de Segurança Pública, teve como primeiro responsável, o Coronel D. Diogo de Sousa e depressa passou a ser vista com outros olhos, mais que não fosse pelo facto de depender da própria realeza.

158


História da Policia em Portugal Contudo D. Diogo de Sousa permaneceu pouco tempo à frente dos destinos desta Policia, tendo sido substituído no cargo em 1869, pelo Coronel Luis Waddington, filho de outro Coronel com o mesmo nome, que em 1808 viera para Portugal acompanhando o General Beresford, onde se veio a radicar e a casar com uma descendente do Prior do Crato. Este Comissário-Geral, para além do respeito de que desfrutava, junto não só da população em geral, como também entre os seus subordinados, era tido como um homem de bem e como tendo cometido proezas de singular denodo, apontando-se-lhe mesmo o facto de por várias vezes e de noite, ter entrado no Bairro da Mouraria, na altura infestado de marginais, procurando localizar os fora da lei, facto que nenhum outro Oficial ou Guarda se predispunha a levar a cabo. Se com a constituição desta força policial, as coisas melhoraram substancialmente em Lisboa, no resto do país pouco ou nada se tinha alterado. No periodo compreendido entre 1871 e 1875, com a luta politíca cada vez mais acesa e a constante alternância de Partidos no poder, a instabilidade politíca e social atingiu tal grau que nem a própria Guarda Municipal dela se livrou. De tal modo isso se verificava, que uma noite no Teatro de São João, no Porto, o Comandante-Geral, General João Pedro Schwalback, foi agredido no próprio "Comando" por um Guarda, o qual e pese embora a sua atitude, nunca viria a ser punido, o que por si só nos dá a ideia do conceito de disciplina que existia neste periodo da nossa história. No final da década de 70, a situação agravou-se ainda mais, a criminalidade aumentou substancialmente e então já nem a capital escapava aos designíos dos malfeitores. Já com o Coronel Waddington no comando da Policia Civíca, foram incendiados em

159


História da Policia em Portugal Lisboa, o Palácio do Tesouro Velho, o Colégio dos Nobres, o Palácio de S. Domingos, a Câmara dos Deputados,o Banco de Portugal e dois prédios algures distanciados da Rua da Madalena, em Lisboa, onde moravam algumas figuras parlamentares. Com este tipo de acções, o objectivo principal era dar corpo a uma nova forma de luta revolucionária, factos que demonstrando a luta do povo, a nada conduziam em seu benefício. Numa cidade sem água canalizada, o fogo constituía uma calamidade. A Câmara Municipal já se havia debruçado sobre esta matéria, chegando à conclusão de que seria necessário um dia, restaurar o serviço de combate aos incêndios, no entanto e pese embora um regulamento de 1840, que apontava nesse sentido, tal nunca se veio a verificar e a cidade de Lisboa, achava-se praticamente sem Bombeiros, nem equipamentos adequados para combate aos fogos. Só em 1901, se viria a organizar um serviço de Bombeiros na verdadeira acepção da palavra. Até esta data, quando o fumo dava o alerta para o desastre, cabia à Guarda Municipal dar a necessária resposta. Entretanto e a partir de 1881, e tendo em conta as boas prestações conseguidas na capital, a Policia Cívica passa igualmente a desenvolver a sua actividade na cidade do Porto, tendo como primeiro Comissário-Geral e no periodo compreendido entre 1882 e 1889, Adriano Acácio de Morais Carvalho, o qual e após a morte do rei D. Luis, neste último ano, foi substituído no cargo por Francisco Pereira de Magalhães, o qual aí se manteve até ser exonerado em 24 de Março de 1909. A D. Luis, sucede no trono seu filho D. Carlos, que dá continuidade à politíca de segurança que havia sido preconizada por seu pai. Considerado por muitos como um homem estudioso, culto e

160


História da Policia em Portugal um perfeito conhecedor da politíca nacional e internacional, veio contudo a ter uma vida efémera!... Em 2 de Fevereiro de 1908, conjuntamente com seu filho mais velho, D. Luis Filipe, que na altura tinha 20 anos de idade, é assassinado a tiro, quando ambos passavam em carro descoberto e sem escolta, no Terreiro do Paço, em Lisboa. Este atentado, segundo o Cardeal José Maria Caro, arcebispo de Santiago e primaz do Chile, terá sido levado a cabo por elementos ligados à Maçonaria, tanto mais que o Grão-Mestre desta organização na época, Sebastião Magalhães de Lima, havia afirmado em Paris, no ano de 1907, o assassinato para breve, quer do rei, quer de ambos os princípes herdeiros. No Comissariado-Geral da Policia Cívica, de Lisboa o Major José António de Morais, que havia substituído o Coronel Morais Sarmento à frente dos destinos desta força policial, procede à reestruturação dos serviços da Policia e vai manter-se no cargo, até à implantação da República, momento a partir do qual foi exonerado, em conjunto com muitos dos seus Oficiais, permanecendo apenas na hierárquia de Comando da Policia, os Capitães Jacinto França e João Carlos Craveiro Lopes, que aderiram à causa republicana.

161


História da Policia em Portugal

. . .

CAPÍTULO VIII A ABOLIÇÃO DA PENA DE MORTE

162


História da Policia em Portugal

OS ÚLTIMOS ENFORCADOS EM PORTUGAL Pese embora em muitos sectores da sociedade da época, se tenham desenvolvido protestos, tendo em vista a abolição da pena de morte, esta só veio a ser efectivamente consumada, para crimes de natureza comum, por lei de 1 de Julho de 1867, ano em que reinava D. Luis I. Para crimes politícos a pena de morte tinha sido já abolida, no ano de 1852. Segundo alguns historiadores, o último enforcamento realizado em Portugal, terá ocorrido em 15 de Abril de 1842, tendo sido vitima do mesmo, o alto cadastrado Francisco de Matos Lobo, por quádruplo homicidio na Rua de São Paulo em Lisboa . Contudo tal não é verdade: Em carta datada de 18 de Setembro do ano de 1844 e dirigida à revista Universal Lisbonense, de que era correspondente assíduo, o padre José Adão dos Santos Álvares, abade de São Vicente da Chã, do concelho de Montalegre, dá noticia do enforcamento nesta vila de Barroso em Trás-os-Montes, do

163


História da Policia em Portugal enforcamento de José Fernandes Begueiro, concluindo a sua noticia, para aquele periódico de Lisboa, dizendo: " Concluímos fazendo votos para que esta execução seja a única, com que os presentes, lá para o futuro, comovam seus netos narrando-a nos serões das longas noites dos gelados invernos de Barroso". Em boa verdade, assim terá sido durante muitos anos. Porém e passado que foi mais de século e meio após este trágico acontecimento, poucas referências existem sobre o mesmo e as que restam, pouco ou nada dizem. Segundo Pinho Leal, o enforcamento de Montalegre, terá sido o antepenúltimo ocorrido em Portugal. O penúltimo terá ocorrido em 8 de Maio de 1845, no lugar de Vila de Rua, do concelho de Sernancelhe, do qual terá sido vítima, o conhecido assassino e salteador Manuel Pires, também conhecido pelo Pires da Rua. Ainda e segundo o autor já referido, o último enforcado terá sido um tal José Maria, mais conhecido pelo "Calças", o qual foi "justiçado" em 19 de Setembro do ano de 1845, no Campo do Tabulado, na cidade de Chaves, isto é, um ano e dois dias depois da morte de ´"Zé Begueiro". De referir ainda, que dez dias antes do enforcamento de Montalegre, mais concretamente em 7 de Setembro de 1844, foi supliciado na Cordoaria do Porto, Manuel Moutinho Pereira, conhecido por "Manuel Custódio", que na altura tinha 24 anos e havia sido condenado à forca por ter assassinado dois homens e uma mulher, sendo curioso notar, que a Portaria que comunicava ao Tribunal de Relação do Porto, que sua Majestade o Rei, não usara de clemência, é datada do mesmo dia, da que se referia a José Fernandes Begueiro, isto é de 28 de Agosto de 1844.

164


História da Policia em Portugal Supõe-se por isso, que as execuções teriam sido simultâneas, se as respectivas sentenças, as não tivessem marcado para lugares diferentes, facto que justifica, que "Begueiro" tenha vivido mais dez dias, isto é, os necessários para efectuar a viagem do Porto a Montalegre. Por razões óbvias, debruçar-me-ei sobre a estória do último enforcado nesta vila Barrosã, a qual concerteza não será muito diferente de outras estórias ocorridas, noutros pontos do país. Nesta época e como já foi afirmado, havia já em certos sectores de opinião, um forte movimento contra a pena de morte. A revista Universal Lisbonense, sobre este assunto, dizia o seguinte: ... " Deixemos a difícil questão da justiça e da conveniência da pena de morte: enquanto ela existir e se aplicar covém dar a tais actos a maior solenidade e publicidade. Se um dos fins, e o principal fim de uma execução patibular é o exemplo, e o saudável terror dos que a presenciam, releva que a toda a parte do povo, que por seus olhos a não pode ver, entre ela ao menos pelos ouvidos. É por isso que por mais de uma vez, havemos descrito comtoda a possível miudeza e com toda a verdade de circunstâncias o julgamento e o suplício dos grandes facínoras".

A BIOGRAFIA DO CONDENADO Codeçoso da Venda Nova, é uma aldeia do concelho de Montalegre, povoação antiquíssima, onde chegou a funcionar um presídio militar no tempo dos Romanos. Alguns autores da antiguidade, chegaram inclusivé a chamar-lhe cidade e ficava situada na via militar romana, que de Braga por Chaves seguia para Astorga. Segundo o itinerário de Antonino Pio, ficava entre Salácia (talvez o

165


História da Policia em Portugal local onde hoje se situa Salamonde) e Caladuno (hoje Santa Maria de Gralhas). No século passado, a vida desta pacata aldeia transmontana, nada tinha a ver, com os áusteros tempos do passado longínquo. Codeçoso não passava de uma pequena povoação pobre, como tantas outras de Barroso. Na época, os crimes, sobretudo os roubos eram frequentes, muitas vezes praticados por necessidade e acima de tudo por falta de assistência moral e educação das pessoas mais pobres e miseráveis. As invasões francesas primeiro e a guerra cívil entre Miguelistas e Liberais mais tarde, vieram ainda criar mais miséria e ódio. Nesta altura, abundavam igualmenteos filhos naturais dos lavradores mais abastados, os quais quase na totalidade dos casos, eram lançados num abandono completo, que os traumatizava, tornando-os não só odiosos, como até revoltados. Foi neste ambiente, que em 1815 nasceu José Fernandes Begueiro, filho natural da viúva, Senhorinha Fernandes Begueiro, que vivia num pobre casebre conjuntamente com seu filho e uma sua irmã. Tudo indica, que a miséria em que viviam era aterradora. Foi talvez este ambiente de fome e pobreza moral, que o levou às paixões, vícios e crimes, quando ainda jovem, fazendo dele um criminoso, em vez de um cidadão pacato. Sobre a sua conduta enquanto rapaz, escreveu o padre, José Adão dos Santos Álvares, pároco da aldeia ao tempo: ... "Em todo o tempo do oratório e execução mostrou bons sentimentos e felizes lembranças, sobretudo uma grande humildade e santidade. Pode ser que, se a educação cultivasse aquela índole houvesse sido um homem virtuoso e um excelente cidadão".

166


História da Policia em Portugal Mas infelizmente e por culpa duma sociedade inculta, imoral e pobre, tal não aconteceu e assim ainda pequeno, se associou a marginais, assassinos e ladrões, tornando-se autor de muitos e variados crimes e homem muito temido e mal amado, naquela região transmontana. Em Abril de 1838, ofereceu-se como homem de bem, para companhar e indicar um caminho a uma mulher, Inácia Joaquina e a um rapaz, Francisco Baptista que vindos da cidade de Braga, passavam pela localidade. Enganou-os e desviou-os dos caminhos certos, para veredas recônditas e matagosas, com o fim único de os roubar e assassinar. Se assim o pensou, melhor o fez!... Num sítio ermo e matagoso assassinou-os barbaramente, vindo a ser encontrados muito mais tarde já putrefactos. Begueiro tinha nessa altura 22 anos de idade. Um chapéu velho a ele pertencente, encontrado junto dos cadáveres, o ter sido visto nos finais de Abril, com um capote que foi reconhecido como pertencente a uma das suas vítimas, o facto de transportar uma faca de ponta, estar armado de "pau com choupa" e a má fama de que já desfrutava, foram motivos suficientes para que elementos da Policia Municipal, o prendessem numa taberna da Venda Nova, em 25 de Maio de 1838. Inicialmente negou o crime, mas levado à presença das vitímas, veio a confessar o acto criminoso, com o detalhe de todos os pormenores. Após ser presente ao Tribunal, esteve preso durante cerca de quatro anos, tendo sido julgado no Tribunal de Montalegre em 21 de Janeiro de 1842, pelo Juíz Dr. Carlos de Oliveira Pimentel.

SENTENÇA DE MORTE CONTRA O RÉU BEGUEIRO

167


História da Policia em Portugal "... Vistos estes autos.... é acusado o réu José Fernandes Begueiro, solteiro, trabalhador, filho e natural de Senhorinha Fernandes Begueiro, de Codeçoso da Venda Nova, primeiro de se ter associado desde a infância, com ladrões, salteadores e assassinos; segundo de ter em um dos dias do mês de Abril de 1838, na Serra das Alturas, assassinado e roubado Inácia Joaquina, viúva de António José da Costa e Francisco Baptista, filho de João Baptista e Maria Ventura da cidade de Braga, havendo-os previamente enganado e conduzido por veredas transversais, e fazendo crer que havia passagem de tropas nas alturas e que deviam evitá-las; terceiro, de ter, na ocasião em que foi preso, em uma taberna do lugar de Codeçoso da Venda Nova, no dia 25 de Maio de 1838, sido encontrado com um pau de chuço, uma choupa e uma faca de ponta aguda. Acrescentam-se no libelo algumas circunstâncias agravantes, como de se ter encontrado junto dos cadáveres dos assassinados um chapéu velho pertencente ao réu e de se ter visto a este, nos últimos dias do mês de Abril do mesmo ano, um capote velho cor de pinhão que algumas pessoas asseveraram tê-lo visto ao falecido Francisco Baptista; e finalmente de que, sendo conduzido o réu ao lugar em que se achavam os cadáveres dos assassinados já meio consumidos e devorados, ali confessou ter acompanhado os referidos indivíduos assassinados por caminhos transversais e veredas não seguidas; diz finalmente o libelo, que o réu padece de nota e opinião de ladrão, salteador e assassino . Perante este rol de acusações, defende-se o réu, alegando " que é um cidadão bem comportado, que ganha a sua vida honestamente por meio de trabalho, e que nunca padeceu a nota de ladrão, salteador ou assassino e que nunca usara de armas de

168


História da Policia em Portugal defesa, e que as que foram encontradas na casa em que foi preso, não eram suas". Assim, havendo-se preenchido todas as solenidades legais, e proposto ao júri os quesitos que pareceram necessários, o júri achou provado que o réu cometera os crimes de que vinha acusado, declarando provadas igualmente todas as circunstâncias agravantes de que se faz menção no libelo acusatório. Perante estes factos, o Juíz, João Carlos de Oliveira Pimentel, deu por terminado o julgamento no próprio dia em que tivera início, não sem antes fazer saber que " o principal crime de que o réu é acusado é horroroso e faz estremecer a todo o homem dotado de alguns sentimentos de honra e religião (...) e que, "Achando-se pois, o réu convencido dos crimes de que foi acusado, e cumprindo para exemplo e manutenção da ordem social, é dever do Juíz cumprir com o seu dever. Portanto, pelo que dos autos consta em vista da decisão do júri e dos principios do Direito Criminal em que me fundo, condeno o réu José Fernandes Begueiro, solteiro, e jornaleiro do lugar de Codeçoso da Venda Nova a morrer de morte natural para sempre, levantando-se para esse fim uma forca no lugar do Toural desta Vila. Pague o mesmo réu as custas dos autos". O Tribunal da Relação do Porto, viria a confirmar esta sentença, através de um acórdão datado de 12 de Agosto de 1842. Requerendo revisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o réu viu ser-lhe negada a sua pretensão, por decisão de 12 de Maio de 1843, a qual viria a ser confirmada em última instância pela raínha D. Maria II, a qual "não houve por bem usar da sua real clemência em favor do réu", vindo este a ser "justiçado" na Praça do Toural em Montalegre, em 17 de Setembro de 1844.

169


História da Policia em Portugal

O POVO E O ACONTECIMENTO A noticia do próximo enforcamento em Montalegre correu célere em toda a região. A passagem do criminoso sob escolta de 50 homens da Policia Municipal (da arma de infantaria), desfez a pacatez e monotonia das aldeias de Barroso, naquele fim de Verão de 1844. Em boa verdade o "espectáculo" era único. Segundo o escritor Montalegrense José Jorge Àlvares Pereira, os lavradores largaram as enxadas e arados para acorrerem aos caminhos; esvaziaram-se as tabernas e as ruas; as mulheres deixaram os afazeres caseiros e saíram, sujas e descalças, a correr, dos fumarentos casebres, limpando lágrimas aos aventais e pontas de lenços da cabeça, numa gritaria para que ninguèm perdesse o espectáculo; os pastores abandonaram os rebanhos pelas serras e vieram correndo pelas encostas para verem também o trágico cortejo. À passagem, uns descobriram-se e limpavam lágrimas mal contidas, outros mantinham um silêncio de enterro e alguns admoestavam os mais novos e rebeldes para que a sua sorte não viesse a ser a mesma. Espectáculos daqueles não se viam todos os dias!... Os mais velhos, recordavam aos mais novos, o enforcamento também em Montalegre de dois Galegos que haviam roubado e assassinado um estudante de Calvão, na ponte de Vilarinho de Arco. As mulheres e os rapazes ficavam embaçados, de olhos arregalados e terrificados, quando lhes diziam que as cabeças foram cortadas depois do enforcamento, e espetadas em estacas no local do crime, até apodrecerem ou serem comidas pelos corvos. Em Codeçoso, (da Venda Nova) terra natal do sentenciado, por onde passou, a cena foi lancinante com gritos da mãe, irmã, e

170


História da Policia em Portugal familiares conhecidos. Alguns incluindo a mãe, procuravam acompanhar o cortejo, por cima das paredes das quelhas, pelos carreiros, para o verem mais uma vez. Isto levou os Policias a acelerar a marcha e a intimá-los ao regresso. À chegada à Vila de Montalegre, a gente aglomerou-se pelas ruas e emagotou-se acotovelando-se junto à cadeia para o verem entrar, ou ainda, se possível lobrigá-lo através das grades da cadeia, que davam para a mesma rua. Durante os dois dias, desde a chegada até ao suplício, não se falou noutra coisa e Montalegre teve um movimento fora do normal da época. No dia da execução, por todos os caminhos e atalhos que levavam à vila, logo de madrugada, vinha um mar de gente, uns a cavalo troteando, outros escarrapachados em burros e a maior parte a pé, ligeiros e suados, com receio de chegar tarde. Nunca feira nenhuma juntara tanta gente... Vieram lavradores abastados, cabaneiros pobres, criados de servir, jornaleiros, pedintes, negociantes, gente de todas as idades e classes. Geralmente, desenbocavam em ranchos na Praça do Toural, para admirar o patíbulo e tomar lugar com antecedência... Faziam-se comentários, quase em surdina, mas todos estavam ansiosos, com os corações acelerados, por ver como era. A noticia da conversão e confissão do condenado, transmitida de uns aos outros como facto fundamental, provocou um semtimento de alívio e comoção que as mulheres exteriorizaram com gestos patéticos e lágrimas. Cinco mil pessoas ali se juntaram; multidão tal que jamais ali se tinha visto. Contudo o ambiente não era o das grandes romarias e feiras: sentia-se nos rostos, nos gestos, no andar, no conversar, no

171


História da Policia em Portugal cumprimentar dos conhecidos, um ar tétrico de morte e tragédia que envolvia tudo e todos. À tarde, quando partiram, íam em silêncio e tristes, num regresso que lhes parecia sem sentido.

O SUPLÍCIO Sobre o sucedido, se transcreve na íntegra, a carta datada de 18 de Setembro de 1844, que o Padre José Adão dos Santos Álvares, ao tempo pároco de S. Vicente da Chã, enviou à Revista Universal Lisbonense: ..."O réu José Fernandes Begueiro saiu ultimamente da cadeia de Relação do Porto para sofrer morte por forca na vila de Montalegre segundo o determinado na sua sentença. Escoltado por uma força de infantaria 2 seguiu a estrada de Ruivães às alturas passando pelo lugar da sua naturalidade, e pelos sitios dos seus crimes e malfeitorias; consta que sua infeliz mãe, uma desgraçada viúva, o seguiu longo tempo na mais viva consternação, e que, obrigada a voltar para trás, caiu de cama onde se conserva. Ouvimos também que o réu, defronte do sítio onde assassinara a mulher e o rapaz que tão boamente confiaram nele, tirara o chapéu e orara por um grande espaço. Chega a Montalegre no dia 13 pelas 10 horas da manhã, entra na prisão, conserva muita presença de espírito, come, fuma não pouco. Julgar-se-ia que não pensava na sua sorte: declara que são inúteis as cautelas para não se suicidar: nunca o desejou e quer morrer como Cristão.

172


História da Policia em Portugal Dia 15 pelo meio-dia chegam os executores; vê-os através das grades da prisão, entritece-se e não acaba o jantar (hoje almoço): pela 1 hora é intimado para entrar no oratório; despede-se dos espectadores, que de fora das grades o observam, pede-lhes perdão, e que orem pela sua alma, e resoluto sobe ao oratório. Havia o Sr. Juíz de Direito substituto requisitado do reverendo arcipreste quatro eclesiásticos, que ministrassem os socorros da religião ao infeliz. Era um deles o presbítero Manuel Caetano, pároco encomendado em Sta. Maria de Gralhas, que compareceu primeiro, procura o sentenciado e com ele conversa às grades da prisão quase uma hora; entra com ele no oratório, apressa-se a aproveitar as boas disposições que admira no padecente; confessa-o e o reanima com doces lenitivos; que só a religião de Jesus subministra para tais lances: coadjuvado por alguém que carinhosamente concorre e pelos outros três padres, o conforta o restante do dia: conserva-se resignado e com muito ânimo: -Come e dorme uma boa parte da noite, mas sobressaltado. No dia 16 comunga, ouve três missas com recolhimento, come alguma coisa, deita-se em uma cama: vai perdendo muito do primeiro alento, mas sempre resignado; perto da noite o vimos sobremaneira compungido às suaves exortações do seu digno confessor e mais eclesiásticos; declara que os seus pecados são muitos, e que só um Deus de tanta misericórdia os poderia perdoar, o que firmemente esperava: -deseja ouvir os martírios da paixão de Jesus; e a conversão de algum pecador: -repete breves jaculatórias e beija frequentemente um crucifixo: -pede amiudadamente água fria; -o semblante indica grande abatimento; de noite dorme mais sossegado; -cada vez que dão horas, conta-as e nota aos assistentes

173


História da Policia em Portugal quanto o prazo se lhe vai encurtando. Chega a madrugada, conservase no mesmo estado e com a mesma resignação: não come: -só deseja refrigerar-se com água fria; indica receio de não chegar com força ao patíbulo. Tudo faz acreditar uma verdadeira conversão, duas vezes se havia já reconciliado depois da confissão. Dão 11 e meia; chega a Irmanade da Misericórdia e os executores com alva e corda, entram, não desanima; vestem-no cingem-lhe o braço; ele se presta com toda a resignação e ajuda a acomodar as voltas da corda na prisão das mãos; saem para a Praça do Toural, a pequena distância a misericórdia com um painel de Nossa Senhora, um minorista com um crucifixo voltado para o padecente: -segue este caminhando a pé acompanhado dos eclesiásticos P. Manuel Caetano, P. João Gonçalves pároco de Santo André e P. J. Batista Rosa etc. e os dois executores de casaco e calça preta, indo em último lugar o Juíz de Direito substituto. Delegado interino, escrivão do processo e administrador do concelho, e achando-se formada em duas alas uma força militar e 50 homens, enquanto outros tantos da Policia armados formam em roda do patíbulo. Chegam à capela de S. Sebastião na dita praça, onde o capelão da misericórdia celebra o santo sacrifício da missa; aqui o Padre Manuel Caetano faz uma alocução ao réu e ao povo, toda de sentimento e compreensão em que sobressaem a par de um estilo claro e suave ideias mui apropriadas e mui ternos pensamentos. Foi pena que o murmurinho do povo a não deixasse ver distintamente percebida de todos. Dirigem-se para o centro da praça onde se erguera o patíbulo, e dando uma pequena volta para o lado norte chegam junto dele; aí ouve de reconciliação ao padecente o P. João Gonçalves e ajoelhado sobre uma tábua se conserva firme um quarto de hora, sem desfalecer, quando todos os sinais indicavam não poder

174


História da Policia em Portugal completar tanta constância; ouve depois a sentença que o escrivão do processo lhe lê: escuta, a um dos sacerdotes que o anima, pede água. O P. Rosa o exorta a uma firme confiança na protecção da Senhora e com breves e patéticas orações o anima a subir. Simões, o executor mais novo, esperava já no cimo do patíbulo, o padecente acompanhado dos padres Gonçalves e Rosa, e senta-se nos degraus superiores; virado daí mesmo para mais de cinco mil espectadores o P. J. Gonçalves recita um discurso improvisado mui patético e análogo à triste cena que ali se dava, convidando a aproveitar-se de tão severa lição a todos os que presenciaram; e conclui pedindo em nome e por insinuação do padecente, perdão a todos, à aflita mãe, uma irmã, parentes, amigos, justiça, etc. excitando assim uma geral comoção de afecto. O padecente pede novamente água, e depois ele próprio, com vóz sonora intelegível pede perdão a todos: dá adeus ao mundo, implora a protecção de Maria Santíssima, e que lhe alcance misericórdia do seu Divino Filho, cujas chagas ele padecente abrira. Cede custosamente o crucifixo, lança-lhe o algoz o capuz. A execução não a vi; mas um choro geral e extraordinários alaridos dos espectadores anunciaram que tudo estava consumado. A execução diz-se que fora pronta; mas não tanto quanto por ventura pede a humanidade. O cadáver foi pela Irmandade da Misericórdia conduzido ao cemitério da Matriz, acompanhado de quase todos os espectadores, que em seus sombrios semblantes indicavam o terror. Este recolhimento e a melancólica compreensão, com que assistiram aos últimos momentos do padecente, serviram de antítese ao donaire e

175


História da Policia em Portugal distracção com que uma grande parte concorreu a presenciar espectáculo tão lutuoso". O já citado Padre José Adão, o grande "repórter" deste acontecimento, relata ainda, que "esta procissão não era mais que um cortejo de solenidade macabra e sádica para mostrar e fazer desfilar ignominiosamente por entre a multidão o desgraçado com alva (túnica que era vestida aos sentenciados) e corda dependurada ao pescoço e mãos atadas. Estes aparatos eram por vezes bem mais trágicos e tétricos do que a própria execução, sobretudo quando os condenados, quase desfalecidos, tinham de percorrer longas distâncias, com paragens para o pregão ler a sentença... Faltou coragem por comoção ao Padre Santos Álvares para ver os pormenores do enforcamento. Contudo a execução não foi diferente das que eram usuais na época. A morte dava-se por estrangulamento, devido à suspensão do condenado pelo pescoço por corda com laço. Para ser mais rápido, mas nem por isso menos ignominioso, um dos carrascos lançava-se sobre o supliciado para aumentar o peso e apressar assim o estrangulamento.

POSSIBILIDADES DE FUGA DO RÉU Sobre a possibilidade de fuga que o réu teve na véspera do enforcamento, escreveu o Reverendo José dos Santos Moura, abade de Caires, em informações dadas a Pinho Leal, para o "Portugal Antigo e Moderno ", dizendo:

176


História da Policia em Portugal "Já que vem de molde, permitam-me que exponha um facto, tal qual me foi narrado por um dos sacerdotes que no oratório assistiu ao suplicado. Foi o Rev. João Gonçalves reitor de Serraquinhos, venerando ancião falecido em 12 de Junho de 1883. Na noite de 16 de Setembro de 1844, véspera do dia da execução (disse ele) encontrando-se bastante fatigado, com o trabalho do dia no oratório, pedi a um dos meus colegas para me substituir por algum tempo. Assim me prometeu e fui deitar-me um pouco: Adormeci logo, mas em breve acordei sobressaltado; sentei-me no leito lançando os olhos por toda a sala do Tribunal que servia de dormitório vi os meus colegas dormindo profundamente! Levanteime logo; atravessei a sala onde estava a força militar e esta dormia também; dirigi-me ao oratório encontrei o réu só, de joelhos e como em êxtase, com os olhos fixos num cricifixo, balbuciando algumas orações. Saudei-o comovido e ele disseme: - Padre, se a Raínha Nossa Senhora me perdoasse, eu não aceitava o perdão. - Não só aceitava o perdão (repliquei eu) mas até se evadiria se pudesse. - Tanto não me evadiria que, oferecendo-se-me ocasião para isso, a não aproveitei. Já estive na rua e voltei para a prisão. Objectei-lhe que na sala contígua estava a força militar e ao fundo da escada uma sentinela. - As praças que ali estão na sala - respondeu ele - dormem todas e ao fundo da escada não tinha sentinela. Já vê, pois, que se não fugi foi porque não quis, nem quero. Sinto-me contrito e arrependido dos meus crimes e deles perdoado pela infinita misericórdia de Deus; espero estar com ele no paraíso brevemente,

177


História da Policia em Portugal enquanto que fugindo tinha de andar escondido, sobressaltado e, associando-me talvez às más companhias de outrora, tornar-me-ia réu de mais crimes e desamparado da graça de Deus. Dito isto, beijou o cricifixo e chorou.Aproveitando tão boas disposições de novo o exortei à confiança na misericórdia divina e louvei ao senhor pela conversão de um tão grande criminoso. Depois, para me certificar de uma revelação tão estranha, saí do oratório e vi que efectivamente as praças todas dormiam e não estava sentinela na escada".

OS EXECUTORES Infelizmente, não foi possível saber quem foram os dois carrascos que procederam à execução. O Padre José Adão dos Santos Álvares, já referênciado, diz que o Simões, o executor mais novo, esperava o condenado no centro do patíbulo. Pensa-se que esta referência tem a ver com o tempo de permanência no "ofício" e sendo assim, tudo leva a crer tratar-se de José Ramos, filho de Francisca Simões, o qual era na altura da execução, o último condenado à forca a quem o rei comutara a pena de morte por enforcamento, em Executor de Alta Justiça. Este José Ramos (Simões), era natural de S. Salvador do Mondego e residia na Boavista de Loivos, concelho da Figueira da Fóz. O Tribunal de Relação do Porto, havia confirmado a sentença por decreto de 2 de Julho de 1837. O último executor nomeado em Portugal foi Luis António Alves, mais conhecido pelo "Negro", carpinteiro de profissão e natural de Capeludos de Aguiar. Foi condenado à forca em 1842, tendo-lhe sido comutada a pena, em Executor de Alta Justiça, por decreto do rei,

178


Histรณria da Policia em Portugal em 14 de Julho de 1845. Este carrasco, veio a morrer na prisรฃo do Limoeiro em Lisboa, jรก depois de abolida a pena de morte.

...

179


História da Policia em Portugal

CAPÍTULO IX A PRIMEIRA REPÚBLICA

SÍNTESE DOS ACONTECIMENTOS Como consequência da degradação politíca e social que o país atravessava, a 4 de Outubro de 1910, militares e civís comandados pelo Tenente Machado dos Santos, ocupam a Rotunda de Lisboa. Depois de os navios de guerra S. Rafael e Adamastor, terem

180


História da Policia em Portugal bombardeado o Palácio Real das Necessidades, grande quantidade de cidadãos reuniu-se na Praça do Município, onde António José de Almeida proclamava a implantação da República. Conquistado o poder, o Partido Repúblicano nomeou um governo provisório, simbolicamente presidido pelo idoso Teófilo Braga, pese embora os verdadeiros responsáveis pelo mesmo tenham sido, António José de Almeida, Afonso Costa e Bernardino Machado, os quais desempenhavam as funções de Ministros do Interior, Justiça e Negócios Estrangeiros respectivamente. Em menos de um ano, o Governo Provisório conseguiu cumprir alguns dos pontos principais do programa repúblicano, bem como consolidar o novo regime, assegurando a ordem pública interna. Entre outras medidas, procedeu à extinção dos títulos nobiliárquicos, das Faculdades de Teologia e de Direito Canónico, criou a Lei do Divórcio, do Inquilinato e da Greve, esta da autoria de Brito Camacho. Por proposta do então Governador-Civíl de Lisboa Eusébio Leitão, as forças de Segurança são extintas, facto que aconteceu apenas teoricamente, já que quer a Guarda Municipal, quer a Policia Civíca, sofreram apenas pequenos reajustamentos, dando a primeira lugar à actual Guarda Nacional Repúblicana, enquanto que a segunda se limitou a nomear para seu responsável máximo, o Coronel Ernesto da Encarnação Ribeiro e para Comissário-Geral o Major Alberto Carlos da Silveira, ao mesmo tempo que se procedia a novos recrutamentos, por forma a dotar a Corporação de uma maior operacionalidade, no combate ao crime. Contudo e com o decorrer do tempo a situação agravar-se-ía consideravelmente!... A propaganda anti-religiosa, para a qual o povo não estava preparado, começa a produzir os seus efeitos. Os

181


História da Policia em Portugal membros das igrejas, são tratados como malfeitores, dois padres são assassinados em Lisboa, os bens eclesiásticos, bem como o Tesouro da Sé são confiscados, os estabelecimentos de ensino administrados por entidades religiosas são dissolvidos, alguns Bispos são destituídos das suas funções e o próprio Cardeal Patriarca, D. António Mendes Belo, é preso e desterrado. Face aos relatos veículados através da imprensa, que íam dando conta da situação, todos os jornais de tendência católica e monárquica são proibidos. As Policias recebem ordens expressas para proceder á sua apreensão e as únicas publicações autorizadas passam a ser as de tendência repúblicana. Em Maio de 1911 ocorre o primeiro acto eleitoral da era repúblicana, ao qual só o Partido Repúblicano apresentou candidatos a nível nacional. Em alguns círculos eleitorais, surgem independentes, socialistas e dissidentes do Partido Repúblicano, a contestar as candidaturas oficiais, contudo as eleições realizam-se e a Assembleia Nacional Constituinte é eleita. Após tomar posse, a Assembleia sanciona por unanimidade a revolução de 5 de Outubro e adopta uma série de medidas, entre as quais se destaca o hino nacional ("A Portuguesa") e a criação do escudo como unidade monetária. Entretanto em 24 de Agosto do mesmo ano, Manuel de Arriaga, é eleito como primeiro Presidente da República e João Chagas nomeado Presidente do Conselho de Ministros. Com o decorrer do tempo, a situação económica do país vaise agravando pouco a pouco e torna-se imperativa a adopção de medidas de austeridade. Face a tal e após um agitado congresso repúblicano, dá-se uma cisão entre as diversas tendências, levando a que algumas delas se constituíssem como oposição ao próprio

182


História da Policia em Portugal governo da República protestando com o facto de as medidas adoptadas, serem contrárias, às promessas de aumento de salários e redução dos impostos sobre o trabalho. Com o descontentamento geral reinante a subir de tom, em Setembro verifica-se uma primeira tentativa de golpe de estado e a consequente possibilidade de reimplantação da monarquia, a qual logo foi sufocada. Tal movimento, foi encabeçado a partir de Vinhais no norte do país, por Paiva Couceiro, o qual passado um ano através de Chaves faz nova tentativa, sendo de novo derrotado, mas deixando para trás um rasto de mortos e feridos. Com a derrota dos monárquicos e a contínua adopção de medidas de austeridade, verifica-se a partir de meados de 1912 um surto de greves, que o Governo através da Policia Cívica e do Exército, tenta por todos os meios controlar. Em boa verdade, este tipo de "luta", que havia sido proibida durante a monarquia, servia e de que maneira, os interessados no caos, tanto mais, que sabiam que a sua implementação, constituía sérios riscos para os governantes, e que estes não podiam sob que pretexto fosse impedi-las, já que a sua legalização havia sido prometida e consumada pelos repúblicanos. Assim e face à generalização das ditas greves, começa a proliferar o desemprego, os bens essenciais são escassos e muitos portugueses se vêem obrigados a emigrar, em busca da sua subsistência, calculando-se que cerca de 77.000 indivíduos, numa população que rondava os 5,5 milhões de habitantes, tenham anualmente emigrado. Como forma de solucionar a crise, o Presidente da República, nomeia em finais de 1912, Afonso Costa como Presidente do

183


História da Policia em Portugal Conselho, o qual constitui um gabinete formado exclusivamente pelos democratas, unionistas e independentes. Após tomarem posse, Afonso Costa e o seu grupo, ocuparam o poder durante um ano. Nesse periodo e apesar de inicialmente terem sido confrontados com a greve dos rurais de Évora e com uma greve geral em Lisboa, legislaram intensamente em todas as áreas, conseguindo mesmo fortalecer a autoridade do Governo. Mas se Afonso Costa e os Democráticos, conheceram um significativo aumento de prestígio e de popularidade entre a pequena e média burguesia, perderam igualmente no seio de grande parte do operariado urbano, que face ao emprego da força repressiva da Policia Civíca, no combate a greves e manifestações, não deixava de tecer-lhe severas critícas. Exemplo da referida contestação operária, foi a greve da Carris, que manteve a cidade de Lisboa, 26 dias consecutivos sem eléctricos e a Policia em permanente prevenção, para o que desse e viesse. Tal contestação viria contudo a produzir os seus efeitos, levando a que o então Presidente Manuel Arriaga, que não morria de amores por Afonso Costa, o demitisse, nomeando em sua substituição em Fevereiro de 1914 Bernardino Machado, que se propôs promover a reconciliação entre os Portugueses. Pese embora as suas boas intenções, traduzidas numa amnistia geral e na concessão de créditos, tendo em vista a criação de postos de trabalho, a situação pouco se alterou e durante o seu "reinado" as greves continuaram, de tal forma que o Presidente do Conselho para fazer face a um protesto dos ferroviários, se viu na obrigação de os substituir por tropas de engenharia, que substituíram os grevistas nos comboios e nos serviços das estações de caminho de ferro.

184


História da Policia em Portugal Como se não bastassem os problemas internos do País, designadamente a crise inflacionista, Bernardino Machado vê-se confrontado com mais um problema, que naturalmente vai ter os seus reflexos: A eclosão da 1ª. Guerra Mundial, na qual Portugal, após decisão do Congresso da República, vai participar ao lado da Inglaterra, com quem mantém uma aliança e dos restantes aliados. Entretanto a nível interno, um grupo de Oficiais, chefiados pelo General Pimenta de Castro, começa a desenvolver diversas acções, manifestando o seu descontentamento para com o regime. Apoiados por Manuel de Arriaga, Pimenta de Castro consegue mesmo a queda do Governo e forma ele próprio um novo executivo, não sem que antes se tenham verificado vários túmultos, onde a Guarda Nacional Repúblicana e a Policia Civíca chegaram a intervir, para pôr fim à onda de violência que se registava e da qual já resultara um deputado morto. Em 2 de Junho de 1915, o Comandante da Policia Cívica é substituído pelo General António do Carvalhal da Silveira Teles de Carvalho e com os préstimos desta força de segurança e do exército, Pimenta de Castro tenta "arrumar a casa" estabelecendo uma ditadura. Tudo no entanto foi sol de pouca dura!... Face à onda de manifestações e de vários tumultos, o Governo de Pimenta de Castro, cai ao fim de 100 dias. Marinheiros e Civis cercam os regimentos de Artilharia 1 e Infantaria 16, que depõem as armas, sendo Pimenta de Castro preso e desterrado para os Açores . Após este golpe, por toda a sociedade se gera um clima de insubordinação incontrolável. As bombas rebentavam frequentemente e João Chagas que fora chamado a formar Governo pelo Presidente da República, mal aceita a indigitação é assassinado

185


História da Policia em Portugal pelo senador João de Freitas, o qual e logo que se soube do sucedido, teve a mesma sorte, sendo linchado por populares. Com a queda do Governo e a formação de novo executivo, a Policia Civíca que continuava a não ter descanso, passa a ter novo Comandante: Ao General António de Carvalho Teles, vai suceder em 1 de Março de 1916 o seu colega António Xavier Correia Barreto, que com os seus homens, tudo faz para conter a onda de conflitos que se verificam na cidade de Lisboa, designadamente as constantes sovas de bengaladas e tiros esporádicos, que caracterizaram neste periodo, o comportamento das élites repúblicanas, herdeiras da tradição liberal, bem como muitos assaltos que assustadoramente continuavam a alastrar. No meio de todo este ambiente, a fome já começava a assolar os lares mais pobres da capital, não tardando a que esta situação se alastrasse a outros distritos. Portugal atinge o auge da sua crise e Afonso Costa que entretanto regressara ao Governo, decide efectuar a apreensão de todos os navios mercantes alemães, fundeados em portos portugueses, a fim de serem colocados ao serviço da aliança luso britânica. Perante esta investida, a resposta não se faz esperar e a Alemanha declara guerra a Portugal, reclamando para si o dominio colonial em África. Norton de Matos, Grão-Mestre da Maçonaria, que mais tarde se viria a revelar como um sério opositor de Salazar, faz uma exortação à juventude, em a "Nação Una", escrevendo: ... "Não deixeis que ninguém toque no território nacional: conservar intactos na posse da nação os territórios de Aquém e Além mar é o nosso principal dever. Não ceder, não vender ou trocar, ou por qualquer outra forma alienar a menor parcela do território, tem de

186


História da Policia em Portugal ser sempre o vosso mandamento fundamental. Se alguém passar ao vosso lado e vos segredar palavras de desânimo, procurando convencer-vos de que não podemos manter tão grande império, expulsai-o do convívio da nação (...). Esses territórios constítuem províncias tão portuguesas, como a metrópole. A nação é só uma e qualquer horda demográfica, ou capitalista, que quiser invadir Angola ou Moçambique, seria recebida por nós, como se tentasse invadir Lisboa". Entretanto os embarques para África começam e com elas se verificam as primeiras deserções das fileiras do exército!... Como sempre, elementos, quer da Policia Civíca, quer da Guarda Nacional Repúblicana, são chamados, para no "interesse da nação" defenderem a Pátria em África, o que obriga a que a Policia Civíca de Lisboa, já sob o Comando do Major Tristão da Câmara Pestana, seja reestruturada, designadamente no que diz respeito ao recrutamento de novos efectivos. Em 12 de Dezembro de 1916, Machado dos Santos encabeça uma revolta em Tomar. Faz publicar um falso "Diário do Governo", onde são anunciadas novas autoridades no poder. Ao ver-se confrontado com a situação, o Governo da República declara o estado de sítio e a suspensão das garantias constitucionais, sendo Machado dos Santos preso, juntamente com muitos dos seus correligionários. O início de 1917, é assinalado por falta de subsistências e a criminalidade, designadamente no que diz respeito a furtos de bens essenciais, aumenta em catadupa. A Policia Civíca, é constantemente chamada a acorrer a casos deste tipo, fazendo porém raras prisões, principalmente devido ao facto de os meios de que dispunham serem praticamente nulos e quer o telefone, quer as comunicações, não se

187


História da Policia em Portugal encontrarem ainda vulgarizadas. Em Agosto, dá-se a greve dos funcionários dos correios, a qual é imediatamente apoiada por enorme manifestação, que englobou diversos sindicatos, levando a que centenas de manifestantes e outros que se haviam ali infiltrado, com propósitos bem diferentes, fossem presos, sendo muitos deles encarcerados no navio "Lourenço Marques", que havia sido capturado à marinha alemã. Em África, as forças expedicionárias portuguesas continuavam a combater e em 5 de Dezembro, é Sidónio Pais que encabeça uma tentativa de golpe de estado. O Governo da República vê-se apenas apoiado, pelos marinheiros, pela Guarda Repúblicana e Fiscal e por alguns batalhões de voluntários, que funcionavam como "capangas" de apoio ao poder politíco. Sidónio Pais triunfa, decreta a liberdade de imprensa que havia sido amordaçada e solta todos os presos politícos. Brito Camacho apoia Sidónio e quer em Coimbra, quer no Porto, onde fez as suas primeiras deslocações, é recebido como um herói. Face ao acontecido e à própria transformação que se adivinhava na sociedade portuguesa, era necessário fazer alguma coisa!... Assim e no sentido de ser efectuado um contrôlo mais apertado sobre as Policias, é criada a 29 de Abril de 1918, a Direcção Geral de Segurança Pública, que enquadrava para além dos Corpos de Policia Civica de Lisboa e Porto, a Policia de Investigação Criminal e a Guarda Nacional Repúblicana, passando todas a depender do Ministério do Interior. Entretanto Egas Moniz, que mais tarde se viria a tornar Prémio Nobel da Medicina, apoia Sidónio e funda o Partido Centrista. Em 10 de Maio, após vencer as eleições por esmagadora maioria, Sidónio Pais é eleito Presidente da República, dando assim

188


História da Policia em Portugal origem a um regime de tipo presidencialista. Contudo, os seus opositores não desarmaram e a Policia Civíca, que caíra nas boas graças dos governantes, ao não intervir no golpe de estado contra os Sidonistas, não tinha mãos a medir, no combate aos incendiários e às várias sublevações, que com maior ou menor custo foi controlando. Em 14 de Dezembro e 1919, Sidónio Pais é assassinado por um tal José Júlio da Costa e durante o funeral, a Policia viu-se e desejou-se para controlar casos de histeria colectiva, os quais ameaçavam degenerar em represálias violentas, contra todos aqueles que o Povo considerava adversários politícos de Sidónio, tendo tido mesmo necessidade, de, no Bairro Alto em Lisboa, montar um dispositivo especial de segurança ao "Grande Oriente Lusitano Unido", sede da Maçonaria, para evitar a sua invasão.

O FIM DA PRIMEIRA REPÚBLICA A Sidónio Pais sucedeu na Presidência da República, o Oficial da Marinha Canto e Castro, o qual se vê quase de imediato confrontado com uma revolta em Santarém, desencadeada por um movimento revolucionário, tendente ao restabelecimento da Constituição de 1911. Abortada esta conspiração, Canto e Castro vêse de novo perante outra rebelião: Os monárquicos de Lisboa revoltam-se e vão acampar na Serra de Monsanto, donde bombardeiam a capital, intimando sem resultado, o Governo Repúblicano à rendição. Após serem "esmagados", os adeptos da monarquia, bem como as organizações que os sustentam, são praticamente dizimados e em 29 de Abril de 1919, é assinada a páz. Entretanto Canto e Castro termina o seu mandato e é substituído no cargo por António

189


História da Policia em Portugal José de Almeida, que imediatamente e como forma de acabar com a agitação social, faz sair um Decreto, que torna extensiva aos bombistas e aos presos por crimes sociais, a possibilidade de serem julgados pelos Tribunais encarregados de julgar, em processo sumário, os vadios e os reincidentes criminosos por delitos comuns, podendo ser-lhes aplicada, entre outras, a pena de deportação para o Ultramar. No referido Decreto estabelece-se igualmente a obrigatoriedade do trabalho diário em 8 horas e institucionaliza-se o ensino primário obrigatório. Com estes e outros conjuntos de medidas, a situação politíca e social melhora consideravelmente, parecendo entrar-se num periodo de certa acalmia, facto a que não foi alheio, o aparecimento dos periódicos "A Batalha", porta-vóz da Organização Operária Portuguesa, do diário "O Combate", próximo do Partido Socialista Português e do jornal da tarde "Avante", (que viria a tornar-se como o orgão central do Partido Comunista Português, fundado em 1921) que muito contribuíram para isso. Todavia, a tão desejada acalmia foi sol de pouca dura!... As permanentes crises politicas, que se iriam manter até ao final da Primeira República, tornaram-se ciclicas e com elas o desemprego, o aumento dos impostos e a agitação social, vieram de novo gerar a instabilidade, vivida pouco tempo antes. Face a tal conjuntura, muitos cidadãos se viram na contingência de emigrar e só no periodo compreendido entre 1920 e 1930, a média anual de emigrantes rondava os 35.000 indivíduos, para uma população cujo censo era de 5.621.977 habitantes. Ao nível interno, os actos de sabotagem, as greves e os atentados, voltaram a ser o pão nosso de cada dia. Após alguns

190


História da Policia em Portugal edifícios do Estado, terem sido alvos de sabotagem, obrigando mesmo a que no caso da Cadeia do Limoeiro, a Policia Civíca de Lisboa se visse mesmo na obrigação de proceder à transferência dos presos que aí se encontravam a cumprir penas de prisão, ainda no ano de 1920 e como retaliação contra as medidas que tinham sido adoptadas no campo da justiça, verificou-se um atentado a tiro e à bomba, contra os Juízes do Tribunal de Defesa Social, do qual veio a resultar a morte de um deles e ferimentos em mais três. Durante o ano de 1921, o país continuou a ser perturbado por rebentamento de vários engenhos explosivos, por assaltos a armazéns e por diversos espancamentos na via pública. A prostituição que antes estivera circunscrita aos Bairros de Alfama e Mouraria, começou a alastrar pela cidade, designadamente pelo Bairro Alto e os Governos sucediam-se por curtíssimos periodos de tempo. António Granjo, que havia sido chamado para a Presidência do Conselho, é assassinado com requintes de crueldade, o mesmo acontecendo a muitos outros, entre os quais Carlos da Maia e Machado dos Santos, que se haviam notabilizado quando da fundação da República. A crise era de tal modo grave, que as forças policiais e os militares se tornaram incapazes de controlar a situação...

O "REINADO" DE FERREIRA DO AMARAL Ao nível militar, João Maria Ferreira do Amaral, era um Coronel prestigiado e tido entre os meios militares e politícos, como um homem com temperamento de "aço", um disciplinador severo, enfim, um homem que para além de não admitir desculpas - nem pedidos -, se encontrava "livre" de qualquer tipo de compromissos.

191


História da Policia em Portugal Face à sua maneira de ser e de estar na vida, estava-se perante o homem ideal para comandar a Policia Civíca de Lisboa. Logo após a sua nomeação, em 16 de Novembro de 1923, diversos jornalistas e Oficiais da época lhe fizeram os maiores elogios, salientando a sua indiferença, quer relativamente a interesses politícos, quer a qualquer tipo de "manobras" dos governantes, factos que lhe permitiram, obedecendo a princípios e critérios de isenção partidária, vencer as mil e uma dificuldades, que ao longo da sua permanência à frente da Instituição, se lhe foram colocando. À data da sua posse como Comissário-Geral da Policia Civíca de Lisboa " (...) a rua estava num caos. Toda a gente se olhava com desconfiança, pois tinha-se voltado quase ao tempo dos Quadrilheiros (...). A Corporação que lhe deram para comandar, além de estar indisciplinada, era uma anarquia (...). Grupos de homens, que viviam à margem da Lei e protegidos por maus politícos, traziam a cidade em constante sobressalto e a Policia nada podia fazer". Perante esta caótica situação, ( descrita ao pormenor na revista Policia Portuguesa nº.30), Ferreira do Amaral não tardou em deitar mãos à obra!... Assim e para além de solicitar ao Governo, legislação adequada para o desenvolvimento eficaz da função policial, pede igualmente ao então Governador Civíl de Lisboa, Viriato Sertório dos Santos Lobo, a reformulação de vários editais, designadamente no que diz respeito a menores, vadios e prostitutas, ao mesmo tempo que ele próprio enquanto Comandante, cria um conjunto de princípios, que muito viriam a contribuir para a resolução dos multifacetados problemas que na época se colocavam na capital, dos quais se salienta a implementação de um Regulamento que criava os Guardas-Nocturnos na cidade de Lisboa, para auxilio

192


História da Policia em Portugal das forças policiais durante a noite, autorizando-os inclusivé a andarem armados de sabre e pistola, quando no exercício das suas funções. Com a aplicação destas e de muitas outras medidas e apesar de ter sido vitíma de vários atentados, Ferreira do Amaral não se coibe de fazer frente aos marginais, e os grupos organizados, que na época lançavam o pânico junto das populações, passam a ser o seu principal alvo. Entretanto no ano de 1924, a Direcção Geral de Segurança Pública é extinta e só em Março de 1927 são restabelecidas as suas funções, porém agora e ao contrário de 1918, sem a presença da Policia de Investigação Criminal, que passou a depender do Ministério da Justiça, adoptando o nome de Policia Judiciária. No âmbito da Policia Cívíca de Lisboa, Ferreira do Amaral e os seus homens, continuavam o seu combate, pela defesa da ordem e numa tarde de Maio de 1924 nos Olivais, dá-se o primeiro encontro sério com a perigosa organização, os "legionários vermelhos"... Como consequência dessa "batalha", sai ferido o Cabo nº.196 Manuel das Neves, o qual viria a morrer, após ter sido atingido por uma bala, que viria a ditar a sua sorte. No entanto, a sua morte não se deu em vão... Animados pelo sentimento de revolta, os seus colegas e amigos, conseguiram dizimar a referida organização de assassinos e malfeitores e esta pese embora tenha utilizado os mais diversificados métodos, não conseguiu resistir às investidas da Policia, vindo a desaparecer da vida pública portuguesa. Para além do combate desenvolvido contra o crime em geral e a "Legião Vermelha" em particular, Ferreira do Amaral durante o exercício do seu comando, destacou-se ainda pela implementação interna de várias medidas, salientando-se entre outras, a criação de

193


História da Policia em Portugal escolas para formação dos Agentes Policiais, dos montantes inerentes às ajudas de custo e despesas de transporte, à adopção de novas estruturas tendo em vista a organização do trânsito e o combate à embrieguez no seio da Instituição. A este propósito se refere a Ordem de Serviço nº.183 de 2 de Julho de 1927, dizendo o seguinte: ..." EMBRIEGUÊS: (...) Que a embrieguês é incompatível com a função do Guarda de Segurança Pública, porque todo o homem que se embriaga se assemelha nos seus actos a três animais: ao macaco, ao leão e ao porco, o que o torna ridículo, perigoso e desprezível e como um Guarda não pode nunca ser nem ridículo, nem perigoso nem desprezível, são por este meio convidados os poucos viciosos do alcoól que ainda estão na Corporação a pedirem a sua demissão, a fim de que a ordem da Policia deixe de vez de mencionar castigos por embrieguês. Cada Guarda deve saber com cuidado a quantidade de vinho que o pode transformar num macaco, num leão ou num porco". Ainda no ano de 1927, A Policia Civíca de Lisboa e Porto, passam a ter um cariz e desempenho do tipo militar e a designar-se por Policia de Segurança Pública, mantendo-se contudo Ferreira do Amaral na chefia do Comando de Lisboa e passando o Comando do Porto a ser da responsabilidade do Capitão João Carlos Teles de Azevedo Franco, que aí se manteve até 23 de Junho de 1928, data em que foi substituído pelo Major António Alberto Quintão Meireles, que havia sido candidato à Presidência da República, durante o Governo de António Oliveira Salazar. Entretanto, a Direcção Geral de Segurança Pública, integrando agora a P.S.P., em substituição das Policias Civícas e englobando como já se disse a Guarda Nacional Repúblicana, mantém a sua

194


História da Policia em Portugal estrutura, passando a ter como primeiro Intendente-Geral e principal responsável, o Coronel Fernando Luis Mouzinho de Albuquerque. Ainda durante este periodo, são reformulados o Código da Estrada, que datava de 1911 e impunha o trânsito pela esquerda, contrariamente ao que se passava nos restantes países da Europa, com excepção da Inglaterra e o Quadro das Corporações da Policia de Segurança, dependente da Direcção Geral da Segurança Pública, que pelo Decreto 18.316, passou a contemplar 19 Comandos, distribuídos por Aveiro, Beja, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Horta, Lisboa, Leiria e Portalegre, Porto, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, aos quais correspondia um total de efectivos de 5.261 homens. É também no ano de 1930, que Ferreira do Amaral, após "negociações" com o responsável pelo Coliseu dos Recreios em Lisboa, Ricardo Covões, possibilita aos familiares e filhos, dos Agentes de autoridade da Policia de Lisboa, a oportunidade de por alturas do Natal, assistirem gratuítamente a um espectáculo de circo, naquela casa de espectáculos. A novidade, teve enorme eco nos meios policiais e de tal modo houve receptividade para o espectáculo que muitos deles se apresentaram ali descalços e com as calças rotas, facto que veio a merecer a atenção de alguns jornais da época, que o realçaram, o que de sobremaneira veio a contribuir, para a revisão das degradadas tabelas salariais, que na altura eram pagas aos Policias de Lisboa. Com tal revisão, as remunerações passaram a oscilar entre os 416$84 mensais, do Guarda com menos de um ano de serviço, a que juntava a importância de 1$50 de gratificação diária para fardamento e $50 por cada patrulha efectuada também diáriamente e os 842$76 também mensais de um

195


História da Policia em Portugal Chefe, que dispunha ainda de um aumento de $50, por cada ronda diária efectuada. O Coronel Ferreira do Amaral, que transformara por completo a Policia Civíca de Lisboa numa primeira fase e a Policia de Segurança Pública posteriormente e que com todos os que o rodeavam prestara relevantes serviços à comunidade, durante os 8 anos em que exerceu o seu Comando, acaba por morrer em 11 de Março de 1931, sendo substituído no cargo pelo Coronel António Marques Júnior. Se ao nível da segurança interna, as coisas melhoraram consideravelmente a partir de 1926, no campo politíco, tudo se manteve confuso. Para se fazer uma ideia da confusão reinante, basta dizer que só em 1920, sucederam-se sete Governos. Em 1921, pese embora se tenha verificado alguma acalmia, há contudo a registar múltiplas situações desagradáveis, a que nem a própria Guarda Nacional Repúblicana escapou!... Numa tentativa quase desesperada de modificar a situação reinante, em Agosto de 1923, o Parlamento elegeu para a Presidência da República, o candidato dos democráticos Manuel Teixeira Gomes. Após tomar posse em Outubro do mesmo ano, o Presidente de imediato tentou pôr termo à instabilidade politíca, tentando por todos os meios construir um Governo de unidade nacional. Para o efeito, convida o seu amigo pessoal de longa data Afonso Costa, que em tempos passados lhe prometera colaboração quando necessário.No entanto e pese embora a sua boa vontade, Teixeira Gomes não consegue atingir os seus objectivos, tanto mais que com a formação entretanto conseguida do Partido Nacionalista, (que veio restaurar o Partido Liberal) mais orientado para a direita, a

196


História da Policia em Portugal contestação se agravara.Os nacionalistas tendo como principal impulsionador Cunha Leal, indivíduo com grande força politíca e prestígio popular, começam a atacar o Governo em várias frentes, utilizando para o efeito diversas conferências, como as realizadas na Sociedade de Geografia de Lisboa, nas quais fazem a apologia pública dos ditadores Mussolini e José António Primo de Rivera.Revoltados com tais atitudes dos nacionalistas e com alguma condescendência do Presidente da República, em 18 de Abril de 1925, regista-se uma sublevação em defesa dos governantes, levada a efeito por militares revolucionários, dos Regimentos de Queluz, de Campolide e do Batalhão de Sapadores. Cunha Leal é preso, mas a 19 do mesmo mês dá-se um contra-golpe e forças a si fiéis, ordenam a prisão dos revolucionários e forçam a queda do Governo. Ao fim de quatro meses no poder os "Nacionalistas" , que já não eram bem vistos pelo povo, nem particularmente pelos militares, caiem e o Presidente Teixeira Gomes demite-se. Sucede-lhe Bernardino Machado, que assim volta à Presidência da República!... Foi porém sol de pouca dura. Com o continuado desenrolar de escândalos entre a classe politíca, a Primeira República chegara ao fim, sem encontrar o rumo certo. Por ela, pela defesa da ordem e da tranquilidade, perderam a vida nestes quinze anos de permanentes sobressaltos, 21 Guardas, 4 Cabos e 2 Chefes de Policia.

197


História da Policia em Portugal

CAPÍTULO X O ESTADO NOVO

A DITADURA Face ao continuado declínio em que caíra o poder politíco, no início do ano de 1926, forma-se na cidade de Braga, uma Junta Militar dita revolucionária, a qual é encabeçada pelo General Gomes da Costa. Numa das suas múltiplas acções públicas, a referida junta deixa a seguinte mensagem: " (...) Não quer a nação uma ditadura de

198


História da Policia em Portugal politícos irresponsáveis, como tem sido até agora. Quer um governo forte, que tenha por missão salvar a Pátria e que concentre em si, todos os poderes para, na hora própria, os restituir a uma verdadeira representação nacional, ciosa de todas as verdades representação que não será de quadrilhas politícas". A 28 de Maio do mesmo ano, inicía uma marcha sobre Lisboa. A maioria do Exército, depois de algumas hesitações, juntou-se-lhe ou manteve-se neutral, arrastando para este tipo de atitude todas as unidades militares do norte e centro do país, excepto as do Porto, onde o General Sousa Dias, se manteve fiel ao Governo. As unidades do Sul, impulsionadas pelo General Óscar Carmona, avançam também para a capital, aderindo sem reservas ao movimento, o mesmo acontecendo com a Policia Civíca e a Guarda Nacional Repúblicana. Em 30 de Maio, o Governo pede a demissão e vendo-se só e perante a situação, o então Presidente da República Bernardino Machado renuncía ao seu mandato, entregando a tutela do poder ao Almirante Mendes Cabeçadas. No início de Junho, o Parlamento é dissolvido e a "revolução", que viria a dar origem a uma das mais longas ditaduras da Europa, acabaria por triunfar. Em entrevista concedida ao então vespertino "Diário de Lisboa", Gomes da Costa afirmava o seguinte: " O Governo será formado pelo Comandante Mendes Cabeçadas, por um Oficial Superior cujo nome não lhe posso ainda dizer e por mim. Constituiremos assim um triunvirato, apoiado pela Marinha e pelo Exército, e rodeado de um conselho técnico, que será escolhido entre as pessoas que ofereçam maiores garantias de competência e honestidade. Estamos absolutamente dispostos a manter a tranquilidade e o respeito pela lei, para que as pessoas competentes possam trabalhar, dando à vida nacional um impulso para a frente.

199


História da Policia em Portugal Terminada esta atmosfera, e logo que as coisas estejam bem encaminhadas, entregaremos o Governo a homens que saibam governar.E mais adiante: (...) é necessário em primeiro lugar, pôr de parte todas as leis feitas com objectivos particulares, que defendam apenas interesses dalguns indivíduos, contrariando o interesse geral da Nação. São leis atentatórias da moral, que é absolutamente indispensável revogar. Em seguida, pôr cobro a todos os escândalos administrativos que se vinham registando à alguns anos a esta parte e cujos responsáveis ficaram impunes". Todavia e pese embora o compromisso assumido por Mendes Cabeçadas, que tutelava o Governo, em respeitar os principíos idiológicos dos repúblicanos e dos grupos militares de tendência direitista, o seu mandato não tinha condições de perdurar!... De tal forma isso se tornou evidente, que Gomes da Costa voltou a 17 de Junho a desencadear novo golpe, impondo a sua autoridade plena e numa clara viragem à direita, um novo Governo. Contudo nem assim os direitistas se mostravam satisfeitos e em 9 de Julho, ainda do ano de 1926, estala novo golpe: O General Sinel de Cordes "despacha" Gomes da Costa e substitui-o por Óscar Carmona, homem de confiança das direitas ultra-conservadoras, ex. Ministro da Guerra e Oficial respeitado, mas de escasso prestígio militar. Até 1928, Sinel de Cordes e Carmona governam o país em autêntica ditadura militar, estabelecem a censura à imprensa e entregam as tarefas repressivas dos direitos individuais às Policias. Contudo os resultados da sua governação são praticamente nulos!... O défice orçamental atingiu níveis tão baixos, que o Governo teve de solicitar à Sociedade das Nações um empréstimo externo, o

200


História da Policia em Portugal que na prática levou à instauração de uma politíca de austeridade, que redundou como não podia deixar de ser, na revolta popular. De tal modo a crescente oposição ao Governo se manifestou, que de 3 a 9 de Fevereiro de 1927, primeiro no Porto e depois em Lisboa, eclodiu um violento movimento revolucionário, que tinha consigo o apoio do Exército e da Marinha, isto para além de muitos milhares de civís. Sabe-se, que embora com muita dificuldade e contando com a preciosa ajuda, da Policia Civíca e da Guarda Nacional Repúblicana, o Governo o conseguiu sufocar, pese embora do confronto tenham resultado centenas de mortos e feridos. As revoltas contra os ditadores, íam-se sucedendo, havendo a registar uma ocorrida em 20 de Julho de 1928 e mais duas no ano de 1931. Os ditadores triunfaram sempre e como resultado prático destas investidas, o que há a salientar é o aperfeiçoamento crescente e o desenvolvimento dos mecanismos repressivos, que redundaram numa censura mais apertada à comunicação social, em milhares de presos politícos -muitos deles deportados para as ex.colónias- e num controle mais apertado sobre os cidadãos, levado a efeito pela Policia Politíca, que havia sido constituída formalmente pelo Decreto 20 125, de 28 de Julho de 1931. Ainda durante este ano, é criada a Policia Municipal de Lisboa, a qual sob o Comando do Capitão Eduardo de Brito Galhardo, passa a ocupar-se do combate à construção clandestina, principalmente até à sua primeira reestruturação levada a cabo pouco tempo depois, pelo Coronel António Lopes Mateus, que passa a constituí-la por, uma brigada de informações, três pelotões subordinados directamente ao Comando e uma Companhia de Repressão e Policiamento.

201


História da Policia em Portugal Para além do combate aos clandestinos a Policia Municipal passa também a ter como missão fundamental, a fiscalização do movimento de alojamentos, em todos os locais de pernoita, designadamente, hotéis, pensões e hospedarias, como forma de melhor exercer o contrôle, dos indivíduos que contestavam a politíca governamental. Esta missão, viria pouco tempo depois a ser atribuída por ordem do então Ministro do Interior, Coronel Lopes Mateus, à chamada "Policia Internacional", de caríz e natureza essencialmente politíca, a que já se fez referência e que sob a batuta do seu primeiro responsável, Capitão Agostinho Lourenço, se veio a transformar pelo Decreto 22.992 de 29 de Agosto de 1933, em Policia de Vigilância e Defesa do Estado.

A DÉCADA DE 30 Em 5 de Julho de 1932, António de Oliveira Salazar, assume a presidência do executivo. As suas primeiras incursões nos meandros da politíca, remontam ao ano de 1921, após ter sido eleito deputado, através do conservador Centro Católico, pelo círculo de Guimarães e a partir de Junho de 1926, logo a seguir ao 28 de Maio, como Ministro das Finanças do Governo de Mendes Cabeçadas, durante os cinco dias em que se manteve de pé. Em 1928 quando de novo é convidado para tutelar a mesma pasta, é ele quem impõe as condições para a retomar, tanto mais que sabia, que as Finanças era área decisiva num país profundamente depauperado e a viver uma séria crise que a ditadura militar, ainda não lograra suplantar. Logo que tomou posse, mostrou-se um acérrimo defensor do equilibrio orçamental, impondo um autêntico

202


História da Policia em Portugal direito de veto, sobre as despesas dos demais ministérios, facto que lhe veio a conferir um crescente e vastíssimo poder. Salazar, sonhava com isso mesmo... Bastaram-lhe quatro anos para alcançar o seu desiderato. Depois de vencer como Ministro das Finanças todas as batalhas politícas e depois de derrotar todos os seus rivais e inimigos no interior do regime, impôs-se como um senhor absoluto, só comparável a uma monarquia sem rei!... Em 5 de Julho de 1932, é empossado como chefe do Governo e a partir daí, o seu percurso politíco, confunde-se com o do próprio regime. Ainda no decorrer do último semestre de 1932 e durante o ano de 1933, Salazar dá os últimos passos para a remodelação do Estado autoritário e corporativo, rejeitando todo e qualquer acordo ou plataforma de entendimento com os grupos oposicionistas, apelando a uma congregação politíca do país em torno da "União Nacional", de que se veio a tornar o chefe supremo. Em Fevereiro de 1933, pública o texto da nova Constituição, a qual sujeita a plebiscito em 19 de Março seguinte, é aprovada. No ano seguinte faz aprovar igualmente o Estatuto do Trabalho Nacional, passando os dois documentos a servir de inspiração e esqueleto do novo regime, que baptiza de "Estado Novo", baseado num corporativismo de raíz católica e totalmente avesso à democracia. Face à nova conjuntura, os Partidos Politícos que haviam resistido desde o 28 de Maio de 1926, bem como as Sociedades Secretas e as Associações Sindicais, passam a ser totalmente proibidas, desencadeando-se uma feroz perseguição policial, a todos aqueles que ousassem contrariar as directivas governamentais. Nos cinco meses posteriores à aprovação da nova Constituição, tudo

203


História da Policia em Portugal quanto era essencial e acessório, à segurança ao novo regime, como a Policia Politíca, a censura, a propaganda e o esvaziamento das liberdades fundamentais, estava nas suas mãos. Nos finais de 1934, após a realização das primeiras "eleições" legislativas dentro do novo quadro politíco, "assentaram praça" na Assembleia Nacional, noventa deputados, propostos por uma única organização politíca " A União Nacional" e no ano seguinte Óscar Carmona é reeleito Presidente da República sem qualquer contestação.

OFICIAIS DE POLICIA

Com a consolidação do regime, sãoigualmente criadas duas organizações tipicamente fascistas, a "Legião Portuguesa", composta por um corpo de voluntários para defesa do regime e a "Mocidade Portuguesa", organismo militarizado obrigatório, para os adolescentes em idade escolar . Salazar dá assim inicio a uma "quarentena", durante a qual não se coibiu de colocar de lado os seus outrora aliados de extrema-

204


História da Policia em Portugal direita, de anular os conservadores de feição liberal, de afastar os miliatares reformadores, de reprimir todas as oposições de cariz democrático e de esmagar todo e qualquer movimento sindical e operário. Segundo Alexandre Babo, Lisboa era então nesta altura "(...) uma cidade, onde apesar da repulsa pela Policia de Informação, onde apesar de os informadores pulularem como hienas, em toda a parte, criados de café e restaurantes, putas, porteiros, taxistas, empregados do comércio (mais tarde, a Rádio Espanha Livre daria os nomes de muitos deles), apesar da raiva à G.N.R. e à P.S.P., a qualquer farda, salvo a da Marinha, apesar dos discursos do chefe com vóz de velha em falsete, apesar da mediocridade imperante nos Ministérios e nos servidores do regime, apesar da repressão cada vez mais violenta e indiscriminada, apesar de tudo, a Lisboa de então era uma cidade alegre, cheia de côr, pacata (...) Centro havia apenas a Baixa-Rossio, Chiado e imediações, que se nos afigurava cosmopolita e frenético e ao mesmo tempo simples e familiar, patriarcal. Uma Lisboa cromática, sonora de pregões das peixeiras, das varinas, da fava-rica, dos amola-tesouras e navalhas. (...) Lisboa dos pobres, mancos, manetas, chagados, pedindo esmolas com pratos de latão. Lisboa dos cantores de rua, cegos ou não, cantando o 'negro e horrível crime', versos que a companheira vendia depois em papel barato. Lisboa dos chulos à porta da Chic nos Restauradores, ou na rua dos Condes, Jardim do Regedor, Eugénio dos Santos, Lisboa dos senhoritos à tarde à porta da Havaneza mascando o charuto cubano com chapéu atoureado e anel de brasão, exibindo a ociosidade e a jactância; Lisboa dos maricas do Terreiro do Paço ou à espreita nos urinóis; Lisboa das putas ao 'ponto', divididas em escalões sociais, desde os 7$50 do Intendente e Socorro aos vinte

205


História da Policia em Portugal na Rua dos Correeiros; Lisboa das tabernas, do 'meio tinto' e 'capitão' e sandes de leitão e de presunto, (...) dos clubes nocturnos com espanholas de Alcochete a sangrar os Alentejanos que esbanjavam aqui, como papalvos imbecis, o dinheiro arrancado à exploração miserável do ganhão e do alugado das nostálgicas planícies de entre o Tejo e o Guadiana; das velhas nos bancos dos jardins; (...) Lisboa das elegantes mulheres de tratamento, belas e altivas, requebrando-se na Rua do Carmo e de Garrett, algumas com galgos atrelados ou lulus no regaço; Lisboa das beatas às portas das muitas igrejas, seres sem idade, sem cérebro, envoltos em bolor negro; Lisboa das tertúlias, da pasmaceira e do cavaco."

A OPOSIÇÃO AO GOVERNO DE SALAZAR Vivendo-se aparentemente um clima de certa estabilidade politíca e social, no seio dos "Nacionalistas", nome pelo qual os partidários da nova ordem gostavam de ser tratados, as clivagens nunca deixaram porém de existir e com elas se começou a verificar a reorganização dos movimentos oposicionistas ao poder instalado. O primeiro exemplo, surge quando o antigo chefe do Governo Vicente de Freitas, que havia nomeado Salazar para seu Ministro das Finanças, faz eco do seu descontentamento: Face à politíca seguida pelo Chefe do Governo, denuncia publicamente a União Nacional como partido totalitário e critica de forma aberta a nova Constituição. A reacção não se fez esperar!... Vicente de Freitas que ocupava então o cargo de Presidente da Câmara de Lisboa, foi imediatamente exonerado das suas funções.

206


História da Policia em Portugal Com a preciosa e sempre necessária ajuda dos militares fiéis, em geral e das forças de segurança, em particular, Salazar ía concebendo e pondo de pé as suas ideias. Contudo e pese embora a estreita vigilância exercida pela G.N.R. no interior do país e dos Corpos de Segurança Pública e "Policia Politíca" nas grandes cidades, com particular incidência em Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal, não se pense, que os oposicionistas à sua politíca, não tivessem tentado ao longo do tempo, resistir à ditadura e restabelecer a democracia. No entanto, entre 1928, data da sua entrada para o Governo e 1968 ano em que foi substituído por Marcelo Caetano, apesar das lutas desencadeadas por Socialistas e Comunistas, quer uns quer outros, ou mesmo em conjunto, nunca o conseguiram vencer, ao ponto de nos últimos anos da sua governação, já muitos desacreditarem na possibilidade de se conseguir uma mudança de fundo, antes do desaparecimento do velho ditador. Quem não ficou à espera que isso acontecesse, foram os Comunistas... Pese embora tenham quase desaparecido por força das circunstâncias -enquanto organização - , logo a seguir ao 28 de Maio, nem por isso deixaram de ao longo de anos a fio, o combater de forma tenaz, não lhe dando tréguas. Exemplo disso mesmo, foi o trabalho clandestino que muitos levaram a efeito e que se traduziu no início da década de 30, na prisão de Bento Gonçalves, classificado pelos salazaristas como "perigoso agitador", levada a cabo por elementos do Corpo de Segurança Pública de Lisboa, da 17ª Esquadra/Matadouro, então situada na Rua Tomás Ribeiro, em Lisboa. Bento Gonçalves, um transmontano dos "quatro costados", como carinhosamente é conhecido na terra onde nasceu - Fiães do

207


História da Policia em Portugal Rio/Montalegre -, foi solto passados dois anos e a partir daí dedicase de corpo e alma à politíca, vindo em colaboração com camaradas seus, a desencadear em 1934, na Marinha Grande, uma das mais ferozes rebeliões contra a ditadura salazarista, que viria a ficar conhecida, nos anais da história como a revolta do "18 de Janeiro". Segundo Afonso Manta, "O 18 de Janeiro" foi o testemunho da capacidade revolucionária do proletariado português, foi um movimento de resistência aos decretos de fascização dos sindicatos livres até então existentes em Portugal. A ampla campanha de massas a que deu lugar, atingiu a sua expressão máxima na Marinha Grande , onde a classe operária, liderada pela organização local do P.C.P., se ergueu de armas na mão, dominou as forças repressivas, tomou a Câmara Municipal, hasteou aí a bandeira vermelha (...) e reabriu o sindicato revolucionário dos operários vidreiros da localidade". Como consequência desta acção e logo após a Guarda Nacional Repúblicana, com o auxilio de forças de artilharia, cavalaria e infantaria, ter controlado, embora a custo, a situação, várias pessoas foram presas, entre as quais se contavam os militantes operários Esteves de Carvalho, José Gregório e António Guerra, vindo este último a ser deportado para o sinistro Campo de Concentração do Tarrafal, onde viria a morrer. Ultrapassada esta fase, Bento Gonçalves torna-se no primeiro Secretário Geral do Partido Comunista Português e a oposição ao regime, embora com as limitações que as "forças da ordem" impunham continua de tal forma viva, que em 1937, um atentado cometido numa rua de Lisboa, quase vitima Salazar. Planeado por anarquistas da C.G.T., este atentado contra o ditador, ocorre em 4 de Julho, junto ao número 96 da Avenida Barbosa du Bocage!...

208


História da Policia em Portugal Sabendo que Salazar aí passava todos os Domingos, para ir assistir à missa, os seus autores colocam um explosivo no interior de um colector próximo e procedem ao seu accionamento à distância, provocando a sua deflagração. O Chefe do Governo, só só por mero acaso escapa ileso. Confrontado pessoalmente com este tipo de acções, Salazar aperta ainda mais o cerco. Por detrás de si, poderosas forças dãolhe o apoio de que necessitava e os grandes grupos económicos e a banca, que pretendiam pulso livre para a sua expansão, livres de surtos grevistas e agitação social, apoiam-no. A maioria dos Militares que entretanto seleccionara, louvara e aos quais concedia redobrados previlégios, idem. Os intelectuais de direita, designadamente da chamada "Escola de Coimbra" e grande parte dos Monárquicos, não lhe ficavam atrás. Para além de toda esta conjuntura favorável e dos "serviços distintos" levados a efeito pela Policia de Vigilância e Defesa do Estado, Salazar podia ainda contar o apoio incondicional quer da Guarda Nacional Repúblicana, quer dos Corpos de Segurança Pública, que estando subjugados ao poder militar e por conseguinte ao Governo, se limitavam a seguir as directivas dos seus Comandos. Perante este quadro, estavam assim reunidas as condições, para a centralização total do poder, o que justifica não ter sido por mero acaso, que Salazar começara a partir do ano de 1936, a acumular a Chefia do Governo, com a pasta das Finanças, da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, transformando-se num autêntico "Guia da Nação". Na verdade, a famosa frase "Sei muito bem o que quero e para onde vou", pronunciada quando da sua entrada, para o Governo, encontrava-se agora plenamente justificada.

209


História da Policia em Portugal Com o "mundo a girar à sua volta", as escaramuças foram-se no entanto sucedendo em maior ou menor grau, mas sempre controladas de perto, pelas forças policiais e Policia Politíca. Os problemas internos que mais dores de cabeça deram ao ditador só recomeçaram verdadeiramente em 1943, com a constituição do M.U.N.A.F.- Movimento de Unidade Nacional AntiFascista. Segundo se diz, a iniciativa pertenceu ao Partido Comunista, então reorganizado e muito prestigiado, principalmente pelo impulso que o novo Secretário-Geral, Àlvaro Cunhal lhe trouxe. Além dos Comunistas, o movimento agrupava quase toda a oposição democrática, com a excepção de um pequeno grupo, na altura liderado por Cunha Leal e que incluía o "velho" Partido Repúblicano Português, ainda com alguma força, o ineficiente Partido Socialista, profundamente dividido por rivalidades internas e onde a Policia "entrava" com alguma facilidade, a União Socialista, que agrupava grande parte da chamada oposição das profissões liberais e a Maçonaria. Após uma reunião realizada na Vila de Sintra, presidida pelo General Norton de Matos, o M.U.N.A.F. emite uma declaração politíca com diversos considerandos, onde eram delineadas as bases minímas para a instauração de um governo democrático de unidade nacional. Todavia e como sempre acontecera aos oposicionistas do regime, a vontade dos impulsionadores do dito encontro, não passou disso mesmo e passado pouco tempo, a Policia à semelhança do que já tinha feito no passado, procedeu ao desmantelamento da organização.

210


História da Policia em Portugal

A ORDEM PÚBLICA E O REGIME Durante o ano de 1933 e segundo os dados da Policia de Segurança Pública de Lisboa, o número de atropelamentos na capital teriam ultrapassado os 200, alguns dos quais mortais. Face a tal crescendo de acidentes, o então Comandante Coronel Martins Cameira, elabora um relatório e remete-o à Direcção Geral de Segurança Pública, chamando-lhe a atenção para os perigos que derivam do aumento substâncial do tráfego e da falta de contrôle que sobre o mesmo é exercido. Como resposta, a Direcção Geral de Segurança, cria em 3 de Janeiro de 1934, a Direcção do Serviço de Trânsito e entrega o seu Comando ao Capitão Maia Loureiro. Após tomar posse e tendo como referência a experiência inglesa nesta área, Maia Loureiro procede à organização da nova Direcção, recruta agentes policiais de várias Esquadras, "ministra-lhe" uma pequena reciclagem mais de acordo com as novas funções e reorganiza todo o sistema de contrôle do tráfego, o qual visou fundamentalmente uma vigilância mais apertada do movimento automóvel. É também a partir desta época, que nos cruzamentos com maior intensidade de trânsito na capital, são colocadas as "famosas" peanhas utilizadas pelos sinaleiros, os quais até aí, apenas existiam no Rossio, onde por ordem do então Coronel Ferreira do Amaral, havia sido colocado o primeiro sinaleiro de que há memória em Portugal e a partir de então passaram a funcionar em pontos estratégicos da cidade. Em 21 de Janeiro de 1935, os Corpos de Segurança Pública da Policia, passam a designar-se por Comando Geral da Policia de Segurança Pública, passando este novo organismo, a deter toda a

211


História da Policia em Portugal estrutura policial. Para seu primeiro Comandante, é nomeado o Coronel José Martins Cameira, que assim abandona o Corpo de Segurança Pública de Lisboa. Com esta medida e a aparente estabilidade politíca, os Comandantes da Policia e da G.N.R., passaram a conhecer dias melhores e as constantes exonerações a que já se tinham habituado, deixaram de acontecer. Martins Cameira, foi Comandante-Geral da P.S.P., durante 9 anos, tendo sido exonerado e substituído em 8 de Novembro de 1944, pelo também Coronel Raúl Silva Loureiro, que viria a permanecer no cargo durante sensivelmente 4 anos. Com as forças policiais a seus pés, Salazar para quem todos os oposicionistas ao regime eram considerados Comunistas, continuava a sua politíca ditatorial e de instrumentalização do Povo. De tal forma o fez, que durante o periodo que mediou a segunda Guerra Mundial e a crise de Goa, no claro intuito de fazer das suas fraquezas força, afirmava: ... "Quase se deve ter dó dos comunistas! Mandaram-nos ser germanófilos. no começo da guerra, e eles foram; mandaram-nos ser anglófilos, depois, e foram. Mandaram-nos admitir a independência das repúblicas soviéticas e admitiram-nas; mandaram-nos aceitar a absorção das mesmas repúblicas e aceitaram-na. São colonialistas, para expandir o Estado Socialista Russo, e anticolonialistas para diminuir o seu próprio país! Não procuremos neles lógica, mas obediência; não esperemos patriotismo, mas serviço a uma politíca estrangeira. Infeliz Povo se, confundindo promessas vâs com realidades, vier a convencer-se, um dia, de que o trabalho é sinal de servidão e a desordem, atmosfera saudável da vida". Apesar da demagogia do ditador, espelhada neste e noutros exemplos e na repressão das forças policiais ao seu serviço, a

212


História da Policia em Portugal oposição não desarmava e em 1943, registavam-se várias greves e tumúltos nas cidades do Barreiro e de Almada, que obrigaram à intervenção da P.S.P. e da G.N.R., para pôr fim ao "conflito". Para evitar que a situação se repetisse, o Chefe do Governo determina a instalação no Barreiro, de um Destacamento permanente da Guarda Nacional Repúblicana, composto por um pelotão de Cavalaria e um de Infantaria. Salazar que sobrevivera a vários atentados e a numerosas tentativas de golpes de estado, escapa igualmente e de forma "milagrosa" ao fim das ditaduras, após a II Guerra Mundial!... Ignora por completo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pelos países membros da O.N.U., em 10 de Dezembro de 1948; aguenta o vendaval provocado pela candidatura a Presidente da República do General Humberto Delgado, resiste aos graves desentendimentos com Craveiro Lopes e acaba por envolver o país em três interminàveis guerras coloniais.

213


História da Policia em Portugal Com a sua politíca, a saúde financeira do país foi reposta e a ordem nas ruas, nas fábricas e nas escolas, eram um dado adquirido. O Coronel Rafael da Cunha, que havia tomado posse como Comandante-Geral em 29 de Julho de 1948 e o General Fernando de

Magalhães Marques de Oliveira, que o substituíu no cargo, em 17 de Janeiro de 1959, foram os mais fiéis intérpretes de uma Policia amordaçada, desprotegida e subserviente, à qual nem sequer faltou a "Garantia Administrativa", como forma de "melhor servir o Estado" e que consistia no facto, dos Agentes de Autoridade não poderem ser demandados criminalmente, sem a autorização do Ministro do Interior. GUARDAS PATRULHEIROS

214


História da Policia em Portugal Em 1954, quando Joaquim Trigo de Negreiros desempenhou as funções de Ministro do Interior, o total de efectivos da Policia de Segurança Pública, era de 8.947 homens, distribuídos pelo Comando Geral e por 22 Comandos Distritais, dos quais Lisboa detinha a maior fatia com 4.074 elementos e Bragança a menor com 94. É também com Trigo de Negreiros, que os profissionais da P.S.P., conseguem o seu primeiro Estatuto, na verdadeira acepção do termo. A legislação dispersa, que então regulava a actividade da Policia e que constava dos Decretos números, 14.093 de 10 de Agosto de 1927, 22.747 de 28 de Junho de 1933, 28.405 de 31 de Dezembro de 1937 34.402 de 6 de Fevereiro de 1945 e 34.4882 de 4 de Setembro de 1945, foi totalmente revogada e substituída pelo Decreto número 39.497 de 31 de Dezembro de 1953. O referido diploma, veio por um lado não só consolidar a importância da Policia de Segurança Pública no quadro das instituições que tinham a seu cargo a defesa da ordem, com a missão de assegurar a prevenção e a repressão da criminalidade, como também reorganizar e aperfeiçoar todos os serviços da sua estrutura orgânica, designadamente, as formas de provimento dos Oficiais do Exército, recrutamento de pessoal com funções policiais e pessoal menor, regulamento de continências, horários de serviço e vencimentos, que nesta altura de cifravam em 525$00 mensais, para os Guardas de Segunda Classe em Lisboa e no Porto, 475$00 para os mesmos Guardas, nos restantes Comandos, 750$00 também mensais para os Primeiros Subchefes em Lisboa e no Porto e 1.400$00, para os Chefes de Esquadra da capital. Pouco depois com a publicação do Decreto número 39.555 de 26 de Fevereiro de 1954, pela primeira vez, são "abertas" as portas da P.S.P. a elementos do sexo feminino, as quais inicialmente foram

215


História da Policia em Portugal destinadas, ao serviço de vigilância de mulheres e crianças, no interior dos departamentos policiais e só muito mais tarde, a todos os serviços de Policia . Um dos muitos acontecimentos que igualmente marcaram esta época e que preocuparam seriamente o regime e a Policia , foi o aparecimento no final dos anos cinquenta, dos "Teddy-Boys"!... Mas quem era afinal esta gente?... A primeira vez que a expressão surge impressa, foi no "Daily Express" de 23 de Setembro de 1953. Pretendia este jornal, descrever vários grupos de adolescentes, que desde hà alguns anos até então, preocupavam a sociedade inglesa. Inicialmente, os Teddy Boys vão - quer nos E.U.A., quer em Inglaterra - protagonizar ataques de natureza racista. Depois, agressões com navalhas, lutas entre os diversos grupos e uma peculiar forma de estar e de vestir, contribuíram também para chamar a atenção sobre eles, a qual viria a aumentar progressivamente, com o recém chegado rock in roll e Elvis Presley. Com a sua mais que natural "chegada" a Portugal e os desmandos que provocaram, inicialmente nas zonas de Espinho, da Praia das Maças em Sintra e mais tarde nas grandes cidades, onde para além das agressões fisícas, destruição de viaturas e roubos, se dedicavam a uma vida de ociosidade, levou a que Salazar e a sua Policia tomassem as devidas precauções!... Com efeito e dado em Agosto e Setembro de 1959, as praias do país se terem enchido de Teddy- Boys e Teddy-Girls, Oliveira Salazar escreve ao Comandante Fernando de Oliveira, a quem pede explicações. O Comandante responde-lhe no início do mês de Outubro dizendo:

216


História da Policia em Portugal ... "Meu excelentíssimo Presidente do Conselho (...). Recebi a carta de V. Exª. sobre os delinquentes juvenis, quando me encontrava de licença, o que não obstou a que tomasse logo as providências que são devidas (...)". A partir daqui as detenções sucedem-se em catadupa e os furtos de automóveis e hiates mascarados de espirito de aventura e as orgias com acompanhamentos de estupefacientes e bebidas de guerra, são tenazmente reprimidas. A situação era entendida como de tal forma grave, que o então Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, Eduardo Neves, em reunião ordinária do Município, chamou a atenção para esta onda de "teddyboyismo", visível na cidade e sobre a qual a Policia não tinha mãos. A sua intervenção teve tal ênfase, que a ela se referiram todos os jornais da época, denunciando "a praga". A Policia de Segurança Pública a quem cabia a manutenção da ordem nas cidades, cada vez via o cerco mais apertado. De tal forma isso aconteceu, que o Comando Geral se sentiu na necessidade de tomar medidas ainda mais enérgicas, no combate aos "Teddys". Assim, não foi de estranhar a saída de uma Ordem de Serviço e consequente nota à comunicação social, dizendo o seguinte: "Verificando-se que indivíduos jovens conhecidos por Teddy-Boys estão actuando desenfreadamente, especialmente nas praias, praticando actos reprováveis e praticando assim a intranquilidade e a insegurança, determina-se a todos os Comandos para que tomem as mais enérgicas e urgentes providências. A P.S.P. não modificará como é hábito, a sua maneira de proceder, mesmo que tais prevaricadores sejam filhos de pessoas influentes ou os pais se prontifiquem a pagar os prejuízos, devendo por consequência,

217


História da Policia em Portugal empregar sempre as necessárias e convenientes medidas de repressão, qualquer que seja a condição social daqueles". "Era tempo (...)", foi a reacção de "O Século", continuando: " (...) O Século deu o alarme, tanto pelo que se refere à ordem pública como à perigosa contaminação da juventude por essas nocivas atitudes de incipientes energúmenos.(...). E regozijamo-nos ainda pela maneira categórica, terminante, como a Policia está disposta a proceder, mesmo que esses teddy-boys sejam filhos de pessoas influentes (...). A Lei é só uma, e não admite excepções. É necessário, custe o que custar, esterilizar-se a sociedade desses vírus que atentam contra ela". Em Portugal, os "rapazes intoleráveis" tinham vivido um dos últimos tempos em que puderam fazer jus à sua idade. Dentro de um ano e meio, a sua geração vai envelhecer rapidamente ao pegar em armas para lutar pela defesa do "império". Lá longe, na pátria dos teddy-boys, os seus inspiradores não teriam sorte diferente; os ventos que os levariam ao Vietname começavam já a soprar. Para trás ficava a memória de um tempo em que todos eram novos, saudáveis, irrequietos e em que acreditavam, que o mundo era também uma brincadeira. A GUERRA COLONIAL Ao contrário do que muitas vezes se afirma, os primeiros incidentes graves entre portugueses e africanos, não ocorreram em Angola, tendo tido lugar isso sim, na Ilha de São Tomé, pouco tempo depois de terminada a Segunda Guerra Mundial. A sua origem ficou a dever-se ao facto, do então Governador da Província Carlos Gorgulho -seguindo as instruções de Lisboa -, ter

218


História da Policia em Portugal tentado a todo o custo um aumento significativo da produção de café e cacau, que nos mercados internacionais, tinham atingido preços significativos e que face à economia portuguesa caíam que nem uma luva. Para o efeito, requeria-se então mão-de-obra abundante e barata. Não olhando a meios para atingir os fins, o Governador decide então recrutar pessoal entre os indígenas. Encontrando resistência por parte destes, Carlos Gorgulho não hesitou em recorrer à força, facto que teve como consequência, um esboço de rebelião , apoiada na pequena "burguesia" creoula, contra os colonizadores. Em Fevereiro de 1953, na pequena aldeia de Batepá, a sudoeste da cidade de São Tomé, elementos do exército português e colonos, chegam inclusivé a matar e a ferir centenas de nativos, naquilo a que mais tarde se veio a chamar o"massacre de Batepá". Este incidente, que teve enorme repercussões, no seio de muitos intelectuais africanos, veio passado pouco tempo, a estar na origem da constituição do primeiro grupo de homens adeptos da independência, os quais passado pouco tempo, vieram a constituir o C.L.S.T.P.-Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe. No ano de 1959 e no sentido de colocar um ponto final nas constantes quezílias, que entretanto se íam verificando, Oliveira Salazar, através do Decreto 42.223 de 18 de Abril, decide-se pela criação de um Corpo de Policia nesta província. Para o efeito, destaca efectivos da metrópole e no ano seguinte, em Junho de 1960, o Corpo Policial recém-criado, tem já estabelecidas junto a diversas fazendas, secções de Policia Rural, para vigilância e contrôle dos indígenas. Com esta medida, as dores de cabeça de Salazar, ficavam assim em "banho-maria" e as condições de que

219


História da Policia em Portugal necessitava para aumentar as produções dos já referidos produtos, estavam desta forma encontradas. Contudo, o sossêgo do ditador, foi sol de pouca dura!... Por volta do ano de 1960, intensificava-se a subversão activa, levada a cabo por múltiplos movimentos de libertação em África e os territórios portugueses, como é óbvio, não ficaram imunes a esta "onda". Em Angola, no dia 15 de Março de 1961, bandos armados da U.P.A., sob a tutela de Holden Roberto, para além de destruírem e incendiarem fazendas e aldeias, assassinam dois mil colonos brancos, facto que viria a marcar o início a uma imensa tragédia e abriria caminho a catorze anos de guerra. Para Salazar que já havia perdido Gôa, era necessário defender África!... Assim, ordena o envio de forças militares "rapidamente e em força", para Angola e em Abril do mesmo ano, reforça os Corpos da P.S.P. nesta província, com companhias móveis da Policia de Segurança Pública, oriundas da metrópole, para manter a ordem e a páz pública. Para prevenir situações deste tipo em Moçambique e na Guiné, onde igualmente a guerra viria a deflagrar, o Chefe do Governo, faz sair em Outubro de 1963 e Abril de 1965, as Portarias números 20.092 e 21.208, através das quais cria, à semelhança do que já fizera em Angola, os respectivos Corpos de Policia, cujas missões eram em tudo idênticas. Entretanto em 1964, a PSP desta província, recebia o seu Estatuto Orgânico e funcional, que viria a ser reformulado pouco depois em 1966. Com a sua reformulação, transformava-se assim num corpo militarizado directamente dependente do GovernadorGeral, tendo por missão assegurar quer a ordem pública e a

220


História da Policia em Portugal repressão da criminalidade, quer a fiscalização aduaneira e viária, isto para além da defesa civil das populações e da prestação de assistência aos sinistrados e indefesos. Para o exercício de um maior contrôle em terras "portuguesas" de África, designadamente no campo militar e politíco, são igualmente para aí destacados, diversos elementos da P.I.D.E.-Policia Internacional de Defesa do Estado, a qual entretanto havia mudado a sua designação, passando a chamar-se, Direcção Geral de Segurança.

O ASSASSÍNIO DE HUMBERTO DELGADO Mas os problemas para os governantes não se ficavam apenas por África!... No ano de 1965, Salazar vai ter de enfrentar mais um, dos muitos e graves do seu "reinado": O assassínio, pela D.G.S., do General Humberto Delgado. Após um longo periodo de contactos, para um eventual "encontro de oposicionistas ao regime", forjado pela Policia Politica e que levaram o General a pensar, estar a lidar com homens da sua confiança, a cilada foi-lhe minuciosamente montada. Tudo ocorreu em 13 de Fevereiro junto à fronteira com Espanha, perto da cidade de Badajoz. A brigada chefiada pelo então Inspector da "P.I.D.E." Rosa Casaco e da qual faziam ainda parte, Ernesto Lopes, Casimiro Monteiro e Agostinho Tienza, sai de Lisboa na tarde de 12 de Fevereiro, deslocando-se em duas viaturas, com documentação e matrículas falsas!... Passam a noite numa pensão em Reguengosde Monsaraz e na manhã seguinte, deslocam-se para o Posto fronteiriço de São Leonardo, que na altura era chefiado, por um ex: Guarda da 221


História da Policia em Portugal Policia de Segurança Pública, António Gonçalves Semedo. Uma vez aí procedem a nova substituição das chapas de matrícula das viaturas, trocando-as por outras também falsas, após o que seguem caminhos distintos. Enquanto Rosa Casaco e Casimiro Monteiro seguem em direcção ao local previamente definido para o encontro com o General, e se situava num local ermo, próximo de Villanueva Del Fresno, Ernesto Lopes e Tienza deslocam-se a outro, também previamente definido, donde dali transportariam Humberto Delgado, para junto do um suposto Coronel, que os aguardava e que com ele iria debater questões de natureza politíca, com vista ao derrube da ditadura. Após se cruzarem, as duas viaturas pararam e Rosa Casaco, que se fazia passar pelo tal "Coronel" que iria estar presente no encontro e servira de "isco", saíu do carro e dirigiu-se ao General. Mais lesto, Casimiro Monteiro, que entretanto havia também saído do carro, aproxima-se de Delgado, empunha um revólver e dispára um tiro à queima-roupa na cabeça do General provocando-lhe morte imediata. A "missão", tinha sido cumprida e só após o 25 de Abril de 1974, viria a ser investigada pela Policia Judiciária. O testemunho inicial partiu do ex: Guarda da P.S.P., António Semedo, que na altura do crime, chefiava o Posto de São Leonardo e que ouvido pelo Inspector da PJ, João Coutinho, viria a revelar a composição da brigada. Daí até ao esclarecimento total do caso, foi um instante...

O FIM DA ERA SALAZARISTA Entretanto com o desenrolar da guerra, a situação durante a década de 60, torna-se praticamente insustentável. Portugal é um

222


História da Policia em Portugal país só, pobre, atrasado e subdesenvolvido. De férias no Forte do Estoril, é esse país real que o velho ditador não vê, nem quer ver. Na manhã de 3 de Agosto de 1968, Salazar cai de uma cadeira de lona, onde descansava, resultando-lhe da mesma um hematoma intracraniano, que obrigou a uma intervenção cirúrgica, realizada em 7 de Setembro, no Hospital da Cruz Vermelha em Lisboa. O Chefe do Governo recupera, mas passados que foram onze dias, é acometido de uma grave trombose, que viria a traçar o seu destino. Submetido a nova operação, logo os médicos concluem que a doença é irreversível e que jamais poderá retomar as suas funções públicas. Já com o General Tristão da Cunha Caldeira de Carvalhais, que havia tomado posse em 10 de Janeiro de 1968, como Comandante Geral da Policia de Segurança Pública e após a morte de Humberto Delgado primeiro, e a doença do Presidente do Conselho mais tarde, a agitação social aumentou significativamente e os estudantes e operários, não deixavam de hostilizar o regime. A P.S.P., mantinha-se constantemente de prevenção e das várias manifestações e protestos que se realizaram, salienta-se a levada a cabo pelos Caixeiros, no Largo de São Bento, em Lisboa, que na altura lutavam pela melhoria dos seus salários e pela concessão da semana inglesa. Não consentindo qualquer tipo de veleidades, a P.S.P. para além de deter alguns do mentores da manifestação, viria igualmente a carregar sobre os obstinados trabalhadores, provocando ferimentos em muitos deles, como consequência das bastonadas e das mordidelas dos cães que sobre os mesmos haviam sido lançados.

223


História da Policia em Portugal O que é certo, é que esta manifestação veio dar mais uma "facada" no regime e os Caixeiros pese embora tenham sido molestados fisicamente, sabe-se que viriam pouco tempo depois, a conseguir os seus objectivos. Entretanto e perante o vazio politíco criado pela precária saúde de Salazar, o então Presidente da República, Américo de Deus Rodrigues Thomaz, convoca uma reunião do Conselho de Estado para 17 de Setembro, onde durante noventa minutos se discute e se tentam encontrar soluções, para substituir o Chefe do Governo. A sucessão abre a luta pelo poder nos bastidores do regime e os nomes que surgem como hipóteses, são mais que muitos!... Franco Nogueira, Adriano Moreira, Antunes Varela e Marcelo Caetano, potenciam-se como os mais fortes candidatos. A relação de forças, tal qual é captada por Américo Thomaz, acaba por ser favorável a Marcelo Caetano, que assim é indigitado para Presidente do Conselho. A 27 de Setembro de 1968, António de Oliveira Salazar é exonerado, como titular da mais prolongada ditadura da Europa Ocidental do século XX, durante a qual foi membro do Governo durante 40 anos, 4 meses e 28 dias. No mesmo dia toma posse como Presidente do Conselho de Ministros, o professor Marcelo José das Neves Alves Caetano e com ela algumas esperanças, no desbravar do caminho para a democracia.

OS GOVERNOS DE MARCELO CAETANO Após tomar posse, Marcelo Caetano manteve, quase intacta a estrutura do anterior Governo, substituindo apenas quatro Ministros.

224


História da Policia em Portugal No seu discurso de posse, Caetano elogia o seu antecessor e as forças armadas, promete continuar a defender o Ultramar e dá as necessárias garantias de continuidade. No sentido oposto, sublinha também a necessidade de "evolução", fala nas "liberdades que se desejaria ver restauradas" - e que só não o eram no imediato devido à guerra no Ultramar - afirmando ainda "que não queria ver os portugueses divididos entre si como inimigos". Estas mensagens, agradaram a quase todos e quer o núcleo duro do regime, quer aqueles que desejavam a sua liberalização pacifíca, se mostravam satisfeitos. Contudo as suas palavras não passaram de um discurso de ocasião!... Depressa a sua prática governativa veio demonstrar, que o projecto politíco que defendia, assentava nem mais nem menos, que na fórmula "evolução na continuidade". Aliás diga-se de passagem, que outra coisa não seria de esperar, tanto mais, que Marcelo Caetano era um acérrimo critíco das "democracias liberais" e dos "Estados Totalitários"!... Segundo Diogo Freitas do Amaral, que o conheceu de perto, o então Presidente do Conselho, defendia para a sua politíca, um meio termo, entre os dois modelos referidos e que correspondia a um Estado Autoritário Corporativista, sem partidos, respeitador das "liberdades essênciais" (vida, religião, familia, propriedade privada etc.) mas assente na negação ou forte condicionamento das chamadas "liberdades instrumentais" (liberdade de imprensa, partidos politícos, sindicatos livres etc.). Pese embora estes condicionalismos, o que é certo, é que os primeiros tempos de Governo de Marcelo Caetano, foram tempos felizes, designadamente pelo conjunto de medidas que adoptou e pelo impacto que tiveram na opinião pública.

225


História da Policia em Portugal Foram exemplos dessa "onda" de felicidade, as instruções dadas para o abrandamento da censura, que levou a que muitos jornáis da época, expressassem o seu contentamento em noticias de primeira página, as conversas em família na televisão, que permitiam a Caetano fazer uso dos seus extraordinários dotes de orador, a promessa de reformas na educação, a decisão de autorizar o regresso a Portugal, do exilado Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes e do deportado oposicionista, Mário Soares, a concessão alargada do abono de familia e das reformas e as visitas a vários pontos do país, quer se tratasse de cidades, vilas ou aldeias.

A REVOLTA DE COIMBRA Mas nem tudo eram rosas para o Presidente do Conselho e o seu Governo!... Em Abril de 1969, ambos irão ser postos à prova, face ao desencadear de uma revolta estudantil em Coimbra. Milhares de alunos liderados por Alberto de Sousa Martins, que viria a ser preso, cercam a Universidade e travam, enfrentando as forças policiais e a P.I.D.E., a maior batalha de sempre contra o regime.

226


História da Policia em Portugal CHEFES DE ESQUADRA COM FARDA DE GALA Tudo começou, quando a 17 do já referido mês, o Presidente da República Américo Tomáz e o Ministro da Educação José Hermano Saraiva, procediam na Universidade de Coimbra, à inauguração do Edifício de Matemáticas e usava da palavra, o já referido Alberto Martins, então Presidente da Associação Académica. Não gostando do tom do seu discurso, Américo Tomáz, deu ordem para que lhe fosse retirada a palavra. Foi o princípio do fim... Com a sua atitude, o Presidente da República, viria a provocar uma luta, que durante seis meses fez estremecer o regime. Gonçalves Rapazote, que na altura superintendia no Ministério do Interior e o General Caldeira de Carvalhais, Comandante Geral da P.S.P., "mobilizam" os efectivos da Policia de Segurança Pública de Coimbra, para em conjunto com a forças de Cavalaria da Guarda Nacional Repúblicana, fazerem face às investidas dos estudantes.

SÍMBOLO DA PSP DE COIMBRA Após após diversos recontros e tentativas de "aquisição de informações remuneradas", na qual se distinguiram diversos elementos da Policia Politíca, a "revolta" só viria a atingir o seu auge,

227


História da Policia em Portugal no dia seis de Junho pelas catorze horas, quando os estudantes de medicina, Maria Clara Silva, Manuela Fernandes, António Capelo, Eduardo Morgado e José da Silva, que formavam um piquete de greve aos exames, foram presos pela Secção de Justiça da P.S.P. de Coimbra, sob a acusação de todos em conjunto e segundo o relato do respectivo Auto de Detenção, terem impedido "uma filha do senhor Engenheiro Almiro Lopes, de nome Maria Gabriela Gomes Lopes" de se apresentar a exame. Apresentados que foram a Tribunal, o Juíz iliba-os e descompõe os Policias!... Com esta atitude, a situação agravar-se-ía ainda mais e temendo o pior, tanto mais que se aproximavam as eleições de Outubro, o Governo acabaria mesmo por ceder às pretensões dos estudantes, dando ordem de soltura a Alberto Martins e demitindo o Ministro e o Reitor da Universidade, sob pena de o regime correr riscos irreparáveis.

AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 1969 Com a cedência às pretensões dos estudantes, o azedume, pelo menos aparentemente, parece não ter atingido o Governo e o "cheiro a primavera", que havia caracterizado o início da governação de Caetano, vai manter-se por mais algum tempo. Em Outubro, com a realização de eleições para a Assembleia Nacional, os governantes dão mais um ar da sua graça, e pese embora todo o tipo de limitações, autorizam pela primeira vez, desde que fora implantado o Estado Novo, a participação da Oposição Democrática.

228


História da Policia em Portugal Com esta medida, o prestígio de Marcelo Caetano continuou a consolidar-se e só em 17 de Dezembro, dois meses após a publicação dos resultados eleitorais e depois de uma "conversa em familia", os portugueses mais optimistas, ficariam a conhecer os verdadeiros objectivos do Chefe do Governo. Na sua alocução ao país, Marcelo Caetano disse: ... "o elevado número de abstencionistas não tem significado; o país votou maciçamente nas listas de candidatos que se propunham apoiar o Governo; e tanto em Portugal como no estrangeiro estas eleições foram interpretadas como um voto de confiança no Chefe do Governo. O país manifestou muito claramente a sua vontade, sobretudo quanto à defesa do Ultramar; e, portanto, agora o Governo tem um mandato indeclinável a cumprir". Com estas palavras, Caetano disse tudo e em boa verdade a partir deste momento, ficou claro que a liberalização e o reformismo que se pretendiam, tinham passado para um plano secundário.

229


História da Policia em Portugal OFICIAIS DE POLICIA

Não se pense contudo, que a "vida" se tornou fácil para o Chefe do Governo!... A guerra colonial, quer interna quer externamente, dava-lhe constantes dores de cabeça, a oposição continuava a manifestar-se ruidosamente, os militares davam mostras de algum descontentamento e a ala liberal, chefiada por Francisco Sá Carneiro, dava os primeiros passos na contestação ao executivo. Agudizada a situação, Marcelo Caetano vê-se obrigado a Reformular o seu Governo em Janeiro de 1970. Após substituir vários ministros, extingue a União Nacional e cria a ANP-Acção Nacional Popular. Desta forma, procura dar outra imagem da sua politíca e do regime, aumenta a sua presença na televisão, para as já habituais "conversas em família", mas os desentendimentos com a ala liberal continuam e a oposição à sua politíca acentua-se cada vez mais. Dos três grandes problemas que afligiam o país Democratização, Descolonização e Desenvolvimento -, só este último corria mais ou menos bem. Quanto aos restantes, Caetano preferiu o seguidismo, facto que levou a que os elementos que constituíam a ala liberal, concentrassem todos os seus esforços na democratização do país, iniciando-se assim um conflito, que iria levar à ruptura completa.

O DECLINIO DA GOVERNAÇÃO MARCELISTA O ano de 1973, é aquele em que verdadeiramente começa a agonia de Marcelo Caetano e do seu regime!...

230


História da Policia em Portugal Interna e externamente a situação politíca continua a degradar-se, a guerra colonial principalmente na Guiné, dá mostras de se encontrar definitivamente perdida, os massacres das populações nativas, cometidos pelas tropas portuguesas, tornam-se motivo de escândalo a nível internacional, as contestações estudantis começam a desenvolver-se, a inflação aumenta assustadoramente e o povo, sob a tutela dos movimentos oposicionistas, começa a queixar-se da diminuição do poder de compra. Perante este quadro e também face ao contínuo afastamento da Igreja, que se começa a desenhar, Marcelo e o seu Governo, não têm outra saída, senão a de enveredar pela repressão policial.

GUARDAS SINALEIROS

Contudo, este tipo de resposta, ao avolumar constante de problemas, desagradou ainda mais aos opositores do regime, levando

231


História da Policia em Portugal mesmo a que os elementos que integravam a ala liberal no Parlamento, se demitissem das suas funções e a que o General António de Spínola, aproveitando a "boleia", rompesse definitivamente com Marcelo Caetano, levando com a sua decisão, a que muitos dos antigos fiéis, começassem também a abandonar o barco. Numa última tentativa para salvar a situação, o Governo decide convocar eleições para esse ano de 1973, apostando tudo. Contudo a sua estratégia não resultou e as mesmas vieram a transformar-se num autêntico fiasco!... A Oposição Democrática, reuniu o seu Congresso pré-eleitoral em Aveiro e regressando à táctica dos tempos de Salazar, decide concorrer, fazer a sua campanha eleitoral e após esta terminar, resolve retirar-se com o argumento de falta de condições democráticas para participar nas eleições. Como se isto não bastasse, os liberais seguem-lhe as pisadas: Fazem igualmente uma espécie de Congresso em Lisboa e decidem da mesma forma, isto é: Não apresentar qualquer lista, às eleições, levando ao isolamento dos "Consevadores", e a que, a A.N.P. que suportava o regime, se apresentasse "orgulhosamente só", ao acto eleitoral. Face ao isolamento em crescendo e à marcação cada vez mais cerrada que lhe era feita, Marcelo Caetano tenta por todos os meios esconder a realidade do país, quer ao nível interno, quer junto da comunidade internacional, contudo a "doença" não tinha já remédio, e as Forças Armadas, que lhe tinham servido de suporte, tinham esgotado a paciência e quase todos pensavam e deixava transparecer, que a solução para a guerra, nada tinha a vêr com eles, tratando-se isso sim de uma questão politíca.

232


História da Policia em Portugal Saliente-se também, que nesta altura, já a maioria dos Oficiais Milicianos e muitos Sargentos do Quadro Permanente, estavam convertidos ao ideal democrático, - facto a que não foram alheias, as influências politícas de muitos combatentes do regime - os quais apontavam como única solução, para a resolução do problema da guerra, a concessão da independência aos movimentos de libertação dos países africanos, de língua portuguesa...

A P.S.P. DOS ANOS 60 E INÍCIO DA DÉCADA DE 70 Como já se disse, os destinos da Policia de Segurança Pública, estiveram entregues nos oito primeiros anos da década de 60 e no periodo compreendido entre 10 de Janeiro de 1968 e 26 de Abril de 1974, respectivamente aos Generais Fernando de Oliveira e Caldeira de Carvalhais.

GUARDAS PATRULHEIROS

233


História da Policia em Portugal Durante o mandato de Fernando de Oliveira e pese embora fosse considerado um General de prestígio e um homem muito admirado pelos seus subordinados, que viam nele e nas suas atitudes, um exemplo a seguir, a "vida" continuava difícil para a Policia e o seus profissionais!... A P.S.P. como sempre tinha acontecido, continuava a funcionar como um instrumento do poder instituído e do Governo. O topo da hierárquia, era totalmente composto por militares fiéis ao regime e os Policias propriamente ditos, continuavam a ser vitimas de uma causa, que obviamente não era a sua, nem a dos seus concidadãos. Com Caldeira de Carvalhais, a situação manteve-se inalterável e à semelhança do passado, a Policia de Segurança Pública, tal como sempre, continuou a ter de zelar pela sua auto-suficiência e a viver de orçamentos reduzidos. Como é óbvio, tal contexto acarretava sérias consequências, levando mesmo a que a própria Instituição, para conseguir sobreviver, tivesse de se socorrer de "habilidades", no sentido de vencer muitas das suas mais elementares necessidades. Para se fazer uma ideia da importância que os profissionais da P.S.P. representavam para o poder politíco, basta referir que o Estatuto de Pessoal, aprovado pelo Decreto-Lei 39.497 de 31 de Dezembro de 1953, vigorou durante 31 anos, e algumas alterações no mesmo operadas, quer antes, quer mesmo após a Revolução de Abril de 74, apenas consistiram na criação de novos serviços e no aumento de efectivos impostos pelo alargamento das atribuições e competências. Perante um quadro destes, os candidatos a Policias eram diminutos, e aqueles que a tal se predispunham, faziam-no com o

234


História da Policia em Portugal objectivo claro, de um regresso tão rápido quanto possível às suas terras de origem, sempre com o claro intuito, de juntar o útil ao agradável!... Isto é: Desenvolver a sua actividade de Policia, paralelamente com qualquer outra. Face à conjuntura e às dificuldades que o Governo de Marcelo Caetano enfrentava nesta área, o Ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, decide-se pela criação de novos incentivos para os agentes de autoridade. Assim, em 1971, para além de ordenar a abertura de concursos de admissão para elementos de ambos os sexos, promete incentivos aos que voluntariamente queiram ir para África, bem como diversas regalias sociais, designadamente o aumento dos vencimentos dos Guardas, para 1.750$00 mensais e dos serviços remunerados para 40$00 e 18$10, quer respectivamente se tratassem de serviços prestados a entidades privadas ou a agentes desportivos. Com estes "incentivos" e com a possibilidade de ao vencimento normal, poderem aumentar os quantitativos correspondentes a uma média de 40 serviços remunerados, efectuados mensalmente, os honorários a receber tornavam-se aliciantes, motivo pelo qual os candidatos a Policias começam a surgir. Perante tal e porque era necessário admitir homens e mobilizálos para África, o Ministro do Interior, adopta novas medidas relativamente à formação dos Agentes Policiais. Decide-se então, pela formação de Guardas femininas, na Escola Prática de Policia, que funcionava no Largo do Calvário em Lisboa, donde saíu um primeiro contingente de 158 mulheres e paralelamente, a instrução ministrada aos homens, passa a ter lugar, no Palacete José Malhôa nas Caldas da Rainha, em escolas de alistados de 250 homens.

235


História da Policia em Portugal Nesta altura, a Policia de Segurança Pública, está já organizada em vinte e dois Comandos Distritais, todos dependentes hierarquicamente do Comando Geral, que funcionava na Avenida António Augusto de Aguiar, em Lisboa, donde e tal como hoje saíam todas as directivas, relacionadas com a actividade policial. De salientar ainda, que é no início desta década, mais precisamente em 12 de Junho de 1970, que face a vários actos de corrupção, é extinta pelo Decreto-Lei 265/70 a Policia de Viação e Trânsito, sendo criada simultâneamente, para a substituír, a Brigada de Trânsito da G.N.R.

. . .

236


História da Policia em Portugal

CAPÍTULO XI A TERCEIRA REPÚBLICA

237


História da Policia em Portugal

A REVOLUÇÃO DE ABRIL/1974 O último Governo do Estado Novo, não conseguira avançar com as reformas que a sociedade exigia. A imprensa continuava manipulada e sujeita a forte censura, a Policia Politíca, mantinha as suas habituais "práticas" e o multipartidarismo continuava a ser uma ficção. Num último fôlego, Marcelo Caetano tenta mudar o sistema educativo e lançar as bases de um Estado-Providência à maneira da Europa rica. Contudo era tarde demais!...A insatisfação dos quadros intermédios do exército, a que já foi feita referência, transformouse agora numa rebelião aberta e o General António de Spínola, com a publicação do livro "Portugal e o Futuro", onde se explicavam as razões da inevitabilidade da descolonização, dá a "machadada" final, na já depauperada politíca do Governo de Caetano. Assim, em 16 de Março de 1974, não foi com surpresa que surgiu o primeiro movimento militar, na tentativa de derrube do regime. Sob o Comando do então Capitão, Virgilio Canisio Vieira da Luz Varela, (actualmente a prestar serviço na P.S.P. como Coronel) a partir do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Raínha, uma coluna militar marchou sobre Lisboa, com o objectivo claro de colocar um ponto final no regime ditatorial. Sem apoios e muito desorganisados, os protagonistas do "golpe" viriam a falhar os seus intentos e os seus responsáveis acabariam mesmo por ser presos,

238


História da Policia em Portugal recolhendo à casa de Reclusão da Trafaria, onde se mantiveram até ao desencadear da revolução. Apesar de falhada, esta tentativa teve contudo o mérito de servir como exemplo para futuras investidas, que viriam a culminar em 25 de Abril, com a queda do regime. Tudo se iniciou, pelas 00H20 desse mesmo dia, após a Rádio Renascença ter emitido a canção "Grândola Vila Morena" do cantôr José Afonso, que serviu de senha ao desenrolar de todas as operações. Assim, às primeiras horas da madrugada, várias unidades militares estavam em marcha em direcção a Lisboa e ao Porto. No interior e arredores de ambas as cidades, vários grupos de tropas revoltosas, tomam diversos pontos vitais, incluindo vias de comunicação, estações de rádio e televisão, edifícios militares e governamentais. Pelas 03H00, as movimentações desenrolam-se já em todo o país e pese embora às 3H30 da madrugada, a Policia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Repúblicana, tenham recebido ordens para entrar de prevenção, o "Movimento dos Capitães" tornara-se irreversível. Às 05H15 e já depois de Marcelo Caetano se ter refugiado no Comando Geral da Guarda Nacional Repúblicana, o Movimento das Forças Armadas, emite um comunicado, através do qual apela a esta força, à Policia de Segurança Pública, à Legião Portuguesa e à PIDE/DGS, para que obedeçam às ordens do movimento. Entretanto, o Capitão Salgueiro Maia entra em Lisboa, ocupa o Terreiro do Paço e pelas 08H00 vê-se confrontado com o primeiro contratempo: Na Rua do Arsenal, Forças do Regimento de Cavalaria 7, fiéis ao regime, dão sinais de esboçar um confronto com os revoltosos e a dúvida vai permanecer durante hora e meia, tempo

239


História da Policia em Portugal suficiente, para o Capitão de Abril, convencer os opositores à rendição. Neste imbróglio, a P.S.P. e a G.N.R., não tomam qualquer posição e ao verificar ter perdido a "batalha", Marcelo Caetano acaba por se render, entregando o poder nas mãos do General António de Spínola. Logo após a rendição de Marcelo no Largo do Carmo, os manifestantes que aí se encontravam, deslocam-se para junto da sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso. Pelas 20H00, a moldura humana que aí se concentra é já significativa e os cerca de 200 Agentes armados que permanecem no seu interior, veêm-se confrontados com a ira do Povo. Ao fim de meia-hora e face à iminência do confronto físico, os homens da PIDE, disparam sobre a multidão e dão-se as primeiras baixas: 4 mortos e 20 feridos, é o saldo da investida da população à sede da Policia Politíca. Com a situação a agravar-se, os militares cercam então o local e pelas 22H00, um Agente daquela Policia tenta fugir, sendo também ele baleado. Às 08H30 do dia seguinte, os homens da PIDE rendem-se e a revolução acaba por triunfar.

O INICIO DA DEMOCRATIZAÇÃO Nas suas raízes, o movimento militar de 25 de Abril de 1974, pouco tivera de ideológico. Foi acima de tudo, uma revolta de protesto, visando fundamentalmente a reposição da dignidade dos militares e das Forças Armadas e o fim da guerra colonial, o que não quer dizer, que nos bastidores não se movessem outras forças, de carácter económico, social ou politíco. O programa do Movimento das Forças Armadas, dado a conhecer no dia seguinte ao da revolta, continha todo um conjunto

240


História da Policia em Portugal de medidas, susceptíveis de obter o aplauso dos vários quadrantes

sociais e politícos, com excepção da grande burguesia. GUARDAS DA DIVISÃO DE TRÂNSITO

De entre elas, destacavam-se a destituição de todas as autoridades supremas do Estado Novo, a extinção da D.G.S., da Legião Portuguesa, da Mocidade Portuguesa e de outras organizações politícas de juventude, a prisão dos principais responsáveis pelo regime, o contrôle económico e financeiro, a amnistia para os presos politícos, a abolição da censura e o saneamento das Forças Armadas, da Guarda Fiscal, da Guarda Nacional Repúblicana e da Policia de Segurança Pública. O programa, destacava ainda, que a curto prazo, seria escolhido um Presidente da República, formado um Governo Provisório e decretar-se-íam as necessárias liberdades, por forma a permitir a criação de Associações de natureza politíca.

241


História da Policia em Portugal Face a estas medidas, o povo não ficou indiferente e depressa mostrou a intenção de ter a sua quota-parte no movimento. As manifestações entusiásticas que se íam verificando de norte a sul do país, demonstravam a sua plena adesão à democracia e daí até à entrada em cena dos partidos politícos, cheios de fogo ideológico e desejosos eles próprios, de exercer o contrôle dos próprios militares do Movimento das Forças Armadas, foi um instante.

A POLICIA DE SEGURANÇA PÚBLICA E O REGIME Logo no dia seguinte ao golpe de estado, o então Comandante Geral da P.S.P., General Caldeira de Carvalhais, foi exonerado e substituído no cargo pelo Coronel José João das Neves Cardoso, o qual viria a permanecer na chefia da Instituição até 26 de Março de 1975, data em que, e como consequência dos acontecimentos do golpe militar de 11 do mesmo mês, foi também exonerado e rendido pelo General-graduado José da Silva Pinto Ferreira. Situando-se ideologicamente, muito próximo dos vencedores do já referido golpe militar, Pinto Ferreira passa a comandar simultaneamente a P.S.P. e a G.N.R., coloca a hipótese de fusão das duas Instituições e a Policia de Segurança Pùblica, passa nesta fase, por um dos mais difíceis periodos da sua história, facto a que não é alheio o papel desempenhado pelo próprio Comandante Geral, ao permitir não só o desarmamento dos efectivos policiais, como também as facilidades que concedeu, para a politização dos seus Agentes, procurando enquadrá-los num âmbito partidário especifíco, defendido na altura pelo Partido Comunista Português. Neste conturbado periodo da história da P.S.P., a "autoridade" e o respeito que são devidos a uma Instituição deste tipo, foram

242


História da Policia em Portugal completamente perdidos. A missão de assegurar a ordem e a tranquilidade pública, foi transferida para o C.O.P.C.O.N.- Comando Operacional do Continente, que passou a assumir um tipo de comportamento, como se de um Orgão de Policia Criminal se tratasse, resolvendo à sua maneira todo e qualquer assunto de natureza policial, que lhe fosse colocado. Em boa verdade, este foi um, entre tantos outros problemas, que durante trinta e oito semanas, - desde o 11 de Março a 25 de Novembro de 1975, - constituíram um autêntico drama, que envolveu um terramoto económico, a radicalização politíca nos limites da guerra civíl, mudanças profundas na sociedade e a tragédia pessoal, para centenas de milhar de refugiados das ex:colónias. Após o golpe militar já referido, que levou à fuga do General António de Spínola para Espanha, o regime acentuou o seu pendor pro-Comunista. Foi dissolvida a Junta de Salvação Nacional e criado o Conselho da Revolução, a quem foram atribuídos poderes legislativos. Sem perder tempo e logo após a sua criação, nacionalizou a banca e no final de Março, tomou posse o V Governo Provisório, o qual chefiado pelo Brigadeiro Vasco Gonçalves, defendia uma economia de transição para o Socialismo. Embora inicialmente, integrasse elementos ligados ao Partido Socialista, na sua génese, o V Governo Provisório era essencialmente pró-Comunista e logo após entrar em funções, de imediato tratou de nacionalizar as empresas do sector da electricidade, petróleo e transportes, ao mesmo tempo que congelava os preços dos produtos alimentares. O Executivo, baixou ainda os salários dos próprios ministros, mexeu nas rendas,

243


História da Policia em Portugal defendeu ocupações das casas vazias de Lisboa e promulgou a lei da reforma agrária. Na véspera das primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, Vasco Gonçalves avisava: "Se as conquistas revolucionárias correrem risco, (...) teremos de empenhar o povo português na defesa das conquistas alcançadas". Após esta onda e pese embora o Partido Socialista tenha ganho as eleições de 25 Abril, a situação em nada se alteraria e as rédeas do poder, continuavam a concentrar-se num triunvirato, formado por Vasco Gonçalves, Costa Gomes e Otelo Saraiva de Carvalho. Em Maio e Junho com o regresso de mais de 300.000 refugiados das ex:colónias a situação agravar-se-ía e a 20 de Junho, é dado o "golpe" fatal na jovem democracia!... O Movimento das Forças Armadas define a revolução, como "...O caminho para a sociedade sem classes" sendo os Partidos chamados reaccionários, avisados para ficarem fora da politíca, sob pena de os mentores de tais ideias, "serem colocados no Campo Pequeno". Sem alianças externas, a revolução vira-se para o Bloco do Leste da Europa e não é por acaso, que Costa Gomes visita Moscovo e Otelo Saraiva de Carvalho, a Ilha de Cuba. Entretanto o Governo de Vasco Gonçalves, viria a cair no final de Agosto e em Lisboa, verificaram-se incidentes graves, entre os desalojados das ex:colónias, o C.O.P.C.O.N. e a Policia, a qual entretanto havia sido solicitada por estes, para fazer frente aos protestos dos "retornados". A partir daqui, a desordem aumenta e para além das greves em catadupa, dos saneamentos politícos, da resistência à reforma agrária e do assalto às sedes do Partido Comunista Português, verifica-se igualmente, um cerco levado a efeito por trabalhadores

244


História da Policia em Portugal à Assembleia Constituinte, episódio que viria a terminar na humilhação pública dos deputados eleitos. Na madrugada de 24 de Novembro, foi colocado ponto final na desordem reinante!... Os chaimites do Regimento de Comandos da Amadora, ocuparam os pontos estratégicos da capital e o recolher obrigatório foi declarado. O aventureirismo chegara ao fim e em 2 de Abril do ano seguinte, com a aprovação da nova Constituição, votada por todos os Partidos com representação parlamentar, excepção feita ao C.D.S., a democracia respirava de alívio. Ao nível policial e face à deterioração da segurança pública, que se continuava a verificar, o General-graduado Pinto Ferreira, foi substituído no cargo em 27 de Outubro de 1976, pelo Coronel Fernando dos Reis Fernandes Caldeira. A permanência deste Oficial à frente dos destinos da Policia de Segurança Pública, foi relativamente curta e pouco tempo após o 25 de Novembro, foi nomeado em segundo mandato, o General "Spinolista" Neves Cardoso, que viria a permanecer na P.S.P., até 22 de Fevereiro de 1979, data em que, após ter atingido o limite de idade, foi substituído pelo seu colega José Lopes Alves. Neste periodo, em que Manuel da Costa Brás era Ministro da Administração Interna, as funções da Policia de Segurança Pública, foram progressivamente repostas e até reforçadas com a criação, pelo Decreto-Lei 131/77, do Corpo de Intervenção da P.S.P., o qual passaria a funcionar na dependência directa do Comando-Geral. Consequentemente, a acção da Policia de Segurança Pública nesta sociedade em transformação, retoma a normalidade e tornase cada vez mais importante e indispensável, não só para a protecção dos cidadãos em geral, como também para a vigilância dos marginais,

245


História da Policia em Portugal que muitas vezes a coberto de uma pretensa actividade politíca, começavam a depredar, quer a sociedade civíl quer o próprio Estado. Para se ter uma ideia, dos tempos conturbados que se viveram no país, basta referir, que nos dezanove meses que mediaram entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, explodiram 467 bombas, das 542, que haviam sido preparadas para o efeito, isto sem contar com os assaltos a bancos e com a "explosão" de banditismo, que de certa forma, veio aumentar a insegurança dos cidadãos, num verdadeiro atentado à própria democracia e à tranquilidade pública, pela qual sete Policias acabaram por pagar com a própria vida. Com a revolução de Abril, a situação na P.S.P. pouco ou nada se alterou. Para além de continuar, como no passado, a operar como uma estrutura de natureza militar, a Policia de Segurança Pública, continuava entregue a si própria e a viver de orçamentos reduzidos. Os sucessivos governos, pouco ou nada se preocupavam com a Instituição e a "improvisação", continuou como sempre, a ser a palavra de ordem, para fazer face aos inúmeros problemas que afligiam a Corporação. Dependente do Ministério da Administração Interna e tendo como finalidade, o assegurar da manutenção da ordem e tranquilidade pública, à P.S.P. continuava a caber como sempre, a prevenção e repressão da criminalidade. Nesta época e ao nível de Comandos Distritais, contava com 22 Unidades, sediadas em todas as capitais de distrito, do Continente e Ilhas e 126 Subunidades, espalhadas pelos principais centros urbanos, da mesma área territorial, ao mesmo tempo que espalhados por todo o país, um efectivo de cerca de 14.000 homens e mulheres, se constituía, como a principal Instituição de protecção das populações urbanas.

246


História da Policia em Portugal Para efeitos de formação e instrução, a P.S.P. dispunha de dois orgãos: A Escola Prática de Policia, onde eram ministrados cursos de promoção e o Centro de Instrução de Alistados- mais tarde chamado de Escola de Formação de Guardas, -onde era efectuada a formação dos futuros Agentes policiais.

CAPÍTULO XII OS MOVIMENTOS ASSOCIATIVOS

247


História da Policia em Portugal

O DESENROLAR DO PROCESSO O segundo semestre do ano de 1979, foi essencialmente marcado pela instabilidade politíca e social. A 6 de Junho, o então Presidente da República, General António Ramalho Eanes, dissolve o Parlamento e convoca eleições intercalares. Em meados de Agosto, é publicado o programa do V Governo Constitucional, de transição, que deveria durar cerca de cem dias. Para a chefia do executivo, Ramalho Eanes, escolhe a Engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo, uma católica de esquerda, que de imediato foi contestada pela recém-criada Aliança Democrática, coligação de centro-direita, que visava quebrar o impasse existente no Parlamento. Após a realização das eleições e de as mesmas, se terem saldado por uma clara vitória da AD, o novo Governo toma posse em 3 de Janeiro de 1980 e o programa que apresenta, causa um verdadeiro "terramoto" politíco. Para além de reforçar a autoridade do Estado, de acelerar o processo de adesão à CEE, de recuperar a economia e reforçar a iniciativa privada, o Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, propõe-se reduzir a inflação e o desemprego, o que o torna bastante popular. Com a viragem à direita e a crescente e progressiva perda de influência no aparelho de Estado e nas próprias Forças Armadas, por

248


História da Policia em Portugal parte de alguns sectores politícos de extrema esquerda e da esquerda tradicional, as "águas" começam a agitar-se... No meio desta agitação, que se revelava em crescendo, surgem as Forças Populares 25 de Abril, as quais, através de acções concertadas de rebentamento de bombas em todo o país, começaram por lançar o caos. A primeira morte - um soldado da G.N.R. - ocorre no mês de Maio, mas é apenas em 1981, já com o General Almeida Bruno, no Comando da Policia de Segurança Pública, que os Governantes se apercebem, da existência de terrorismo no país e das nefastas consequências que o mesmo pode ter para o seu desenvolvimento. No campo social e em particular ao nível do operariado, a contestação ao Governo, à qual determinados orgãos de comunicação social, davam especial ênfase, generaliza-se igualmente... A este clima de agitação, não foram imunes os profissionais da P.S.P., que tal como outros sectores da sociedade, vêem assim chegado o momento, de também eles reclamarem pelos seus direitos e por melhores condições de vida e de trabalho. Alguns, que durante a prestação do serviço militar, haviam "herdado" os efeitos do PREC, tomam a iniciativa e com o apoio de determinados sectores politícos e sindicais, começam a movimentar-se. Como resultado dessas movimentações, chega-se a consensos e daí até à realização de um primeiro almoço/convívio, que contaria com a presença de alguns Agentes e que viria a ter lugar, ainda no ano de 1980, num restaurante situado muito próximo do Campo de Santa Clara, em Lisboa, foi um salto. Após este apalpar de pulso e chegando-se à conclusão de que a iniciativa tinha decorrido de forma positiva, logo surgiu a ideia da realização de novo "convívio", o qual se desenrolaria, tambèm na

249


História da Policia em Portugal capital e num restaurante, junto à sede do Comando da Policia de Lisboa. Este almoço, onde já participou um leque mais vasto de elementos da Policia de Segurança Pública, teve a particularidade de poder também contar, com a presença de sindicalistas da Policia Judiciária, do Corpo da Guarda Prisional e de um elemento muito próximo do Partido Comunista Português, que junto dos respectivos promotores e mediante "acordo" prévio, se disponibilizou, face à inexperiência dos activistas da P.S.P., a prestar todo o apoio necessário neste tipo de iniciativas. Com o desenrolar da situação e perante os contínuos problemas com que os Agentes se debatiam e a que estavam sujeitos, quer por parte de uma hierárquia-superior demasiado conservadora, quer também pela indiferença a que sistematicamente eram votados pelos sucessivos governos, que pura e simplesmente continuavam a ignorar os seus problemas e dificuldades, as reuniões clandestinas sucedemse em diversas habitações particulares, no Casalinho da Ajuda, na Amadora, em Corroios, em Moscavide, em Alfama e no Poço do Bispo. Conhecedor destes factos através da imprensa, que começava a dar ao assunto algum destaque, o Comandante-Geral, General Almeida Bruno, reage e em 18 de Setembro do ano de 1981, em entrevista ao jornal "O País" afirmava: "Quando me falam em Sindicato de Policias, digo que Sindicato já existe e que o Comandante-Geral da P.S.P. é o Presidente. Ele tem de se assumir como Presidente... Para mim é extremamente preocupante saber que há Guardas que vivem em barracas. Através do Fundo de Fomento da Habitação Social, ainda não se conseguiu resolver esse problema. Não há paternalismos, há o assumir das responsabilidades de um

250


História da Policia em Portugal Comandante. Sou contra o Sindicato, falo linguagem clara, apenas sei falar assim. Numa organização como a P.S.P., que está perfeitamente hierárquizada e em que há uma abertura de baixo para cima e de cima para baixo, em que podem chegar ao Comandante Geral, as preocupações do Guarda que está em Bragança, não pode haver sindicatos. (...) E se tiver problemas da sua vida privada, ele pode vir de Bragança no seu carro ou no comboio, a este meu gabinete e falar comigo. Por isso é perfeitamente irrisório falar-se na constituição de um Sindicato numa organização como a nossa. Esta organização é civíl com estruturas militarizadas. Quando o Comandante não defender os interesses da Policia, mal vai a Policia e nessa altura, ele apenas terá um caminho, que é o de pedir a exoneração. Apenas através dos meios de comunicação social, soube que isso (ideia de um sindicato) estaria a acontecer. Mas eu de facto ainda não recebi aqui, nenhum pedido de diálogo. Se algum dos meus subordinados quisesse conversar, discutir ou dialogarr àcerca dessa temática, ele sabia perfeitamente que poderia levar o caso ao meu conhecimento e até agora não me apareceu nada. É evidente que esse é um assunto que tem sido discutido noutros países, noutras Policias, mas entendo que Portugal, um país com 850 anos, não tem que copiar nada de ninguém". Evidentemente que estas palavras eram pura ficção e para além de não corresponderem minimamente à realidade, foram interpretadas como uma afronta, a todos aqueles que pugnavam pela sua dignificação, por uma maior liberdade de expressão e opinião e também pela defesa dos seus mais elementares direitos de cidadania.

251


História da Policia em Portugal Assim, em 26 de Junho de 1982 e pese embora todo o clima de hostilidade que se verificava, os Policias, esquecendo todos os seus receios, voltam a "confraternizar", desta vez na Casa de Trás-osMontes e Alto Douro, em Lisboa, onde cerca de 200 homens de diversas categorias profissionais, a quem o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, deu também total apoio, se puderam manifestar, dando o mote para o avançar de um processo que se tornaria irreversível e que culminaria em Fevereiro do ano seguinte, com a apresentação para discussão, de um ante-projecto de estatutos. Conhecedor dos factos, o Comandante-Geral, General Almeida Bruno, determina a instauração do primeiro processo disciplinar a um dos homens mais activos do momento, o Comissário Joaquim Santinhos. Em Janeiro de 1983 a sua punição é conhecida!... Dez dias de suspensão e transferência compulsiva da Divisão da P.S.P. da Amadora, para os Serviços Sociais da Policia de Segurança Pública. Face a esta punição, a solidariedade aumenta significativamente e o Comandante Geral não consegue com a sua atitude intimidar quem quer que fosse. Passado pouco tempo, os dinamizadores da Pró-Sindical, levam o assunto à Assembleia da República e aí denunciam junto dos Grupos Parlamentares, dos diversos Partidos Politícos, a quem haviam solicitado audiências, as arbitrariedades que sobre si, estavam a ser cometidas. Como resultado ou não de tais audiências, o que é certo, é que logo de seguida nas comemorações do dia da Policia, que viriam a ter lugar em 2 de Julho de 1983, nas instalações do G.O.E., em Belas, o então Ministro da Administração Interna, Engenheiro Eduardo Pereira, punha alguma água na fervura e afirmava, que é "geralmente aceite a ideia de os agentes da P.S.P. formarem as suas

252


História da Policia em Portugal próprias associações, tal como acontece nos países de democracia ocidental". Animados com as palavras do Ministro, às quais a comunicação social deu especial ênfase, os Policias viam assim abrir-se-lhe uma luz ao fundo do túnel. Contudo, as dificuldades eram muitas e com o evoluir do processo, algumas havia que tinham de ser ultrapassadas urgentemente. O problema principal, tinha a ver com a falta de um espaço fisíco, onde se pudesse centralizar toda a estratégia do futuro Orgão Coordenador. Se numa primeira fase, a barraca nº. 9872-E, situada na Quinta das Marafinhas, em Chelas, servira de refúgio para a recepção de diversa correspondência, nesta altura e até pelo facto de não haver nada a esconder e pela necessidade em dinamizar os próprios profissionais da Policia, era importante e absolutamente necessário, conseguir-se instalações para o efeito. Feitas as necessárias diligências, depressa os responsáveis incumbidos de tal tarefa, conseguiram resolver o problema!... Através de "amigos", foi disponibilizada à Comissão, uma casa situada em Lisboa, na Calçada do Combro, nº127, 2º. Esquerdo, a qual e pese embora o estado de degradação em que se encontrava, servia perfeitamente, após a realização de algumas obras de beneficiação, para colmatar as dificuldades existentes. A partir daqui e continuando a enfrentar todo o tipo de dificuldades, intimidações e perseguições, que viriam a culminar mais tarde, com a transferência compulsiva de Joaquim Santinhos, de Lisboa para Bragança e de João Cunha, do Porto para Faro, o Grupo Coordenador lança-se ao trabalho e através do seu comunicado interno número 10/83, para além de anunciar o facto, apela a todos os seus apoiantes, solicitando-lhes ajuda física e material, para a

253


História da Policia em Portugal renovação daquela que viria a tornar-se na futura sede nacional da Associação. Em Julho de 1983, embora por periodos de tempo reduzidos, abre finalmente as suas portas durante três dias por semana e pouco tempo depois, tem já um funcionário igualmente cedido por "amigos", que passará a coordenar toda a área administrativa e de apoio aos associados. Depois de muito trabalho e de inúmeras contrariedades, a primeira batalha estava ganha e em Novembro de 1983, é finalmente efectuada a convocatória para a primeira Assembleia Constituinte e eleição da respectiva Comissão Directiva Provisória. Dela faziam parte entre outros, Joaquim Santinhos, Lapa da Silva, Abilio Pereira, Alberto Torres, António Regala, Mauricio do Carmo, Baltasar Novo, Francisco Gonçalves, João Cunha, Joaquim Gomes, José Esteves, Manuel Correia e Octávio Botelho. No mês seguinte, em 2 de Dezembro de 1983, é requerido ao Ministério do Trabalho, o registo formal da Associação Sindical, bem como a publicação dos respectivos Estatutos no Boletim do Ministério do Trabalho. Contudo e quando se esperava uma resposta positiva, - até pelo facto de o Ministro ter aberto as portas, à constituição de Associações - a 7 de Fevereiro de 1984, o então Secretário de Estado Socialista, Doutor Vitor Ramalho, inviabiliza o pedido, com o argumento, "da ilegitimidade dos profissionais da P.S.P., para constituir Associações Sindicais, atento o disposto no artigo 69º. da Lei 29/82 de 11 de Dezembro - Lei de Defesa Nacional - alterado pela Lei 41/83 de 21 do mesmo mês". Esta atitude por inesperada, constituíu um autêntico balde de água fria. Contudo os Policias não desarmaram!... Por um lado, porque sabiam, que o mesmo, numa clara atitude persecutória e ilegal,

254


História da Policia em Portugal chamara a si, a resolução de uma questão, que em caso de oferecer dúvidas, apenas competia decidir aos Tribunais. Pelo outro, porque sabiam igualmente, que o conteúdo do despacho, nada tinha a ver com a realidade, tanto mais que o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 29 de Junho de 1983 e publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº.328 fls. 474 e seguintes, dizia textualmente que "Os Agentes da Policia de Segurança Pública não sendo Militares", não se lhe aplicava a Lei de Defesa Nacional. Finalmente, era igualmente do conhecimento dos Policias, que nem mesmo com a entrada em vigor do novo Regulamento Disciplinar da P.S.P. - Decreto Lei 440/82 - e da Lei de Defesa Nacional, cujo artigo 69º. mandava aplicar à Policia de Segurança Pública, enquanto não fosse publicada legislação própria, os seus artigos 31º., 32. e 33º., perderiam a qualidade de não-militares, reforçando isso sim a sua vertente civilista. Face a tais pressupostos, a Comissão Pró-Sindical inicia uma autêntica batalha juridíca e não é com surpresa, que no mês de Junho, os profissionais da P.S.P. tomam conhecimento de novas declarações proferidas pelo ainda Ministro Eduardo Pereira, na Assembleia da República, quando durante a discussão da Lei de Segurança Interna, dá o dito por não dito e afirma peremptoriamente "a incompatibilidade de um Sindicato da Policia, com as funções Policiais"... A atitude do Secretário de Estado do Trabalho, ao inviabilizar a publicação dos Estatutos da Associação, estava assim justificada. Com esta tomada de posição por parte do Ministro, a hierárquia-superior, maioritariamente constituída por militares, ganha novo fôlego, o cerco aos sindicalistas mais activos, torna-se cada vez mais apertado e o apoio que até aí tinha sido dado à causa

255


História da Policia em Portugal sindical, por alguns sectores Socialistas esfuma-se. As razões principais destas atitudes tinham dois objectivos claros: Em primeiro lugar, quebrar a espinha dorsal da Pró -Sindical que continuava activa, em segundo, defender a própria integridade do Governo, não lhe criando dificuldades. Face às circunstâncias e apesar de todas as contrariedades, a luta continua a desenrolar-se e na sua edição de Maio/Junho, a revista "Liber 25" - na qual colaboravam muitos democratas civís e militares de esquerda e esquerda revolucionária -, dá mais uma achega a este processo, dedicando nove páginas, à causa do sindicalismo policial, ao denunciar a violação dos direitos dos Policias em Portugal. Paralelamente a esta denúncia, o então Provedor de Justiça, Doutor Almeida Ribeiro, desencadeia uma larga polémica pública com o Ministro, ao defender de acordo com a própria Constituição da República, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Organização Internacional do Trabalho, o direito à sindicalização dos profissionais da P.S.P.. Pouco tempo após e como tal polémica não bastasse, o Comandante-Geral, General Almeida Bruno e o Engenheiro Eduardo Pereira, que entretanto havia já deixado o Governo, sofrem um sério revés: Por Acordão de 12 de Dezembro de 1985, o Supremo Tribunal Administrativo, dá provimento ao Recurso nº. 19.799 em que é recorrente Joaquim Bandeiras Santinhos e recorrido o Ministério da Administração Interna, declarando inconstitucional o Regulamento Disciplinar da P.S.P. -D.L. 440/82- e por conseguinte nulas todas as penas aplicadas ao recorrente. Após tomar conhecimento do Acórdão, a Pró-Sindical aproveita o facto para desencadear um violento ataque às estruturas que

256


História da Policia em Portugal tutelavam a Policia, denunciando em comunicado, " a forma ilegal e inconstitucional como tem sido levada a cabo a disciplina na P.S.P.", bem como as "perseguições, as transferências, os processos disciplinares, as violações de correspondência e outras actuações repressivas, corroboradas e aceites, pelo anterior Ministro da Administração Interna" Colocado perante a situação que se vivia na Policia, o Governo da Aliança Democrática, liderado pelo professor Cavaco Silva, que sucedera aos Socialistas e tinha como novo titular da pasta das Policias, o Engenheiro Eurico de Melo, tenta remediar o caso, solicitando à Assembleia da República, uma autorização, para legislar em matéria disciplinar respeitante à Policia de Segurança Pública, solicitação essa que lhe é recusada. Perante tal e confrontado com a evolução dos acontecimentos, com as proporções nacionais e internacionais que a questão da sindicalização dos Policias estava a tomar e também colocado perante os dissabores, provocados por eventuais actos de corrupção, levados a cabo pelo responsável máximo da P.S.P. Madeira, sob a sua tutela, levam o General Almeida Bruno, em Dezembro de 1986 a solicitar a sua demissão como ComandanteGeral da Policia de Segurança Pública. Já com Amilcar Morgado como responsável máximo pela P.S.P., é publicado na Ordem de Serviço do Comando Geral, nº.54-I Parte de 14 de Maio de 1987, o teor de um Despacho do novo Ministro, através do qual se dava conta da inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar e se afirmava, que "... o Regulamento Disciplinar da Policia de Segurança Pública, aprovado pelo DecretoLei nº. 440/82, de 4 de Novembro, foi, com força obrigatória legal, declarado inconstitucional através do Acordão nº.103/87, publicado

257


História da Policia em Portugal no Diário da República, I série, nº.103, de 6 de Maio de 1987. Por esse motivo, aquele Regulamento deixou de poder ser aplicado desde o passado dia 6 (seis) do corrente mês a todos os processos que tendo sido instaurados a pessoal da P.S.P. se encontrem pendentes nas fases de instrução, decisão, recurso hierárquico ou recurso contencioso. Todos estes processos terão por isso que ser objecto de reorganização à luz do Regulamento disciplinar aprovado pelo Decreto nº. 40118, de 6 de Abril de 1955 (...)". Este Despacho, que remeteu para o passado salazarista, a disciplina na P.S.P., constituíu uma autêntica pedrada no charco e veio trazer ao de cima, a incapacidade do poder politíco, em lidar com o dilema que opunha os Policias à Hierárquia e ao Governo!... Mas se com o Governo Socialista, os profissionais da P.S.P., não conseguiram atingir os seus objectivos, a partir deste ano de 1987, a situação tornava-se ainda mais complicada: O Partido Social Democrata saído de um Governo minoritário, acabara em 19 de Julho, de atingir a maioria absoluta e o seu líder entretanto reeleito, mostrava-se íntransigente nesta matéria. Aos Policias, com o apoio sempre incondicional de alguns sectores da Magistratura, do Ministério Público, da Policia Judiciária, dos Serviços Prisionais, do Provedor de Justiça, do Partido Comunista Português, da Intersindical Nacional, da União Geral de Trabalhadores e de diversas organizações nacionais e internacionais, não lhes restava outra coisa, senão continuar a sua luta. Pese embora a dinâmica imprimida, em Agosto de 1988, surgem entretanto alguns contratempos no seio da Pró-Sindical. Sete activistas que desde a primeira hora sempre estiveram ao lado de Joaquim Santinhos, abandonam a organização e criam o SINPOL.

258


História da Policia em Portugal Em declarações a vários orgãos de comunicação social e em especial ao Jornal "O Século", José Bonifácio, líder dos contestatários, justifica esta tomada de posição, tendo em conta, não só o facto do Comissário " nos últimos seis anos, nem uma única vez, ter apresentado qualquer justificação, sobre a forma como eram gastos os dinheiros recebidos dos sindicatos estrangeiros, designadamente da Polónia, Alemanha Federal e Áustria, dinheiro esse que dava entrada através da ISTE - Federação Internacional dos Funcionários Policiais", como também de "manobras de marginalização, contra todos os elementos que não comungassem do seu projecto e da prática por si levada a cabo". Como se tudo isto não bastasse, os contestatários acusavam igualmente os seus colegas da Pró-Asp, de "práticas politícas, que no seu entendimento iriam constantemente inviabilizar a constituição de sindicatos na Policia de Segurança Pública". Estas acusações, nunca vieram contudo a ser provadas!... Por um lado, porque os elementos da Pró-Sindical, que logo no dia imediato à publicação da noticia -4 Agosto- contestaram os factos, dizendo "irem desencadear os trâmites legais perante a Justiça" nunca o terem feito e pelo outro, porque os acusadores, agora apoiados pela U.G.T.-União Geral de Trabalhadores, que deu cobertura ao lançamento do novo projecto, deixaram "morrer" o assunto. O que é certo, é que sendo ou não verdadeiras as acusações, cerca de dois meses após este atrito, Joaquim Santinhos é mesmo colocado em causa como coordenador da Pró-Asp e os respectivos responsáveis, até por uma questão de imagem, vêem-se na obrigação de o substituir. Para o efeito, são feitas algumas diligências, acabando a escolha por recair no então jovem Subchefe, José

259


História da Policia em Portugal Manuel Carreira, que havia regressado dos Açores, onde havia permanecido vinte meses em regime de destacamento.

O MOVIMENTO DE 21 ABRIL 1989 Após a mudança operada na chefia da Coordenadora e a eficácia praticamente nula do Sinpol, no desenvolvimento do processo sindical, a Pró-Asp, embora com novo figurino continuou o caminho desde sempre traçado. Contudo as adversidades com os governantes continuaram e o executivo do Professor Cavaco Silva, agora com Silveira Godinho, à frente do Ministério da Administração Interna, continuava a não aceitar a constituição de um Sindicato que enquadrasse Policias. O Ministro, foi mesmo ao ponto de afirmar em entrevista concedida à revista "Sábado", em 27 de Janeiro de 1989, que "eventuais pró-associações sindicais, se existem, não têm existência legal porque a legislação não o permite",(...) "que não haverá Sindicato na Policia" e que o Regulamento Disciplinar da P.S.P. "contempla associações de âmbito deontológico, não sindicatos". Confrontada com as declarações deste membro do Governo, não restava à Pró-Asp, outra coisa senão agudizar a sua luta.Após diversos contactos junto de apoiantes e "amigos" e prévios estudos levados ao pormenor, decide organizar para 10 de Março, o I Encontro Nacional de Policias, nas instalações do Grupo Desportivo dos Trabalhadores do Banco Espirito Santo, na Rua D.Luis I, em Lisboa. Este I Encontro, que viria a merecer honras de primeira página em todos os jornais e a que os homens da P.S.P. aderiram em massa, para além de ter o apoio ímplicito do Provedor de Justiça,

260


História da Policia em Portugal Dr. Almeida Ribeiro, teve a particularidade de servir não só de "balão de ensaio" para futuras iniciativas, como tambèm para denunciar o facto de que " ao contrário do que sucede na Europa democrática, o Governo Português restringe direitos humanos, como os de associação sindical". Face ao êxito alcançado, os "homens-fortes" da Coordenadora, reúnem-se secretamente com elementos ligados ao Partido Comunista Português - que continuava a apoiar a sua luta - e decidem não deixar arrefecer os ânimos, aprazando novo Encontro Nacional, desta vez para 21 de Abril, na "Sociedade Vóz do Operário", também em Lisboa. Após esta reunião e passados que foram alguns dias, os mesmos "homens fortes", reúnem-se de novo, desta vez na Calçada do Combro, com os restantes elementos da Coordenadora, aos quais lançam a ideia - como sendo nova - da realização de um novo Encontro Nacional de Policias, a ter lugar no mesmo local onde se realizara o primeiro. Com toda a gente a viver ainda as emoções de 10 de Março, ninguém ousa contestar a proposta apresentada, sendo a mesma discutida e aprovada por unanimidade. A partir daqui, havia que deitar mãos à obra!... Enquanto que aos sindicalistas mais activos, foi entregue a missão de publicitar este II Encontro, pelos diversos Comandos, Unidades e Subunidades da Policia, mobilizando ao máximo os efectivos para o mesmo, a parte burocrática ficava como sempre a cargo dos "homens fortes" da Coordenadora. Estes, sabendo que o momento era crucial, tinham a clara noção de que nada podia falhar!... Assim, seguindo os métodos e contando com os apoios já antes verificados, traçam todo o plano,

261


História da Policia em Portugal durante várias reuniões levadas a cabo num apartamento da Baixa de Lisboa. Tudo quanto dizia respeito a questões de segurança, convites, presenças na mesa, intervenções, discursos e estratégia para o momento, - que passava por levar todos os Policias presentes na "Vóz do Operário" ao Terreiro do Paço, acompanhando uma Comissão previamente nomeada e que tinha por missão entregar ao Ministro, após aprovado, um documento - foi tratado ao pormenor. Supondo tudo isso, o General Amilcar Morgado tenta desmobilizar o pessoal policial, incentivando à sua não participação e lembrando a "necessidade de os elementos da P.S.P. manterem a dignidade e isenção no cumprimento das suas funções e autoridade moral para as exercerem". Contudo e perante tais palavras - que eram já esperadas -, logo ripostou através da imprensa, o então Procurador-Geral Adjunto, Doutor Bernardo Colaço (um apoiante do sindicalismo policial desde a primeira hora), ao considerar que a realização daquele II Encontro constituía mais um passo na longa etapa para a constituição do sindicato, como "absolutamente legal", facto este, que veio a animar ainda mais, todos aqueles que desejavam participar e que de algum modo se sentiam inibidos, devido às dúvidas que tinham, sobre a legalidade ou ilegalidade do acontecimento. Num derradeiro esforço, tentando igualmente a desmobilização dos Agentes policiais, o Secretário de EstadoAdjunto Doutor Branquinho Lobo, vem também a público considerar como "manifestamente conotado com o Partido Comunista Português o Encontro de Policias da Vóz do Operário". A Pró-Asp sem deixar arrefecer a onda de entusiasmo que se estava a gerar, reage de imediato e nega as acusações com

262


História da Policia em Portugal veemência, argumentando em seu favor a Comunidade Económica Europeia e respectiva legislação, ao mesmo tempo que salienta o facto, de Portugal "ser um dos poucos países, cujas forças policiais estão sob comando directo das Forças Armadas, incluindo a Escola Superior de Policia, de onde saíam todos os anos, os futuros responsáveis da P.S.P..".

OS ACONTECIMENTOS O que é certo, é que apesar do clima que se gerou, o salão da Vóz do Operário, estava repleto de Policias em 21 de Abril de 1989. Nas primeiras filas, eram igualmente visíveis diversas individualidades e figuras públicas, destacando-se das demais, os Secretários Gerais da U.G.T., José Manuel Torres Couto e da Intersindical Nacional, Manuel Carvalho da Silva, que previamente haviam sido convidados, para dar o seu apoio a esta jornada de luta pelo sindicalismo policial e que com a sua presença, iriam como se pretendia, incomodar o Governo. Durante as diversas intervenções, os Policias não contestaram o Comandante-Geral, nem sequer a hierárquia da P.S.P.. O único foco de hostilidade, verificou-se quando da entrada no salão em missão de observação, do Subintendente Manuel dos Reis e do Comissário Canelas Muacho, que foram presenteados com um coro de assobios, logo abafados pelas palavras de José Carreira, que fez sentir aos presentes, que aquelas figuras eram tão Policias como os demais que ali se encontravam. O pior estaria entretanto para chegar!... Findo o Encontro Nacional e tal como havia sido planeado, seguiu-se o desfile ordeiro

263


História da Policia em Portugal e silencioso dos Agentes policiais, até às imediações do Ministério da Administração Interna, sediado no Terreiro do Paço, acompanhando uma delegação da Pró-Sindical, que havia sido "mandatada", para fazer entrega de um documento aprovado na Vóz do Operário, ao Ministro Silveira Godinho. Enquanto os cerca de mil acompanhantes, uns fardados outros à civíl, aguardavam a cerca de 100 metros da portaria do Ministério, pela resposta do menbro do Governo, chegavam entretanto ao local, três companhias do Corpo de Intervenção da P.S.P.. Carlos Alberto Tapadinhas, o Intendente que na altura desempenhava as funções de 2º. Comandante do Comando Distrital da Policia de Lisboa e se encontrava no local, acompanhado do seu colega, Oficial de Operações João de Brito e de Monteiro Lopes, responsável máximo pela Divisão de Trânsito, fáz várias apelos através de megafone, à desmobilização dos manifestantes sem contudo obter êxito. Face à intransigência dos Policias, o Comandante do Corpo de Intervenção, Coronel Governo Maia, "persona non grata" no meio policial, chama a si as "operações" e dá cinco minutos aos manifestantes para dispersarem... Contudo à ordem recebida, os manifestantes resolveram dizer mais uma vez não, e sem se intimidarem, permanecem nos seus lugares, mesmo depois de terem sido de novo avisados, para abandonarem o local. Face à segunda recusa, os elementos do Corpo de Intervenção avançaram e se em alguns era manifesta a vontade, em descarregar a sua ira sobre os colegas, noutros era visível a sua preocupação, fazendo-o mesmo a contra-gosto e após terem "experimentado" o pingalim de Governo Maia.

264


História da Policia em Portugal Os primeiros momentos da actuação do C. I., com os carros de água a lançarem potentes jactos sobre os Policias, logo seguidos do arremesso de granadas de gáz lacrimogéneo e dos cães assulados, foram impressionantes!... Mas nem contra tal prepotência os manifestantes se renderam, antes pelo contrário. Revoltados mas firmes e ordeiros, deve-se-lhe ainda hoje, o facto dos confrontos não terem resultado num autêntico "banho de sangue". No entanto os problemas não terminaram aqui: Face à passividade demonstrada pelos Agentes, os populares reagiram e solidarizaram-se com a sua luta. É em função dessa reacção, que se verificam então, confrontos entre populares e os homens da Policia de Intervenção, os quais não se fazendo rogados, carregaram desmesuradamente em quem lhes tentasse barrar o caminho, agredindo e dispersando, quer os colegas que se encontravam do outro lado da barricada, quer os próprios populares, a quem chegaram a perseguir, até ao interior dos autocarros da Carris impedidos de circular, e à estação do Sul e Sueste, onde se refugiavam. Entretanto no Ministério, a autorização para entregar o documento ao Ministro, ao Secretário de Estado ou a alguém que os representasse, não chegava. O Comandante da 1ª. Divisão da P.S.P. de Lisboa, Grilo Martins, a quem competia comandar as operações, já que tudo se desenrolava na sua área de jurisdição, refugia-se no primeiro andar da 2ª. Esquadra e Maria Firmina, a Chefe da mesma que se encontrava no interior do M.A.I. e conhecia todos os contornos que iriam levar à prisão dos "revoltosos", tenta por todos os meios convencer os portadores do documento, a abandonarem o Ministério.

265


História da Policia em Portugal Apesar dos seus esforços, estes resistem e daí até à ordem de prisão foi um instante. José Carreira, António Ramos, Francisco Sacramento, Jorge Ventura, António Augusto e Virgilio do Nascimento, são transportados para a Esquadra de Queluz, onde permanecem presos até ao dia seguinte, data em que, acompanhados de um Auto de Detenção, assinado pelo 2º. Comandante da Policia de Lisboa, Carlos Tapadinhas, são apresentados no Tribunal de Policia para julgamento.

CONSEQUÊNCIAS DA MANIFESTAÇÃO Após a ordem de prisão aos elementos já referênciados, os jornalistas foram impedidos de permanecer no interior do edifício do M.A.I. e na rua, as vítimas do Corpo de Intervenção aumentavam. Enquanto uns tiveram de receber assistência na Cruz Vermelha, sediada ali mesmo no Terreiro do Paço, outros recolheram mesmo ao hospital de S. José, onde receberam tratamento. Entre as diversas vitímas contava-se o Secretário-Geral da U.G.T., Torres Couto, que completamente encharcado, víu ainda o então Comandante da Divisão de Trânsito, Intendente Monteiro Lopes, desferir-lhe um valente soco. Terminada a "batalha" e enquanto o Comando-Geral da P.S.P. não hesitou em classificar como desordeiros todos os manifestantes, o Ministro Silveira Godinho, numa clara demonstração de "fuga às suas responsabilidades", apressou-se a manifestar o seu incondicional apoio ao Comando Geral da Policia, pela forma como a manifestação foi reprimida, tentando esconder o facto, de que a ordem, para que o Corpo de Intervenção carregasse sobre os manifestantes, partira do próprio Governo.

266


História da Policia em Portugal Além destes, outros comentários se fizeram ouvir, salientandose as posições assumidas por Torres Couto, que no próprio dia dos acontecimentos, anunciava o propósito de pedir no Parlamento, um inquérito, dar conhecimento do que se passou ao Presidente da República e exigir desculpas públicas ao General Amilcar Morgado, pelas agressões verbais e físicas de que foi vitíma, e por Carvalho da Silva, que em comunicado tornado público considerou o Governo como "único responsável pelos confrontos,(...) e mais uma vez, ter enveredado pela repressão de uma forma violenta que o povo português já não aceita". Diga-se em abono da verdade, que os Secretários-Gerais das duas Centrais Sindicais, ganharam neste dia, o seu baptismo sindical em matéria de sindicalismo na Policia, não só pelo facto de terem resistido de uma forma quase heróica, aos impiedosos jactos de água, saídos dos carros do Corpo de Intervenção, mas também, por a partir desse momento, jamais se terem dissociado de uma causa, que para além de justa, tem saído muito cara, aos profissionais da P.S.P.. Pelo lado da Pró-Sindical, a reacção aos acontecimentos também não se fez esperar e em comunicado, o Orgão Coordenador faz publicamente saber quanto lamenta o facto "...do Comando Geral ter capitulado totalmente ante as pressões do M.A.I. e do Primeiro Ministro" (...) e de "... a incrível desordem provocada pela irresponsabilidade e arrogância do Governo, só não redundar numa grande tragédia, num banho de sangue, porque os profissionais da P.S.P. revelaram a grande serenidade que só a razão justifica". Entretanto, no Tribunal de Policia de Lisboa, para onde os Policias presos haviam sido conduzidos para julgamento, o Juíz encarregado para o efeito, dá-lhes ordem de soltura, remetendo o respectivo processo para inquérito, o qual após terminada a

267


História da Policia em Portugal respectiva instrução, se viria a revelar pela ausência de indícios da prática de crime, proferindo a respectiva Juíza, o despacho de não pronúncia e ordenando o arquivamento dos autos. Em 22 do mês seguinte aos acontecimentos do Terreiro do Paço, o Partido Comunista Português, através de um documento subscrito pelos seus deputados, Carlos Brito, João Amaral, José Magalhães, Jorge Lemos e Jerónimo de Sousa, toma a iniciativa de apresentar uma proposta de Lei na Assembleia da República, visando a criação de Associações Sindicais na P.S.P., iniciativa essa, logo secundada por mais duas propostas: A primeira do Partido Socialista, que sendo mais restritiva, visava igualmente a criação de Associações Sindicais e uma terceira formulada pelo Partido Social Democrata, que previa apenas a constituição de Associações de natureza deontológica. Com as propostas em cima da mesa, os deputados Jorge Lacão pelo P.S. e Carlos Encarnação por parte do P.S.D., tornam-se nos grandes protagonistas do processo que viria a permitir a criação de Associações de natureza Sócio-Profissional, acordando após renhidas negociações, em votar uma Lei, que constituía o meio termo entre Associações Sindicais e de natureza Deontológica. Essa Lei que viria igualmente a contar com os votos dos deputados do Partido Comunista Português, sob pena de não ser aprovada, já que necessitava de ser votada por uma maioria de dois terços dos deputados, foi finalmente aprovada e publicada em 20 de Fevereiro de 1990, constituíndo a primeira grande vitória, de uma "guerra" que se viria a prolongar pelo tempo. Em 29 de Maio de 1990, ocorreram as primeiras eleições para os orgãos sociais da ASP/PSP, tendo como de mais significativo, o facto das mesmas se terem realizado em todo o país, nas próprias

268


História da Policia em Portugal instalações da Policia de Segurança Pública, o que era impensável hà pouco tempo atrás. Pouco tempo depois, em 20 de Julho, o General Amilcar Morgado, recebe nas instalações do Comando Geral, uma delegação da Associação, da qual faziam parte José Carreira, Inácio Ramalho, Adelaide Fontoura, Alberto Torres e o entretanto "regenerado" Álvaro Marçal, que em 21 de Abril de 1989, havia estado do outro lado da barricada, integrando uma das Companhias do Corpo de Intervenção, que intervieram no Terreiro do Paço. Nessa reunião, a Associação dá a conhecer ao General, algumas das aspirações dos profissionais da P.S.P., designadamente o reajustamento salarial, a atribuição de um subsídio de risco, um suplemento pelo serviço nocturno e aos domingos e feriados e o pagamento de horas extraordinárias. Para implementação a médio e a longo prazo, os participantes na reunião chamaram igualmente a atenção do Comandante Geral, para a reestruturação das carreiras, alargamento dos quadros e para as questões relativas à formação profissional , formação e instalações, que eram degradantes. Cinco dias após ocorrer este encontro, o então Ministro da Administração Interna, Manuel Pereira, que tinha substituído no cargo Silveira Godinho, recebe pela primeira vez em audiência uma delegação da ASP/PSP, sendo-lhe comunicadas as mesmas preocupações e objectivos dados a conhecer a Amilcar Morgado. Os membros da Associação, chegam mesmo a propôr ao Ministro, a constituição de um Grupo de Trabalho, com carácter permanente, onde representantes da Hierárquia, do M.A.I. e das Associações, pudessem discutir e apresentar propostas para a resolução dos problemas que afectavam a Instituição.

269


História da Policia em Portugal

...

CAPÍTULO XIII AS REFORMAS E CONTRA-REFORMAS

270


História da Policia em Portugal

AS DÉCADAS DE 80/90

CHEFES DE ESQUADRA COM FARDAS DE GALA

Pese embora a pressão exercida já nesta época pelos movimentos associativos, reclamando uma maior dignificação da

271


História da Policia em Portugal função policial, melhores salários, um mais amplo regime de direitos e também uma maior abertura para o exterior, o que é certo, é que a Policia continuava a viver de costas voltadas para os cidadãos e para os profissionais que a integravam. No âmbito policial, a revolução de Abril de 1974 nada trouxe de novo aos portugueses. Os métodos de relacionamento Policia/Cidadão, não evoluíram significativamente e as poucas inovações verificadas na P.S.P., consistiram apenas na criação de novos serviços e no aumento de efectivos, impostos pelo alargamento das atribuições e competências. No que diz respeito aos seus profissionais, o nível de direitos, das garantias e das regalias sociais, mantiveram-se igualmente estacionárias. A Instituição continuava a manter-se "fechada" e a funcionar como sempre, ao serviço do poder politíco. E tanto assim foi, que o próprio Estatuto do Pessoal, da "Era" salazarista - Dec-Lei nº. 39 497 -,que vigorava desde 31 de Dezembro de 1953 e estipulava o conjunto de normas definidoras dos princípios fundamentais em que assentava a existência, a natureza institucional e a dependência orgânica e funcional da P.S.P., os seus objectivos e missões e a respectiva estrutura organizativa e hierárquica dos respectivos quadros, bem como os direitos e deveres funcionais de que gozava e a que estava sujeito todo o universo policial, apenas foi revogado em Maio 1985, durante a governação de Mário Soares, com a aprovação de um novo Estatuto Profissional - Decreto-Lei nº. 151/85 -, que viria a revogar o anterior. Com a entrada em vigor deste diploma, deu-se finalmente o primeiro passo, no sentido de adaptar a Policia a uma sociedade mais moderna e democrática, por forma a se lhe poder exigir, uma nova

272


História da Policia em Portugal mentalidade e um novo comportamento, nas relações com a comunidade. De entre as várias medidas adoptadas, que essencialmente se pautaram pela revisão dos principios e do sistema que deveria constituir a actividade da P.S.P., salienta-se a reestruturação da Escola Prática de Policia, que passou a formar Guardas e Subchefes e a criação da Escola Superior de Policia, que para além de passar a ministrar cursos de Oficiais da carreira policial de base, passou igualmente a formar Oficiais privativos, a cujos cursos foi mais tarde conferido o grau de licenciatura em Ciências Policiais. Para além destas inovações, o novo Estatuto veio ainda colocar um ponto final, numa autêntica aberração, que ao longo do tempo se foi mantendo e se apresentava como constitucionalmente de legalidade duvidosa, que era o facto de na Policia de Segurança Pública, coexistirem dois quadros técnico-policiais diferênciados pelo sexo. Em sua substituição é então criado um quadro técnicopolicial único, que passou a abranger todos os profissionais que prestavam serviço na Instituição. No âmbito politíco, saliente-se nesta época a adesão formal de Portugal à Comunidade Económica Europeia, com a assinatura do respectivo Tratado de Adesão, em 12 de Junho de 1985. Este facto histórico, que ocorreu após oito anos de espera, viria a contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento do país, elevando para doze, o número de Estados membros, englobando cerca de 320 milhões de habitantes. Após a adesão e no periodo compreendido entre 1985 e 1989, a riqueza nacional cresceu a um ritmo médio anual de 4,4 por cento, facto que se veio a revelar como determinante e decisivo na afirmação dos Governos de Aníbal Cavaco Silva, que pouco tempo

273


História da Policia em Portugal após a entrada no Grupo dos Doze, havia substituído Mário Soares, no cargo de Primeiro-Ministro. Ainda no ano de 1989, o Governo de Cavaco, dá início a uma verdadeira "revolução" com a redução do défice público, através de

um vasto conjunto de privatizações, que segundo o Primeiro Ministro, visavam modernizar as empresas e instituir uma economia de mercado. Entre o já referido ano de 1989 e 1993, o Governo viria a privatizar 31 empresas, de que resultaram receitas de 70 milhões de contos em 1989, 148milhões em 1990 e 704 milhões em 1992. GUARDAS PATRULHEIROS

Mas se com as transformações verificadas, se fez notar algum progresso na sociedade civíl, que levaria mesmo a uma subida acentuada no consumo - designadamente com a aquisição de habitações e automóveis -, no campo policial, a dinâmica imprimida no sentido da modernização foi bastante reduzida. Já com o General Rui Mamede Monteiro Pereira, à frente dos destinos da P.S.P., que entretanto havia substituído o seu colega

274


História da Policia em Portugal Amilcar Morgado, merece destaque, o facto, de a partir de Dezembro de 1994, os profissionais da P.S.P., se verem confrontados com um novo Estatuto Profissional - Decreto-Lei 321/94 -, que de positivo relativamente ao anterior, pouco ou nada trouxe. Fora isso, as dotações orçamentais atribuídas à Policia de Segurança Pública, pelos diversos Orçamentos de Estado, continuavam a ser reduzidas para as necessidades, o nível dos salários continuava a degradar-se, a grande maioria das Esquadras e Postos, não reúniam as minímas condições de trabalho, os meios destinados ao desenvolvimento da actividade policial, designadamente o parque automóvel e as comunicações encontravam-se velhos e os responsáveis pelas diversas Unidades e Subunidades, continuavam como sempre, a ter de "inventar", no sentido de solucionar alguns dos muitos problemas que se lhes colocavam. No que diz respeito à criminalidade, as coisas também não estavam melhor. Com as grandes mutações verificadas na sociedade civíl, o número de crimes aumentou consideravelmente e só na cidade de Lisboa, no periodo compreendido entre 1990 e 1991, segundo dados fornecidos pela própria P.S.P., os assaltos à mão armada subiram 45%, enquanto que os roubos com violência tiveram um acréscimo também significativo da ordem dos 27%. Em termos nacionais, o panorama era igualmente preocupante, não só porque as estatísticas da Procuradoria Geral da República, apontavam para uma subida geral dos crimes na ordem dos 24%, no periodo compreendido entre 1990 e 1994, como também pelo assustador nível do tráfico de drogas que subiu dez vezes em dez

275


História da Policia em Portugal anos, cifrando-se então em cerca de 120.000 indivíduos, o número de toxicodependentes.

A REESTRUTURAÇÃO DAS FORÇAS DE SEGURANÇA Conhecedor dos factos, o Governo tenta por todos os meios pôr cobro a esta situação. Para o efeito e contrariando mesmo alguns princípios fundamentais de natureza constitucional,

designadamente os da prossecução do interesse público e outros que daí derivam, como os da necessidade de aproximação da Policia às populações e a desconcentração e racionalização dos serviços (artº OS MODERNOS AGENTES COM FARDA DE GALA 267, nºs.1, 2 e 5), o então Ministro da Administração Interna, Manuel Dias Loureiro, apostando nos reduzidos meios existentes,

276


História da Policia em Portugal desencadeia um profundo processo de remodelação das Policias, de que se salienta como facto mais marcante, a extinção da Guarda Fiscal e a integração dos seus efectivos, na Guarda Prisional, na Guarda Nacional Repúblicana e na Policia de Segurança Pública. Segundo o discurso do Ministro, "era necessário colocar mais Policias nas ruas, para combater a criminalidade e iniciar a modernização do sistema policial português, eliminando não só a sobreposição das diversas Forças de Segurança nos vários concelhos, as distorções existentes na distribuição territorial dos Agentes policiais, de acordo com a população e o risco de insegurança locais, como também as Esquadras de Bairro nas grandes cidades, substituíndo-as pelas chamadas Divisões Concentradas, que se desejavam menos burocratizadas e mais operacionais". Segundo o Governo e no caso concreto da Policia de Segurança Pública, a sua reestruturação para além de visar a inserção da Instituição na modernidade da Europa dos Doze, tinha igualmente como objectivo o retorno da P.S.P. às suas origens de Policia Administrativa Urbana, por forma a sentir-se mais reforçada e prestigiada, na sua vocação de policiamento e combate ao crime nas grandes cidades. Todavia e pese embora o voluntarismo do Ministro, em tentar convencer os mais pessimistas sobre a matéria, o que é certo, é que as reformas anunciadas, geraram fortes polémicas!... Organizações politico-partidárias, populações locais e o próprio movimento associativo existente na P.S.P., ofereceram forte resistência aos desígnios de Dias Loureiro. Contudo e até pelo apoio manifestado por alguns sectores da Hierárquia da P.S.P., que "defendiam" tal politíca de segurança, as

277


História da Policia em Portugal reformas iniciadas continuaram a realizar-se de forma progressiva e na Área Metropolitana de Lisboa, para além de terem sido abertas novas Esquadras no Cacém, Carnaxide e Caxias, é inaugurada a título experimental, a primeira "Superesquadra", que comandada pelo então Subintendente, Guedes da Silva, ficaria sediada no edifício da 2ª. Divisão nos Olivais, aglutinando as 14ª, 34ª e 36ª Esquadras. No periodo compreendido entre 1992 e 1995, foram igualmente transferidas da área de jurisdição da P.S.P. para a G.N.R., vinte e oito localidades, sendo por via de tal, encerradas entre outras as Esquadras do Crato, Ericeira, Grândola, Mafra, Moncorvo, Tondela, Monte Real, Ferreira do Alentejo, Sabugal, Cantanhede, Montemoro-Novo, Fafe, Amarante, Alcácer do Sal, Penafiel, Mangualde, Fundão, Macedo de Cavaleiros, Peso da Régua, Pinhel e Serpa. Nas grandes àreas metropolitanas de Lisboa e Porto, a contestação à politíca de segurança imposta pelo Governo de Cavaco Silva continuava em alta. Contudo, Dias Loureiro ía resistindo e apesar da experiência dos Olivais, depressa se ter revelado ineficaz, o que é certo, é que o Governo, face a eventuais custos politícos, não podia recuar. Assim e sempre sob o "slogan" de colocar mais Policias na rua, o Ministro, continuando fiel a si próprio e tentando por todos os meios "levar a água ao seu moinho" dá ordens expressas para que a concentração de efectivos em Superesquadras, se continuasse a processar, inaugurando novas Divisões Concentradas, no Calvário em Lisboa e na Bela Vista no Porto. Para justificar a sua politíca, o Ministro tenta fazer crer que a criminalidade estava controlada e que os respectivos índices, teriam descido significativamente!... Pura ilusão... Se em termos estatisticos tal se verificava, na realidade o número de crimes

278


História da Policia em Portugal continuava a aumentar. As causas para que tal se verificasse eram múltiplas!... Em primeiro lugar, porque pese embora tenha procedido ao encerramento de várias Esquadras, o Ministro não conseguiu colocar mais Policias na rua, tornando até o policiamento menos consistente. Depois, porque apesar da entrada de cerca de 500 homens da extinta Guarda Fiscal, nos quadros da P.S.P., estes continuavam deficitários, face à ausência de recrutamento de novos Policias. Por fim, porque para além do parque automóvel existente, não corresponder minimamente ao exigível, grande parte dos crimes cometidos não eram denunciados pelos cidadãos, que passaram a acreditar menos na justiça. Conhecedor destes factos, o então Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa, Superintendente-Chefe Vasco Durão, lança o alerta e nas cerimónias comemorativas do Dia da Policia, do seu Comando, que tiveram lugar em 11 de Março de 1995, faz sentir ao Ministro, as dificuldades porque passava, em termos de meios humanos e materiais. A imprensa, àvida de noticias, não deixou passar em claro o discurso do Comandante e passado pouco tempo, Vasco Durão em entrevista ao jornal "O Expresso", reafirmava de forma peremptória, que só na "Area Metropolitana de Lisboa, o défice de Agentes policiais, se situava nos 800 homens" e que tal se devia, ao "facto da P.S.P. não ter admitido qualquer Agente no periodo compreendido entre 1992 e 1994". Dias Loureiro que pouco antes e por diversas vezes tinha declarado publicamente, que havia mais Policias na rua, não gostou e daí, proíbiu não só o Comandante-Geral Monteiro Pereira, de dar entrevistas até à realização das eleições legislativas, que ocorreriam no mês de Outubro seguinte, como também todos os

279


História da Policia em Portugal Oficiais com cargos importantes na Hierarquia da Policia, nomeadamente Comandantes Distritais. Esta atitude do Ministro, constituía assim o reverso da medalha, à ousadia de Vasco Durão, que sem dar conhecimento das suas declarações ao seu superior hierárquico, punha a olho nú, as deficiências porque passava, todo o sistema de policiamento, na área do seu comando. Mas a "derrota" do Governo de Cavaco Silva nesta área, não se resumiu apenas e só a estes factos!... Para além da comunicação social e da oposição politíca terem sido implacáveis, acusando Dias Loureiro de ser responsável, quer pelo afastamento da Policia da comunidade, quer pelo aumento do sentimento de insegurança nos meios urbanos, o Ministro nunca conseguiu livrar os Agentes policiais da crescente carga de trabalho, remetida diariamente pelos Tribunais, que os continuava a desviar para funções que nada tinham a ver, com a prevenção e o combate ao crime. Esta onda de descontentamento generalizado, viria igualmente a ser partilhada pelos profissionais da P.S.P., que desde a primeira hora condenaram os métodos utilizados pelo Governo. Se é verdade que alguma coisa tinha de ser mudada, não é menos certo, que muitos passos foram dados em falso. O Ministro esqueceu-se, que por detrás de cada Instituição existem pessoas e que essas, nunca podem nem devem ser esquecidas. Ao fazê-lo, Dias Loureiro desencadeou uma luta sem tréguas, que viria a tornar-se fatal ao seu Partido, pois quer os profissionais da P.S.P., quer os cidadãos em geral, a quem as mudanças efectuadas de nada serviram, nunca lhe perdoaram. Não se pense contudo, que a reestruturação das Forças de Segurança, levada a cabo por Dias Loureiro, se revestiu apenas de

280


História da Policia em Portugal aspectos negativos. Nada disso... Em primeiro lugar, porque com a sua implementação, foi aberta a discussão e mobilizada a opinião pública, para a problemática da criminalidade e da segurança. Em segundo, porque permitiu a criação de uma nova Subunidade de Policia Ferroviária, dependente do Comando Metropolitano de Lisboa, que passou a operar nas linhas de Cascais, Sintra e Metropolitano de Lisboa, locais onde o crime subia assustadoramente. Por fim, porque por esse país fora, permitiu a construção de vários departamentos policiais, que substituíram outros completamente degradados, como são entre outros, os casos de Portimão, São João da Madeira, Guimarães e o lançamento das bases, para a obra-prima, levada já a cabo pelo Governo que se lhe seguiu, em Bragança. Noutro âmbito mas igualmente importante, deve ser salientado o facto, de nas horas menos boas, o Ministro ter "dado a cara" pelos seus homens. Exemplo concreto dessa sua conduta, foram os arrojados comentários em defesa das forças policiais, quando do bloqueio da Ponte 25 de Abril, em 20 de Junho de 1994. Nessa data, o Governo - que sem compreender o protesto contra o aumento das portagens, decidido pelo Ministro Ferreira do Amaral, interpretara o buzinão como mais uma guerra politíca cometeu o erro de lançar os homens das Forças de Segurança e em especial o Corpo de Intervenção da G.N.R. contra os manifestantes. Dos confrontos resultaram dezenas de feridos e cenas de rara violência. Contudo e pese embora as critícas da grande maioria dos orgãos de comunicação social, condenando a actuação das Forças Policiais, Dias Loureiro não se intimidou e perante as câmaras da televisão, não se coibiu de afirmar, que as mesmas "haviam agido em conformidade com a Lei".

281


História da Policia em Portugal

A CISÃO NA ASP E O NASCIMENTO DA APP Como já foi dito, o combate à politíca de segurança levada a cabo pelo Ministro Dias Loureiro, foi tenaz. Para além da luta desenvolvida a nível externo, designadamente pelo Partido Socialista, que liderava a oposição, pelo Partido Comunista e por várias organizações representativas do poder local, no plano interno, a Associação Sócio-Profissional, teve igualmente um papel fundamental. Com o decorrer do tempo, o desempenho da ASP viria contudo a deteriorar-se!... Primeiro, porque como resultado da sua forma de desenvolver a contestação, não olhando a meios para atingir os fins, viu três dos seus principais dirigentes - José Carreira, Alberto Torres e Maria Goretti - serem alvo de outros tantos processos disciplinares, visando a sua expulsão da P.S.P., o que naturalmente veio diminuir a sua capacidade de intervenção. Depois, porque a partir do último trimestre de 1993, com as critícas lançadas por alguns dos seus principais dirigentes, que acusavam a Direcção Nacional de subserviência em relação ao Partido Comunista Português, o seu poder de mobilização ter descido de forma considerável. Como consequência dos referidos factos e de todo um vasto conjunto de acções, que levaram a que a Associação se tornasse dependente de terceiros, a cisão foi inevitável e em 22 de Novembro de 1994, é publicada na Ordem de Serviço número 32, I Parte, do Comando Geral da P.S.P., a constituição de uma nova organização Sócio-Profissional, a APP/PSP-Associação dos Profissionais de Policia.

282


História da Policia em Portugal Esta Associação, que se perfilava como independente e disposta a combater todo o tipo de ingerências politícas no interior da Policia de Segurança Pública, depressa mereceu amplos apoios, quer de um vasto número de profissionais, quer de alguns sectores da hierárquia, do próprio Governo e do Partido Socialista, que com a sua constituição, viam assim chegado o momento, da influência Comunista no seio da uma Instituição como a Policia, ser contida. Pouco tempo depois, em 4 de Junho de 1996, a APP/PSP disputa as eleições organizadas pelo Comando Geral da P.S.P., com vista à aferição do grau de representatividade e eleição dos representantes das Associações Sócio-Profissionais nos Conselhos Superiores de Policia e Justiça e Disciplina. Obtendo 23% do votos expressos e uma grande votação na Àrea Metropolitana de Lisboa, a APP/PSP torna-se a partir de então na segunda Associação mais representativa da Policia de Segurança Pública, logo a seguir à sua congénere ASP, que pese embora as tenha vencido, perdeu a hegemonia, de que sempre dispusera.

O REGRESSO DOS SOCIALISTAS AO PODER O ano de 1995, viria a ficar marcado pela viragem politíca e pela implantação de novos conceitos, no sistema de policiamento e de organização da Policia de Segurança Pública. Nos meses anteriores às eleições de Outubro, ninguém acreditava na fiabilidade das sondagens, que davam grande vantagem ao Partido Socialista. As hipóteses de vitória, variavam entre a terceira maioria absoluta do Partido Social Democrata, a primeira do Partido Socialista, ou mesmo a vitória de qualquer um

283


História da Policia em Portugal deles, o que a acontecer, permitia apenas a formação de governos minoritários. O líder Socialista era desde 1991, António Guterres. Após vencer as eleições autárquicas, lança o seu Partido numa série de iniciativas, das quais se salienta, "Os Estados Gerais", congregando intelectuais e politícos num programa coerente. Por seu lado, Fernando Nogueira, que entretanto substituíra Cavaco Silva na liderança dos Sociais-Democratas, vê-se confrontado com uma pesada herança, para a qual muito contribuíra, não só a arrogância manifestada pelo seu Partido no passado recente, como também o buzinão na Ponte 25 de Abril e a crise económica que já se manifestava à cerca de três anos. Tudo contabilizado e uma vez disputadas as eleições, o Povo dá a maioria simples ao Partido Socialista com 43,8% dos votos e 112 deputados. António Guterres é chamado a formar Governo e para Ministro da Administração Interna, escolhe o Doutor Alberto Bernardes Costa, conhecido militante e combatente anti-fascista, acérrimo defensor dos Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos.

A CONTRA-REFORMA DE ALBERTO COSTA Logo que tomou posse e respondendo às questões que lhe foram colocadas, sobre politíca de segurança, Alberto Costa apenas disse "que o seu Governo iria proceder a uma reavaliação do sistema e futuramente adoptaria as medidas que entendesse como as mais correctas, para a defesa dos cidadãos". Sem qualquer tipo de surpresa, o Ministro abandona o termo "reestruturação" e passa a falar em "modernização". Ao mesmo

284


História da Policia em Portugal tempo, promove o espírito de policiamento de proximidade e aposta num relacionamento estreito entre Policia e cidadão, factores geradores do aumento da eficácia e da legitimidade, numa sociedade marcada pelo risco. Traçando cinco ideias fundamentais, para a modernização das Forças de Segurança -profissionalismo, civismo, transparência, proximidade e orientação para os problemas -, o Ministro vai rompendo gradualmente com o passado recente e encaminha-as para o desenvolvimento de um papel menos repressivo e mais socializante. Assim e pese embora as resistências provenientes de alguns sectores da Hierárquia, que continuavam a "apostar" na politíca desenvolvida pelo anterior Governo e de modo algum pretendiam abdicar de determinados previlégios que a mesma lhe concedera, o que é certo, é que Alberto Costa lhes faz sentir, que a politíca do Governo era para cumprir e que as mudanças que preconizava, para a levar a cabo, eram inevitáveis. Imbuído desse espírito, dá ordens expressas para que se proceda à reabertura de várias Esquadras que entretanto haviam sido desactivadas e ao mesmo tempo, cancela a substituição da Policia de Segurança Pública pela Guarda Nacional Repúblicana, em zonas do país, cuja densidade populacional fosse superior a 10.000 habitantes. Contudo e pese embora a seriedade - nem sempre correspondida - que lhe reconhecem todos quantos de perto com ele lidaram, o que é certo, é que Alberto Costa, durante o periodo em que tutelou o Ministério da Administração Interna, umas vezes por culpa própria, outras nem tanto, viria a partilhar com toda a "Estrutura" da Instituição, uma das maiores crises, porque já havia passado ao longo da sua história.

285


História da Policia em Portugal Tudo começou no início do seu mandato!... Devido ao facto do Comandante-Geral, General Monteiro Pereira, ter sido "cúmplice" no processo das reformas levadas a cabo pelo anterior Ministro Dias Loureiro e a que o seu Partido era avesso, Alberto Costa, dá-lhe conta da sua vontade em não o reconduzir no cargo. Face a tal, mas também por em finais de 1995 terminar a sua comissão de quatro anos na P.S.P. e atingir o limite de idade - 62 anos -, Monteiro Pereira não se faz rogado e deixa a Instituição. Em sua substituição, é nomeado interinamente o Superintendente-Chefe Mário César Teixeira, homem pouco dado a diàlogos, mas a quem o Governo deixa a esperança, de poder vir a tornar-se no primeiro Comandante-Geral, oriundo da própria Policia. Posto isto e pese embora o Comando da P.S.P. estivesse provisoriamente garantido, tal não impediu que as movimentações na "luta" pelo poder, começassem a agitar a Hierarquia da P.S.P., tanto mais que era pacífico, que o futuro Comandante-Geral, deveria ser escolhido, no interior da própria Instituição. Apesar de ninguém querer assumir publicamente a defesa deste ou daquele nome, três figuras começaram porém a dividir as opiniões!... De um lado o Comandante Interino César Teixeira, que pese embora viesse a atingir o limite de idade, passado que fosse um ano e meio, não descurava tal hipótese. Do outro, os dois Superintendentes-Chefes Afonso de Almeida, Director da Escola Superior de Policia, que havia sido nomeado para aquele cargo, pelo Partido Socialista e Vasco Durão, que como já foi dito, comandava o Comando Metropolitano de Lisboa e gozava de enorme prestígio. Se Mário César Teixeira depressa ficou fora da corrida, tanto mais que a sua forma de agir, era contrária ao espírito de diálogo

286


História da Policia em Portugal que o Governo pretendia implementar, as movimentações nos bastidores, para a escolha de um, dos restantes dois candidatos, agudizavam-se. Afonso de Almeida, considerado por muitos, como próximo do Partido Socialista e contando com a simpatia da ASP, começou por ganhar alguma vantagem, contudo e face às interrogações manifestadas por alguns dos seus ex:alunos, ao tempo já Subcomissários e Comissários, que não viam no seu ex: Director o homem ideal para assumir o mais alto cargo da P.S.P. e pelo apoio público da APP a Vasco Durão, essa mesma vantagem viria a diluir-se. Perante os factos e até pelas proporções que tal questão estava a tomar, Alberto Costa, com o claro objectivo de conter o ímpeto que entretanto se gerara, "ameaça" nomear para o cargo um civíl, chegando mesmo a introduzir uma alteração na Lei Orgânica da P.S.P., por forma a que tal se tornasse viável.

"O ÚLTIMO GENERAL" Com a introdução dessa medida e os receios que daí advinham, o ambiente serenou significativamente e quando se esperava a indigitação de um Superintendente-Chefe ou de um cívil, para o cobiçado cargo, eis que para surpresa de todos, é nomeado para Comandante-Geral, o General do Exército, Jorge Gabriel Teixeira. Com um currículo limpo e classificado até de brilhante, por quem melhor o conhecia de perto, o General terá sido indicado ao Ministro, pelo Capitão de Abril, Marques Júnior, que então desempenhava as funções de deputado na Assembleia da República em representação do Partido Socialista.

287


História da Policia em Portugal Sabe-se, que Gabriel Teixeira nunca teve intenções de comandar a P.S.P. e quando lhe fizeram a proposta, terá respondido, que só costumava aceitar convites de que gostasse. Contudo vendose confrontado com a Guia de Marcha que lhe foi entregue e com a possibilidade da sua transferência para a P.S.P., abrir mais uma vaga no Quadro Orgânico dos Generais, não teve outro remédio, senão rumar até ao Comando Geral na Penha de França. Por sua vez e convencida que estava, que um dos Superintendentes-Chefes, iria ocupar o "trono", a Hierárquia da P.S.P. não perdoou ao Ministro e em 22 de Janeiro de 1996, após o Comandante-Geral Interino ter já solicitado a sua exoneração, os Comandantes Distritais reunidos em Lisboa, numa atitude concertada, resolvem também eles, fazer uma "manifestação" de protesto, faltando à tomada de posse de Gabriel Teixeira. Como "desculpa" para esta tomada de posição e depois de fazerem sentir, que o alvo não era o General, os Oficiais da P.S.P. faltosos, apontaram o dedo ao Ministro, acusando-o de falta de diálogo, de os esquecer comparativamente às duas Associações Sócio-Profissionais, que recebeu logo que foi empossado e ainda de ter vetado a presença do Professor José Hermano Saraiva, na abertura do ano lectivo da Escola Superior de Policia, considerando esta sua atitude, uma ingerência inaceitável na vida interna da P.S.P.. Passada a fase das expectativas defraudadas e quando tudo parecia estar sanado, eis que surge um novo e dramático episódio!... Poucos tempo após a tomada de posse do General, a P.S.P. por deteminação do Tribunal Judicial de Santo Tirso, é chamada a intervir na empresa têxtil, Abel Alves de Figueiredo. O objectivo da sua intervenção, era nem mais nem menos, que prevenir qualquer eventual sabotagem, a uma decisão judicial, que determinava que do

288


História da Policia em Portugal interior da referida organização, fosse retirada determinada quantidade de maquinaria, que havia sido objecto de arresto. Face à resistência dos trabalhadores, tentando inviabilizar o cumprimento do respectivo mandado e depois de vários Agentes terem sido insultados e em alguns casos até agredidos, a Policia vêse obrigada a carregar, por forma a que os funcionários judiciais entrassem na empresa. Foi o princípio do fim!... Para além das múltiplas acusações contra a actuação dos Agentes, a Hierárquia também não foi poupada, sendo inclusivé acusada, de ter desrespeitado as instruções da tutela, que através de declarações públicas, do Primeiro-Ministro António Guterres e do Ministro da Administração Interna Alberto Costa, haviam apelado "à moderação e à ausência de violência". Desgostoso com as critícas à Policia e aos seus profissionais, o Comandante-Geral, General Gabriel Teixeira, assume as responsabilidades do sucedido e sai em defesa dos seus homens, afirmando, "que a actuação e a acção global da P.S.P. em Santo Tirso foi correcta". Estas palavras, "aguçaram" o apetite da comunicação social, contudo o General não se intimida e publicamente refere que "... internamente tenho que ser extremamente duro... Tenho que exigir o máximo, mas a Policia não pode ser apoucada na rua, não pode ser alvo da chacota ou da agressão sistemática". "... No dia em que a Policia não puder usar a força, o Estado democrático estará desfeito". Se o General era já visto com muita simpatia no interior da Instituição, a partir deste momento, caíu no "goto" da grande maioria dos profissionais da Policia de Segurança Pública.

289


História da Policia em Portugal Mas não seria este, o único episódio que marcaria o início atribulado do mandato de Alberto Costa!... Pouco tempo depois, em 11 de Março de 1996, como já era hábito, celebrou-se na sede do Comando Metropolitano de Lisboa, mais um aniversário do dia da Unidade, cabendo na qualidade de anfitrião, o primeiro discurso, ao respectivo Comandante Vasco Durão. Revelando a coragem que lhe era reconhecida, Durão repete a "dose" de 1995, então muito aplaudida pelo Partido Socialista, quando resolvera afrontar Dias Loureiro, sobre questões de segurança. Desta vez porém, as coisas seriam bem diferentes!... Depois de Durão não se ter inibido de acusar alguns responsáveis politícos de desacreditarem as Forças de Segurança, de lembrar que o défice de pessoal continuava a existir, de que as divídas referentes aos serviços remunerados se acumulavam, da falta de meios, da desmotivação e de que, enquanto Comandante, não podia "... admitir, que sejamos os bodes expiatórios dos males de que enferma a sociedade", levou o Ministro a colocar a hipótese de proceder à sua substituição no Comando da Policia, facto de que deu conhecimento ao Comandante-Geral, Gabriel Teixeira . Contudo o General não acolhe com bons olhos a ideia de Alberto Costa e solidariza-se com o seu subordinado. Publicamente, diz "concordar com a análise do Comandante de Lisboa", aproveitando ainda a oportunidade para afirmar, que "a P.S.P. andava triste". Confrontado múltiplas vezes com o facto e também com os ataques sistemáticos que eram feitos aos profissionais da P.S.P., Gabriel Teixeira diria mesmo, que as divergências com o Ministro sobre alguns assuntos, eram por si consideradas "perfeitamente normais

290


História da Policia em Portugal nos seres humanos" e que "esta é a Policia que o Ministro tem e que é muito boa. Como em tudo,- afirmava o General - ela tem que ser melhorada continuamente e é isso que nós fazemos. A condenação imediata, impensada, não averiguada e leviana, que se faz de uma simples acção isolada, sem averiguar o que se passa à volta, o que se passou ontem e o que se passará depois, sem ter certezas e sem estar devidamente fundamentada, é uma coisa que cai muito mal, que causa traumas, que entristece e que desmotiva muitas vezes os Agentes". Gabriel Teixeira diria ainda, que "o que a Policia pede, é que seja analisado tudo o que houver para criticar, com toda a tranquilidade e com toda a seriedade, para que se faça justiça e não se condenem as pessoas ou as Instituições por acções isoladas". Pese embora a solidariedade do Comandante-Geral, que pela primeira vez demonstrou pretender a independência da Policia de Segurança Pública face ao poder politíco, o que é certo, é que Alberto Costa não desistiu da sua ideia e sugeriu mesmo a Gabriel Teixeira, a transferência de Vasco Durão para outro Comando. Pela confiança que tinha no seu subordinado, o ComandanteGeral recusa tal hipótese chegando mesmo a afirmar "não aceitar interferências politícas na sua Corporação". Perante a recusa do General, as posições extremam-se e Vasco Durão é chamado ao Ministério da Administração Interna. Aí, é-lhe comunicada de viva vóz a sua exoneração e explicados os motivos que contribuíram para tal, - "obstrução à politica do Governo" -, sendo-lhe inclusivé oferecida a chefia dos Serviços Sociais. Quando se esperava a sua anuência, até pelo facto de ser considerado como "persona non grata", o Comandante Metropolitano rejeita tal hipótese e diz ao Ministro, que para além de não aceitar

291


História da Policia em Portugal os infundados argumentos que lhe são transmitidos, não pode admitir a tal despromoção. O braço-de-ferro estava lançado, contudo, Alberto Costa resolveu não esperar mais tempo e em 27 de Maio de 1996, ordena a transferência de Durão para o Comando Geral, justificando publicamente o seu acto, com o facto de "as funções do actual Superintendente-Chefe, não coincidirem com os objectivos programáticos do Governo". Apesar de contrariado, já que a aplicação de tal medida, por inerência de funções, deveria merecer o seu aval, o ComandanteGeral reage serenamente e confrontado pelos orgãos de comunicação social com a situação e com a possibilidade de também ele se demitir, declara "não se sentir desautorizado", e que "enquanto entender que é útil à Instituição que comanda, se manterá em funções, a não ser que o Governo entenda por bem a sua exoneração". Para substituir Vasco Durão, é indigitado o SuperintendenteChefe Mário Gonçalves Amaro, um ex: Militar, que teve o seu primeiro contacto com a Policia de Segurança Pública, em 1982, quando desempenhou funções de Director do Gabinete de Estudos da Escola Prática de Policia e que entretanto, passara pela Escola Superior de Policia e pelo Comando Distrital de Setúbal. Entretanto Durão não desiste e não se contentando com a sua exoneração, recorre da decisão Ministerial para o Supremo Tribunal Administrativo. Após algum tempo de espera, é proferido o respectivo Acordão, que lhe viria a ser desfavorável, dando-se assim por encerrado um dos vários episódios, que marcaram o atribulado mandato de Alberto Bernardes Costa, como Ministro da Administração Interna.

292


História da Policia em Portugal

A INSPECÇÃO GERAL DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA Criada ainda no tempo de Manuel Dias Loureiro, a I.G.A.I. só viria porém a ganhar corpo, em Dezembro de 1995. Nessa data, o Ministro Alberto Costa, resolve nomear para desempenhar as funções de Inspector-Geral, o seu amigo, Doutor António Rodrigues Maximiano, que então desempenhava as funções de Procurador Geral -Adjunto. A actuação da Inspecção, abrangia todos os serviços directamente dependentes ou tutelados pelo Ministro da Administração Interna, designadamente a Policia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Repúblicana, o S.I.S. e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, cabendo-lhe fundamentalmente, o exercício do contrôle da legalidade, para a defesa dos direitos dos cidadãos e para uma melhor e mais célere administração da justiça disciplinar. A nomeação de Rodrigues Maximiano, um Magistrado carismático e com fama de justiceiro, significava, segundo o discurso governamental, a aposta na melhoria da imagem de determinadas instituições, geradoras de alguma desconfiança na opinião pública, casos onde obviamente se incluíam, as Policias e o Serviço de Informações de Segurança (SIS). O início do seu mandato na P.S.P., não foi fácil!... Para além dos escassos meios que foram colocados à sua disposição, Rodrigues Maximiano, viu-se ainda confrontado com um enorme clima de desconfiança, facto que viria a contribuír decisivamente, para ser "agraciado" com o título de "Caça-Policias".

293


História da Policia em Portugal Conhecedor da situação e experiente como era, Rodrigues Maximiano depressa daria a volta por cima!... Em primeiro lugar, não se coibiu de criticar a cultura instalada nas Forças de Segurança, que acusava de "andar mais à volta de uma filosofia de comando do que de direcção e administração". Depois, pelo facto de por várias vezes e múltiplas razões "saír" em defesa dos mais desprotegidos, manifestando-se quer contra os baixos salários auferidos pelos Guardas, como também contra a forma de aplicação da justiça disciplinar, que apenas visava os mesmos Guardas e Subchefes. Este tipo de discurso, aliado a algumas critícas feitas ao sistema, que permitia que os Oficiais não acompanhassem os seus subordinados no respectivo serviço, designadamente durante as patrulhas nocturnas e à defesa de uma melhor formação, de uma Policia mais Europeiísta e do tão almejado Sindicato, que as Associações Profissionais sempre reclamaram, depressa fizeram com que o clima inicial de desconfiança, ao nível das classes mais baixas, se desvanecesse. Com o incondicional apoio do Ministro Alberto Costa e beneficiando já de um clima mais favorável no seio da P.S.P., Rodrigues Maximiano, pese embora tenha desvalorizado as três mortes envolvendo Policias, ocorridas em 1996 e lembrado que no passado recente tinha sido bem pior -9 mortos em 1994 e 6 em 1995 -, lança a partir do início do ano de 1997, uma vasta ofensiva no âmbito das Forças de Segurança. Segundo a I.G.A.I., os objectivos principais prendiam-se não só com o despiste de problemas relacionados com o álcool e com a droga, mas também com uma apertada fiscalização dos comportamentos dos Agentes policiais, que intersectassem áreas

294


História da Policia em Portugal criminais, em especial, nos dominios do tráfico de estupefacientes, da tortura e maus tratos a cidadãos. A partir do mês de Julho do mesmo ano e paralelamente a este tipo de fiscalização, lança de igual modo e sem pré-aviso, diversas acções de fiscalização a Esquadras e Postos. O objectivo principal, era verificar o atendimento do público, as condições de dignidade dos locais de detenção ou permanência de cidadãos nos Postos ou Esquadras, a correcta elaboração do expediente, o cumprimento dos procedimentos, a presença ou ausência das chefias e a detecção de situações de abuso de autoridade ou violência, torturas e maus tratos policiais. Pese embora a receptividade às suas acções fosse bastante positiva e segundo o Relatório da própria I.G.A.I., não se tivesse detectado qualquer caso de abuso de autoridade ou detenção ilegal, o que é certo, é que a partir daqui, o "prestígio e a força" de que Maximiano dispunha no interior da Instituição policial, se começou de novo a dissipar. Em primeiro lugar, porque finalmente se compreendeu o verdadeiro alcance das suas funções, que não eram tanto, as de zelar pelos direitos e interesses dos profissionais da P.S.P., mas sim o exercício efectivo, do controle externo da própria Instituição. Depois, porque a sua acção, aliada a outros factores de natureza social, sem qualquer tipo de contrôle, veio contribuir decisivamente para o alastrar de um clima de suspeição sobre as Forças de Segurança, que quase se traduziria na "imolação" da própria Policia e dos seus profissionais, que de repente se viram confrontados com a instauração de um tal volume de processos disciplinares, que (pese embora, em mais de 90% dos casos não se viesse a apurar responsabilidade disciplinar) chegaram a atingir os 2.500/ano.

295


História da Policia em Portugal

...

CAPÍTULO XIV A REVOLTA DE ÉVORA

296


História da Policia em Portugal

OS ACONTECIMENTOS Pouco passava das seis horas da manhã, do dia 15 de Dezembro de 1996, quando três assaltantes, fazendo-se transportar desde Lisboa num automóvel furtado, arrombaram um estabelecimento de vestuário na cidade de Évora. Alertada do sucedido pelos moradores circumvizinhos, a P.S.P. local imediatamente lhes montou o cerco, prendendo-os e transportando-os para a respectiva Esquadra.

SÍMBOLO DA PSP DE ÉVORA Uma vez aí, um dos assaltantes, sente-se indisposto e é transportado ao Hospital da cidade, onde chega já sem vida. Ninguém lhe viu qualquer tipo de ferimentos. Perante tal, quer a Policia, quer o Corpo Clínico que ali se encontrava de serviço, apontam como causa provável da morte, a "doença súbita". Contudo e após a realização da respectiva autópsia, vem a apurar-se para surpresa de todos, que a verdadeira razão da morte do assaltante, se prendia, não com a hipótese anteriormente 297


História da Policia em Portugal anunciada, mas sim com o facto, de ter sido atingido por uma projéctil, disparado por arma de fogo. Perante tal e uma vez presente a Tribunal o presumível homicida, a Juíza, Maria Filomena Soares, não está com contemplações!... Decreta a liberdade condicional dos restantes dois presos envolvidos no assalto e faz recolher à cadeia, o Guarda Luis Severino, indiciado como presumível autor dos dispáros que vitimaram o terceiro assaltante. Logo que a decisão da Juíza foi conhecida, a revolta foi generalizada!... Farta de receber acusações pela ineficácia no combate ao crime, de evitar determinadas ocorrências que teria obrigação de controlar, de se esquivar e não dar sequência a múltiplas queixas que lhe são apresentadas, a Policia de Segurança Pública e os seus profissionais, tornam-se, no "ex-libris" da grande maioria dos cidadãos deste país, que julgam ver em actuações do género -mesmo que à margem da Lei -, a resposta mais eficaz no combate aos criminosos. Assim e como resposta à decisão de Filomena Soares, um grupo de cidadãos de Évora, inicia um movimento de apoio à Policia e ao Guarda atingido, lançando para o efeito, um folheto assinado por vários indivíduos, através do qual , exortavam todos os comerciantes locais, para que na véspera de natal encerrassem as suas lojas durante quinze minutos, periodo esse, que deveria ser seguido de um grande buzinão, como forma de protesto contra o veredicto da Juíza. Sentindo o apoio da população, na interpretação simplista de que a Juíza libertara "dois cadastrados" e prendera o Policia, o movimento de apoio ao Guarda, depressa passou as "fronteiras" de

298


História da Policia em Portugal Évora e quer as Associações Sócio-Profissionais - ASP e APP -, quer o então Comandante-Geral, General Gabriel Teixeira, não ficaram indiferentes ao que se passava. Após uma reunião levada a cabo nas instalações da P.S.P. local, envolvendo o Comandante-Geral e representantes das duas Associações Sócio-Profissionais, estas, contando com a bonomia do General, decidem igualmente lançar um movimento de protesto e incitam todos os colegas do país, a solidarizarem-se com Severino, depondo as suas armas durante as 24 horas do dia 24 de Dezembro e a fazerem o respectivo serviço, desarmados. Se bem o pensaram, melhor o fizeram e no dia programado, cerca de 90% do universo policial, responderam positivamente à proposta dos dirigentes associativos. Entretanto, com a sua condescendência, Gabriel Teixeira capitalizava ainda mais a simpatia dos seus homens e colocado perante os factos, não deixou de publicamente tecer algumas considerações, argumentando entre outras coisas, "que os Policias, em particular as suas organizações sócio-profissionais, têm o direito de sentir-se indignadas" e "pessoalmente, não encontrar qualquer razão plausível, para que o Guarda Severino, fosse preso preventivamente, tanto mais, que não representa qualquer tipo de perigosidade para a sociedade".

A DEMISSÃO DE GABRIEL TEIXEIRA Colocado perante esta "rebelião" e também pelo facto do efectivo policial de Évora, em sintonia com a respectiva população, ter "desrespeitado" o Tribunal, quando durante uma manifestação silenciosa de protesto, lhe virara as costas, o Ministro fica sem

299


História da Policia em Portugal qualquer margem de manobra e enquanto os Partidos da oposição lhe fazem severas critícas, pedindo mesmo a sua demissão, o jornal "O Expresso" na sua edição de 28 de Dezembro, noticía a demissão do General. Apesar de Alberto Costa não a confirmar, o que é certo, é que esta noticia enervou as hostes policiais a todos os níveis e na sede da APP, começam então a "chover" telefonemas, manifestando-se os seus autores, contra a eventual saída de Gabriel Teixeira e ameaçando mesmo ocupar simbolicamente as respectivas Esquadras, se tal se viesse a concretizar. Confrontados com esta onda de protestos e sabendo que esta possível tomada de posição, mereceria inclusivé a anuência de muitos sectores da Hierárquia, dois dirigentes da APP deslocam-se ao Ministério da Administração Interna e dão conta ao Ministro daquilo

SÍMBOLO DA PSP DE LISBOA que se estava a passar, tentando igualmente sensibilizá-lo, para o facto, de que a ser verdadeira a hipótese anunciada pelo Expresso, o "timing" não ser o mais adequado. Alberto Costa parece ter ouvido as preocupações dos dirigentes associativos e logo em 30 de Dezembro, solicita a presença do General no seu gabinete, para uma reunião a dois, a qual se prolongaria por cerca de uma hora e meia.

300


História da Policia em Portugal No final da mesma, o Ministro dá uma conferência de imprensa e anuncía ter dado "três dias a Gabriel Teixeira, para pôr ordem na casa". Com a sua atitude, Alberto Costa tentou ganhar tempo, contudo, as suas declarações viriam a ser de imediato contestadas por fontes próximas do General, que declararam também publicamente, que as "coisas não eram bem assim" e que " o Ministro não estipulara qualquer prazo". Face a todas estas contradições e a uma nota interna, distribuída por todos os Comandos Distritais, através da qual o Comandante-Geral afirmava "que todas as formas de luta tinham tido o seu assentimento, mas apelava a que a partir de agora não se realizassem mais acções de protesto", a situação "enrolou-se" ainda mais e a demissão do General volta a estar na ordem do dia. Com a tensão a subir cada vez mais e enquanto a Hierárquia da P.S.P. se mantinha expectante, as duas Associações SócioProfissionais tomam posições diferentes. Enquanto a APP continuava solidária com Gabriel Teixeira, a ASP retirava-lhe o "tapete" e o apoio que sempre lhe prestara, principalmente a partir das delegações de Faro e do Porto caía por terra. Tudo aconteceu, quando o seu Presidente, José Carreira, que há vários meses se encontrava doente, reapareceu de novo em cena!... O momento de pagar o favor que Alberto Costa lhe fizera, evitando a sua expulsão da P.S.P., em consequência do processo disciplinar que lhe havia sido instaurado no tempo de Dias Loureiro, tinha chegado. Para o efeito, Carreira encontra-se numa primeira fase, com homens ligados ao Governo. Mais tarde, na sede da ASP, reúne-se igualmente com alguns dirigentes da sua confiança e com três

301


História da Policia em Portugal elementos do Partido Comunista Português, o Secretário-Geral Carlos Carvalhas e os deputados, João Amaral e Octávio Teixeira. Depois de analisada a situação e o encontro ter sido dado como terminado, as respostas à comunicação social foram óbvias e saíram em sintonia!... Era preciso substituir Gabriel Teixeira e civilizar a Policia... Se a estratégia resultara em pleno, as declarações proferidas vinham mesmo a calhar e em 3 de Janeiro de 1997, Alberto Costa, sentindo o apoio da maior Associação Sócio-Profissional da Policia, do Partido que a suportava e do seu próprio Partido, toma a decisão de exonerar o Comandante-Geral, nomeando em sua substituição o Superintendente-Chefe mais novo na escala hierárquica da P.S.P., Mário Gonçalves Amaro, que comandava há seis meses o Comando Metropolitano da Policia de Lisboa. Diga-se porém, que no próprio dia 3 de Janeiro, outros episódios no mínimo recambolescos se passaram. Pouco passava das dezasseis horas desse mesmo dia, quando o Superintendente-Chefe Sousa Paz, se cruzou nas instalações do Ministério da Administração Interna, com o seu camarada Gonçalves Amaro. Nesse momento Sousa Paz estava "investido" por Alberto Costa, no cargo de Comandante-Geral da P.S.P., durante pelo menos quinze dias, perfilando-se Gonçalves Amaro para o lugar de Segundo Comandante. Ignora-se do que falaram quando se cruzaram, sabe-se porém que duas horas depois do encontro, Sousa Paz subia de novo as escadarias do Ministério, para receber a noticia de que afinal os quinze dias se tinham transformado em pouco mais de duas horas. Não aceitando a reviravolta, nem tão pouco a indigitação do colega, tanto mais por se tratar de um camarada de armas mais novo e que a partir daquele momento se perfilaria como seu superior

302


História da Policia em Portugal hierárquico, Sousa Paz demite-se e solicita a sua passagem à préaposentação. Mário Gonçalves Amaro, depois de supostamente ter sido "encostado à parede", aceita o cargo e torna-se no primeiro Comandante-Geral oriundo da própria Instituição. Entretanto, Gabriel Teixeira cancela todos os seus compromissos e nem sequer chega a receber as Associações, que para essa tarde tinham reuniões agendadas. No caso da APP, manda um emissário comunicar-lhe tudo aquilo que se passara. Na hora de arrumar as gavetas, chama os seus subordinados e diz-lhes que antes de tomarem qualquer decisão, deviam pensar na Instituição que serviam. O MANDATO DE GONÇALVES AMARO Para além das vicissitudes, que levaram à nomeação do Superintendente-Chefe mais novo na respectiva escala hierárquica, para o cargo de Chefe máximo da PSP, o seu mandato não se tornaria fácil. Logo no início, viu-se confrontado com uma “guerra de sucessão”, protagonizada entre o antigo Comandante da Policia de Lisboa, Vasco Durão e o então Ministro da Administração Interna Alberto Costa. Para além de pactuar com a situação, Amaro deu-lhe inteira cobertura, colocando-se deliberadamente ao lado do Ministro. O caso só viria a ser solucionado mais tarde, por decisão judicial, vindo a redundar no afastamento de Durão, acusado pelo Governo Socialista de com a sua conduta, ser obstrução à sua politíca de segurança. Para além deste episódio gerador de muitas criticas e de tantos outros que a história se há-de encarregar de desmistificar,

303


História da Policia em Portugal deve dizer-se também e em abono da verdade, que Amaro sempre se revelou como um homem da confiança do Governo, confiança essa que por muitos foi entendida como de uma “subserviencia”total face ao poder politico. Sem entrar neste momento, numa análise mais detalhada sobre o assunto, há porém que afirmar, que se calhar, muito contribui a marginalização a que foi sujeito pelos seus colegas de armas, que nunca aceitaram de bom grado, a sua nomeação para Comandante-Geral, para que tal acontecesse, levando-o inclusivé, a nomear responsáveis para os diversos Comandos Distritais, que não reuniam as condições desejáveis. Exemplo desta situação, foi a que se verificou na área do Comando Metropolitano de Lisboa, que passou seis anos em permanente convalescença, tal era a inoperância dos principais responsáveis que por aí passaram... Contudo e sempre alheio a protagonismos, Amaro foi levando a água ao seu moinho. Apesar de todas as critícas, pode hoje gabarse, de ter sido durante o seu mandato, que as principais reivindicações reclamadas pelas Associações Sócio-Profissionais, foram satisfeitas. Para além de uma nova Lei Orgânica e de um novo Estatuto Profissional consentâneo com as funções especifícas dos Policias, foi também durante o seu “reinado”, que se procedeu a uma profunda reestruturação das carreiras profissionais, com largos benefícios para a grande maioria dos homens e mulheres que prestam serviço na PSP, que se aprovou um Código Deontológico e se conseguiu, aquilo porque se lutava há mais de vinte anos e que tão caro saíu a muitos profissionais da PSP: O Direito ao Sindicalismo Policial.

304


História da Policia em Portugal Ainda é cedo para julgarmos o Homem, contudo é justo que se diga, que Amaro, para além de todos os defeitos que eventualmente se lhe possam imputar e que o futuro se encarregará de desmistificar, foi um conciliador, um tolerante e também um homem sobre quem recaíu muita traição, traição essa, protagonizada quer por aqueles que mais protegeu, quer por outros, que não olhando a meios para atingir os fins, não se coibiram de lhe desferir toda uma série de “facadas” nas costas, para que a queda fosse mais célere. Quanto às organizações sindicais, legalizadas durante o seu mandato e de quem muito se esperava, designadamente e em particular, no que diz respeito ao seu papel, tendo em vista uma maior abertura da PSP ao exterior, vieram as mesmas a revelar-se um autêntico fracasso. As mais representativas, ASPP–Associação Sindical dos Profissionais de Policia e SPP-Sindicato dos Profissionais de Policia, chegaram mesmo ao ponto de se degladiar, enveredando, por um “combate”, cujo fim último, servia mais os interesses de determinadas forças politícas, da esquerda ortodoxa e da direita conservadora, que os próprios profissionais da Policia de Segurança Pública. Ao Superintendente-Chefe Mário Gonçalves Amaro e na sequência de eleições legislativas realizadas no início do ano de 2002, que colocaram no Poder uma coligação de Centro Direita, chefiada pelo Social-Democrata, José Manuel Durão Barroso – hoje Presidente da Comissão Europeia -, sucedeu na chefia da Policia de Segurança Pública, o primeiro civil da sua já longa história: O Juíz Desembargador, Mário Belo Morgado. . . .

305


História da Policia em Portugal

MENSAGEM Viver livre: livre de ameaças; livre de opressões; livre do crime, são princípios fundamentais das sociedades democráticas, que continuamente abraçam o desejo de maximizar a liberdade individual dos cidadãos. Visando esta finalidade, a maioria das modernas sociedades democráticas, desenvolveram forças policiais profissionais, para lidarem com os comportamentos que infrinjam direitos fundamentais, individuais ou da sociedade, por forma a zelarem pela segurança pessoal e patrimonial de cada um, prevenindo o crime, prendendo os criminosos e actuar em casos de excesso, mas sempre por forma a respeitar a dignidade humana, os direitos civicos e de um modo geral os direitos humanos de todo o indivíduo. A inviolabilidade da vida humana, a liberdade e a segurança, são sem sombra de dúvida, aqueles direitos que melhor se identificam com um Estado de Direito moderno e que por consequência se encontram constitucionalmente consagrados. Nestes termos, a procura do exercício das liberdades por parte dos cidadãos, sendo natural, implica necessariamente o seu reconhecimento por parte do Estado a quem incumbe para além de tal garantia, encontrar o ponto de equilibrio entre o já referido direito, a liberdade dos indivíduos e simultâneamente a sua segurança, sem contudo beliscar o exercício dos demais direitos fundamentais. 306


História da Policia em Portugal Este é garantidamente o cerne da questão e uma tarefa de extrema complexidade para os profissionais da Policia de Segurança Pública, pois cabe-lhe conduzir as diligências de autoridade, precisamente aquelas mais susceptíveis de ferirem os direitos fundamentais e consequentememte, garantir a inviolabilidade desses mesmos direitos. Num simples acto -do ponto de vista policial- de identificação de um suspeito, podem materializar-se as mais relevantes questões sobre cidadania e conflitualidade, entre os direitos fundamentais e a segurança. Tomemos como exemplo, o caso em que um Agente, a alguns quilómetros do local da prática de vários roubos, que aborda um indivíduo suspeito, solicitando-lhe a respectiva identificação. Não podendo satisfazer o pedido, o referido indivíduo é conduzido à Esquadra e posteriormente àquele em que dizia ser o seu local de trabalho, onde se encontrariam os documentos de identificação, facto que não se confirma. No actual ordenamento, o motivo para identificação, só pode ser levado a cabo por fundada suspeita. Mas como fundamentar essa suspeita?... Na investigação criminal, além dos aspectos científicos e técnicos, existe também um factor importante, a que por simplificação de linguagem, se designa por "intuição policial". No caso em hipótese, a identificação e a suspeita, tinham como fundamento essa tal intuição policial; se as suspeitas se confirmam, tudo acaba em bem, caso contrário temos um Agente em apuros e possivelmente na Cadeia, como já tem acontecido. É que o cidadão pode entender, que o seu direito à livre circulação, corolário do direito à liberdade, ou mesmo o direito à

307


História da Policia em Portugal dignidade, quando coagido a deslocar-se à Esquadra ou ao seu local de serviço, foram violados se a suspeita não fôr confirmada. Nestes termos, estamos assim perante uma fronteira tremendamente ténue, frágil e subjectiva, entre a legalidade, a obrigatoriedade de agir e o crime por ter agido. Permitam-me pois, que releve esta disfunção, dificilmente superável é certo, mas susceptível de ser minimizada, entre a dimensão do enquadramento jurídico, em especial no que toca à tutela dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos e a realidade ao nível dos profissionais de Policia e do Sistema Judicial, caso contrário seremos todos nós a perder... A defesa dos direitos dos cidadãos, só malevolamente pode ser designada por repressão. O Povo, exige e tem o direito de se manifestar contra a insegurança, contra a violação dos direitos fundamentais, contra o desrespeito pelas liberdades individuais e contra a desordem, mas também tem de compreender como alguém dizia " que a comunidade não pode ter uma imagem contraditória da Policia e um quadro de expectativas irreconciliáveis, já que por um lado, exige dela a repressão contra o crime e pelo outro pede-lhe auxílio. Para satisfazer todas estas expectativas seria necessário que o Policia tivesse simultaneamente a sabedoria de Salomão, a coragem de David, a paciência de Job, a liderança de Moisés, a delicadeza do Bom Samaritano, a estratégia de Alexandre, a fé de Daniel, a diplomacia de Lincoln, a tolerância do Carpinteiro de Nazaré e por último um conhecimento aturado de todos os ramos das ciências naturais, já que na verdade ... É DIFÍCIL SER POLICIA".

...

308


História da Policia em Portugal

-ÍNDICE GERALNotas do Autor

HISTÓRIA DA POLICIA EM PORTUGAL INTRODUÇÃO 17 O Homem e a Sociedade 17 CAPÍTULO I 24 Formas de Justiça e Policiamento na Antiguidade 24 CAPÍTULO II 30 Do Início do Sec.XII aos finais do Sec.XVI (Retrospectiva) 30 A Tipificação dos Crimes 34 Os Primeiros Agentes Policiais (Quadrilheiros) 36 O Aperfeiçoamento da Justiça Pública 42 309


História da Policia em Portugal O Direito Criminal Neste Periodo 44 A Luta contra a Feitiçaria na Idade Média 44 Tratos e a Criminalidade em Geral 45 Os Crimes contra a Religião 48 Os Crimes contra os Direitos Régios 49 Os Crimes contra a Moralidade 51 Crimes contra as Pessoas sua honra e reputação 54 Crimes contra o Património 55 CAPÍTULO III 58 A Inquisição 58 Os Judeus 61 Os Cristãos Novos 69 A Saúde Pública 70 A Peste 72

310


História da Policia em Portugal As Galés 74 Os Pelourinhos 76 A Censura 77 CAPÍTULO IV 79 Dos Filipes a Pina Manique 79 A Perda da Independência 80 A Reestruturação da Policia 82 A Moral e o Sentido da Liberdade 83 Armas e Disfarces 85 O Marquês de Pombal 87 O Intendente Geral da Policia da Côrte e do Reino 90 As Prisões 98 A Guerra dos Sete Anos 99

311


História da Policia em Portugal O Reinado de Pina Manique 102 A Remodelação dos Serviços da Policia 106 CAPÍTULO V 111 A Policia Portuguesa (Época Contemporânea) 111 A Guarda Real de Policia 112 As Invasões Francesas 116 A Guarda Militar de Policia 118 A Revolta de Gomes Freire de Andrade 123 CAPÍTULO VI 126 O Fim do Absolutismo e o Triunfo da Revolução Liberal 1820 126 A Constituição de 1822 131 A Questão da Legitimidade 133

312


História da Policia em Portugal A Extinção da Guarda Real de Policia 137 A Guarda Nacional e a Policia Preventiva 140 Extinção da Intendência-Geral da Policia 141 CAPÍTULO VII 144 A Guarda Municipal e a Policia Cívica 144 A Organização "Partidária" na Época 145 A Instabilidade Social 147 Associações Secretas e Religiosas 153 As Amnistias e a Policia Cívica 156 CAPÍTULO VIII 161 A Abolição da Pena de Morte 161 Os Últimos Enforcados em Portugal 162

313


História da Policia em Portugal A Biografia do Condenado 164 Sentença de Morte contra o Réu Begueiro 166 O Povo e o Acontecimento 168 O Suplício 170 Possibilidades de Fuga do Réu 175 Os Executores 176 CAPÍTULO IX 178 A Primeira República 178 Síntese dos Acontecimentos 179 O Fim da Primeira República 187 O Reinado de Ferreira do Amaral 190 CAPÍTULO X 196 O Estado Novo 196

314


História da Policia em Portugal A Ditadura 197 A Década de 30 200 A Oposição ao Governo de Salazar 204 A Ordem Pública e o Regime 209 A Guerra Colonial 216 O Assassínio de Humberto Delgado 219 O Fim da Era Salazarista 220 Os Governos de Marcelo Caetano 222 A Revolta de Coimbra 224 As Eleições Legislativas de 1969 226 O Declinio da Governação Marcelista 228 A P.S.P. dos Anos 60 e Início da Década de 70 231 CAPÍTULO XI 235

315


História da Policia em Portugal A Terceira República 235 A Revolução de Abril/74 236 O Início da Democratização 238 A Policia de Segurança Pública e o Regime 240 CAPÍTULO XII 245 Os Movimentos Associativos 245 O Desenrolar do Processo 246 O Movimento de 21 Abril/89 257 Os Acontecimentos 261 Consequências da Manifestação 264 CAPÍTULO XIII 268 As Reformas e Contra-Reformas 268 As Décadas de 80/90 269

316


História da Policia em Portugal A Reestruturação das Forças de Segurança 273 A Cisão na ASP e o Nascimento da APP 279 O Regresso dos Socialistas ao Poder 281 A Contra-Reforma de Alberto Costa 282 O Último General 285 A Inspecção Geral da Administração Interna 290 CAPÍTULO XIV 294 A Revolta de Évora 294 Os Acontecimentos 295 A Demissão de Gabriel Teixeira 297 O Mandato de Gonçalves Amaro 301 MENSAGEM 304

... 317


História da Policia em Portugal

-BIBLIOGRAFIA-A Abolição da Pena de Morte em Portugal - Guilherme

Braga da Cruz -A Gazeta de Almada (Outubro/1808) - Biblioteca Nacional de Lisboa -A Gazeta de Lisboa (Janeiro/1802) - Biblioteca Nacional de Lisboa -A Gazeta de Lisboa (Agosto de 1926) - Biblioteca Nacional de Lisboa -A Capital (Março 1996) -A Guarda Municipal Cumpre - José Eduardo de Noronha -A Guarda Real de Policia - Coronel Luis Filipe Rodrigues -A Inquisição Portuguesa - António José Saraiva -A Maçonaria na Luta pelo Poder - Paul Siebertz -A Revolução Francesa - P. Gaxotte -Alexandre Herculano e o Liberalismo - António José Saraiva -As Prisões da Junqueira - Marquês de Alorna -Carta do Marquês de Pombal (Agosto/1774) Res.Biblioteca Nacional Lisboa -Chancelaria de D. Fernando - Arquivo da Torre do Tombo Comunismo e Maçonaria - Tomé Vieira

318


História da Policia em Portugal

-Constituições Portuguesas - Marcelo Caetano -Correio da Manhã - Abril/1989 -Correio da Manhã - Março/1996 -Correio da Manhã - Janeiro/1997 -Cristãos-Novos/Jesuítas/Inquisição - José Gonçalves Salvador -Crónica de D.João I - Fernão Lopes -Crónica de D.João II - Garcia de Resende -Cronologia da História de Portugal - Joel Serrão -Da Policia de Ordem Pública - Pedro Clemente -Diário - Julho/1861 -Diário de Noticias - Abril/1989 -Diário de Noticias - Março/1996 -Diário Noticias - Janeiro/1997 -Doutrina Sócio/Politica/Militar - Francisco da Costa Gomes -Enciclopédia Portuguesa Ilustrada - Maximiano de Lemos -Ferreira do Amaral "O Capitão sem Medo" - Capitão Agostinho Lourenço -História da Casa Pia Lisboa - Amador Veríssimo Patricio -História da Policia - Mascarenhas Barreto -História da Policia de Lisboa - Albino Lapa -História da Prostituição - Alfredo Amorim -História de Portugal - A.H. Oliveira Marques -História de Portugal - João Ameal

319


História da Policia em Portugal

-História de Portugal - José Hermano Saraiva -História do Direito Português - Marcelo Caetano -História do Direito Romano - João de Castro Mendes -História dos Judeus em Portugal - Mendes dos Remédios -Intendência (Vol. II) - Arquivo Torre do Tombo/Ofício de José Seabra da Silva -Jornal do Comèrcio (Novembro/1861) -Jornal O Expresso (Abril/1989) -Jornal O Expresso (Junho/1994) -Jornal O Expresso (Março/1996) -Jornal O Expresso (Janeiro 1997) -Lisboa nos Anos 30 - Alexandre Babo -O Antigo Regime e a Revolução - Diogo Freitas do Amaral -O Ditador em Portugal - Markus Cheke -O Marquês de Pombal e a sua Época - Lúcio de Azevedo -O Marquês de Pombal e os seus Biólogos - A. Duarte Rodrigues -O Municipio no Século XIX - Félix Nogueira -O Perfil do Marquês de Pombal - Camilo Castelo Branco -Opúsculos - Alexandre Herculano -Origem da G.N.R. - José Eduardo de Noronha -Ordenações Afonsinas (Livro V) -Pina Manique - F.A. Oliveira Martins -Policia Secreta - João Cândido/batista Gouveia -Relatório do 25 Novembro 1975

320


Histรณria da Policia em Portugal

-Revista A Policia Portuguesa/nยบ.31 -Revista A Visรฃo/Abril1989 -Salazar - Franco Nogueira

FIM

321


Hist贸ria da Policia em Portugal

322


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.