TERRAS DE BARROSO

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TERRAS DE BARROSO

ORIGENS E CARACTERISTICAS DE UMA REGIÃO O AUTOR DOMINGOS VAZ CHAVES 1.ª Edição


Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região

REGRESSO Regresso às fragas de onde me roubaram Ah!... Minha serra, minha dura infância!... Como os rijos carvalhos me acenaram, Mal eu surgi, casado, na distância!... Cantava cada fonte à sua porta: O poeta voltou!... Atrás ia ficando a Terra morta Dos versos que o desterro esfarelou. Depois o céu abriu-se num sorriso E eu deitei-me no colo dos penedos A contar aventuras e segredos Aos deuses do meu velho paraíso..

Miguel Torga

“Ser transmontano é uma Honra!... Ser Barrosão são duas”…

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PREÂMBULO Será difícil, a quem demanda hoje as terras de Barroso, imaginar com alguma profundidade, aquilo que a mesma foi desde os primórdios, ou mesmo até aos anos 50 das migrações para o litoral ou para os grandes centros urbanos, ou ainda para o tempo em que se iniciou o processo de emigração para França nos anos 60. Só os mais antigos, aqueles que contam para além dos 50 e que calcorrearam abaixo e acima, as ruas das aldeias desta região, ou as íngremes ladeiras das suas vastas serranias, poderão ter uma ideia sui-generis, daquilo que foram as Terras de Barroso no passado «recente», já que quanto aos tempos mais longínquos, muitas dúvidas subsistem. No que diz respeito ao primeiro mote, posso afirmar com toda a clareza, que a diferença é uma coisa impensável!... Naqueles tempos, não havia jornais que ali chegassem, não havia rádio, não havia televisão. Noticias era uma nulidade e Barroso não passava de um «mundo» fechado, envolvido pelas suas casas de colmo, por uma civilização pré-industrial e comercial, tão edénico e bucólico, que a medida da fortuna, não se fazia pelas cifras da lotaria, mas pelos alqueires de pão «colhidos», pelas quilos de batatas arrancados à terra, ou pela unidade «cabeça de gado», que cada um tinha e por quem se jurava: «nem que me desses uma vaca cum bezerro». Mas esse mundo morreu... só vive, como disse, nos microcosmos dos filhos da terra, que contam para além do tal meio século, e com eles desaparecerá para sempre, a não ser, que alguém dedique algum do seu ócio, a registar tanto quanto possível, vivências passadas, velhos monumentos, costumes e tradições. Alguém, bastante inserido nessa sociedade de antanho, pela paixão das pessoas e coisas da sua criação e ao mesmo tempo com capacidade de confronto dessa realidade, da realidade civilizacional de então com a de hoje. Os nossos filhos, os nossos netos, as gerações vindouras, têm o direito de conhecer, aquilo que foi a vida dos seus progenitores, da sua terra, dos seus costumes, e das suas tradições. Até aos 7 anos de idade, fui criado – com meus avós -, num ambiente familiar de puro regime patriarcal, auferindo como qualquer outra criança, da «riqueza» da vida comunitária produzida na aldeia. O comunitarismo, era o expoente máximo desse viver eminentemente social. Comunidades de «patrões» e «empregados», partilhavam o trabalho árduo, a mesma mesa, o mesmo respeito e a mesma prece ao fim do dia, após a ceia. À volta da lareira, poderosa de calor e aconchego, que conjuntamente com a candeia, iluminava as amplas casas, desprovidas que eram de luz eléctrica, brotava a alegria reinante dos serões, que antecediam as longas noites de inverno. A desoras que fosse, se alguém batesse à porta, lá tinha a sua tijela, o seu copo de vinho, o seu naco de conforto. Cumpriam-se assim as leis da hospitalidade, que a tradição mandava. Generosamente. Simplesmente. Durante aqueles sete anos - e com o decorrer do tempo, durante os periodos de férias -, aprendi a gostar do meu torrão natal, que nunca esqueci. Vivi os trabalhos e os dias na translação anual do labor agrícola, desde o «meter» dos fenos, às 3


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segadas, desde as carradas, às malhadas, desde a matança dos porcos, que constituíam autênticas festas de familia, até ao «carrar» do estrume, desde a sementeira do centeio, até ao quotidiano cuidado com as «fazendas» (terrenos), desde a alegria de quem ama a vida e por ela é amado, até aos «motes» (quadras de escárnio e mal dizer), tudo numa sociabilidade intensa quase sem privacidade. Era uma riqueza imensa de experiências de vida, em contacto com a natureza. Através desta pequena obra, recorrendo a fontes, a informação prestada pelos mais idosos e a todos os meios documentais de que possa dispôr, procurarei relatar aquilo que foi e são as Terras de Barroso. Fá-lo-ei com a paixão natural de quem aí nasceu, sem pretensiosismos e apenas com um objectivo: Dar a conhecer às gerações vindouras, aquilo que foi e que é Barroso, mergulhado no orgulho transmontano e na condição de Barrosão.

O AUTOR

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Domingos Vaz Chaves

O AUTOR

DOMINGOS VAZ CHAVES, nasceu a 3 de Agosto e foi registado a 16 do mesmo mês, do ano de 1954, na freguesia de Gralhas, concelho de Montalegre. Viveu com os seus avós maternos até aos 7 anos de idade. É filho de José Fernandes Chaves e de Teresa Vaz Chaves, neto paterno de José Fernandes Chaves e de Maria Dias e materno, de Domingos Vaz e de Maria da Glória Gonçalves Carneiro, todos naturais da dita freguesia de Gralhas, do concelho de Montalegre. Na sua aldeia, iniciou a instrução primária, tendo rumado a Lisboa, onde actualmente vive, quando frequentava a 2.ª classe e se juntou a seus pais, que aí residiam e trabalhavam. Em 1965, após concluir a 4.ª classe e efectuado o então necessário e obrigatório exame de admissão, para acesso ao ensino secundário, inicía os seus estudos no extinto Liceu Nacional de Gil Vicente, também em Lisboa. Sempre apegado às suas origens e inadaptado ao ambiente da capital, em 1969 regressa à sua terra e aí passa a frequentar o Colégio de Montalegre. Após reprovação no então chamado exame do 2.º ciclo (actual 9.º ano), é-lhe imposto o retorno a Lisboa, facto que o leva à recusa de continuar os estudos. Começa então a trabalhar num escritório sediado também na capital. Anos mais tarde, trabalhando e estudando alternadamente, veio a concluir o Curso Geral dos Liceus em Julho de 1974, no também já extinto Liceu D. Dinis em Lisboa. Tinha então 19 anos de idade. 5


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Em termos profissionais, ingressou na Policia de Segurança Pública no ano de 1981, a qual surgiu no seu percurso através de um concurso público. Após a respectiva candidatura e a prestação das necessárias provas, deu entrada na Escola Prática de Policia em Outubro desse mesmo ano, tendo frequentado o Curso de Formação de Agentes na cidade de Torres Novas. Concluído o mesmo, é colocado em Lisboa, local onde permanece até Outubro de 1985, data em que regressa à Escola Prática de Policia, para frequentar um Curso de promoção a Chefe. Após frequência do mesmo com aproveitamento, regressa de novo a Lisboa, onde volta a ser colocado. A partir daí reíniciou os seus estudos e após conclusão do 12º. Ano no antigo Liceu D.Pedro V em Lisboa, no ano de 1989 entra na Faculdade de Direito de Lisboa, onde frequentou o respectivo curso. Sindicalista desde os tempos do Estado Novo, foi um dos principais activistas da causa sindical na PSP, e enquanto co-fundador, ainda na clandestinidade, da primeira Associação na Instituição – a Associação Sócio Profissional da Policia -, foi um dos principais intérpretes e impulsionadores da chamada “Batalha de Lisboa”, revolta ocorrida em 21 de Abril de 1989, que colocou Policias contra Policias, no Terreiro do Paço em Lisboa e que levou à demissão do então Ministro da Administração Interna, Silveira Godinho, do Governo de Cavaco Silva. Em finais de 1994, deixa a actividade operacional da Policia e passa a desempenhar funções na área da formação. Em Novembro de 1996, através de sufrágio directo, é eleito para vogal do Conselho Superior de Justiça e em 1999, no Parlamento Europeu em Bruxelas, faz a denúncia junto da Comissão Parlamentar de Direitos Liberdades e Garantias, da violação de direitos sindicais e constitucionais por parte do Governo português. Conta no seu curriculo, com 1 medalha de ouro, 1 medalha de prata, 1 medalha de cobre, 1 medalha 1 estrela, 1 medalha 2 estrelas, 1 medalha 3 estrelas, 1 medalha por serviços distintos e 4 louvores, o último dos quais por “serviços distintos” prestados ao país. Paralelamente à sua actividade profissional leccionou na Universidade Lusiada, tendo nos últimos anos dedicado algum do seu tempo à escrita.

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OUTRAS OBRAS DO AUTOR:            

50 Anos de História/Auto-Biografia – 1954-2004 Gralhas-Minha Terra Minha Gente-Monografia da Aldeia de Gralhas Direitos Fundamentais História do Ultimo Enforcado em Montalegre História da Policia em Portugal-Formas de Justiça e Policiamento O Sagrado no Imaginário Barrosão General Humberto Delgado-Um Crime Sem Castigo Direito do Trabalho História da Policia para Crianças Moralidade e Ética Policial Raios e Coriscos Relatos e Crimes do Arco da Velha.

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Introdução Desde Fafião até Santo André a norte, zona que marca a confluência do Gerês e do Larouco com terras galegas, até à região dos vales fundos e escavados dos rios Tâmega, Beça, Terva e Covas a sul de Boticas, é o espaço que marca o começo e o fim das Terras de Barroso, através do qual se estende uma fronteira, de todas a mais periférica pelas características geográficas da região que a delimita. São as TERRAS DE BARROSO. Compõem-nas dois sectores distintos: um voltado a Norte, que intersecta as agrestes serranias das ditas serras do Gerês e do Larouco até aos limites do concelho de Montalegre, e o outro, os vales fundos a sul do Rio Tâmega no município de Boticas. Barroso, é por assim dizer um “mundo”!... Um mundo tal como era definido por Miguel Torga: “um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe porque telúrica contrição. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve; serras sobrepostas a serras, e montanhas paralelas a montanhas”. Terra de povoamento e disputa durante os primeiros séculos da monarquia portuguesa, entre próceres locais ou delegados do rei, altos dignitários do Clero, Ordens Militares e Conventos ou Mosteiros de um e de outro lado da fronteira, terra de coutos de homiziados e de refúgio de judeus exilados durante todo o século XV, espaço de exclusão e desterro desde sempre, para naturais e forasteiros dedicados à pequena agricultura, à criação de gado, ao comércio e contrabando transfronteiriço e a actividades artesanais ou de pequena indústria, sobretudo para consumo interno, Barroso, à medida que foi aprendendo a viver e a conviver com níveis de desafogo a rondar muitas vezes, o limiar da mera sobrevivência, foi vincando, também, no carácter das suas gentes, as marcas de uma terra de origem, afeiçoada e tratada a pulso, ao longo de gerações, e por isso mesmo, um espaço de afirmação identitária que se herda com orgulho, se preserva com convicção e se deixa, finalmente aos vindouros como leira de família. Terra agreste, de serranias e vales encaixados, com extremos climáticos e ainda hoje com difíceis comunicações, na defesa tradicional de Barroso aplicavam-se duas máximas: “Na guerra dos países montanhosos a vantagem pertence ao primeiro ocupante”. Contudo, isto não impediu de aqui se edificarem fortificações e de as adaptarem e reforçarem ao longo do tempo, como ocorreu com os castelos da Piconha e de Montalegre. Um dos traços mais originais desde sempre, desta fronteira, a que o Tratado de Limites de 1864 pôs termo, era a existência dos “Povos Promíscuos”, isto é, de localidades situadas sobre a própria linha de separação dos dois países, fazendo com que chegasse a haver casas com uma parte voltada para Espanha e outra para Portugal. Destes três lugares – Soutelinho, Cambedo e Lama de Arcos – localizados próximo da cidade de Chaves, muito embora com o primeiro encaixado em terra barrosã, 8


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apenas um tinha mais espanhóis do que portugueses, razão porque quando aqui se reuniu a primeira comissão mista de limites em Agosto de 1856, a secção portuguesa propôs, para resolver esta questão já antiga, que o maior número de casas de um ou de outro lado ditaria a sua pertença futura. Cambedo acabaria porém por ser trocado nas negociações diplomáticas pelo Couto Misto, de que adiante se falará. O contrabando era também aqui, como de forma generalizada ao longo da fronteira, um motivo particular de preocupação de ambas os países, dado que os seus habitantes não desfrutavam de prerrogativas especiais, como os daquele Couto. É das Terras de Barroso, das suas origens, da sua História, dos povos promíscuos, do Couto Misto e de todas as características desta região, que me proponho falar na presente obra, recorrendo para o efeito a fontes, a informação prestada pelos mais idosos e a todos os meios documentais de que possa dispôr.

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CAPITULO I A REGIÃO DE BARROSO DOS SÉCULOS XVIII E XIX

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SINTESE HISTÓRICA

A região de Barroso, reparte-se actualmente por duas zonas distintas: o Alto e o Baixo Barroso, a que correspondem administrativamente dois concelhos:a sul, o de Boticas, que ocupa a região dos vales fundos e escavados dos rios Tâmega, Beça, Terva e Covas - é o chamado Baixo Barroso. A norte, onde se incluem as serras do Gerês, do Larouco e do Barroso, formando uma zona natural de serras, carvalhais, rios e ribeiros, o de Montalegre – o qual se designa como o do Alto Barroso. Por estas terras, habitaram Lusitanos, Celtas, Visigodos, Suevos e Romanos, que deixaram um importante património arqueológico, tendo sido posteriormente uma terra importante na Idade Média, dado a sua localização estratégica. Talvez pelo seu passado - a que porventura não serão alheias razões históricas -, para os barrosões, são indiferentes estas divisões e classificações. Sejam do “baixo” ou do “alto”, todos são de Barroso, e quanto ao resto, fale-se de politica, de agricultura, de bruxas, de bois ou de vacas, nada os fáz mudar de opinião. Mas porque esta a “estória” não acaba aqui, é justo que se diga também, que além de Boticas e Montalegre, as terras de Barroso ainda cobrem a freguesia de Soutelinho da Raia, no concelho de Chaves, bem como algumas freguesias dos concelhos de Vieira do Minho e de Cabeceiras de Basto. Esta identidade geográfica barrosã, actualmente apenas histórica em função da Reforma Administrativa operada a partir de 1836, tem porém uma grande tradição autonómica regional: corresponde à antiga terra de Barroso, dotada de foral em 1273 por D. Sancho II, aí se incluindo o actual concelho de Montalegre e de Boticas, mas também o antigo concelho minhoto de Vilar de Vacas - do qual faziam parte as terras de Arco, Botica, Espindo, Frades, Paradinha, Ponte, Quintã, 11


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Roca, Soutelos, Santa Leocádia, Vale, Vila e Zebral - localidade hoje designada por Ruivães, uma freguesia situada na margem esquerda do rio Rabagão, nas fraldas da Serra da Cabreira, parte do concelho de Vieira do Minho. Como todas as regiões, também a “região natural barrosã” tinha e tem ainda nos dias que correm, tradições, características, psicologias próprias e hábitos ancestrais, herdados e transmitidos tantas vezes de viva voz, através das sucessivas gerações.

Desde as terras flavienses de Soutelinho da Raia, até à minhota Ermida, fronteiriça a Fafião, passando por terras de Ruivães até à região de Basto, muito próxima da vila montalegrense de Salto, o modus vivendi deste povo tradicional e em muitos casos ainda comunitário, depara-se-nos com uma cultura secular, um «falar» próprio e uma sabedoria que se arrasta desde tempos imemoriais que urge preservar, reavivar e transmitir às gerações vindouras. Uma singularidade de usos e costumes, de crenças, de superstições, de certos rituais, e de um “falar local” que dentro da própria região, incluindo o léxico, mesmo variando de aldeia para aldeia, de concelho para concelho, não pode ser apagado da memória barrosã. Entre outros, os hábitos ancestrais de vida comunitária agro-pastoril, o folclore, os romances medievais, os provérbios do povo sábio, as cantigas de amigo e saudade e até a pronúncia a que já tive oportunidade de me referir, formam um conjunto de manifestações culturais, que devem ser preservadas e tomadas na devida conta. Em termos económicos, Barroso foi sempre uma região pobre!... Como principais actividades, predominou em toda a sua vasta área e desde tempos longinquos, a 12


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agricultura de subsistência, realçando-se o cultivo da batata e do centeio, a criação de gado bovino de raça preferencialmente barrosã, ovino, caprino, suíno, e só mais recentemente, a construção civil, a pequena e média indústria, o comércio, os serviços e o turismo, começaram a dar os primeiros passos. Os trabalhos árduos no campo, de sol a sol, com a ajuda dos animais, deixavam pouco tempo aos habitantes das aldeias para grandes folias, já que o lema do homem desta região sempre foi o de trabalhar para viver e viver para trabalhar. Porém, ao domingo, dia de ócio e de “ida à missa”, realizavam-se de modo recorrente e entusiasta, as tão apreciadas “chegas de bois”, que ontem como hoje, ainda que nos nossos dias com uma prática bem mais reduzida, constituíam uma forma de reunião e convívio entre os barrosões. Um povo trabalhador, humilde, unido, recto, bom anfitrião e leal às suas raízes culturais e que persiste em falar dos saberes e práticas ancestrais através dos tempos, suscitando mormente a curiosidade, o interesse e a atenção de estudiosos, jornalistas e escritores. Um povo também essencialmente crente e arreigado, que segue fielmente os costumes e as tradições herdadas, estritamente católico e pioneiro na instituição do comunitarismo, hoje em vias de extinção, e que era visível nas fainas agrícolas, designadamente no arranque das batatas, carretos da lenhas, desfolhadas do milho, vindimas, malhadas, segadas do centeio e do feno, que de certo modo contribuiam para a manutenção do folclore local, bem como para a rega, conservação de caminhos, dos moinhos, das vezeiras, do forno, ponto de encontro entre os habitantes das aldeias, hoje ultrapassado pelos cafés e também do “boi do pobo”, sinal particular e supremo de cada aldeia. Como já se afirmou, desde as terras - hoje flavienses de Soutelinho da Raia, passando por terras de Ruivães até à região de Basto, pela fronteira com o Couto Misto – um “país” agora abandonado com 800 anos de História -, até à minhota Ermida, fronteiriça a Fafião, tudo era Barroso. Definir a sua cultura, será por isso um pouco como “olhar para a nossa alma, a nossa identidade, a nossa maneira de ser, de viver, de estar no mundo” e de dizer – nós somos Barrosões com muito orgulho. Este livro, é pois o resultado de um processo histórico, é o povo Barrosão em movimento, são as nossas raízes e como se espera, seja também o “passaporte válido para o futuro”...

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CAPITULO II ASPECTOS GERAIS

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A História Ainda que as perspectivas não sejam unânimes entre os vários estudiosos relativamente à génese do topónimo Barroso, dado que enquanto uns remetem para uma origem celta, outros advogam que “está, não em nomes próprios ou derivados, mas sim no material de construção – barros – com que a maior parte das casas dos nossos antepassados eram feitas”, e outros ainda, para uma proveniência do repovoamento basco de parte da Península Ibérica a partir de “Vale de Barrueso” no País Basco. Rui Guimarães, defensor desta última tese, conclui: “fica a certeza da sua origem pré-romana muito antiga, tal como o éthos socio-cultural e linguístico dos seus habitantes”. Seja qual for a sua origem toponímica, a realidade é que desde a Pré-história esta região montanhosa foi povoada pelo homem, ainda que não se tenham encontrado vestígios do seu modo de viver, devido talvez, à força do tempo que tudo apaga.

Região Barrosã

Os documentos mais antigos que se conhecem dos habitantes das Terras de Barroso datam da Idade da Pedra como o comprova a existência de dólmenes repartidos pela região, como afirma João Gonçalves da Costa: (…) “é extraordinariamente grande, o número de dólmenes no Alto Barroso, o que nos revela uma região muito povoada, nessa remota era pré-histórica.” Sabendo que os dólmenes são monumentos funerários, depreendemos que os habitantes desta época eram um povo vinculado à sua terra, aos seus antepassados e às suas tradições religiosas, manifestando preocupações com o além morte, erguendo rudes monumentos funerários para prestar culto aos seus mortos. 15


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Estes vestígios juntam-se a tantos outros que provam que a área do Barroso já era povoada na época dos metais, a acreditar nos vestígios que nos chegam da pré-história, se bem que a Idade da Pedra deixou mais vestígios que a Era dos Metais, sendo a maior parte dos achados metalúrgicos pertencente à época do bronze. Há conhecimento de diversos machados de bronze encontrados no termo de Cervos, Fírvidas, Medeiros, Cambeses do Rio, Solveira e Montalegre; de duas pontas de lança e um instrumento com forma de garfo de dois dentes, descobertos a sul da referida povoação de Solveira; e ainda duas fivelas, também de bronze, achadas em Carvalhelhos, aldeia do concelho de Boticas. Estes achados encaminham-nos assim para a amostragem do povoamento neste planalto barrosão há cerca de 3000 anos, onde predominava a utilização do bronze no fabrico de instrumentos de trabalho e nas armas de guerra, e demonstram o progresso nesta região bem como do povo que aqui habitava. Por volta do ano mil antes de Cristo, segundo Cuevillas, esta região foi habitada pelos Oestrímios, povo de origem ainda desconhecida, que ocupava o Nordeste Peninsular. Durante os cinco séculos que se seguiram, a região foi invadida por diversos povos indo-europeus, mais conhecidos pela nomenclatura de Celtas. A actual Galiza, com o território situado ao Norte do rio Douro, dominaram-na os Sefes, povo de filiação celta, que deve ter aqui chegado pelos fins do século VII antes de Cristo, ou nos princípios do século seguinte.

Sepultura antropomórfica

Os Oestrímios viviam nesta região há muito tempo, possuíam uma tradição multissecular de usos e costumes, eram detentores de uma cultura e de um modo de viver que se projectaram para os dias tormentosos da invasão Sefe. Sefes, ainda que menos numerosos, eram portadores de um talento exímio a trabalhar com um novo tipo de metal, o ferro, metal esse que permitia a elaboração de novas formas de utensílios bélicos e de alfaias agrícolas. Os Sefes dominaram o povo nativo, após longas lutas sangrentas, mas não aniquilaram os seus usos e costumes e os dois povos compreenderam que a 16


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melhor maneira de conviver, seria interagindo e partilhando conhecimentos que levariam ao enriquecimento de ambas as partes. Esta colaboração e interacção de conhecimentos alteraram a atitude de todos os habitantes da região do Barroso, dando origem à cultura dos castros devido a factores extrínsecos. As frequentes invasões e lutas tribais causavam medo e inquietações permanentes, que levaram à construção de aldeias altamente fortificadas de forma a se protegeram das ameaças exteriores. Estas aldeias eram povoados fortes que ficaram na história com o nome de Castros. Os Castros eram normalmente erigidos no cimo de serras, que lhes facultavam a visão dos inimigos ao longe e dificultavam a sua conquista. Geralmente eram formados por um recinto protegido por muralhas, fossos, ou por um dispositivo de defesa natural. Dentro dos muros construíam-se as casas, que por norma, eram circulares e feitas em madeira, em pedra ou num material parecido com barro. Crê-se que a cobertura era feita com palha, tradição que se manteve ao longo dos séculos e que ainda recentemente era possível observar em certas casas barrosãs, a que se dá o nome de colmo. A cultura castreja teve assim larga difusão no Barroso e é extraordinariamente grande o número de castros encontrados nesta região. Braga Barreiros tentou inventariá-los e só no concelho de Montalegre registou cinquenta e três, mas sabe-se que esse número é muito maior, embora muitas destas memoráveis fortalezas tenham desaparecido, sendo só recordadas pelas toponímias que as evocam . Por sua vez, no concelho de Boticas conhecem-se actualmente vinte e sete castros, dos quais quatro, foram estudados sumariamente por Santos Júnior até 1951. Pelo estado de conservação e pela sua importância, de entre os ditos vinte e sete castros existentes, destacam-se dois - o de Carvalhelhos e o de Lesenho. O primeiro é uma das mais conhecidas estações castrejas do Noroeste Peninsular e está situado na aldeia de Beça, no cimo de um monte sobranceiro à estância termal de Carvalhelhos. O segundo, situado nas proximidades da aldeia de Campos, freguesia de S. Salvador de Viveiro, é classificado como imóvel de interesse público e considerado como o mais importante santuário castrejo lusitano existente em Barroso. Como já se referiu, foi precisamente o Professor Santos Júnior o descobridor e o principal estudioso de um dos Castros mais importantes das Terras de Barroso - o Castro de Carvalhelhos. Carvalhelhos é uma aldeia barrosã que faz parte da freguesia de Beça; assenta na vertente leste da Serra das Alturas de Barroso, a cerca de 800m de altitude e fica a 27 km de Chaves, para Sudoeste. No ano de 1950 fizeram-se as primeiras escavações e ainda nesse mesmo ano, foi classificado como “imóvel de interesse público” pelo Decreto n.º 38.941 de 6 de Novembro de 1951. O outro castro de extrema importância, já sendo considerado o mais importante castro em Portugal, classificado como imóvel igualmente de interesse público D.R. n.º 29/90 de 17 de Julho -, situa-se no lugar de Campos, próximo da aldeia de S. Salvador de Viveiro, e é denominado por Castro do Lesenho. 17


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Neste castro, foi encontrado “O Guerreiro Calaico”, juntamente com outro exemplar, provavelmente no século XVIII, tendo sido posteriormente encontradas já no século XIX, mais duas estátuas acéfalas. Estas estátuas, segundo Santos Júnior, foram posteriormente transportadas para o adro da igreja de Covas do Barroso, tendo em 1782 seguido duas para Lisboa e outras duas levadas para Viana do Castelo e classificadas como estátuas de “guerreiros galaicos de Viana do Castelo”, não possuindo alguma referência que demonstre a sua proveniência barrosã. Essas duas estátuas que seguiram para Lisboa, são hoje o ex-libris do Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia.

Guerreiro Calaico

As estátuas dos Guerreiros Calaicos ou castrejos são actualmente o expoente máximo da museologia nacional e representam, segundo os melhores especialistas nesta matéria, a imagem da divindade e o carácter guerreiro das civilizações castrejas que habitaram esta região. O Guerreiro Calaico consiste num monólito antropomórfico esculpido, erecto e em posição de parada, apresentando-se vestido com um sagum, com decote em V e manga curta, cingido por um cinturão com quatro nervuras paralelas. A cabeça é proporcionada, exibindo um cabelo curto e com pomo discoidal, introduzido numa 18


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bainha com o conto de perfil circular e linhas transversais de possíveis travessas. Usa no pescoço um torque - peça de ourivesaria típica dos guerreiros da época, com aro aberto e em cada braço, uma víria de três toros. Do que se sabe com o achamento destas estátuas, os habitantes de Barroso, na época dos castros, vestiam possivelmente uma túnica de lã ou de linho, que descia do pescoço até um pouco acima do joelho, era relativamente larga e tinha mangas curtas. Também utilizavam um saião curto. Protegiam-se da chuva com uma capa negra de lã, semelhante ao sagum celtibérico. É provável que a esta capa se adaptasse um capuz, do qual pode ter derivado a actual capa de burel barrosã. O historiador Moisés Espírito Santo, acredita que as estátuas se referem ao guerreiro hebraico-púnico, guerreiro Viriato que significa invicto, como lhes chamavam os romanos, com o escudo como símbolo de independência. Este tipo de estátua foi mais difundida no norte de Portugal em contraposição à estátua do romano de toga, difundida no sul.

Capa de burel

Segundo Rui Guimarães, foram ainda descobertos dois bustos desta época, um de homem e outro de mulher, esculpidos no mesmo bloco de granito, assim como figuras labirínticas. Face a opiniões tão divergentes, acredita-se que a civilização 19


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castreja barrosã, provavelmente do estrato Zelo dos Astures, deverá ser mais estudada. Com a chegada dos romanos, a região é atravessada pela via imperial e suas pontes, altura em que são também romanizados alguns castros, inicialmente pelas legiões imperiais e depois confirmados por administradores hábeis. Os romanos legaram para a posterioridade grandes marcas culturais como a língua, as letras, os costumes, a legislação, as instituições políticas, administrativas e sociais do Império que ainda se podem verificar de forma vincada no povo e na cultura, bem como nos vestígios arqueológicos. A presença do Império Romano em Barroso, ficou assinalada até hoje, pelas vias romanas, pelas pontes, pelos marcos miliários, pelas moedas imperiais, pelos monumentos funerários, pelas esculturas, pela exploração mineira, pelos mosaicos e ainda por diversos utensílios de artesanato que vão surgindo em várias escavações um pouco por toda a região, sendo mais tarde catalogados e expostos no Museu de Chaves, que outrora foi apelidada de Aquae Flaviae, sendo uma das cidades mais importantes, para os romanos, no norte de Portugal. Existiram, nesta região Barrosã, outras cidades romanas: Praesidium - em Vila da Ponte, chamada popularmente como Sabaraz, e Caladunum - em Gralhas, das quais há alguns vestígios. Estas cidades eram atravessadas pela via romana que ligava Braga a Chaves, com três variantes ou itinerários diferentes em épocas possivelmente diferentes. Em certo sentido, poder-se-à afirmar que Barroso no tempo dos Romanos, era atravessado por três vias imperiais. A primeira é-nos indicada por Jerónimo Contador de Argote, que registou o seguinte itinerário: Braga, diversas povoações até Ruivães, Santa Leucádia, Vilarinho dos Padrões, Codeçoso de Arco, Porto dos Carros, Lama do Carvalhal, Currais, Subila, Breia Gea, Cambela, Pisões, Cruz do Leiranco, Penedones, Travassos da Chã, S. Vicente da Chã, Peireses, Codeçoso, Ciada, Solveira, Soutelinho, Castelões, Seara Velha, Pastoria, Casas dos Montes e Chaves. O Bispo de Uranópolis, que mandou observar e medir as vias romanas da diocese de Braga, registou duas estradas entre Braga e Chaves, com itinerários diferentes. De Braga a Ruivães seguem caminho idêntico; depois, uma delas entra em Barroso por Vilarinho dos Padrões e segue por Codeçoso do Arco, Porto dos Carros, Lama do Carvalhal, Subila, Breia, Pedreira, Gea, Vila da Ponte, Cruz do Leiranco, Penedones, São Vicente, Peireses, Portela da Urzeira, Casais, Viduedo, Castelões, Ervedelo e Chaves. A segunda via indicada pelo Bispo de Uranópolis passa pela região de Salto em direcção a Boticas e Chaves, servindo as seguintes localidades barrosãs: Zebral de Ruivães, Bustelo, Linhares, Cruz de Penascais, Amear, Bezerrinhos, Covelo do Monte, Atilhó, Carvalhelhos, Quintas, Boticas, Granja, Sapiãos, Casas Novas, Ribeira de Curalha, Casas dos Montes e Chaves. Realmente a maior obra pública, mais útil e mais magnífica, em que os Romanos se mostraram soberbamente famosos, foi a das estradas reais chamadas vias militares distribuídas não só por Itália, mas por todas as terras do seu vasto Império. Ao longo do seu percurso, as vias romanas tinham marcos miliários que marcavam a distância de mil em mil metros por monólitos geralmente cilíndricos, 20


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que por vezes também indicavam os nomes, a filiação, os cargos exercidos e os títulos honoríficos dos imperadores. Fala-se ainda da construção e reparação da mesma via e dos títulos honoríficos de quatro imperadores: Adriano, Cláudio, Tibério e Trajano. São ao todo doze marcos, que testemunham a presença actuante de Roma em Barroso. Daqui se pode depreender, que a região do Barroso era um importante local de passagem para as legiões romanas, bem como um local desenvolvido em que já existia uma hierarquização no povo. Ainda do tempo da romanização, tem-se conhecimento de duas localidades do concelho de Montalegre, onde foram encontradas moedas romanas, a saber, Penedones e Paredes (Salto). Já no concelho de Boticas podem-se salientar as moedas dos Imperadores Constantino Ducas, encontradas em Covas de Barroso em 1880, e a de Adriano, achada em Pinho em 1900 e relatadas por João Costa. Em Penedones apareceram 15 moedas, dos imperadores Trajano e Vespasiano. Vários autores se lhes referem, mas não se encontrou descrição pormenorizada.

Marcos Romanos

O achado monetário de Salto compreende cerca 3000 moedas, descoberto em 112-1954 nas Fragas do Piago, próximo das Minas da Borralha, freguesia de Salto, por um grupo de trabalhadores que pesquisavam volfrâmio na propriedade de Domingos José Martins, da Casa de Barroso, de Paredes. É provável que este tesouro constituísse o pecúlio de algum proprietário local ou pertencesse a pessoa influente da região, rica em minérios de estanho e outros, e portanto naturalmente conhecida e porventura explorada pelos Romanos. Com efeito, era a Península Ibérica que mais contribuía para encher os cofres do império romano, uma vez que os principais jazigos auríferos se situavam no Noroeste Peninsular, desde as Astúrias a Trás-os-Montes. No limiar do século V, enquanto a Espanha romana se debatia em lutas internas, quatro povos bárbaros de origem germânica invadiram a Península Ibérica, a saber, Alanos, Vândalos, Suevos e Visigodos. Os primeiros anos são tempos de 21


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violência e de destruição até que entenderam que precisavam viver em paz uns com os outros e com os nativos. Por tal motivo resolveram compartilhar as terras conquistadas. Os Suevos ficaram com a Galiza, que naquele tempo compreendia todo o território do noroeste peninsular situado ao norte do rio Douro. Fundaram um reino com sede em Braga e foram alargando os seus territórios até Lisboa. Após 174 anos de poder são tomados por Leovigildo, rei dos Visigodos. Entrando na Península Ibérica em 414, os Visigodos fundaram um reino cuja capital se veio a fixar em Toledo. Chegaram a dominar toda a Hispânia durante 126 anos até à invasão árabe. Os Mouros entraram na Península Ibérica em 710. No ano seguinte, vencendo os Cristãos na batalha de Guadalete, deram golpe de morte à monarquia visigótica. A campanha de ocupação durou cerca de sete anos e as milícias árabes foram conquistando sucessivamente as povoações espanholas e portuguesas. A Terra de Barroso, região situada na via de ligação entre Braga e Astorga, deve ter caído nas mãos dos Mouros em 716. Como aconteceu em diversas localidades, também os barrosões sofreram o ódio e a perseguição mourisca. Entretanto, submetendo-se aos invasores, viveram em relativa paz com eles, pagando-lhes pesados tributos. Dos Mouros, não há indícios documentais que atestem a sua presença, exceptuando a tradição oral que lhes atribui tudo quanto de extraordinário e antiquíssimo existe. De 716 a 753, nada se sabe acerca do Barroso. Nessa altura porém, o rei Afonso I de Oviedo organiza uma investida contra os sarracenos, tomando-lhes Chaves, Braga, Viseu e Porto e o norte do Douro nunca mais foi dominado completamente pelos mouros. Ainda que a ocupação mourisca tenha sido breve, bastou para marcar de forma profunda a mentalidade desta região, como se pode comprovar tantos séculos depois, através dos numerosos topónimos que recordam aquela passagem por estas paragens: Terra de Mouros, Fonte da Moura, Castelos dos Mouros, Fornos dos Mouros, Eira dos Mouros, Pedra da Moura, entre outros. Dos mouros ficaram ainda numerosas lendas relacionadas com mouras encantadas e mouros que esconderam preciosos tesouros em castelos abandonados e escondidos. Desde 753 até ao surgimento da nacionalidade portuguesa em 1143, o Barroso pertenceu à monarquia neo-gótica fundada por Pelágio. Foram anos de ardente cruzada entre os cristãos e os infiéis que pretendiam reconquistar a independência política e religiosa. Esta luta constante exigia um enorme contributo de homens, dinheiro e mantimentos que eram fornecidos pelos diversos povos da região. Para evidenciar as várias vitórias dos cristãos sobre os infiéis, foram construídos mosteiros e igrejas entre os quais se destaca o Mosteiro de Santa Maria das Júnias em Pitões, supondo-se que remonta ao século IX, seguindo de início a Ordem de São Bento, e a partir do século XII a Ordem de Cister e a Igreja de São Vicente da Chã, presumivelmente também do século IX. Com o nascimento da nacionalidade, D. Afonso Henriques doou porções de terra ou coutos onde floresceram albergarias (Salto), hospitais (Vilar de Perdizes e Dornelas) ou mosteiros (Pitões). 22


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Sendo uma zona de fronteira com o reino da Galiza, são erguidos com preocupações defensivas os castelos do Gerês e da Piconha e mais tarde do Portelo e de Montalegre. O castelo de Montalegre foi erigido sobre um castro, tem quatro torres e uma enorme e profunda cisterna no terreiro central. É circundado por duas rodadas de muralhas parcialmente destruídas e a sua Torre de Menagem dionísia, tem 28 metros de altura que permite vislumbrar as altas serranias que a rodeiam. Sem certezas, pensa-se que este castelo foi mandado construir no reinado de D. Afonso III por volta de 1273 e reedificado em 1331, no reinado de D. Afonso IV, o Bravo.

Mosteiro de Pitões das Júnias

Ainda nesta região, são atribuídos forais a Tourém, provavelmente por D. Sancho I em 1187 como cabeça das Terras da Piconha. Só em 9 Junho de 1273 é que D. Afonso III em carta de foral, funda a vila de Montalegre e o respectivo Alcácer tornando-se cabeça das Terras de Barroso. Este foral é depois confirmado por D. Dinis em 1289, D. Afonso IV em 1340, D. João II em 1491 e D. Manuel em 1515 converte-o em foral novo. Na sequência da Guerra da Independência, no reinado de D. João I, as Terras de Barroso são oferecidas a D. Nuno Álvares Pereira, Condestável do Reino, que casou no Concelho de Montalegre, na freguesia de Salto, com D. Leonor Alvim, viúva de um senhor de Barroso, de avantajado património territorial. Foi, segundo a lenda, no Monte da Corneta, que foram treinadas as tropas que haveriam de combater depois em Aljubarrota. As Terras de Barroso só voltariam às páginas da história portuguesa após assistirem à passagem do exército napoleónico, em princípios de 1808, sob o comando de Soult, e no seu regresso, dois meses depois, este exército foi ferozmente perseguido pelo exército luso-inglês, tendo escapado por pouco pela ponte da Misarela, isto sem que antes tenham travado violenta luta com os barrosões que lhes provocaram problemas de monta em 1809. 23


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Conta-se que por ocasião das invasões francesas em 1808, os moradores de Boticas tiveram necessidade de esconder todos os seus haveres a fim de se protegerem das pilhagens dos invasores. O vinho não fugiu à regra!... Foi engarrafado e de seguida enterrado. Mais tarde e após a partida dos invasores, o vinho foi desenterrado e para surpresa e gáudio das pessoas, este adquiriu qualidades excepcionais, mais apurado e agradável ao paladar, antes desconhecidas. Tornou-se tradição enterrar o vinho que perdura até aos nossos dias e é actualmente conhecido como vinho dos mortos. No seu recolhimento, afastados dos grandes centros populacionais e políticos do país e separados da Galiza por montanhas pouco acessíveis, as gentes do Barroso, excluídas algumas correrias e escaramuças, foram sempre poupadas a lutas fronteiriças sangrentas.

Castelo de Montalegre

Os poucos conflitos militares aqui registados revestiram preponderantemente o carácter de acções isoladas, por vezes de tipo guerrilha, ou limitaram-se a incursões pontuais com objectivos limitados. OS POVOS PROMISCUOS Do mesmo modo que só na década de noventa do século vinte se rasgou o véu do silêncio sobre os acontecimentos da aldeia do Cambedo no rescaldo da Guerra Civil espanhola, também a memória da existência e extinção do Couto Mixto, uma singular entidade organizativa, situada na raia seca galaico-portuguesa, só nessa altura foi resgatada e se deu de novo a conhecer. A história da aldeia de Cambedo 24


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está intimamente ligada ao fim daquela experiência de organização comunitária, por mútuo acordo entre os estados português e espanhol. A aldeia do Cambedo, tal como as vizinhas Soutelinho da Raia e Lamadarcos, foram “povos mixtos” até 5 de Novembro de 1868, momento em que as três passaram a ser integralmente território português, na sequência da aprovação do Tratado de Limites, no qual eram designadas por “povos promíscuos”, depois de anos de negociações entre Portugal e Espanha. Até então, estes povoados eram divididos pela linha de fronteira política entre os dois Estados, dando-se a situação interessante de muitas casas serem divididas pela linha de fronteira, podendo a cozinha estar num país e o “sobrado” no outro, o mesmo é dizer, podia entrar-se por uma porta desde Portugal e sair-se por outra para Espanha.

A moeda de troca nestas negociações foi a integração do “Couto Mixto”, até ali uma entidade política singular, por muitos considerada uma república democrática independente, no Estado espanhol. Contudo, esta troca aparentemente justificada para tornar mais difícil o contrabando, esconde uma decisão política com maior alcance, que era de interesse comum para os dois Estados: pôr fim à “anomalia” com sete séculos de história designada por Couto Mixto.

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O COUTO MISTO – UMA “REPÚBLICA” COM 800 ANOS Vários autores situam a sua constituição formal no século XII, entre os anos 11431147, e a sua origem no processo de independência de Portugal do Reino de Leão, numa época em que a divisão fronteiriça não estava definida.

O Couto Mixto era um enclave com vinte e sete quilómetros quadrados de superfície, situado na Galiza, entre as serras do Pisco e do Larouco, limitado a sul pela fronteira portuguesa, com três povoações (Santiago, Rubiás e Meaus), que nunca tinham formado parte de qualquer um dos países desde a formação de Portugal, onde viviam entre seiscentos e mil habitantes. São várias as teorias sobre a origem do Couto Mixto!... Entre elas está a que sustenta que a sua fundação deriva de um foral concedido por Sancho I, outra defende que se tratou de um “coto de homiciados”, isto é, “uma jurisdição territorial donde os criminosos que não tivessem sido autores de falsificação de moeda, delito sexual ou religioso, poderiam redimir as suas penas” , e outra assente ainda na lenda da princesa desterrada, que teria sido salva por habitantes do Couto de morrer quando dava à luz, depois de ter sido apanhada ao cruzar a serra por um nevão, e que agradecida, lhes concedeu a independência e os privilégios. Diz-se que os habitantes do Couto Mixto desfrutavam de uma série de privilégios: tinham direito a decidir se queriam ser espanhóis ou portugueses ou não optar por nenhuma nacionalidade; não pagavam impostos nem a um país nem ao outro, nem podiam ser recrutados pelos respectivos exércitos; não necessitavam licença para portar armas; podiam cultivar o que quisessem, incluído tabaco, cujo cultivo estava estrictamente controlado, tanto em Espanha como em Portugal; não tinham a obrigação de usar papel selado oficial para nenhum tipo de acordos ou 26


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contratos, obrigatório nos dois países; tinham permissão para transportar o que desejassem, sem risco de serem interceptados pelos agentes de autoridade de nenhum dos dois países, por um caminho neutral de seis quilómetros, o “Caminho Privilegiado”, que unia as três povoações do Couto Mixto com a localidade portuguesa de Tourém, atravessando território de Espanha e Portugal.

Dentro do perímetro do Couto Mixto, as autoridades portuguesas e espanholas não podiam entrar em perseguição de ninguém. Este privilégio talvez fosse uma reminiscência das suas origens, contudo, este direito de asilo nem sempre teria sido respeitado pelas autoridades dos dois países. Do mesmo modo, nem sempre foi cumprida a regra de recusar alojamento e passagem de forças militares pelo território do Couto ante a superioridade numérica destas. Foi o que aconteceu aquando das invasões francesas comandadas pelo Marechal Soult; com o contingente militar português de 700 soldados, seguidos por 300 mulheres, comandado pelo General Saldanha, em 1851, na sua retirada para a Galiza durante as Guerras Liberais, que pernoitaram uma noite no Couto Mixto a caminho de Lobios, ou com a ocupação por pequenas unidades militares galegas ou portuguesas, por ocasião das destruições das plantações de tabaco. Estas decisões, a integração dos povos promíscuos em Portugal e do Couto Mixto na Galiza, é pois a “estória que se segue para melhor compreender a verdadeira História desta “república” que durou 800 anos. No entanto, pouco se fala de uma república democrática, com os governantes eleitos directamente pelo povo, que existiu durante cerca de sete séculos, do XII ao XIX, em plena Península Ibérica, região pouco afeita à democracia nesse período e que mesmo no século XX passou por breves hiatos de liberdade na sua triste história de sangrento totalitarismo, só conhecendo a democracia há menos de meio século. 27


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Essa república, que o historiador galego Luiz Manuel García Mañá chama de “Unha República Esquecida”, foi um Estado independente de Portugal e Espanha situado no vale do Rio Salas, na região fronteiriça entre a Galícia, nos Concelhos de Calvos de Randin e Baltar, na Província de Ourense, e as terras portuguesas de Barroso, no Concelho de Montalegre.

O “Caminho Privilegiado” unia as três povoações do Couto Mixto com a localidade portuguesa de Tourém, atravessando território de Espanha e Portugal

Era formado por três aldeias, Santiago, Rubiás e Meaus, que teve os seus direitos e privilégios reconhecidos por Foral outorgado por Sancho I possivelmente em 1187, ainda no século XII, quando Portugal lutava para ser reconhecido como nação independente do reino de Castela e Leão. Muito embora não se tenha certeza da origem dos privilégios concedidos à população do “Couto Mixto”, imagina-se que tenha relação com a proximidade do Castelo da Piconha, uma fortaleza construída sobre um velho castro luso-romano de fundamental importância na defesa da fronteira entre Portugal e a Galiza quando este último reino era dependente de Castela e Leão. O Foral foi renovado por Afonso II (1185 – 1233) e Afonso III (1210 – 1279), sendo que este último condicionou os privilégios à obrigação dos habitantes do Couto de ajudarem na defesa da Piconha em caso de ataque inimigo. A relação entre a obrigação da defesa do Castelo da Piconha e os inusitados privilégios dos habitantes do Couto é reforçada pela confirmação do antigo Foral por D. Denis (1261 – 1325), que o faz quando da restauração da fortaleza, e por D. João I de Avis (1357 – 1433), que manda reconstruí-lo após sua completa destruição pelos castelhanos em 1388. Assim também fez D. Manuel (1495 – 1521), que concedeu novo Foral em 1515, quando mais uma vez a fortificação foi ampliada. Mas, se os privilégios dos habitantes do “Couto Mixto” se originaram na defesa do Castelo da Piconha, continuaram existindo durante o período da União Ibérica (1580 – 1640) quando já não fazia sentido a defesa das fronteiras dos dois reinos unificados sob a Dinastia Filipina dos Habsburgos, e mesmo depois da completa destruição da fortaleza em 1650, 28


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nas guerras que se seguiram à Restauração. Assim, os habitantes do Couto continuaram elegendo os seus governantes que tinham poderes administrativos e judiciais, tanto na esfera cível como penal, ao mesmo tempo em que legislavam sobre todos os temas de interesse da população, independentemente das leis espanholas ou portuguesas. A autoridade máxima local era denominada “Juiz”, escolhido em eleição directa pela população das três aldeias para um mandato de três anos, período após o qual ele próprio deveria convocar novas eleições. O Juiz era auxiliado por seis ajudantes, também eleitos, dois por cada uma das aldeias, chamados “homes de acordo”, que tinham competência para resolver os litígios mais simples e aplicar penas leves.

Caso houvesse recalcitrância na submissão às penalidades sentenciadas pelos “homes de acordo”, estes requisitavam a actuação do “vigairo de mes”, pessoa escolhida para executar as decisões e que tinha o poder de nomear ad hoc dois homens do povo para ajudá-lo na tarefa. Além dos “homes de acordo” e do “vigairo de mes”, o Juiz era auxiliado pelos “homes bos” escolhidos pelos Conselhos de cada aldeia (“Concellos dos Pobos”). Muito embora a capital administrativa do “Couto Mixto” fosse a aldeia de Santiago de Rubiás, a eleição do Juiz a cada três anos era realizada em campo aberto, no vale do rio Salas, em local equidistante das três aldeias, onde os candidatos apresentavam suas propostas e planos de governo ao eleitorado antes da votação. Confirmando o “Nihil novi sub sole” do Eclesiastes, as regras eleitorais seculares do “Couto Mixto” já previam o instituto do recall ao determinarem que o Juiz eleito poderia ter o seu mandato cassado pelos eleitores, caso não fizesse 29


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uma boa administração, o que era feito através de um plebiscito. A legislação do Couto, com base no direito consuetudinário, era guardada numa arca de madeira com três fechaduras, a “Arca das Três Chaves”, depositada na igreja de Santiago de Rubiás, sendo que só podia ser aberta com o uso simultâneo das três chaves, cada uma guardada por um representante de cada aldeia, o que significa que todas as decisões eram tomadas por unanimidade, já que o Juiz eleito, que ficava com a chave da sua aldeia, não podia abrir a arca sem a concordância dos demais. Além disso, a arca só podia ser aberta na presença, além dos detentores das chaves, de quatro homens de cada uma das aldeias, e com a presença dos “homes de acordo” eleitos nas mesmas. Infelizmente, muitos dos documentos seculares mantidos na Arca foram destruídos pelos soldados franceses do Marechal Soult em 1809, quando fugiam das tropas portuguesas e inglesas comandadas por Lord Wellington. Mas, segundo Luís Manuel García Mañá, no seu magistral “Couto Mixto-Uma República Esquecida”, nem tudo se perdeu, uma vez que “mais algúns dos documentos “deberon de ser agochados e protexidos, xa que anos despois se atopaban de novo na arca”. Dentre os documentos guardados na Arca estavam os Forais que desde o século XII garantiam aos habitantes do Couto diversos privilégios que iam muito além da inusitada possibilidade de auto-governo em plena idade média: o direito de livre comércio com Espanha e Portugal sem pagamento de impostos, podendo vender os seus produtos nas feiras e mercados dos dois países; o direito de possuir armas sem licença das autoridades; o direito de não contribuir com homens aos exércitos em caso de guerras; o direito de conceder asilo tanto a portugueses quanto a espanhóis fugitivos da justiça dos seus países; o direito à liberdade de cultivo e comércio, mesmo de produtos submetidos ao monopólio (“estanco”) das coroas vizinhas, como o tabaco (à época chamado “herba santa”); e o mais que inusitado direito ao “Camiño Privilexiado”, uma espécie de servidão internacional que saía de Rubiás, passava por Santiago e entrava em território português até Tourém, num percurso de aproximadamente seis quilometros por terrenos de Portugal, onde os habitantes do “Couto Mixto” não podiam ser incomodados pelas autoridades portuguesas por qualquer motivo, só podendo ser detidas por flagrante delito em caso de homicídio. A junção do direito de asilo a qualquer fugitivo dos dois países vizinhos com o direito ao Caminho Privilegiado dentro de Portugal, como era de esperar, transformou o antigo “Couto Mixto” num verdadeiro “depósito” de perseguidos da justiça, o que levou os dois reinos a se preocuparem com as consequências da manutenção dos privilégios feudais do Couto, principalmente depois da legislação que decretou o fim dos privilégios constitucionais dos coutos em Portugal (1834) e da “desamortización de Mendizábal” (1836) em Espanha, que estatizou todos os bens oriundos das obrigações feudais da igreja e dos mansos comuns. Ademais, o “Couto Mixto” estava geograficamente situado na região dos “pobos promíscuos”, aldeias galegas situadas na raia seca entre Portugal e Espanha, onde a fronteira cortava pelo meio três lugares - Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos -, fazendo com que algumas casas tivessem algumas partes num país e e outras no outros, já que a linha fronteiriça não obedecia a acidentes naturais, mas pelo contrário, 30


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passava por dentro de ruas e prédios residenciais, o que significava que a cozinha de uma habitação poderia estar sediada em terreno português e o “sobrado” em lugar da Galiza. Em 1864, Espanha e Portugal assinaram o Tratado de Lisboa estabelecendo novos limites na fronteira entre os dois países, ignorando o direito histórico-jurídico dos habitantes do Couto e anexando as suas aldeias ao território espanhol. Portugal, por sua vez, ficou com as três “aldeias promíscuas”, também ignorando a milenar tradição galega dos seus habitantes. A história dessa interessante experiência democrática ficou esquecida por mais de um século, já que não interessava aos governos ditatoriais dos países ibéricos a sua lembrança, só começando a ser resgatada após a democratização de Portugal e Espanha, já na quadra final do século XX. A DEMARCAÇÃO DO COUTO A Norte de Montalegre e para Oriente do local onde a fronteira se torce e a terra portuguesa avança pela regiões espanholas como um dedo, situa-se a aldeia de Tourém. O Couto Misto constituía outro dedo maior, paralelo ao anterior.

Entre os cerca de 1200 habitantes (1857) que detinham privilégios especiais, uns eram espanhóis e outros portugueses, escolhendo qualquer deles livremente a nacionalidade que pretendiam: no momento da boda, colocavam um P (Portugal) ou G (Galiza) junto à porta de casa e bebiam à saúde de um dos reis (o que parece só ter sido verdade até à década de 40 do século XIX, altura em que receando serem incomodados pelas respectivas autoridades, fizeram desaparecer as letras substituindo-as por vários outros símbolos). Nos 2650 hectares por onde o Couto se entendia - segundo Vasconcelos e Sá que em 1861 levantou a planta dessa área, conjuntamente com D. José de Castro - eles viviam em três aldeias, comportando 250 fogos no conjunto, separadas pelo rio Salas: Meaus a Norte e Rubiás e Santiago, a Sul. A uni-las entre si e a Tourém existia uma “vereda privilegiada” ou caminho neutro, por onde circulava o comércio que se fazia 31


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livremente. Esta situação muito antiga, foi unanimemente reconhecida tanto por parte de Portugal como de Espanha, que não se poderia manter, por ser particularmente propícia ao contrabando, e nesses terrenos se acoitarem também bandos de malfeitores, embora o próprio Presidente da segunda comissão mista reconhecesse, que à altura já não era assim e que as duas autoridades ali intervinham. Além disso, os seus moradores não pagavam impostos, nem tãopouco os “tributos de sangue”, havendo no entanto e desde há muito, alcavalas dadas a um e outro país e à Casa de Bragança, seu senhorio e donatário. Até 1834, o juiz ou alcaide eleito pelos habitantes do Couto, era ratificado pelo juiz de Montalegre. Várias autoridades de ambos os lados, aí reunidas em 1819 haviam confirmado a sua pertença portuguesa, em virtude do foral que possuía a Casa de Bragança pelo sítio chamado Castelo da Piconha, pelo que ao nosso país pagariam também as multas por cultivarem tabaco que não fosse para uso exclusivo dos moradores. Do ponto de vista da jurisdição eclesiástica, dependiam de Espanha, tal como Tourém.

A resolução da questão do Couto Misto, em cuja partilha o governo de Madrid nunca transigiu durante a demarcação preparatória do Tratado de 1864, foi talvez a que mais embaraços causou à comissão mista: nem a mais justa proposta portuguesa de divisão pelo rio Salas que fora apresentada desde o início, nem outras, demoveram a secção espanhola, apesar dos direitos provados, incluindo também o usufruto já muito antigo das pastagens do Couto por parte de três 32


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localidades junto a Montalegre - Padroso, Donões e Sabuzedo, ou tãopouco, o desejo de muitos habitantes serem portugueses. Nos acertos diplomáticos, Portugal acabaria por renunciar a favor de Espanha, como esta sempre pretendeu, a “todos os direitos que possa ter sobre o terreno do Couto Misto e sobre os povos nele situados, os quais (…) ficam em território espanhol” - Tratado de Limites, 1864, art.º 7.º, tendo-se ainda acordado - art.º 22.º do mesmo Tratado, que os habitantes do Couto Misto que fossem súbditos nacionais, pudessem, se lhes conviesse, conservar a sua nacionalidade, pelo que tinham de o declarar no prazo de um ano perante as autoridades locais. A expressão popular provou que afinal a proposta portuguesa de demarcação havia sido a mais ajuizada. A ARCA ERA A LEI Uma imponência de pedra|... A igreja paroquial de Santiago tem paredes lisas, com excepção dos vitrais que enrubescem um altar opulento, talhado do chão ao tecto em dourado.

Tem um enorme crucifixo ao centro, uma figura de São Tiago à direita e uma Senhora do Pilar à esquerda. Mas o que é verdadeiramente surpreendente, é que galgando o púlpito e contornando o altar, se encontra uma escadaria invisível aos olhos dos fiéis, que desce até uma câmara escondida no subsolo. Nessa cave, um espaço bafiento e mal iluminado, existe uma relíquia, uma arca antiga de madeira de carvalho e com três fechaduras. Dentro dessa arca estão reunidos os principais documentos que garantiram durante séculos a autonomia ao Couto Misto. Cartas 33


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dos reis de Portugal e Espanha. Mas também as actas de todas as resoluções tomadas pelos juízes da lei, os representantes eleitos de cada aldeia e governadores do Couto Misto. Esse cargo continua a existir, embora hoje tenha um papel meramente simbólico. Mas, tal como no passado, cada um dos três homens tem em seu poder uma das chaves que abrem a arca. Só as três chaves conseguem abrir o baú. O mesmo é dizer que nenhuma resolução era tomada se não fosse por unanimidade. Nas aldeias ainda há várias casas com um P, um E ou um X, esculpido na pedra, por cima da porta. As famílias decidiam se queriam ter nacionalidade portuguesa, espanhola ou mista (mixta, em galego) de uma maneira muito simples: no dia do casamento, o homem tinha de fazer um brinde a um dos reis, diante de todos os vizinhos. A maioria, no entanto não brindava e marcava o X na parede, porque em caso de delito, seriam julgados pelos três juízes do Couto. “A prisão era aqui, no forno do povo”. “Os ciganos eram logo detidos, sem acusação nenhuma. Por isso é que existia um vigário de mês, que era um cargo de rotatividade mensal entre os homens do Couto, com função de vigiar o caminho privilegiado. O PAÍS DA MEMÓRIA Entre Meaus e Santiago há um enorme lameiro, a que toda a gente chama “a veiga”. Foi ali que o povo do Couto Misto votou a integração na coroa espanhola em 1864. O referendo foi cumprido segundo as leis do Couto. Um voto por família de pau no ar.

Muitos queriam ficar do lado português mas desde logo ficou decidido que as três aldeias haveriam de permanecer juntas, para preservar a identidade. Outras 34


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aldeias da raia passaram pelo mesmo processo, já que as linhas de demarcação fronteiriças eram ténues até ao século XIX. E na verdade, só uma povoação escolheu ficar do lado de Portugal. É por isso, que olhando para o mapa, Tourém parece ficar na ponta de um dedo, rodeado de Galiza. Os mistos, optaram por Espanha. Mas uma parte do antigo território, a encosta do Gerês, passou para as mãos de Lisboa. Os lameiros na zona de fronteira sempre foram pastados por vacas galegas e barrosãs”, garante quem por ali andou uma vida inteira passada em Tourém a traficar contrabando entre Portugal e Espanha. “Ninguém conhece aquela zona tão bem como os contrabandistas. Durante décadas, o usaram o caminho privilegiado (que já não oferecia outro privilégio senão o de um certo recato e do difícil acesso às autoridades) e os terrenos do que um dia foi o Couto Misto para carregar volfrâmio, azeite e bacalhau. A encosta do Gerês, que foi mista e hoje é portuguesa, nunca deixou de ser usada pelos rebanhos de Rubiás e Santiago, ao contrário dos de Meaus por estarem mais longe.

Na aldeia de Rubiás e durante toda a vida, os pastores sempre levaram as vacas para Portugal e a fronteira nunca deixou de ser um marco pouco natural, para os “mistos”. “Há quantos anos ninguém me perguntava pelo Couto Misto”, constata Enrique Veloso durante uma visita feita à aldeia, depois de uma passagem por Tourém. “Sabe: o meu avô falava desses tempos, mas a partir dos anos de 1930 foi uma conversa proibida, porque havia a Guerra Civil e esse assunto ia contra a unidade nacional.” “Ia contra o cabrão do Franco, essa é que é essa”, riposta logo Aníbal Alvárez, sentado num caixote e apoiado numa bengala, boina galega a cobrir a cabeça calva. “Em minha casa sempre me disseram que eu era misto, que 35


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o meu pai era revolucionário.” E o pai dizia-lhe que mesmo não sendo do seu tempo, ouvira as histórias dos homens que vinham de fora casar e estabelecer-se. “O meu avô falou de muitos assassinos espanhóis que vieram para aqui esconderse, a pensar que não lhes acontecia nada”, comenta José Rodríguez. “Mas vinham todos enganados, porque com um crime desses aos ombros eram logo recambiados para Espanha. Ou para Portugal, se fossem portugueses.” Hoje, dizem os meus interlocutores que gostariam de voltar a ser mistos, como antigamente. “Rapaz, nós somos mistos, sempre fomos”. Aníbal outra vez: “Na nossa terra mandamos nós.” O terramoto de Lisboa destruiu os arquivos da fundação do Couto Misto e os primeiros relatos escritos datam do século XIII. Estas eram as terras da Piconha, incluíam as três aldeias do Couto, mais Tourém e um castelo construído no Gerês, cuja localização exacta permanece uma incógnita. É certo que D. Manuel I mandou reconstruir a fortaleza em 1515, e que três anos mais tarde, as populações de Rubiás, Santiago e Meaus se sublevaram contra o governador local António Araújo, por causa da imposição de imposto no caminho privilegiado. O corregedor de Riba Côa, António Correia, e o alcaide-mor da Galiza, José Escalante, condenaram o governador português do castelo da Piconha e também o espanhol do vale do Salas, e acordaram que a partir desse momento, o povo misto teria o direito a privilégios de autonomia para não ser vítima de novos abusos. Até ao século XIX, a pequena república de pastores manteria as suas regras medievais inalteradas. Em 1810, a Junta de Armamento do Reino da Galiza recebeu uma carta do prior de Celanova, que está guardada no Arquivo Histórico da Província de Ourense, acusando o território do Couto Misto de acolher um “número infindável de moços fugidos à tropa e de criminosos de toda a espécie”. E essa queixa desencadeou o processo que levaria ao fim do Couto Misto, com a assinatura do Tratado de Lisboa em 1864. Hoje, o vale do Salas esqueceu a história dos homens e regressou ao seu estado primitivo, o de uma criação esmerada da natureza. É uma república esquecida, uma Andorra que nunca o chegou a ser, como um dia disse o padre Lourenço Fontes. E no entanto, ao falar com um grupo de velhos, homens nomeados juízes, contrabandistas ou empresários, percebe-se que a mística dos mistos ainda não sucumbiu totalmente. É fim da tarde de junho, o sol presta-se à despedida e inunda agora o vale do Salas de um tom dourado. Escalam-se as fragas a meio caminho entre Tourém e Pitões das Júnias, aquelas que garantem a melhor vista do Couto. E nessa altura, no exacto momento em que uma águia plana majestosamente ao longo do rio, percebe-se que a fúria de fronteiras e a cobiça territorial acabaram com um país, para construir no lugar dele coisa nenhuma.

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CAPITULO III A TERRA E A GENTE

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A REGIÃO PÓS SÉCULO XVIII A Terra de Barroso, como sempre foi conhecido o território confinado entre a margem esquerda do Tâmega a Este, a Galiza a Norte, o Minho a Oeste e Sul, abrigava no seu seio várias terras com identidade jurídica e administrativa distintas. Caracterizava-se esta terra de Barroso, por uma paisagem marcada pelos amplos terrenos incultos, onde em vales e encostas abrigadas, se desenvolviam matas de carvalhos, encimadas por montes decorados de cabeços de granito, com matos de urze, carqueja e tojo. Nos vales onde corriam o Cávado, o Beça e o Rabagão, assim como os inúmeros ribeiros e regatos abundavam as lamas e os lameiros onde pastava o gado graúdo e miúdo, particularmente o gado bovino da raça barrosã. Nas encostas dos montes e terrenos mais agrestes surgiam as searas do centeio, pastavam os rebanhos de ovelhas e cabras. A Terra de Barroso é assim desde tempos imemoriais, um topónimo que ajuda a plasmar a identidade integradora de um povo, correspondendo ao nível do governo central – a Coroa e/ou a Junta da Casa de Bragança – a um território único e institucionalizado. Razão porque muitas vezes, se confundiam nos meandros da política régia e senhorial, conduzida a partir dos paços do Rei e dos paços do Duque da Casa de Bragança, as diferentes unidades territoriais e administrativas com a autonomia municipal dos concelhos. A partir de 1836 a administração e organização concelhia foi profundamente reestruturada para ir de encontro à nova ordem político-constitucional e responder ao quadro de poderes e competências que lhe eram atribuídos. O novo enquadramento jurídicoinstitucional pretendia exactamente colocar as câmaras ao serviço dos povos e do concelho, e abolir e cercear o poder da ordem senhorial nos municípios. Esta nova reorganização territorial dos concelhos, permitiu que pudessem ser levados a cabo os grandes ideais reformistas liberais, a caminho de uma uniformização do poder e do exercício de governo, permitindo conseguir e realizar os meios para tal fim: os meios populacionais e com eles os económicos, que proporcionassem condições de natureza social e política e também os recursos financeiros que lhes permitissem cumprir e corresponder aos novos desafios, poderes e competências que a reforma liberal lhes cometia. E também a implantação de um novo sistema eleitoral para as câmaras, mais aberto e participativo das populações. O decreto de 20 de Março de 1827, um dos documentos principais que serviu para reestruturar a reforma administrativa e territorial de 1832-1836 já alinhava as ideias centrais que propugnava para o município liberal estabelecendo os novos objectivos e enquadramentos: “por um lado atendendo à comodidade dos povos é necessário que as divisões, cada uma em sua espécie não sejam demasiado grandes, por outra parte, a economia da Fazenda, a boa proporção dos ordenados, a capacidade dos funcionários públicos e a facilidade no desempenho dos seus deveres nos obriga a dar-lhes uma certa expressão”. Conseguir encontrar o ponto certo entre os interesses dos povos e os do Estado em conjugação com a capacidade do novo aparelho administrativo, era o que estava contido nas propostas da reforma administrativa. O mapa dos concelhos transmontanos saído da Reforma de 1836 e reformas pontuais posteriores, veio assim apresentar uma realidade institucional, demográfica e territorial concelhia muito mais equilibrada e dimensionada. Só para se ter uma ideia, em Trás-os38


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Montes dos 81 concelhos existentes passou-se para um total de 27. Ficou profundamente alterado e simplificado de acordo com a nova filosofia institucional, criando uma rede concelhia mais equilibrada, assim como uma melhor racionalidade administrativa do território transmontano. A Província de Trás-osMontes, que estava dividida em quatro comarcas, passou a estar dividida em dois distritos - Bragança e Vila Real, ficando este último com 14 concelhos demograficamente mais equilibrados, ainda que do ponto de vista da extensão do território, permanecesse algum desequilíbrio, que se justifica pelo perfil montanhoso do Distrito, destacando-se ao lado dos grandes concelhos de Montalegre, Boticas, Chaves ou Vila Real os pequenos concelhos de Mesão Frio, Santa Marta de Penaguião ou Peso da Régua. Facto mais assinalável desta nova composição concelhia e distrital, foi em primeiro lugar, a extinção definitiva das mais pequenas e inorgânicas unidades administrativas municipais e a sua integração nas unidades maiores. Tratou-se sem dúvida, da mais drástica redução do número dos concelhos e por ela da mais profunda afectação de quadros de vida social e moral da população portuguesa, nalguns casos verdadeiro «quadro natural» da sua existência. Sem dúvida a mais radical machadada no Portugal velho e tradicional e cuja extinção afectaria profundamente o quadro das referências políticas, sociais e até afectivas das populações que dificilmente aceitariam tais medidas e se congratulariam com o novo Regime. Dificilmente elas integrariam nos novos quadros político-administrativos a que foram anexadas, aos quais sempre resistiriam em luta pela restauração dos seus concelhos, constituindo em muitos casos, ainda hoje, suportes de um relativo modo de estar nos concelhos e de personalidades políticas ainda latentes e activas nos territórios. As mais pequenas unidades foram extintas logo no primeiro momento e abrangidas no Decreto de 6 de Novembro de 1836: Água Revés, Atei, Barqueiros, Dornelas, Ervededo, Fontes, Galegos, Godim, Gralhas, Lordelo, Meixedo, Couto Misto (de Barroso), Moura Morta, Padornelos, Parada de Pinhão, Ribatua e Tourém. Outras unidades administrativas não resistiram à segunda fase da reforma do século, plasmada no Decreto de 31 de Dezembro de 1853: Alfarela de Jales, Canelas, Carrazedo de Montenegro e Vila de Failde, Cerva, Ermelo, Favaios, Guiães do Douro, Monforte de Rio Livre, Goivães do Rio e Provesende. Estas pequenas unidades extintas – concelhos, coutos e honras – integraram e compuseram os novos e alargados concelhos que se criaram e sobreviveram às reformas administrativas e territoriais de 1836 e 1853. Outras foram extintas e restauradas. É o caso de Mesão Frio, extinta em 1836 e restaurada posteriormente; Sª Marta de Penaguião, extinta em 26 de Setembro de 1895 e restaurada a 13 de Janeiro de 1898; Carrazedo de Montenegro, extinto em 1836 foi restaurado e definitivamente extinto em 1853. Nesta reforma destaca-se a fundação de três novos concelhos. Logo em 1836 foi a fundação do concelho Boticas, constituído na sua grande parte, com freguesias do concelho de Montalegre. Concelho que veio a passar por alguma instabilidade, resultado do período político conturbado por que passou o Reino, de tal forma que foi extinto em 26 de Outubro de 1895, vindo a ser restaurado definitivamente a 13 de Janeiro de 1898. O concelho de Boticas é, assim, no plano histórico uma terra ancestral com uma história antiga que os vestígios arqueológicos evidenciam e os diversos 39


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castros testemunham, e no plano administrativo é uma realidade e instituição muito recente de um Portugal novo saído das Reformas Liberais. Ele é uma criação do Liberalismo Português do século XIX emergindo com as grandes reformas da administração e da divisão territorial portuguesa desencadeadas pela segunda Revolução Liberal de 1832. A nova legislação, instituiu no quadro da divisão administrativa territorial os Distritos de Vila Real e Bragança, divisão que em grande parte assume em termos territoriais, o ordenamento espacial, que no Antigo Regime, era desempenhado pelas comarcas. Do ponto de vista da divisão concelhia o facto mais assinalável na reformulação da carta dos concelhos da banda ocidental da Província transmontana, foi sem dúvida, a criação e institucionalização do concelho de Boticas, que integra o elenco dos concelhos do decreto de 6 de Novembro de 1836. Trata-se em grande medida de uma criação inesperada. Com efeito, de um modo geral, a criação de novos concelhos em 1836 é o resultado de uma longa luta de reivindicação autonómica, assente em fundamentos que os mentores da proposta de criação sempre apresentaram aos poderes políticos, assentes até muitas vezes em actos de rebeldia e resistência mais ou menos activa, relativamente às unidades administrativas de que se querem separar, o que não parece ter-se verificado para Boticas. A criação do concelho de Boticas não aparece, a título de exemplo, na proposta do novo desenho concelhio para a comarca de Chaves, elaborado em 1796 por Columbano Pinto R. de Castro, como solução para o redimensionamento territorial do concelho de Montalegre, que se pretendia reduzir em extensão para melhoria da sua administração. E também relativamente ao território (no todo ou em parte) que virá a configurar o futuro concelho de Boticas, convém referir que por agora não se lhe conhece também nenhuma marca de distinção, princípio políticoadministrativo activo ou actuação e movimentação que promova a diferenciação deste espaço no conjunto do território de Montalegre. Nem se conhecem, por agora também, reivindicações sociais ou políticas vindas do seu território, de algumas das suas paróquias ou de alguns dos seus agentes sociais mais dinâmicos que se manifestassem e exprimissem com evidência pela criação do concelho no período que antecede 1835/36. O concelho de Boticas aparece-nos, pois, claramente, mais como a criação de uma unidade política em resultado do espírito e dos objectivos que presidem à reforma administrativa de 1836, levada a cabo pela Revolução Setembrista marcada por um cunho social e político mais radical e descentralizador, naturalmente favorável à criação de novas unidades administrativas. Ao seu encontro irão naturalmente as forças vivas das terras sedeadas em Boticas, que viram nela a possibilidade de afirmação de um novo espaço político-administrativo, minorar sem dúvida os custos de uma articulação a um concelho, cuja sede se encontrava demasiado longínqua, e por ela promover o desenvolvimento do novo território. Como já vimos o concelho de Boticas passa mesmo assim por um período de convulsões próprio de uma instituição jovem que tem que criar caminho, consolidar instituições e ganhar espaço político de afirmação. Nos termos do decreto que o criou, o concelho de Boticas ficou com 17 freguesias, a saber: Alturas do Barroso, Anelhe, Ardãos, Beça, Bobadela, Canedo, Cerdedo, Cervos, Codeçoso, Covas do Barroso, Curros, Dornelas, Eiró, Granja, Pinho, Sapiãos, e Vilar de Porro. Em 1836 o concelho de Boticas surge com uma 40


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população aproximada de 7 684 habitantes para 1 921 fogos, que no cotejo com os outros concelhos o coloca em 4º lugar à frente de Montalegre com 1778 fogos, Vila Pouca de Aguiar com 1891, constituindo uma unidade institucional equilibrada do ponto de vista territorial e demográfico. Esta formação não é definitiva, vindo ao longo dos anos a perder e anexar novas freguesias, surgindo ainda algumas dúvidas a partir de alguns documentos. É o caso de Fiães do Tâmega, que em 1834 tinha sido criada paróquia vindo a fazer parte do concelho de Ribeira de Pena para mais tarde se fixar no concelho de Boticas. As freguesias de Anelhe, Canedo e Cervos deixaram de fazer parte do concelho, vindo porém a ser criada a freguesia de S. Salvador de Viveiro em 28 de Janeiro de 1967, sendo o concelho de Boticas, hoje, constituído por 10 freguesias, com sede na Vila de Boticas e cujo nome antigo era Eiró. A CULTURA BARROSÃ NESTA ÉPOCA Uma cultura é um modo diferenciado de estar na vida por parte de um grupo de pessoas, num local e num tempo específico. A cultura abarca todas as influências que emanam dos valores, normas e crenças. O território está organizado em pequenas comunidades, com uma economia de subsistência fortemente baseada em valores, como o interesse colectivo a solidariedade e entreajuda, a propriedade individual, o trabalho, as relações familiares, a ética e a religião. São sentidas ainda as reminiscências da cultura celta, nomeadamente na prática da defesa da família, da propriedade e do entendimento da aplicação da justiça. O volume V do Guia de Portugal dedicado a Trás-os-Montes e editado pela Fundação Calouste Gulbenkian refere-se a Barroso com "uma grande unidade geográfica que estabelece uma transição entre o Baixo Minho e Trás-os-Montes oriental. No ponto de vista humano apresenta profundas semelhanças com o Minho montanhoso. A pobreza do solo e a aspereza do clima não permitem uma cultura remuneradora dos cereais. Por outro lado, a abundância das precipitações explica a extensão dos magníficos pastos naturais designados por lameiros, que garantem o sustento de numeroso gado. São as condições excepcionais de solo e de clima que fazem de Barroso a região por excelência de pecuária. As pastagens ocupam os fundos e as vertentes dos vales, ou seja, as terras mais ricas humedecidas pelas águas, que conduzidas por um sistema de canais rudimentares escavados na terra, dão à erva uma frescura constante. Mesmo no mês de Agosto, as lamas conservam um tom verde e tenro que não se encontra senão raramente no resto da província. A percentagem de cabeças de gado por hectare - 15 por 100 hectares – no concelho, dá-nos uma ideia exacta da importância dos bovinos na região, isto muito embora o boi de Barroso, de pequena estatura, sóbrio e resistente, tenha deixado de ser na actualidade um animal de trabalho. As vacas, ao fim de dois ou três anos podem servir ainda para o trabalho ou hoje mais usualmente para reprodução. Ao contrário da vaca mirandesa, a barrosã é também leiteira. O seu rendimento, porém, nesse aspecto, é pouco elevado, porque, aqui, pretende-se sobretudo, fazê-la reproduzir ao máximo. Os lavradores de Barroso, essencialmente criadores, vendem os vitelos normalmente aos lavradores do Minho. É aí que o animal dá toda a sua medida, 41


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servindo para o trabalho, a reprodução e fornecimento de leite. Os pastos irrigados de Barroso são um dos traços mais característicos da rude paisagem de planaltos, que eles contribuem fortemente para alegrar. Separados quase sempre por biombos de carvalho e muros de pedras soltas, encontram-se em geral perto das aldeias, mas estendem se com frequência também, até bastante longe, a par dos riachos.

Aqui não se conhecem as pastagens temporárias de semeadura, alternando com outras culturas, como é o caso do Minho. Na região montanhosa de Barroso, a criação de gado faz-se independentemente do cultivo agrário e limita-se quase exclusivamente a certas pastagens irrigadas que fornecem erva abundante. Deverá no entanto acrescentar-se, que a batata, os nabos e as sobras das culturas dos milhos também servem para o sustento do gado. Nos terrenos mais secos das encostas e dos planaltos, a vegetação pobre que aí se encontra, a custo pode também servir para o sustento do gado bovino. Essas pastagens, que constituem o que se chama o monte, não servem em regra, senão para as cabras e ovelhas. O gado caprino, em face da hostilidade dos Serviços Florestais, diminui de dia para dia, tendo já desaparecido de muitas aldeias. Quanto às ovelhas, de raça pequena ou meã, não dão senão uma lã de fibra curta, grosseira e de má qualidade. Em regra, cada proprietário toma conta individualmente do seu gado, embora os hábitos comunitários, tão espalhados nos antigos tempos, não tenham de todo desaparecido. Aqui e além, ainda se vêem rebanhos comuns, guardados, à vez pelos lavradores, segundo o número de cabeças que cada um possui. Ao amanhecer, ao som da corneta, que nos faz lembrar os longínquos hábitos dos povos pastoris de ascendência indo-europeia, convocam as diferentes parcelas do 42


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rebanho. Este, no regresso da pastagem, ao cair da noite, aproxima-se da povoação, fazendo ecoar os balidos e os timbres dos chocalhos na solitude destes vastos planaltos.

O habitante do Barroso, por vocação criador de gado, começou a consagrar-se a pouco e pouco à agricultura. O centeio de afolhamento bienal, era o cultivo quase exclusivo e típico da região. Mas o milho exótico acabou por fazer a sua aparição nas alturas de Barroso. Introduzido naturalmente nos vales profundos, mais em contacto com a ribeira, intensificou-se o seu cultivo em virtude do acréscimo contínuo de população, em função da qual se tornou necessário aumentar a produção de cereais. Em muitas aldeias de Barroso, o milho alcançou tal importância, que o centeio já não ocupa senão um lugar secundário. Nas Alturas colhe-se actualmente tanto milho como centeio, quando há uns trinta anos, somente aquele era por assim dizer inexistente. Os espigueiros, que hoje 43


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dominam quase todas as aldeias de Barroso, são um claro índice do acréscimo desta cultura. Em Vila da Ponte - a dois passos de Pisões - onde graças a condições excepcionais se cultiva uma enorme quantidade de milho, vê-se um espigueiro de nove compartimentos, verdadeiro símbolo da prosperidade da terra. O povo do Concelho de Montalegre e do planalto de Barroso, em geral, conserva ainda embora de forma crescentemente esbatida, uma estrutura social comunitária. Os coutos mistos, conjuntos de aldeias fronteiriças gozando de vincada autonomia até à marcação de fronteiras entre Portugal e Espanha em 1864, dão-nos, por certo, a expressão acabada e sistematizada da forma mais primitiva e original da organização social e dos costumes destes povos.

Feira em Montalegre - 1940

Na Igreja de Santiago, no antigo Couto Misto de Rubiás já aqui referido, poderá o leitor colher ainda esta informação: "No banco do adro da igrexa (igreja) de Santiago, se reuniam as autoridades do Couto Mixto, para decidir dos assuntos que lhes eram próprios.

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CAPITULO IV O COMUNITARISMO EM BARROSO

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O comunitarismo agrário de Barroso é um dos últimos testemunhos das organizações comunitárias existentes na Europa, lado a lado com a hierarquia social dominante da Idade Média. Na fundação da nacionalidade o aforamento colectivo foi o dominante em Trás-osMontes, ao contrário do que sucedeu no Minho, onde predominou a fórmula dos casais encabeçados, dando origem a realidades económicas e sociais bastante distintas. Dado o fecho sobre si mesmo, a região conservou práticas seculares que perderam sentido e eficácia noutras regiões mais expostas a novas organizações do espaço e do território. O povoamento é concentrado. A aldeia situa-se por norma a meio da encosta, predominantemente exposta a sul e rodeada de nabais, hortas e lameiros de rega. Nesta primeira cintura é propriedade exclusivamente privada. Depois segue-lhe a veiga de duas folhas uma de batata, outra de centeio, com cultivo alternado. Antes da intensificação da cultura da batata, uma das folhas ficava, em boa parte, de pousio.

As terras da veiga são propriedade privada até à ceifa do centeio e de pastoreio colectivo até à próxima sementeira. Os lameiros são propriedade privada, excepto as "lamas do povo" ou "lamas do boi", que se destinam à pastagem do "boi do povo" ou, como retribuição, a quem o guarde isolado ou juntamente com o seu gado. O monte é de pastoreio livre, quer para rebanhos particulares, quer para a vezeira quando existe. Nas proximidades da povoação há uma área designada por couto, onde apenas os cabaneiros podem cortar lenha que transportam às costas para fazer a fogueira e cozinhar. 46


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Por cabaneiros entendem-se as famílias que não possuem gado graúdo (vacas ou bois) e por lavradores, aqueles que os possuem. Enquanto estes podem deslocarse mais longe para cortar e transportar lenha e mato, os cabaneiros transportam frequentemente a lenha às costas, em molhos desde o local de corte até casa. Para garantir o bom estado dos acessos à veiga e à serra é necessário reparar os caminhos, em particular no final do Inverno/início da Primavera. Os estrumes das cortes são levados às terras que vão ser semeadas e é necessário subir às serras e trazer novas camadas de mato para curtir nas cortes, transformando-o em novo e fecundo estrume. A reparação dos caminhos, a limpeza e reparação dos canos de rega, a edificação ou conservação da escola, enfim, os trabalhos de interesse colectivo são objecto de análise e deliberação no "adjunto" ou assembleia da povoação. As aldeias apresentam um modelo consistente, depurado ao longo dos séculos, de uma economia de subsistência, onde entroncam admiravelmente o privado e o colectivo. Cultiva-se pouco de cada coisa, em função das necessidades do agregado familiar. A terra não é apenas a propriedade, é mais a extensão vital da corrente sanguínea. Havendo largueza, quanto maior for a família melhor, mais braços há para trabalhar. Se não houver desgraça natural (geadas, chuva em excesso ou seca, doenças ou peste), a vida comunitária do lavrador pode chegar a ser bastante satisfatória e até mesmo feliz. A família patriarcal cresce e no seu esteio sobressai uma espécie de fidalguia rural a vender nas feiras os vitelos, vacas e cavalos do seu contentamento e do seu orgulho. Em Barroso "a riqueza mede-se pelo número de cornos", como alguém já afirmou. Mas a vida das aldeias não é esse quadro de felicidade, que ocorre em certas épocas. Ao lado das casas fartas existem muitas famílias com dificuldades, especialmente durante o Inverno, quando o trabalho escasseia. Os "criados de servir" atingem uma considerável expressão no mundo do trabalho, especialmente alta no pós- guerra, devido à intensificação da cultura da batata. Com ela, a desigualdade acentuou-se, os lameiros foram arroteados para produção de batata, os bois e vacas de raça barrosã substituídos por juntas de gado mirandês e penato, as malhas da organização tradicional e comunitária abriram fendas irreparáveis. Os anos sessenta sangraram o que restava, através da emigração maciça para França. Os cabaneiros, descontentes, desempregados, juventude ambiciosa largaram tudo e meteram os pés a caminho. Ei-los que partem, velhos e novos. Ficaram os que já tinham uma junta de vacas, pelo medo de as perder. Quatro décadas depois continuam com a mesma vida e envelhecidos, atravessam as aldeias ainda atrás das mesmas duas vacas como fantasmas. A estrutura social, o papel da propriedade da terra, as casas, as ruas, as fachadas, o modo de vida, o sistema de entreajuda, a noção de tempo, os ritmos da vida, os mitos e os ritos, tudo parece pertencer já a um paraíso perdido. Muitas destas aldeias vão por certo desaparecer, se não encontrarem uma saída (e há tantas) para a situação de abandono em que se encontram. Vistas de longe as casas dos povoados estão tão próximas e as pessoas tão ligadas, que dir-se-ia que as suas almas parecem nascidas "todas do mesmo ventre" no dizer de Bento 47


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da Cruz. De Inverno as aldeias distinguem-se a meio da encosta pelos rolos de fumo a soltar se dos beirais de colmo. Na Primavera, pelo cantar dos carros de esterco a caminho da veiga ou pelo andar lento e cadenciado das juntas de bois a rasgar a terra em sulcos. No Verão, pelo ondear das searas, o cantar dos galos, pelas grandes concentrações de ceifeiros e malhadores a absorver toda a energia da aldeia. Em Setembro chega o arranque das batatas, as sementeiras de Inverno, e mais adiante a matança de porco que é o "dia de festa do lavrador". Fechados à chave, o palheiro e a tulha do centeio, aguardam-se momentos de intenso convívio, o repouso merecido a que alguns chamam "as férias do agricultor". Era um pouco assim que se caracterizava o comunitarismo na região de Barroso!... À semelhança do que se verificava na generalidade dos meios rurais do interior, as condições físicas do território, que se caracterizam por altas montanhas, planaltos e vales profundos, e os rigores de um clima com “nove meses de Inverno e três de inferno” moldaram as (sobre) vivências das populações que fizeram das actividades agro-pastoris o seu modo de vida e a sua forma de subsistência.

Festa da Senhora da Assunção (Gralhas 1975)

Ao longo dos séculos e no decorrer da sua labuta diária pela sobrevivência, criouse uma relação muito próxima entre a actividade humana e a natureza, na tentativa de manter em equilíbrio os frágeis ecossistemas. Assim, a vida do aldeão gravitou sempre à volta dos recursos que lhe são preciosos para a sua sobrevivência: a terra, a água e os animais. O espaço territorial das aldeias tinham e têm ainda hoje diferentes funcionalidades conforme o relevo e as características do solo. As zonas de cultivo, mais planas e mais férteis, encontram-se dispostas à volta da aldeia, divididas em parcelas, de área variável e repartidas de forma desigual entre os seus habitantes. As hortas e os nabais junto às casas são as parcelas de menor dimensão, muito férteis e 48


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produtivas e as mais intensamente cultivadas. Nelas semeiam-se ainda hoje essencialmente leguminosas para auto-consumo. As lameiros fornecem erva paraos animais. Num território exterior, logo a seguir, muitas vezes em forma de anel rodeando o agregado urbano, localizam-se as parcelas maiores, as leiras ou veigas e os prados (lameiros). As leiras ou veigas são parcelas menos férteis. Terras de sequeiro, exigem uma maior preparação no seu amanho e uma adubação especial. É onde se cultivam, num sistema de afolhamento bienal, as batatas e o milho ou o centeio. Dependendo do tipo de cultura praticada anualmente numa determinada folha, assim se utiliza ou não a água de rega nessa área de cultivo. Os lameiros, servem de pastos para o gado (bovino, equídeo e actualmente também ovino) e para produção de forragem para o Inverno (feno). As parcelas agrícolas são de pequena dimensão e acham-se dispersas pelo termo da aldeia, o que causa sérios constrangimentos à actividade produtiva. Uma exploração agrícola pode ser constituída por parcelas com distâncias muito acentuadas entre si. Como complemento a estas propriedades privadas, que muitas vezes se revelam insuficientes para a subsistência dos agregados domésticos, há recursos e infra-estruturas comunais, que pertencem a todos os habitantes da aldeia. São vários os bens comunais, de que se destacam os baldios ou maninhos, as águas, os caminhos, as veigas e lameiros, o forno e o moinho e muitas vezes a eira. Vejamos as características particulares de alguns destes bens no seio das comunidades de Barroso, que perduraram até aos anos 60 (século XX). AS ACTIVIDADES E AS ESTAÇÕES DO ANO Chegada a Primavera retiram se os estrumes das cortes e levam se às terras de semear e, eventualmente, aos lameiros. Corta se o mato na serra e fazem se camas novas para o gado. Feita a preparação da terra com várias lavouras (decruar, aricar agradar), a semente da batata é lançada nos regos e a terra lavrada em sulcos; isto nas terras maiores e mais planas, porque nas mais pequenas e inclinadas o trabalho é feito à enxada. O mesmo acontece quando se é cabaneiro e não há lavrador que possa emprestar uma junta de gado. Antigamente, feitas as sementeiras da Primavera, ranchos numerosos debandavam rumo a Castela e à Terra Quente, para as "segadas", e vinham subindo das zonas quentes da planície, de terra em terra, até chegarem ao Barroso, no momento justo em que os centeios e fenos estavam prontos para a ceifa e o corte. Nesta emigração sazonal as moçoilas novas grangeavam uma pequena poupança para comprar o primeiro fio de ouro, cordão ou o primeiro par de sapatos das suas vidas. Entretanto, muitas vezes, arrecadavam também, no seu ventre, o primeiro de muitos filhos, que iriam marcar a sua existência de sacrifício para o resto da vida. Era normal pernoitarem num mesmo palheiro 40 a 50 pessoas, homens a um lado, mulheres a outro, mas claro, com "lume ó pé da estopa ... vem o diabo e sôpra". Estamos então em pleno mês das segadas. Os fenos eram cortados pela manhã fresca pelos gadanheiros. Era um trabalho duro. Faziam se carreios de erva e também, muitas vezes, de suor. A alimentação dos gadanheiros era cuidada, com rojões e assaduras, intervaladas com fatias de pão embebidas em vinho com 49


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açúcar. O feno era depois espalhado e virado para secar ao sol. Se o tempo estava de feição, em dois dias ficava pronto para ser engaçado e levado para os palheiros. Se sobrevinha a chuva era um prejuízo quase total. As ervas perdiam o seu valor alimentar e praticamente só ficavam as fibras sem valor nutricional. As segadas eram feitas aqui também em ranchos "de fora", isto é, a pagar, ou, mais frequentemente, em resultado de uma entreajuda de vizinhos, com retribuições mútuas de dias de trabalho.

Reunião Dominical (Gralhas 1975)

Juntos os molhos em pequenas "medouchas" e atingido um certo nível de secagem, o centeio é transportado para as eiras onde se ergue uma ou várias grandes medas. A eira é então preparada para a malhada. Recolhe-se a "bosta" de vaca em grandes quantidades, é dissolvida em água e espalhada pelo terreiro. Depois de seca faz o efeito de um "asfalto" acastanhado. Antes das máquinas de malhar esta tarefa era efectuada a malho e nas casas grandes chegava a prolongar se por um mês inteiro. Hoje as ceifeiras debulhadoras fazem todo o trabalho de modo rápido e eficaz, mas retiram também às aldeias os mais belos e intensos momentos de convívio e sentido de grupo. Depois de dar a volta à chave do palheiro e do tulhão e feitas as sementeiras de Outono, o agricultor do Barroso, às portas do Inverno, entra na "Primavera do Lavrador". Limpam se os regos dos lameiros, recompõem se as tornas, e endireitam se as paredes caídas nas propriedades. Se é caçador ou pescador tem agora tempo para os momentos de "lazer". Entretanto aproximam se as "matanças". Nas casas abastadas matam se oito, dez porcos ou mais. O porco funciona como um "frigorífico" natural, que vai transformando, ao longo do ano, produtos que são perecíveis em proteínas e 50


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gordura. Nos dias anteriores à "matança" parentes e amigos vão à caça para fornecer em abundância a mesa de perdizes, lebres e coelhos. O dia da "matança" tinha um profundo. "O dia de festa é quando o meu pai mata os porcos". Vive se então um reflexo profundo e antigo da festa da mesa e da repartição do produto da caça, garantindo assim a sobrevivência da família, tal como desde os mais remotos tempos das cavernas. Assaduras, chouriças, chouriços, rojões, presuntos, cabeças, queixadas são um não mais acabar de iguarias da cozinha barrosa, que vão fazer os prazeres da mesa durante todo o ano, até àmatança seguinte. Em casa, com largueza e com braços para trabalhar, não havendo doença ou desgraça, a vida segue feliz os seus dias.

Malhada

Os barrosões tinham frequentemente uma segunda profissão, isto é, dominavam um ofício. Durante o Inverno viravam pedreiros, carpinteiros (eram necessários novos carros de bois, novos arados, grades, engaços e um não mais acabar de instrumentos), soqueiros, alfaiates, capadores, albardeiros, ferreiros, etc.. Muitos outros debandavam em grandes grupos rumo ao Alentejo, onde vinham trabalhar nos lagares de azeite. Alguns autores referem que chegavam a 400 alunos o número de trabalhadores de Barroso envolvidos neste movimento sazonal. Chegavam, compravam um nabal de couves, umas batatas, umas peças de carne e o resto das calorias dava as o próprio lagar. E por ali labutavam até chegar a nova Primavera. O sistema social e económico revelou um grande equilíbrio e consistência até ao aparecimento da cultura intensiva da batata e posteriormente ao abandono em massa da terra, a caminho da emigração. "No Barroso os ricos são todos parentes" dizia me um notável observador de usos e costumes. De facto, os casamentos eram contratados normalmente entre casas das mesmas posses. O filho mais velho casava normalmente em casa e os irmãos tendiam a ficar solteiros na casa para que esta não fosse dividida. Os seus desmandos amorosos tinham como testemunho os filhos nos braços de pastoras e filhas de 51


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cabaneiros, os quais, só muito raramente ou por serem forçados a tal, chegavam a ser reconhecidos pelo pai. Nalgumas aldeias o número de filhos ilegítimos equivalia, por vezes, quando não suplantava, o de filhos legítimos. Não admira que já Luís de Camões se referisse à revolta criativa dos filhos ilegítimos de Portugal. Os casamentos eram negociados entre "embaixadores" das famílias interessadas e a intervenção dos noivos era mínima. No dia do casamento os convidados do noivo reuniam se em casa do pai do noivo e os da noiva na casa do pai da noiva. Comiam, bebiam e conviviam ao som do toque da concertina e da voz do cantador contratado para a boda. Na casa da noiva também havia cantador e seriam estes, na tradição antiga, que iriam anunciar os rituais dentro e fora da igreja, para concretizar a celebração do casamento. À porta da casa da noiva o cantador pedia ao pai da noiva para abrir a porta e deixar que a filha viesse ao encontro da sua nova existência, e seguiam todos com grandes arcos decorados com as respectivas oferendas, rumo à igreja. À saída, os populares lançavam lhes flores e ditos como este que registamos: "Eu escrevo aqui c'o rabo da pirua, que os de Travassos não vêm buscar mais nenhuma". A MATANÇA DO PORCO A matança do porco assume uma grande importância no ciclo anual das tarefas agrícolas e festivas, pois é simultaneamente uma tarefa produtiva e uma festa lúdica. A carne de porco é um dos alimentos base da gastronomia local, pelo que a matança do porco é vital para a economia familiar, assegurando grande parte das provisões de carne, além de constituir uma festa familiar e vicinal por excelência. A época da matança do porco decorre de Novembro a Janeiro, uma vez que o frio é um factor essencial para a conservação da carne. Dada a importância que o porco assume na dieta alimentar dos agregados familiares exige especiais cuidados na sua criação e ceva, nomeadamente nos meses que antecedem a matança. Assim, as mulheres desvelam-se em mil cuidados no que se refere à sua alimentação que consiste fundamentalmente em alimentos produzidos localmente como centeio, batatas, couves e nabos. Tal é a preocupação constante que rodeia o trato deste animal que muitas vezes se prometem oferendas ao Santo António (Santo protector dos animais) para que o proteja das doenças e males ruins. O dia da matança combina-se com antecedência. Convidam-se os familiares mais próximos, vizinhos e amigos que mais tarde retribuirão o convite por altura da matança dos seus porcos. Este aspecto insere a matança do porco no contexto da entreajuda tão característica desta região. No dia que antecede a matança se aos homens compete o arranjo do espaço onde vai decorrer a matança do porco e a loja onde serão dependurados depois de mortos, às mulheres compete toda a azáfama dos restantes preparativos: preparar os alguidares e restantes utensílios utilizados no decorrer da matança do porco. No final desse dia não se deita comida aos porcos para as tripas estarem limpas. Todas as matanças são tristes, mas o dia da matança do porco é uma festa de comida, alegria e convívio. Como que um funeral invertido onde se celebra a morte, que garante o armazenamento de um alimento essencial para a subsistência. Esse dia é especialmente trabalhoso para as mulheres da casa, vale 52


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nesses apertos a ajuda de familiares e vizinhas que dão uma mãozinha. Mais tarde essa ajuda será retribuída quando fizerem a matança dos seus porcos. Numa azáfama constante as mulheres preparam a parva ou mata-bicho para forrar o estômago aos convivas. Dispõem na mesa da cozinha um repasto variado (pão, queijo, carne, pataniscas de bacalhau, sopa, etc.) onde não falta o vinho e a aguardente para empurrar a comida e aquecer o corpo.

Terminada esta refeição matinal, os convivas dirigemse para junto da corte onde se encontram os porcos, ajeitam-se as ferramentas (o banco de madeira, as facas), arregaçam as mangas e dão inicio à festa. Enquanto um homem guarda a porta para não deixar fugir os animais, os restantes entram na corte agarram um porco e levam-no até ao altar do sacrifício, o banco onde será morto. Quando junto às cortes existem pátios fechados, soltam os animais para fora da corte e é ver os homens a correr atrás deles tentando apanhá-los, um agarra um perna, outro o rabo, outro as orelhas e o focinho até que finalmente capturam o animal e o matam. Entre estes convivas é ao sangrador que cabe o papel de mestre de cerimónias e imolar o animal, uma mulher acompanha o desenrolar da matança e apara o sangue para um alguidar. Enquanto isso, em casa, as restantes mulheres preparam o almoço da festa, dividindo as tarefas “uma tira o testo, outra mete a colher e outra deita o sal”. A mulher que recolheu o sangue regressa a casa com o alguidar, mexendo-o para evitar que coagule e prepara o sarrabulho. Este petisco muito apreciado nas terras do concelho, consiste no sangue cozido temperado com sal e que depois é servido partido aos pedaços com cebola cortada às rodelas ou alho cortado aos bocadinhos e temperado com azeite. Depois de mortos, os porcos são chamuscados (queimam-lhe o pelo), outrora com palha, carquejas ou giestas, agora utilizam um maçarico a gás e raspam a pele com uma faca ou lâmina. Em seguida lavam-nos com água, sabão, esfregam muito bem a pele e deitam água para limpar todas as impurezas que possa ter. Depois abrem 53


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os porcos e retiram-lhes as entranhas. Mais tarde as mulheres estremam as tripas (retiram a gordura que as envolve, utilizando-a posteriormente para fazer rojões). Todo este processo decorre em alegre cavaqueira entre os convivas, mas foi grande o esforço exigido e é altura de recuperar energias. Uma mulher leva o sarrabulho, pão, vinho e coloca um pano sobre o porco, que se encontra em cima do banco, servindo de mesa onde é colocada a travessa com o sarrabulho para os convivas comerem. Recuperadas as forças e com o estômago mais aconchegado, pegam nos porcos, levam-nos para os baixos da casa onde os penduram e deixando-os assim um ou dois dias. Mesa de festa, mesa farta. O almoço é um autêntico banquete onde a tradição manda que se coma essencialmente carne do porco que se matou. Além do sarrabulho comem fígado frito, coração frito e rojões da costela. A esta juntase um pouco da carne do porco que se matou no ano anterior, é sinal de bom governo da casa. Há ainda quem faça também um cozido com vitela, chouriça e frango. Como acompanhamento costuma fazer-se arroz e batatas. A este repasto não faltam muitas e variadas sobremesas: aletria, pão-deló, rabanadas, etc. Todavia, na freguesia de Fiães do Tâmega a refeição mais importante, de comemoração, é a refeição da noite, a ceia da matança, onde além dos manjares mencionados se come também o peito do porco que se matou, cozido. Após o almoço, os homens entretêm-se a jogar às cartas e depois vão tratar do gado. Por seu lado as mulheres dividem as tarefas entre si, enquanto umas ficam a lavar a louça e arrumar a cozinha, as outras vão lavar as tripas, consoante as aldeias lavam-nas nos rios, corgos ou lavadouros, construídos para o efeito. Depois de lavadas, as tripas são envoltas em sal e conservam-se assim até ao dia em que se fizer o fumeiro. O FUMEIRO O porco teve sempre entrada e lugar certo e insubstituível nas casas de Barroso. É a carne que dá para tudo!... Carne que se come de manhã e à noite, crua, cozida, frita, assada na brasa, a rechinar e a pingar no pão. Gorda ou magra não se desperdiça!... Tem as suas horas, os seus dias, os seus consumidores. Vai o criado para o monte, lá se imponta com um naco de broa e um bocado de carne. Vem o patrão de fora e o que está mais à mão que a carne da salgadeira?!... Na gaveta da mesa da cozinha há sempre alguma de sobra para matar o primeiro apetite que raiar pela quase fome. Vem um amigo e lá se parte uma febra - que amigo ou outra pessoa qualquer sai de uma casa barrosã sem comer e beber?!.... E o comer que há-de ser senão o que "dá a casa"?!... E o que dá a casa que é senão este abençoado presunto e fumeiro que a mulher barrosã tão bem faz e com tão boa vontade oferece. Muitos dos sabores ainda hoje apreciados são elementos da dieta alimentar tradicional barrosã, imposta pelas condições climáticas, geográficas e sócioeconómicas, constituída principalmente por pão, batata e carne de porco. A carne de porco era curada e consumida por processos tradicionais e eficientes, constituindo uma reserva essencial de proteínas e gordura ao longo de todo o ano. As tradições associadas à criação de porcos e aos seus produtos estão presentes 54


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nas festas populares e religiosas, incluindo sempre as oferendas produtos do fumeiro. Os padrinhos têm de dar aos afilhados, os reis todos os anos, e os afilhados dão de reis aos padrinhos, uma chouriça. A importância sócio-económica da criação de porcos e da conservação das suas carnes é grande nesta parte do país, marcada pelo isolamento de séculos e pelas agrestes condições edafo-climáticas. Para fazer face às dificuldades que naturalmente surgiriam se tivesse de abastecer-se de carnes frescas, mata, de acordo com as suas possibilidades, um ou mais porcos, curando as carnes por processos tradicionais e eficientes para todo o ano. Geralmente, a riqueza dos habitantes de Barroso, avaliava-se pelo número de porcos que matavam . A conservação das carnes de porco foi sempre uma medida importante da economia e da dieta familiar!... Quem não tivesse em casa um pouco de unto que fosse, estava na miséria. A antiguidade e importância da criação de porcos nesta região é testemunhada pelas referências feitas a estes animais em vários Forais, relativas aos tributos dos suínos e seus produtos, nomeadamente, no Foral de Montalegre. A matança era uma festa repleta de tradições e um acontecimento social de relevo no Barroso. Da matança depende a fartura da casa em carne. A grandiosidade desta festa, traduz bem o valor da criação de porcos na região e reflecte curiosos aspectos socio-económicos das populações. É uma festa pagã, dentro daquela ideia romana de que o porco é o símbolo da abundância. No Barroso todos os lavradores e cabaneiros matavam de um a 10 porcos, mais ou menos. As habitações eram construídas para os homens e para os animais, nalguns casos sem separação muito nítida. A maior parte das casas possuíam dois pisos: em baixo, para as vacas, suínos, cabras e ovelhas; em cima, para os homens, as mulheres e a filharada. Não se sabia onde acabava o curral e onde começava a habitação da gente, como refere Ferreira de Castro, em "Terra Fria". A criação dos porcos esteve também sempre ligada a formas de organização da sociedade muito particulares, como o comunitarismo, que prevalece ainda em algumas localidades barrosas. Nalgumas terras também havia a vezeira dos porcos de todos. Nos dias bons saíam para longe, nos dias maus iam para perto. Iam os de cria e de ceva de todo o povoado. Desde Abril até Setembro ou mais tarde. Não iam para a serra. Iam para o monte de erva verde ou para onde houvesse bolota. Cada um ia os dias, segundo as cabeças de porcos que tinha. Ainda hoje a criação do porco no Barroso é o reflexo de uma economia de subsistência. A maior parte das explorações tradicionais tem apenas 1 ou 2 animais cuja alimentação assenta sobretudo em alimentos produzidos pela empresa agrícola, fornecidos duas vezes por dia. Os porcos alimentam-se de cozidos de farinha, couves, nabos, batatas e centeio. Para poder ser consumida durante todo o ano descobriram-se formas de conservar a carne de porco, uma arte ancestral transmitida de geração em geração. Estas iguarias de excelência, principalmente para as populações 55


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urbanas, dependem muito do clima frio desta região que obriga à constante companhia da lareira. Esta proporciona condições de furnagem únicas, caracterizadas por um fumo pouco intenso e gradual, produzido a partir de lenha da região à base de carvalho, a que se juntava a humidade constante do caldeiro de água sempre ao lume. Ver as cozinhas enfeitadas durante o Inverno com as varas repletas de enchidos, cuidadosamente elaborados, sempre foi orgulho das gentes desta região. O fumo assim conseguido é elemento essencial para a obtenção de enchidos tão apreciados, pois numa cozinha barrosã, na lareira arde a lenha de carvalho, giesta, salgueiro, vido, urze e a raiz desta - o torgo. O fumo, que não saía por chaminé, conserva a carne de porco, pendurada do telhado. A necessidade de aproveitar integralmente a matéria-prima fornecida através do abate de porcos da raça Bisara deu origem ao aparecimento de diversos enchidos de forma e composição variadas, com cores e paladares diferenciados, mas sempre resultantes das 20 particularidades locais - das terras e das gentes. O seu conjunto é vulgarmente conhecidos por Fumeiro de Barroso.

A Chouriça de Carne de Barroso - Montalegre é um destes produtos. Depois da matança, começava a fabricar-se o fumeiro, labutação que durava semanas. Era época em que andava tudo engordurado, por dentro e por fora, saltavam os alguidares e os caldeiros da cabaça, as fundas com o fuso para empurrar a massa da caldeirada, tudo muito escarqueijado e luzidio; e depois das tripas cheias e bem atadas, dependuravam-se nos lareiros, para afumar e secar, formando por cima da lareira um encantador sobrecéu, exalando um cheirinho picante e activo, dos que o povo classifica como capazes de ressuscitar um morto. Cada noite que passava, com as fogueiras e fumaça, sempre tudo a loirar, - as alheiras e bucheiras, os salpicões de polpa magra, as linguiças acerejadas, as gordas farinhotas, tudo comandado pelos palaios, buchos ou gaiteiros, recheados com 56


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costelinhas de sorça, para comer no cedo com grelos cozidos, e que só de vê-los, faziam crescer água na boca. O fumeiro de Barroso tem hoje fama nacional, podendo na verdade, promover-se a sua propaganda porque a Região de Barroso, oferece condições excelentes para uma cura condigna com a qualidade e quantidade que se produz. A produção de fumeiro, tem em toda esta área geográfica grande importância. O que começou por ser uma importante reserva alimentar, quando o acesso destas populações a alimentos diversificados era bastante difícil, é hoje uma actividade económica com algum peso para a região. A produção de fumeiro em pequenas unidades de transformação que respeitam os processos tradicionais de fabrico mas que se modernizaram, adquirindo todas as condições para funcionar de acordo com as actuais exigências, é uma actividade viável em termos económicos, que muito contribuirá para a manutenção das populações rurais e que mantém o equilíbrio com as condições agro-ecológicas da região. A notoriedade, consequência das características únicas e muito apreciadas da Chouriça de Carne de Barroso Montalegre, fez com que este produto atingisse a reputação de que goza hoje em dia. A notoriedade da Chouriça de Carne de Barroso - Montalegre é também evidenciada sempre que se referem os costumes, a gastronomia e as produções da região. A reputação da Chouriça de Carne de Barroso - Montalegre leva a que nomes como Chouriça de Carne de Barroso sejam suficientes para que mesmo os consumidores não habituais e não naturais da região se disponham a pagar mais por um produto que é, aos seus olhos, indestrinçável de produtos semelhantes existentes no mercado e vendidos a preços mais baixos. A protecção do nome deste produto como Indicação Geográfica é pois um instrumento importantíssimo para evitar a sua descaracterização, salvaguardando a sua genuidade e consequentemente a sua reputação. Para além da importância que representa em si mesma a protecção jurídica das várias designações de produtos da Chouriça de Carne de Barroso- Montalegre, os seus efeitos reflectirse-ão benefícamente a nível da manutenção de postos de trabalho a nível local, com o inerente impedimento da desertificação de uma região desfavorecida, com o respeito pelo ambiente, face à continuidade do uso das práticas produtivas e de transformação tradicionais, e pelo escoamento de diversas matérias-primas regionais, desde sempre utilizadas na alimentação dos animais. OS TRABALHOS COMUNITÁRIOS A expressão trabalhos comunitários, “…compreende todas as tarefas que beneficiam a comunidade ou que se referem aos bens de propriedade comum, e para os quais se torna indispensável a organização de grandes grupos de trabalho.” Os principais eram a limpeza dos caminhos, do regadio, manutenção dos moinhos e do forno do povo. Os trabalhos nos caminhos realizavam-se durante o Inverno, geralmente aos sábados, quando havia mais bagar, o regadio era limpo, uma vez antes do início da época de rega, procedendo-se à limpeza e 57


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ao arranjo dos regos e das poças. Estes trabalhos faziam-se através dos ajuntamentos do povo, geralmente no largo da igreja à saída da missa, o regedor ou o cabo de ordens dava as ordes relativas à comunidade ou às coisas comunais. Tocava-se o sino da igreja e um elemento de cada agregado familiar comparecia ao ajunto. A ENTREAJUDA A entreajuda ocorria essencialmente na altura do pico dos trabalhos agrícolas: sementeiras, ceifa (segada) do feno e do centeio, malhadas, arranque das batatas, desfolhada do milho, vindimas, etc. As pessoas trocavam trabalho ou outros tipos de ajuda de forma a assegurar força de trabalho ou apoio perante uma situação semelhante. Além da troca de trabalho, há outras formas de troca como a cedência de animais, concessão de favores ou comida. OS BALDIOS Cada uma das aldeias do Barroso, possui extensas áreas de baldios, cobertos de vegetação arbustiva espontânea (giesta, urze, carqueja, e outras espécies). Estes espaços, são propriedade de toda a comunidade aldeã, terrenos maninhos, indivisos, situados na parte mais distante da aldeia, em geral nos altos e nas encostas impróprias para a agricultura, e desempenham um papel importante na economia agro-pastoril. Tendo em conta que estas populações dependem das actividades agro-pastoris, e dada a limitação, quer em termos de área, quer em termos produtivos das propriedades particulares, os baldios são fundamentais para a sobrevivência dos agregados domésticos. Enquanto terrenos comunais – logradouros comuns – são passíveis de serem utilizados de diversas formas: como área de pastagem para o pastoreio do gado ovino e caprino ao longo do ano e do gado bovino no Inverno e área de recolha de lenha e de mato para a cama do gado e preparação do estrume. Algumas parcelas destes terrenos, as cavadas, também eram exploradas individualmente pelos aldeãos mais pobres, muitas vezes sem qualquer outro recurso fundiário para cultivo, de forma a mitigar um pouco a sua pobreza e garantir recursos mínimos de subsistência. Ao longo dos anos, estes espaços comunais adquiriram novas valorizações com a florestação, entretanto levada a cabo, a resinagem, e mais recentemente, com o aproveitamento das áreas de grande altitude para a instalação de parques eólicos. A produção de energia eólica encontra-se em franca expansão em toda a região de Barroso. Os benefícios económicos provenientes dos investimentos realizados nestes espaços, até então de maninho, revertem a favor da comunidade a que pertencem. Geralmente são utilizados para obras de beneficiação e construção de espaços comunitários. No que se refere à gestão destes espaços comunais, são, geralmente as Juntas de Freguesias, enquanto representantes da população local, que gerem em comum os baldios das aldeias, que compõem cada uma das freguesias. Todavia, nalgumas aldeias foram criados Conselhos Directivos dos Baldios.

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Actualmente existem já vários Conselhos Directivos dos Baldios, que assumiram a gestão desses espaços, nas respectivas aldeias. Os baldios encontram-se demarcados com cruzes gravadas na terra ou em penedos, com marcos, ou com barreiras físicas naturais formadas por rios e corgos. Geralmente, esta delimitação apenas é feita ao nível externo da freguesia, relativamente às freguesias vizinhas. Todavia, existem algumas freguesias cujos baldios, por terem diferentes entidades de gestão, também se encontram delimitados a nível interno, divisão nem sempre estabelecida de forma consensual entre as aldeias que as compõem. Independentemente de existir delimitação interna ou não, cada aldeia conhece mais ou menos os limites dos seus baldios, sendo que estes espaços podem ser utilizados por pessoas de outras aldeias, desde que pertençam à mesma freguesia. O GADO As actividades agro-pastoris fazem também parte do quotidiano das comunidades camponesas em Barroso. O gado, a par da terra, é um dos elementos que garante a sobrevivência dos agregados familiares. É simultaneamente fonte de riqueza e alimento, para quem enfrenta as labutas diárias e os rigores de um clima, para retirar da terra os magros recursos que complementam a sua subsistência. A terra e o gado formam, assim, os dois pilares base que garantem a reprodução sócioeconómica da população local.

A criação do gado assumiu uma enorme importância nas regiões de montanha, onde os rigores do clima e a fraca produtividade dos solos garantem apenas o sustento da população. Não admirando pois, que à agricultura tenha andado aliada, desde remotos tempos, a pastorícia. Nesta região, assume especial destaque o gado bovino. Foi este, com a sua força, que aliado à perícia humana, moldou, durante séculos, a agricultura local. Utilizados nos trabalhos agrícolas, estes animais desempenham funções essenciais na adubação e fertilização das terras, com o esterco que produzem, no amanho das terras (lavrar e agradar) e no transporte das colheitas (carrar o feno, o centeio, as batatas, o milho e as uvas). 59


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Desempenham também um importante papel enquanto produtores de carne, os vitelos para auto-consumo ou para venda, tornando-se assim numa fonte de rendimento para os agricultores. Um factor importante para a expansão deste gado foi, sem dúvida, a existência de ricos pastos naturais - os lameiros. A par da terra, também a posse de bovinos serviu durante muito tempo como base de diferenciação social. Ter uma junta de vacas, era possuir um recurso invejável, quer pelo valor simbólico que lhe estava associado, quer pela sua importância sócio-económica. Quem tinha vacas, detinha recursos para as sustentar, manter, ou seja, era proprietário de um considerável património fundiário, que garantia pastagens e produção de feno para alimentar os animais no Inverno. Assim, os proprietários das terras, os lavradores, eram simultaneamente os proprietários do gado. Os cabaneiros, alguns deles detentores de pequenas parcelas agrícolas, mas não as suficientes para garantirem a alimentação de tão precioso recurso, viam-se muitas vezes obrigados a pedir estes animais emprestados, para o amanho das suas terras. Dado que não possuíam recursos pecuniários que lhes permitissem pagar esses empréstimos, tinham que pagar em dias de trabalho, o “favor” recebido. Acontecia um pouco por todas as aldeias, as pessoas mobilizarem diferentes recursos para poderem criar gado. Existia um sistema, o chamado gado a meias, em que um era dono dos animais e o outro detinha os recursos para a sua alimentação, ou garantia o seu pastoreio.

Os lucros obtidos, por exemplo com a venda de crias, eram divididos pelos dois. Numa região onde eram tantos os constrangimentos com que o agricultor se deparava no dia-a-dia, as comunidades viram-se obrigadas a rentabilizar ao máximo os recursos disponíveis e a criar estratégias de cooperação que lhes permitissem aceder a recursos essenciais, com custos mínimos. Foi em torno do 60


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gado que se criaram duas estratégias de cooperação com características únicas: o boi do povo. O BOI DO POVO Na esmagadora maioria das aldeias do Barroso, era frequente os lavradores associarem-se para a compra, manutenção e sustento de um ou mais touros reprodutores, consoante o número de vacas existente na freguesia. Este animal, localmente designado como Boi do Povo, era propriedade comum dos lavradores da aldeia e tinha como principal função a reprodução.

Geralmente, a manutenção e sustento do Boi do Povo estavam a cargo dos lavradores de cada uma das aldeias, num sistema de rotatividade entre eles, à roda, durante um período de tempo proporcional ao número de vacas que cada um tivesse. Todavia, em algumas outras, eram os maiores lavradores, que detinham mais recursos, quem cuidava do Boi um determinado tempo, que variava consoante as aldeias. Mais tarde, em algumas aldeias, os lavradores passaram a pagar a alguém para cuidar do boi, e cada um deles dava a paga ao pastor. Inicialmente, contribuíam para a sua alimentação dando uma determinada quantia de cereais (centeio ou milho), mais tarde substituída por um valor monetário. Esta paga, era sempre proporcional ao número de vacas para cobrição. Para além de garantia de procriação, o Boi do Povo era também utilizado para realizar combates – “chegas de bois” – contra os bois do povo de aldeias vizinhas. Este espectáculo, tradicional do Barroso, arrastava consigo aldeias inteiras, que corriam a afoitar o seu Boi, vibrando a cada vitória, ou chorando, humilhados a 61


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derrota sofrida. O Boi do Povo, propriedade comum, era o representante de todos. Em cada luta, era a aldeia, a sua valentia e a sua fama, que estava representada. É esta comunhão de identidade, Boi do Povo/comunidade aldeã, que Miguel Torga descreve numa passagem do seu diário, ao falar sobre Barroso e o simbolismo associado à figura do Boi do Povo. “Já conheço a paisagem de cor e salteado, em poucas aldeias ou lugarejos deixei de meter o nariz, os caracteres humanos são de tal clareza que se decifram à primeira leitura. A verdade, porém, é que volto sempre que posso, e cá estou mais uma vez. Atrai-me esta amplidão pagã, sintome bem a pisar um chão em que o deus vivo dos ricos e dos pobres, de alfabetos e analfabetos, é o toiro do povo. Um deus de cornos e testículos, que depois de cada chega e de cada vitória, a gratidão dos fiéis cobre de palmas, de flores, de cordões de oiro e de ternura. Um deus que a devoção adora sem lhe pedir outros milagres que não sejam os da força e da fecundidade, provados à vista da infância, da juventude e da velhice. Um deus a quem se dão gemadas para que possa inundar as vacas de sémen, as moças de esperança, os moços de certeza e a senilidade de gratas recordações. Um deus eternamente viril, num paraíso sem pecado original.” Nas aldeias onde existiu, o Boi do Povo foi sendo, progressivamente, substituído por bois particulares. Em grande parte das aldeias, a tradição do Boi do Povo acabou por desaparecer há mais de três décadas. Alguns lavradores têm os seus próprios bois, e os que não têm, pedem a um deles para que lho deixe utilizar na cobrição das suas vacas, mediante um pagamento, que pode ser em dinheiro ou em trabalho. Além da função reprodutora, ao Boi do Povo continua associada também uma função simbólica e lúdica. As famosas chegas de bois realizavam-se, outrora, entre os bois do povo de diferentes aldeias. Em jogo, mais do que a fama do boi vencedor, estava a imagem de cada aldeia, representada na figura do boi “Símbolo de virilidade e fecundidade, o Boi é na região o alfa e o omega do quotidiano. Cada povoação revê-se nele como num deus. Vitorioso cobrem-no de flores, derrotado abatem-no impiedosamente. Apesar do Boi do Povo ser actualmente uma miragem em toda a região continuam a fazer-se as ditas “chegas”, as quais continuam a ser um espectáculo muito apreciado. Os bois do povo, de outros tempos, foram substituídos por bois particulares, mas a mística que envolve estes espectáculos de força e perícia é a mesma. Não há festa nem evento que se preze, que não tenha uma chega de bois. Estas lutas continuam a mover multidões, que por vezes se deslocam dezenas de quilómetros para assistir a tão afamado acontecimento. A VEZEIRA OU GÁDINHO Assim como a existência dos lameiros foi essencial para a criação dos bovinos, a imensidão dos terrenos de maninho, existentes no concelho, criaram condições propícias para a pastorícia dos ovinos, que em muitas aldeias adquiriu características comunitárias. Até há umas décadas atrás, existiam, em algumas aldeias, especialmente na parte Norte do concelho, as chamadas vezeiras. A vezeira “é uma velha prática comunitária de pastoreio em que num só rebanho, ou manada, se juntam as cabeças de gado de 10, 15, 20 ou mais proprietários” (Santos Júnior, 1980:422). Este rebanho comum era pastoreado, à vez, pelos proprietários dos animais, de acordo com o número de animais que cada um 62


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possuía. Nalgumas aldeias, por cada cabeça, era um dia que tinha que ir pastorear a vezeira, noutras, cada cinco cabeças equivaliam a um dia e noutras ainda, era por cada dez cabeças de gado que o dono tinha que ir um dia com a vezeira. Neste concelho apenas há memória de terem existido vezeiras de ovinos, mistas (ovelhas e cabras) ou apenas cabras, a chamada cabrada, como existiu em Vila Grande (Dornelas). Estas vezeiras podiam ser permanentes, durante todo o ano, como por exemplo em Beça e Sapiãos, ou sazonais, durante a época de maior aperto dos trabalhos agrícolas, como acontecia, por exemplo, em Alturas do Barroso e Carvalhelhos. Independentemente da sua duração, os motivos que presidiam à sua constituição eram semelhantes: libertar braços para os trabalhos agrícolas. Geralmente, no Inverno a vezeira saía de manhã e era pastoreada o dia todo, apenas regressando à aldeia no fim da tarde.

A Vezéira ou Gádinho

No Verão, apenas era pastoreada durante as horas mais frescas: saía de manhã bem cedinho, regressava às cortes no fim da manhã, quando começavam as horas de mais calor, voltava a sair ao fim da tarde, regressando muitas vezes já quase noite. Quem fosse com a vezeira avisava a aldeia que a vezeira ia sair, sendo o sinal, geralmente, o toque de uma buzina, como acontecia em Beça “Chegava ao cimo da aldeia, tocava a buzina para deitarem os rebanhos para a vezeira”. Juntavam os rebanhos num determinado lugar da aldeia, quase sempre num largo, em Sapiãos, esse local ainda hoje se chama o Largo da Vezeira, e daí os animais eram conduzidos, pelo pastor, para as áreas de pastoreio. Todavia, em Ardãos, os donos dos rebanhos juntavam-nos, repartidos por três pátios da aldeia, e depois, na hora de botar a bezeira, o pastor abria as portas dos pátios e encaminhava os animais para a serra. Geralmente, a área de pastoreio destes animais eram as serras, onde os extensos baldios produziam grandes quantidades de alimentos. Se, durante o Inverno, as vezeiras podiam passar pelas veigas, existindo aldeias em que os rebanhos pernoitavam nas terras que iriam ser 63


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cultivadas, as chamadas canceladas, como forma de estrumar os campos, depois das sementeiras, tinha caminhos próprios para passar, estando proibida de o fazer pelas veigas semeadas, pois estes animais, por onde passassem, comiam e destruíam as culturas. Este método de pastoreio acabou por desaparecer. Com a florestação de extensas áreas de baldios, estes animais viram drasticamente reduzidas as suas áreas de pastagem, pois era expressamente proibido pastorear a vezeira, em especial as cabras, nas áreas florestadas, de forma a preservar o crescimento das árvores. A isto se aliou a emigração, que levou muitas pessoas a venderem os animais, tornando assim, muitas vezes, inviável a vezeira. Nalgumas aldeias, como por exemplo em Secerigo (Codessoso), os donos dos animais pagavam a um pastor para ir com a vezeira, mas também aqui, e pelos motivos enunciados, esta acabou por desaparecer. Actualmente existem inúmeros rebanhos particulares e cada um pastoreia o seu. O PÃO As características dos solos moldaram a produção agrícola local, onde desde cedo os cereais adquiriram um papel proeminente. Localmente designados como pão, o centeio e o milho, desempenharam ao longo dos tempos um papel central na alimentação da população local e do gado. Como já foi referido, as populações adoptaram o cultivo destes dois cereais consoante a morfologia e o clima do concelho, podendo afirmar-se que, grosso modo, o centeio predomina na parte Centro e Norte do território concelhio, e o milho na parte Oeste e Sul. O amanho das terras para o cultivo do centeio, cereal que germina durante o Inverno e se colhe no Verão, é feito em Setembro. É necessário lavrar as terras, gradar, semear o cereal e lavrar novamente.

Se o cultivo deste cereal exige poucos cuidados ao agricultor, a sua maturação e colheita é fonte de inúmeras preocupações e medos, medo que o cereal não amadureça, medo que chova e a palha e o grão se estraguem. Outrora as ceifas deste cereal, estavam na origem de grandes grupos de trabalho. As segadas e, inerente a elas, as malhadas, eram dos trabalhos agrícolas que maior número de 64


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braços exigia, pela celeridade com que estes trabalhos tinham que ser realizados. Grupos de homens e mulheres juntavam-se para segar o centeio, divididos, uns segavam o centeio, o segadores, outros arranjavam-no em molhos, os atadores. Depois era necessário proceder ao seu transporte, a carrada, para as eiras. Aí, era colocado em medas, de forma cónica, tendo o cuidado de virar as espigas para a parte de dentro, para que, no caso de chover, não se molhassem, evitando assim desta forma que o grão se estragasse. As eiras eram previamente preparadas para a debulha dos cerais, as de pedra, eram varridas e nas que eram em terra batida, tinham que “fazer o chão da eira”, espalhando bosta seca amassada com água. Essa massa era espalhada pela eira com um rodo, depois passavam um rascalho por cima, para alisar. Deixavase secar durante 2 ou 3 dias, formando, assim, uma base dura, que evitava que os grãos deste cereal se desperdiçassem na terra. Punha-se o dia da malhada, juntava-se um grupo de homens com malhos e procediam à debulha dos cereais, que depois eram limpos com um limpador, sendo posteriormente armazenados em arcas de madeira e a palha colocada em medas nas eiras ou arrumada nos palheiros. Esta era utilizada como forragem e para a cama dos animais, servindo como estrume. Muitos destes trabalhos sofreram alterações à medida que se foi introduzindo a mecanização na agricultura. As malhadeiras mecânicas substituíram a força humana na debulha dos cerais. Os homens passaram a ter um papel complementar ao trabalho da máquina, introduzindo o centeio, à medida que esta processava a separação do cereal e da palha. O cereal era recolhido em sacos e a palha, enfeixada em molhos atados com bancelhos, era transportada para os palheiros. As segadas manuais foram substituídas pelas ceifeiras atadeiras, que à medida que ceifavam os cereais, o atavam em molhos. Também na carreja do cereal se verificaram alterações, os carros de vacas, cujo chiar povoava os campos, foram substituídos pela força motriz e o barulho dos tractores. Actualmente, as modernas ceifeiras debulhadoras, muitas vezes demasiado grandes para a estrutura fundiária local, desempenham um papel proeminente nestes trabalhos, realizando em simultâneo a ceifa e a debulha do cereal nas terras, pelo que os agricultores apenas têm o trabalho de transportar a palha para os respectivos palheiros e o pão para armazenar em caixas de madeira. Por seu lado, o milho exige mais cuidados, além da preparação das terras onde é cultivado necessita ser sachado e muitas vezes regado. Quando atinge a maturação, são – lhe retiradas as espigas e as suas canas são utilizadas como forragens para os animais. Em Secerigo (Codessoso) fazem meroucas com as canas do milho e utilizam-nas ao longo do Inverno para o gado. A desfolhada do milho reunia grandes e animados grupos, geralmente ao serão. Encontrar uma espiga vermelha, o milho rei, era motivo de alegria, permitindo certas liberdades, como abraços e beijos, entre a mocidade. Estes trabalhos eram realizados numa ambiente de alegria, uma alegria espontânea de quem recolhe finalmente o fruto de tantas canseiras, que as cantigas, que então se cantavam, tão bem o demonstravam. O FORNO DO POVO De todas as instituições de vida comunitária, uma das mais importantes, pelo seu significado prático e sociológico, era a construção e manutenção em 65


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funcionamento de um forno do povo. Do ponto de vista da vida quotidiana, esta tradição era muito importante no passado, quando as aldeias estavam isoladas. Vivia-se em economia de subsistência, e por isso, havia que ser auto-suficiente no aspecto alimentar. As padarias, mesmo na vila, são um fenómeno moderno, e um bom naco de pão não se dispensa à mesa. Tanto mais, que no Barroso abundam os cereais, em especial o centeio, tradicional dos climas frios, que cozido dá um pão muito escuro e saboroso, que se conserva fresco e inalterado durante muitos dias. O forno comunitário servia então para que cada uma das famílias fabricasse regularmente pão, consoante fosse sendo necessário. Até há poucos anos, ser padeiro não era profissão, pelo que cada um tinha que amassar e cozer o pão que consumia. Assim, o forno era uma obra social e colectiva importante, uma vez que a construção de um forno próprio era incomportável para a maioria das famílias que, deste modo se socorriam, por turnos, do forno colectivo. Além disso, num passado desaparecido, e por isso, por vezes chorado, o forno do povo era um ponto de encontro de toda a aldeia. Aí se albergavam, ao calor da fornalha, os mendigos, os artistas ambulantes e os viandantes nas noites invernosas. Era igualmente um "lugar de oração e de reunião, como qualquer capela em serviço permanente", um local para o serão da rapaziada da aldeia, nas longas e frias noites de inverno, num mundo que já não existe, onde não havia televisão, nem cafés, nem outras modernidades. Melhor ou pior, todas as aldeias tinham o seu forno, havendo até algumas que tinham mais que um. Era o caso de Vilar de Perdizes, que tinha um forno para cada um dos seus bairros. No concelho de Montalegre, ainda hoje merecem destaque por estarem em bom estado de funcionamento, além dos de Vilar de Perdizes, os fornos de Padornelos, Tourém e Pitões das Júnias. Estão ainda referenciados outros, em Meixedo, Gralhas, Solveira, Negrões e Travassos da Chã. Nenhum deles tem tido utilização, por serem grandes e consumirem muita lenha até aquecerem e ficarem prontos a usar, o que implica grandes custos, que actualmente não são vantajosos, se comparados com o preço do pão trazido das padarias da vila. Todos os fornos têm em comum serem edifícios baixos, de um só piso, integralmente construídos em granito, para evitar incêndios. São de pedra as paredes, como também o são os arcos e a abóbada que suportam o telhado. O mesmo se passa com o próprio telhado, formado por lajes graníticas, finamente cortadas. Do lado de fora, ao longo das paredes, existem, em regra, sólidos contrafortes, também graníticos, onde se apoiam os arcos da abóbada interior. Tudo visto, apenas é feita de madeira a única porta que costumam ter. No interior, o espaço é amplo, havendo num dos lados uma bancada de trabalho, de pedra. No outro, fica o forno, propriamente, com a sua cúpula de materiais argilosos e refractários. Para o viajante que anda em busca das ancestrais tradições e formas de vida comunitária do povo barrosão, de um mundo que já expirou, é obrigatória a visita aos fornos de Padornelos, Tourém ou Pitões das Júnias. 66


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Também e de um modo geral os fornos do povo existentes no concelho de Boticas se encontram em bom estado de conservação. Estes edifícios, geralmente, encontram-se um pouco afastados do centro da aldeia, muitas vezes isolados, e sem casas à volta, como forma de prevenção contra possíveis incêndios que aí pudessem ter origem. Os fornos do povo neste concelho têm sido alvo de diversas obras de beneficiação, nomeadamente no que se refere à cobertura, os telhados, outrora de colmo, foram reconstruídos em telha, procedeu-se ao arranjo do chão, das fornalhas e da zona envolvente, de alguns deles. Em alguns fornos, cujas fornalhas eram muito grandes e consumiam assim muita lenha para aquecer, foram divididas em duas mais pequenas, ou construiu-se uma mais pequena ao lado. Uma parte significativa destes edifícios, dado o avançado grau de deterioração em que se encontravam, foram reconstruídos por opção das comunidades locais, com modernos materiais de construção, tijolo e cimento, em vez de pedra. Nas aldeias onde estes edifícios foram reconstruídos, optaram por o fazer no mesmo local do original, excepto quando os difíceis acessos, como por exemplo em Curros, e a sua distância relativamente ao centro da aldeia, como por exemplo em Secerigo (Codessoso) ditaram a sua construção num local mais centralizado e com melhores acessos. O Forno do Povo da Granja é o mais recente do concelho, foi construído no final dos anos 70.

Também neste concelho, antigamente apenas existiam fornos particulares!... Quem queria cozer e não tinha forno, pedia a quem tivesse um para o deixar cozer. Apesar dessas pessoas não exigirem nada como pagamento pelo empréstimo, quem pedia ficava sempre em favor e tinha a obrigação moral de pagar de alguma forma, designadamente na ajuda durante as segadas e as malhadas. Cansadas de dar dias de trabalho em troca de poderem cozer, o povo e a Juntas de Freguesia resolveram construír os Fornos do Povo. 67


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Em toda a região de Barroso, para a utilização do Forno do Povo, foram estabelecidas regras de forma a organizar a sua utilização. Em quase todas as aldeias onde este bem comunitário existia, havia a obrigação de quentar o forno, que andava à roda pelas casas dos lavradores da aldeia, que eram quem dispunha de meios para ir buscar lenha. Todo aquele que tivesse uma junta de vacas para fazer o transporte da lenha, para aquecer o forno, era obrigado pelo uso e costume a aquecer o forno. Era o chamado quentador, forno de quenta, ou cantador pois ele era, também, o responsável pela marcação da vez das pessoas que coziam a seguir a ele. Assim, quem quisesse cozer, dirigia-se ao quentador, pedia-lhe a vez, para saber atrás de quem iria cozer, e colocava um sinal a marcar a sua vez. O sinal podia ser lenha ou mato, e à medida que iam cozendo, cada um tirava o seu sinal de marcação, para as pessoas saberem quem ia cozer a seguir e assim prepararem a massa. Na maior parte das aldeias este uso acabou por desaparecer e hoje são cada vez menos as pessoas que ainda utilizam estes espaços, preferindo comprar o pão já feito, a muitos dos inúmeros padeiros que diariamente percorrem as aldeias da região. Também em tempos que já lá vão, em especial durante o Inverno, como não existiam cafés, era no forno que se juntava a mocidade para passar o serão. O largo do forno era também um local de convívio, tradição que ainda hoje se mantém quando da comemoração de determinados eventos, designadamente nas passagens de ano. A ENTREAJUDA NOS TRABALHOS AGRICOLAS Dentro de cada comunidade aldeã criaram-se redes de apoio, formas de solidariedade e cooperação vicinal, geralmente designadas como entreajuda. A entreajuda tem como características principais a gratuidade e a reciprocidade de serviços, uma vez que, o favor recebido deve ser retribuído, pois, existe a obrigação moral de retribuir em iguais circunstâncias, ou em circunstâncias consideradas socialmente como equivalentes. Uma regra estabelecida pelo costume, que o adágio popular “Uma mão lava a outra e as duas lavam a cara” tão bem resume. O êxodo rural, que se registou a partir de 1960, veio alterar quer a agricultura local, quer as formas de organização social, bem como as diferentes interdependências e as relações sociais existentes. Com a debandada geral que se registou, muitas parcelas agrícolas foram votadas ao abandono, o efectivo animal diminuiu e assistiu-se, simultaneamente, à crescente mecanização agrícola, que procurou suprimir a falta de mão-de-obra agrícola. Actualmente, a mecanização agrícola permite aos agregados familiares realizarem os trabalhos agrícolas sem terem que recorrer à mão-de-obra exterior à unidade doméstica. Todavia, a entreajuda continua a desempenhar um importante papel, na vida da população local, em especial para os mais idosos. Numas aldeias, mais do que em outras, vizinhos e familiares ainda se entreajudam uns aos outros não apenas por altura do “maior aperto” dos trabalhos agrícolas, mas nos mais diversos trabalhos (ir à lenha, cortar e carrar mato, fazer as sementeiras, sachar as terras e fazer as colheitas) numa lógica de reciprocidade dos serviços em iguais circunstâncias ou considerados socialmente como equivalentes. Esta entreajuda é especialmente importante entre os 68


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agricultores mais idosos a quem as forças começam a faltar para as árduas jornadas no campo, vale nestas situações a ajuda de outras pessoas. Na maior parte das aldeias, a entreajuda processase, essencialmente, por altura do “pico” dos trabalhos agrícolas, que exigem celeridade na sua execução, como por exemplo as sementeiras, a ceifa e a recolha do feno, a recolha dos cereais e as vindimas. Participar e ajudar os vizinhos nestas tarefas, garante ao agricultor a ajuda e os braços necessários para a realização dos seus trabalhos.

Mas nem sempre quem que é ajudado nos seus trabalhos, pode retribuir essa ajuda em iguais circunstâncias, nestas situações cada um retribui como pode, aproveitando as circunstâncias e fazendo o que está ao seu alcance para ajudar quem o ajudou. Todavia hoje cultiva-se menos, e entre os mais novos a adopção das modernas máquinas agrícolas veio facilitar a execução dos trabalhos sem ter que recorrer a muitos braços. Pelo que, muitas vezes a entreajuda se resume a pequenos círculos de vizinhança e familiares próximos.

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CAPITULO V EXEMPLOS DE COMUNITARISMO

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O REGADIO COLECTIVO A água de rega é um bem precioso e limitado!... Há dois tipos de rega: a rega de Inverno e a rega de Verão, ou por outras palavras: a rega da abundância que se destina a intensificar a produção, mas que na realidade podia dispensar-se, e a rega da carência, que se destina a corrigir as condições do clima e sem a qual não era possível produzir. A água para a rega é encaminhada das nascentes através de regos ou canais de rega até aos tanques (poças), sendo depois distribuída pelos terrenos segundo regras ancestrais bem definidas. De forma a evitar desperdícios da água de rega, o seu sistema de rotação era feito, geralmente de acordo com a ordem dos terrenos. Os direitos de rega foram sempre transmitidos de geração em geração através da tradição oral, muito embora haja quem tenha procedido ao seu registo escrito. OS CAMINHOS Espaço comunal utilizado para deslocação. O seu arranjo e manutenção era responsabilidade dos habitantes da aldeia. Assim, era convocado o ajuntamento do povo para o arranjo dos caminhos. AS LAMAS E OS LAMEIROS DO POVO OU DO BOI Em grande parte das aldeias, o Boi do Povo tinha as suas próprias lamas e lameiros que garantiam parte da sua alimentação (erva e feno). Para além destes bens, em alguns sítios o boi do povo tinha também cortes e palheiros próprios. Propriedade colectiva da aldeia, edifício térreo, coberto de colmo, era o café dos pobres.

Lameiros de barroso

A sua utilização estava sujeita a regras próprias, como a obrigatoriedade de quentar o forno. Para além disso era um espaço de convívio. 71


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OS MOINHOS Em algumas aldeias havia o moinho do povo, propriedade comum dos habitantes da aldeia, onde quem precisasse ia moer os cereais (centeio e milho). Associados a estes bens e equipamentos comunitários andam os trabalhos comunitários que também se denominam por hábitos comunitários. Muitos destes trabalhos extinguiram-se ou estão em vias de desaparecimento por força da alteração do modelo de produção agrícola e das mudanças do modelo demográfico. De facto, a redução da mão-de-obra e a mecanização da agricultura alteraram drasticamente os modos de vida agrícola nestas aldeias rurais de Barroso. Muitos dos trabalhos comunitários como a segada e a malhada do centeio, as sachas colectivas dos batatais, o arranjo dos caminhos e a condução de águas deixaram de ter sentido. A segada e a malhada passaram a fazer-se através de meios mecânicos, dispensando os ranchos de homens e mulheres e reduzindo o hábito da entreajuda e torna jeira. A produção agrícola da batata foi drasticamente reduzida, o boi do povo tende a ser substituído pela inseminação artificial num combate e redução das doenças transmissíveis e na tentativa do apuramento da raça, e os trabalhos de conservação dos caminhos e condução de águas, entre outros, têm vindo a ser assumidos pelas autoridades autárquicas (municipais e da freguesia) no âmbito das suas competências. Permanecem porém alguns, por interesse efectivo das populações ou recusa de perda de gestos, usos e costumes que se pretendem conservar e manter sobretudo como marca etnográfica e elemento de atracção de turistas e apaixonados pelos hábitos e tradições destas comunidades da terra barrosã. É o caso da vezeira, do Boi do Povo, da limpeza de levadas, regos e nascentes.

O CICLO DE VIDA O NASCIMENTO O nascimento é um dos momentos mais importantes no ciclo da vida!... Afecta não apenas o núcleo familiar onde decorre, mas também todo o conjunto de redes sociais que o envolve. Celebrado com uma alegria transbordante, é a promessa de perpetuação da família e de todo o património que lhe está associado. Intrinsecamente associada ao nascimento, está a gravidez. O mistério da gestação coloca a mulher num estádio muitas vezes ligado ao sobrenatural, sendo encarada pela sociedade com um misto de receio e respeito pela sua condição de grávida. Nesta região encontram-se diversas crenças associadas à gravidez: À mulher grávida não se deve recusar nada do que ela pedir de forma a evitar possíveis consequências nefastas para o bebé. Durante o período de gestação, a mulher está sujeita a várias prescrições e proibições, deve evitar tocar determinadas coisas e cheirar as flores muito perto para que a criança não nasça com manchas vermelhas na pele. Existem também outras crenças que relacionam, directamente, o pão com a gravidez e o parto. A mulher grávida quando tira o pão do forno não deve tirar dois 72


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pães de cada vez, senão pode vir a ter gémeos; quando faz os folares, não deve colocá-los no forno atravessados porque pode ter problemas na altura do parto, ou seja, a criança pode atravessar-se e não conseguir nascer. Também a toalha estendida sobre o tendal pode ter influência no decorrer do parto. Existe a crença de que, depois de se meter o pão no forno, a toalha onde a massa foi colocada deve ser sacudida e arrumada para facilitar o parto de quem estiver a parir, pois diz-se que enquanto esta estiver estendida o bebé não nasce. O nascimento é comemorado com muita alegria. Todavia, existia uma série de rituais e procedimentos que deviam ser observados para proteger a criança e a mãe. O ritual mais significativo era o primeiro banho, cuja água era peça fundamental para o futuro da criança. Findo o primeiro banho, deitava-se essa água à rua, apenas durante o dia, e era costume dizer-se “Água a correr, menino (a) a crescer”.Em algumas aldeias, esta água tinha destinos diferentes dependendo do sexo da criança: se fosse rapariga, a primeira água do banho deitava-se dentro de casa junto à lareira, pois às mulheres compete a gestão doméstica; se fosse rapaz, atirava-se com a água para a rua, pois a rua é o domínio do homem. Também era usual tomar providências para evitar os males ruins. Assim, em algumas aldeias colocavam um cordãozinho de alho no pescoço da criança por causa do mau olhado; noutras, logo após o nascimento, colocavam a criança no colo da mãe e sobre elas sete peças de roupa, incluindo a roupa da cama, para que nada de mal lhe pudesse acontecer. O NAMORO Quando um rapaz de fora namorava com uma rapariga da aldeia tinha que pagar o vinho aos da terra, como indemnização simbólica por “roubar” a rapariga, considerada “propriedade” da aldeia. Se em algumas aldeias apenas pagavam remeias de vinho, noutras além do vinho tinham que pagar também o equivalente à sua altura em pão e bacalhau; ou então, em vez de pagar o vinho, levavam-no até junto de um tanque e obrigavam-no a beber sete chapéus de água. Quem se recusasse a pagar o vinho, metiam-no na corte com o Boi do Povo como castigo, ou atiravam-no a um tanque da aldeia. O CASAMENTO O casamento é considerado um dos mais importantes rituais de passagem. Uma das manifestações mais curiosas das bodas da região é descrita por Pinho Leal em 1874, sobre os casamentos em Covas de Barroso que ele descreve como “curiosíssimos, pela antiguidade que revelam”. Na manhã da boda o noivo “com os seus” familiares, convidados e amigos dirigiase à residência da noiva onde já os parentes dela estavam todos reunidos. O noivo batia à porta várias vezes até que os parentes da noiva após conversa entre eles perguntavam: - Quem é e o que quer? O noivo respondia: - É (fulano) que aqui vem buscar honra, gente e fazenda. - Entre, que tudo encontrará. Nessa altura, então, as raparigas ofereciam à noiva flores e doces de várias qualidades. Os noivos aceitavam provando os doces que depois eram distribuídos 73


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pelos padrinhos e pelos convidados. Enquanto este cerimonial se desenrolava eram recitados (talvez cantados) versos mais ou menos elaborados conforme a veia criadora dos autores. A tradição mais antiga era as raparigas oferecerem à noiva uma pomba e a noiva atava uma fita à cinta do noivo, mas nesta altura já tinha caído em desuso segundo descreve o autor.

Para além desta, existiam outras tradições como, por exemplo, em Sapiãos, onde, no dia antes do casamento, o noivo ia com os seus amigos fazer uma serenata à noiva: (…) S’estás a dormir, acorda Vem ouvir a serenata Guitarras com cordas d’ouro Trilhadas por mãos de prata Dáva-te o meu coração Se o pudesse arrancar Arrancando sei que morro Morto não te posso amar (…). No dia do casamento as famílias iam ter a casa de cada um dos noivos. Depois, o noivo e a sua família iam a casa da noiva buscá-la para irem para a igreja. As raparigas que fossem ainda virgens para o casamento, consideradas pela comunidade como puras, levavam nesse dia um arco branco a acompanhá-las, os rapazes eram acompanhados por arcos de folhas verdes. Colocavam-se também arcos pela rua, desde a casa da noiva até à entrada da igreja. Depois, seguiam em cortejo pela rua até à igreja, como nos descreveu um informante: “À frente ia a noiva com o padrinho debaixo do arco de flores brancas. A seguir, ia o noivo com a madrinha debaixo de um arco verde feito de arbustos e flores e atrás iam os restantes convidados. Entravam na igreja também por essa ordem, a noiva primeiro.” Em Pinho, no dia antes do casamento, é costume juntarse um grupo de rapazes e percorrem as ruas da aldeia a tocar buzinas aos noivos. Em algumas aldeias, como Granja, Vilar e Espertina, ainda é costume juntarem-se as raparigas solteiras no dia do casamento bem cedo, fazem um arco para acompanhar a noiva à igreja e uma passadeira de flores desde a sua casa até à igreja. Adoptaram-se também novos hábitos, como por exemplo atirar arroz e flores aos noivos à saída da igreja, como votos de felicidades e abundância na nova vida que iniciam. Em algumas aldeias enquanto atiram arroz aos noivos, 74


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costumam dizer “Eu deito arroz para vos abençoar, deito e torno a deitar e que seja a mulher em casa sempre a governar”.

A MORTE O ciclo fecha-se com a morte, ritual de separação marcado pela tristeza e pela dor que atinge não apenas a família próxima, mas toda a comunidade. Existem toda uma série de rituais que preparam a transição para o mundo do além.

É necessário preparar o corpo do morto, as melhores roupas e calçados como se estivessem a preparar o ente querido para uma viagem, a última viagem; procedese aos preparativos do funeral e vela-se o corpo.

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Toda a comunidade se une nestes momentos, presta-se uma última homenagem benzendo o morto com água benta, orando e dando apoio aos familiares de luto. A separação definitiva entre o morto e a comunidade a que pertenceu dá-se com o final da missa de corpo presente, entregando-o em seguida àquela que será a sua última morada. Nas aldeias do concelho, havia a tradição de distribuir pão e vinho às pessoas que iam aos funerais. A família do falecido chamava mulheres para ajudarem e coziam uma grande fornada de pão que depois distribuíam à saída do cemitério. Hoje, essa tradição já quase desapareceu, apenas a família e as pessoas mais próximas se reúnem, para uma pequena refeição, onde, prestam apoio e fazem companhia aos enlutados.

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CAPITULO VI A ORGANIZÇÃO SOCIAL E A DECADÊNCIA COMUNITÁRIA

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A ORGANIZAÇÃO SOCIAL A organização social, o clima e a morfologia do solo, condicionaram claramente e desde sempre, as actividades rurais da população de Barroso, que viveu durante anos, entregue às suas tradições mais antigas, algumas das quais perduraram até hoje. A base dessa organização, até meados do século XIX, assentou na «assembleia» dos representantes das várias famílias da povoação, que reúnia com uma certa periodicidade - em locais pré-definidos, mas normalmente nas proximidades das igrejas ou junto aos cruzeiros - quando tal era necessário. Essa assembleia, chamava-se Junta, Acordo, ou Conselho e foi herdeira do antigo conventus publicus vicinorum (assembleia pública dos vizinhos) do reino visigótico. Era nessa «assembleia» que se analisavam até à exaustão, os problemas que a todos diziam respeito, e se decidia, por vontade expressa da maioria, as soluções a adoptar.

A Junta era a mais perfeita expressão da Democracia Popular e foi dirigida até aos primeiros anos do século XX, por um «Juiz», «Zelador», «Juiz de Vintena», «Procurador», «Mardomo» ou «Chamador», e a partir daí, até meados dos anos setenta da mesma era, pelo Regedor ou Presidente, o primeiro escolhido pelo povo da aldeia e o segundo pelas corporações concelhias, afectas ao regimo tatalitário da II República. Os Regedores nomeados, eram pessoas respeitadas das aldeias e totalmente independentes das autoridades administrativas oficiais e quando da escolha, tinham a obrigatoriedade de permanecer no cargo por um periodo minimo de 6 meses. Não eram remunerados, nem tinham qualquer tipo de previlégios pelo seu desempenho. 78


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A estes homens, competia convocar a «assembleia», o que era feito normalmente, através do toque do sino da igreja da aldeia e verificar as presenças e as ausências, dos cabeças-de-casal. Aquele que sem justificação, não estivesse presente, era como que «excomungado» pela população, já que a todos era exigida a presença, fosse para o bom ou o mau. Após a verificação das presenças, apresentavam-se então os assuntos a tratar, todos em conjunto, ou individualmente. Eram calorosamente discutidos, chegando-se sempre a uma solução prática, de acordo com a vontade expressa da maioria. Em caso de empate, cabia ao «Juiz» tomar a decisão. Eram muitos e variados os assuntos que se apresentavam à «assembleia» e esta tinha obrigatoriamente de encontrar soluções, para cada caso concreto, designadamente, no que dizia respeito à reparação e abertura de caminhos, organização da vida pastoril, distribuição das águas de rega, locais de roça, limpeza das igrejas e das poças, carretos para o povo e tantos outros trabalhos necessários à comunidade. Esta tipo de organização durou séculos e passou de geração em geração através dos usos e costumes da região. A partir dos finais da década de setenta, do século passado, este tipo de organização social, foi substituída por uma espécie de «Conselho Dominical», cujos moldes de funcionamento eram muito semelhantes, senão vejamos: No final das missas de domingo, era recomendado a todos os aldeões presentes nas mesmas, de que deverim «esperar» (aguardar), normalmente no largo fronteiriço à igreja, onde teria lugar uma «reunião», para decidir sobre determinado assunto.

Grupo de aldeãs esperando o regresso da Vezeira do monte

Estas reuniões, eram «presididas» pelo Presidente ou Secretário da Junta, a quem competia colocar as questões em discussão e avaliar as respectivas votações. À semelhança do que acontecia no passado, nada ficava escrito e o 79


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registo das decisões tomadas, ficava no subconsciente de cada um, que as acatava. Actualmente, este método caíu quase em desuso. O Conselho Dominical, poucas vezes vai a votos e foi substituído pelas modernas Assembleias de Freguesias. A coberto de tal modernidade e amiudadas vezes, os senhores Presidentes cedem à tentação fácil de decidir, sem ouvir o povo e de o informar, preferindo afixar papéis em determinados locais, que poucos se dão ao trabalho de ler. A DECADÊNCIA COMUNITÁRIA As «segadas», as «malhadas», os «carretos», as «vezeiras», os «motes», o cantar dos «reis», as «chegas de bois», entre outros, são exemplos de misturas exóticas entre o religioso e o pagão, que evocaram no passado os deuses, em favor de colheitas fartas e que é preciso não deixar esquecer. O comunitarismo tradicional, resultou assim da necessidade de conjugar esforços, para mais facilmente se atingirem os fins desejados. E não apenas em termos laborais ou de preparação de festas.

Dia de festa na aldeia)

As populações de Barroso, impunham igualmente as suas regras, através do seu «Conselho Dominical», reunido aos domingos após a respectiva eucaristia. Aí, onde eram transmitidas as «ordes» (ordens), aprovavam-se posturas, para garantir o respeito pelos bens e direitos comuns e pela propriedade privada, para permitir ou não, a seiva dos gados nos terrenos abertos que estavam de restolho, para arrendar os baldios, as côrtes e os palheiros, para impôr a realização de determinados trabalhos, para restaurar, limpar e pôr em funcionamento as infra80


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estruturas para uso da comunidade, designadamente, caminhos, represas, forno do povo, moinhos, lama-do-boi, igreja, cemitério, poças e regos-da-água entre outras. Toda a gente era solidária!... Com a mesma facilidade com que cumpriam as regras, pediam e emprestavam o fermento, o pão, a ferramenta, o burro ou a junta de vacas. Pediam e davam apoio na «segada», na «carrada», no «meter do feno», na «arranca da batata», na «matança do porco» ou na feitura do fumeiro; socorriam os vizinhos na hora da «desgraça», do incêncio, da inundação, das geadas que tudo queimavam e da doença de pessoas e animais, ao mesmo tempo, que com eles choravam nos momentos de luto e de desastre.

Hoje, as novas técnicas simplificaram a satisfação das necessidades de cada agregado familiar e por isso, a necessidade de entreajuda e de partilha de recursos, foi-se diluindo progressivamente. Praticamente, tudo é feito de forma mecanizada e comercializada, e o comunitarismo, apenas resiste em pequenas franjas da população das aldeias, muito embora muitos dos «rituais» se mantenham vivos. Nos dias que correm, a desertificação das aldeias é um dado adquirido. Nada foi feito para inverter esta tendência e as familias em toda a região do Barroso, que aí se vão mantendo e que persistem na sua labuta, são normalmente autosuficientes.

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CAPITULO VII O SAGRADO NO IMAGINÁRIO BARROSÃO

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“Todos os povos civilizados investigam as suas origens e amam a sua história. Há uma força instintiva que atrai o homem à terra natal, seja ela uma simples aldeia perdida nos vales profundos, nas serras majestosas e altaneiras, ou nas grandes cidades embaladas pelas ondas do mar, onde os requintes do conforto seduzem os ricos e poderosos do mundo”.

Relacionados com o âmbito da fenomenologia da religião, os símbolos aparecem ligados aos ritos e aos mitos, enquanto linguagem do sagrado. Aqui, a expressividade do mundo, chega de facto à linguagem por meio das expressões de duplo sentido. Através do léxico já analisado, verificamos que os símbolos predominantes nas rezas mágicas podem remeter para a cultura celta e para os cultos pré-romanos, mantendo-se vivos no imaginário popular. Na zona do Barroso, verifica-se que os limites entre o sagrado e o profano, entre o rito religioso e a festa estão muito próximos, confundindo-se e entrelaçando-se na maior parte das situações. O bem e o mal, colocam-se como indispensáveis um ao outro, sendo que, o primeiro não subsiste sem o segundo. O Homem Barrosão, preserva a crença naquilo que está fora do quotidiano e das coisas comuns, nas quais se expressa uma ordem sagrada, que dava e dá sentido às suas vidas, aos lugares e à sua concepção do mundo. Ela continua a mitificar o tempo e o espaço do sagrado.

ASPECTOS GERAIS E TRADIÇÕES DE BARROSO Ao falar de uma região tão antiga, tornou-se então relevante falar das tradições que enchem este território e que são sui generis em Portugal. Ao realizar um trabalho no âmbito das tradições, procurou-se reavivar costumes e hábitos, alguns deles em fase de extinção, mas antes, julgou-se conveniente reflectir sobre o conceito de tradição e apresentar a opinião de alguns etnólogos e estudiosos na matéria.Etimologicamente, a palavra tradição deriva do latim traditio -o nis, cujo 83


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significado se identifica, para o autor Portillo, com a “comunicação ou transmissão de notícias, composições literárias, doutrinas, ritos, costumes, feita de geração em geração no decorrer dos tempos e à medida que as gerações se sucedem”. Qualquer tradição é parte integrante da cultura, e por isso, esteve sempre subordinada às regras que determinam as mutações e transformações nos elementos e padrões de cultura.

A tradição possui assim um papel predominante nos modos de interpretar ou modificar as leis básicas das nações, e as sociedades mais rígidas às mudanças conseguem manter as práticas e os costumes tradicionais de geração em geração ao longo dos séculos. Para Portillo, “é em grande parte, a tradição que define a correcção da linguagem, a ortografia, as relações sociais, os ritos religiosos e o protocolo de Estado” . Sabemos e defendemos, que preservar a tradição não significa ser retrógrado nem oposição ao modernismo ou aos avanços tecnológicos que revolucionaram o mundo, mas é antes preservar um enorme manancial de saberes acumulados e a identidade de um povo ou de uma cultura. Numa perspectiva filosófica e na sequência do historicismo europeu de Benedetto Croce e Schleiermacher, o conceito de tradição desempenha um papel bastante importante. uma vez que o Homem e a História são dois pólos interligados, pois para pensar a História, o homem não pode sair desse campo, dado que “o conhecimento e a compreensão que o homem tem de si, da natureza e da história, mergulham na tradição.” Verifica-se assim, que a tradição é necessária à compreensão do ser humano, pois “cada homem nasce e cresce numa cultura, fala uma língua que já, por si, veicula uma visão da realidade. A tradição possibilita a compreensão e, 84


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porventura, pode-a limitar. A tradição não é algo puramente objectivo, frente ao homem; ela constitui o próprio ser do homem”. É partindo deste pressuposto que a tradição possibilita ao homem compreender e aceitar a sua situação histórica. No entanto, a tradição é entendida como uma norma absoluta de verdade, como autoridade inviolável em filosofia, em ciência mas que paralisa o pensamento e a evolução pois, “o homem pensa no presente. O presente é carregado de passado. Mas a tradição que não é portadora de futuro, em vez de abrir, fecha o horizonte de compreensão e impossibilita o diálogo com a história e com a comunidade humana”.

Assim existe uma dialéctica constante entre tradição e renovação, tradição e revolução e por esses motivos sabemos que modernamente, as tradições se encontram a sofrer grandes e rápidas mudanças e é devido à investigação sociológica e etnológica que podemos apontar alguns factores responsáveis por tais mudanças, entre as quais, “a industrialização, a emigração, o turismo, os meios de informação, a instrução, as novas tecnologias e as modificações na estrutura política”. No entanto, a tradição consegue permanecer viva, ainda que a perder terreno, através de certas características que lhe são muito próprias tais como, a ligação ao passado, a presença da oralidade ou de documentos escritos e a transmissão 85


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de geração em geração. São estas características que estão na base da chamada cultura popular e também da cultura dita popular.

O Barroso consegue ainda assim manter vivas as tradições que despoletaram neste território desde há séculos. O principal motivo da escolha das tradições que se seguem prende-se com o facto de serem as mais características e algumas até únicas e restritas à região do Barroso. As pequenas comunidades de montanha não são apenas o espaço físico da aldeia onde se desenrola o dia-a-dia das comunidades aldeãs, mas essencialmente todo um conjunto de sistemas de regulamentação colectiva que têm permitido a sua sobrevivência ao longo dos tempos. Efectivamente a aldeia Barrosã até meados do século XX não se restringia apenas a um agrupamento de casas e respectiva população cujo centro se situava na igreja matriz com o seu pároco, mas era também uma forma de vida social inscrita num modelo de vida que se veio a designar por comunitarismo. Os principais trabalhos comunitários eram e continuam a ser nalguns locais, a limpeza dos caminhos, do regadio, a manutenção dos moinhos e do forno povo e a guarda da vezeira. 86


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Veremos que o comunitarismo se refere a comunidades onde a estratificação social se encontra bem definida. Os recursos materiais - terra, animais, bens materiais - encontram-se distribuídos de forma desigual e mesmo as formas de cooperação agrícola - trabalho por favor ou torna da jeira - encerram em si desigualdades quer na troca de mão-de-obra, quer no tempo de trabalho dispendido.

As vivências comunitárias encontram-se trespassadas de elementos reais ou simbólicos de diferenciação, prestígio ou hierarquização social. Esta diferenciação encontra-se de tal forma cristalizada que, até mesmo os rituais de passagem, como a morte, podem ser utilizados como meio de abordagem aos sistemas de estratificação social. Todavia, é na cooperação entre elementos, muitas vezes opostos, que a comunidade encontra o seu equilíbrio e se reproduz. Os agregados domésticos, independentemente da sua posição na hierarquia social, necessitam da cooperação e da entreajuda de outros agregados domésticos para subsistir. Além disso, nestas comunidades, onde os recursos são poucos, a existência de bens comunais permite colmatar a deficiência, ou inexistência, das propriedades. Estes aspectos serão analisados em conjunto com as diversas tradições que se manifestam nestas Terras de Barroso. Entre as muitas que poderiam ser analisadas, prendemo-nos com aquelas que parecem mais propícias ao desaparecimento, pois verificar-se-á que, no tratamento de algumas, houve muitas dificuldades de informação e de recolha, ou por estarem a desaparecer, ou pela inexistência de documentos escritos sobre as mesmas, outras ainda, foram observadas ainda que com algumas variantes da tradição. O FORNO DO POVO Como já se afirmou anteriormente, o forno comum ou do povo é o símbolo da cooperação livre, imposta pela necessidade do pão de cada dia. São belos os 87


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fornos de cada aldeia. Todos de granito, inclusivamente a cobertura que é coberta de lages ou cápias. Interiormente arcos românicos seguram a abóbada da fornalha e o capeado. Na região concelhia de Montalegre, Tourém, Padornelos e Pedrário, são modelos de uma arquitectura típica e segura. Todas as segundasfeiras, onde o sistema funcionava, o forno cozia à vez. Cada vizinho era obrigado a quentar o forno à roda, embora deixe cozer ao mesmo tempo os vizinhos que peçam. É o quenteiro que marca a vez, a ordem de seguida de cozedura e põe lenha para a sua vez.

O Tradicional Forno do Povo

Santos Júnior, num estudo sobre dois fornos transmontanos, referia que ainda havia alguns fornos cobertos a colmo e a maioria eram cobertos de pedra: Na região de Barroso há-os cobertos de pedra, como são entre outros, os de Covas do Barroso (concelho de Boticas), de Travassos da Chã (aldeia da freguesia de S. Vicente da Chã, concelho de Montalegre), de Carvalhais (aldeia da freguesia de Morgade, concelho de Montalegre), de Negrões, de Arcos, de Solveira, de Padornelos (freguesias também do concelho de Montalegre), e os do Antigo e Pedrário, aldeias anexas à freguesia de Serraquinhos. O forno de Gralhas, freguesia também do concelho de Montalegre, foi igualmente coberto de grandes lajes de granito. Inexplicavelmente e contra todas as regras, tem agora telhado de telha francesa. O forno do povo, sempre foi um lugar típico dos barrosões, porque é o local onde se coze o pão, se convive e onde até dormiam os pobres: “mantêm-se, porque fazem parte da alma do barrosão”. O forno propriamente dito, tem uma construção abobadada com uma porta lateral, onde se coze o pão, sendo apoiado por um tendal destinado a preparar a massa acabada de chegar de casa em cestos de vime, sendo esta trabalhada e dividida em pequenas porções, que conforme o tamanho serão apelidadas de diversas formas. 88


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Como estes fornos não contêm nenhum termóstato, tem de se contar com a habilidade do forneiro e com a “ajuda de Deus”. Depois de observar determinados sinais na padieira vê-se, se o forno está quente. Se a padieira estiver reluzente (se a padieira for de granito), ao ficar branca significa que o forno está quente. Também se pode verificar a temperatura do forno, atirando-se farinha para dentro deste e se a mesma se incendiar, é sinal que está quente o suficiente para cozer o pão.

Mas, como referimos anteriormente, a intervenção divina é essencial, por isso, as mulheres que preparam a massa em casa ou no forno, invocam os santos da sua devoção para que a empreitada seja bem sucedida. Em algumas aldeias do Barroso, antes de se começar a preparar a massa para fazer o pão, é costume dizer-se: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo Amén. Deus m’ajude e às benditas almas”. O processo de fazer o pão obedece a determinados procedimentos. Coloca-se água a aquecer com sal, enquanto se peneira a farinha para dentro de uma masseira. A essa farinha junta-se a água, o fermento e amassa-se tudo muito bem. Uma vez feita a massa, coloca-se numa pilha dentro dum cesto para levedar, com a mão faz-se uma cruz na massa e costuma dizer-se uma pequena oração, de que encontramos diversas variantes, em Rogério Borralheiro (, para esta levedar: I Deus que te levede Deus que t’acrescente 89


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Com a graça de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria II S. Mamede te levede S. Vicente t’acrescente, S. João de ti faça bom pão, Deus te ponha a virtude Que da minha parte fiz tudo que pude. Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria. III O Senhor te levede S. Pedro te acrescente E o Senhor te faça pão Com o poder da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria IV S. Vicente t’acrescente, S. Mamede te faça pão, Em louvor de Santiago Não fiques nem insosso nem salgado V São João te faça pão, S. Mamede te levede, S. Vicente t’acrescente Em louvor de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria. VI S. Crescente t’acrescente S. Mamede t’alevede S. João te faça pão E Deus te cubra de benção VII S. João te levede S. João t’acrescente S. João te faça pão Pelo poder de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria. VIII Deus te faça pão, Deus te ponha a rica bênção Em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo IX O Senhor te crescente O Senhor te levede Que não fiques cru nem queimado Nem insosso nem salgado 90


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Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria X São Mamede te levede, São Vicente t’acrescente Tanto tempo leves a levedar Como levaste a amassar. Quando a cruz da massa desaparecer, é sinal de que está lêveda. Coloca-se no tendal, tende-se e deixa-se levedar novamente enquanto o forno acaba de esquentar. Uma vez quente o forno varre-se com um matão, feito de urzeira ou giesta, e puxa-se o borralho para a entrada do forno. Com uma pá coloca-se o pão no seu interior e no final faz-se uma cruz à porta do forno e diz-se uma pequena oração, de que também encontramos inúmeras variantes em Rogério Borralheiro :

Forno a Aquecer

I Cresça o pão no forno, fora do forno, E paz em casa do seu dono e por todo o mundo. Pela graça de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. II Cresça o pão no forno, E fora do forno, 91


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Os bens pelo mundo todo. Cresça o cora E vontade e saúde a seus donos P’ra comer este e granjear outro, Um Pai-Nosso pelas almas. III Cresça o pão no forno E ó vinho no torno E ó bem de Deus pelo mundo todo Quem nos queira mal que nos queira bem E um Pai-Nosso com uma Ave-Maria Amén. IV Cresça o pão no forno E os bens pelo mundo todo Quem nos quer mal que nos queira bem Que vá p’ró céu e nós também Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. V Cresça o pão no forno, E fora do forno Saúde a seu dono E a paz pelo mundo todo Um Pai-Nosso com uma Ave-Maria Rezem pelas almas VI Cresça o pão no forno Fora do forno A graça de Deus pelo mundo todo Em louvor da Virgem Maria Reze quem puder e quiser. Um Pai-Nosso com uma Ave-Maria pelas almas Nós a comer e ele a crescer. VII Cresça o pão no forno, A fazenda ao seu dono E pelo mundo todo Reze quem tiver devoção Um Pai-Nosso pelas almas VIII Cresça o pão no forno E à fazenda a seu dono E à paz pelo mundo todo. Reze pelas almas Quem quiser e puder. Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. 92


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IX Cresça o pão no forno A graça de Deus pelo mundo todo Reze quem puder e quiser. Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria Estas e outras orações, que se relacionam com a confecção do pão, revelam não só a invocação de entidades divinas para que o pão cresça e também para que haja paz no mundo, ou seja, estas orações demonstram um sentido ecuménico de paz e de fartura universais. Verifica-se desta forma que a união entre as pessoas mais humildes e a solidariedade é uma constante entre os aldeões. No caso das mulheres viúvas, órfãos e cabaneiros, a cozedura do pão é feita com outras famílias, pois cada fornada, dependendo do tamanho do forno, costuma cozer cerca de trinta a quarenta pães. O pão que sai destes fornos foi, desde sempre, um alimento essencial na alimentação do homem, até nas refeições mais simples, passando por um ritual quer de ordem profana, quer de ordem religiosa. No universo rural, o pão é considerado sagrado, daí que quando o pão cai ao chão, seja imediatamente apanhado e beijado. Assim o escreve António Fontes na sua Etnografia Transmontana. FESTIVIDADES CICLICAS Face à incerteza do calendário agrícola e aos inúmeros constrangimentos e imprevistos que podem assolar a agricultura local, as comunidades aldeãs criaram

Feira em Montalegre (1944)

um conjunto de mecanismos, a que normalmente se chama, como um “conjunto de práticas e de intervenções materiais ou simbólicas que eram accionadas no sentido de protecção e preservação das culturas, face ao que de nefasto as pudesse afectar.” Assim, estabeleceram-se períodos temporais considerados 93


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favoráveis ou nefastos que devem ser tomados em conta, de forma a garantir a reprodução sócio-económica dos agregados familiares. Existe um conjunto de prescrições, que acompanham o dia-a-dia destas comunidades, entre as quais se destacam a obrigatoriedade de respeitar os dias santos, e a atenção dada às fases da lua, para o cultivo dos produtos. Existe também o recurso à protecção divina, nomeadamente a protecção dos Santos, a celebração do espírito da vida, representado nas fogueiras de Natal, Ano Novo e Carnaval, que simultaneamente permite a leitura das têmporas (as têmporas consistem nos três dias de jejum estabelecidos pela Igreja Católica no início de cada estação do ano), que previnem os agricultores contra a incerteza e rigores do clima. Podemos afirmar que as festas populares andam associadas ao calendário solar, ao agrário e ao lunar, como afirma Fontes (1992 a: 165): Os solstícios, no ciclo solar e no ciclo agrícola de Março e Agosto, início e meio do ano agrícola são festejados (Carnaval, Páscoa, e 15 de Agosto). No Natal e S. João há símbolos de mudança da ordem. As fogueiras de Natal e Ano Novo com grossos carvalhos roubados, os reis que se tiram de casa, e na Páscoa, as panelas quebradas, no S. João, as ruas trancadas e os objectos desviados e trocados, e em Agosto os amortalhados vivos. Nos últimos 12 dias do ano, que são os da fogueira, os do solstício do Inverno, o povo vai espreitar pela manhã e pela noite, donde ficam as têmporas, que vão corresponder aos 12 meses do ano.

Visita da Imagem de Fátima a Montalegre (1930)

É interessante saber que o sagrado e o profano andam sempre associados nestas festividades como afirma o Padre Fontes (1992 a: 167) “… é artificioso pretender separar o sagrado do profano, a religião da Magia, sobretudo nas sociedades simples do povo”, que ainda recorrem em questões várias, mas sobretudo de saúde, aos santos e às bruxas em simultâneo (idem: 173). 94


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Os santos de cada dia, os da paróquia e das redondezas são os necessários e bastantes para satisfazer a falta de médicos e restabelecer a saúde e necessidades afectivas e psíquicas do homem. A procura dos santos e da magia aumenta na medida em que o descrédito do médico e da farmácia cresce. Entre as festividades cíclicas que ainda se realizam, um pouco por todo o Barroso, destacam-se os Reis, o Entrudo, as tranquilhas das ruas no S. João e no S. Pedro, e as fogueiras de Natal, reacendidas no Ano Novo e por vezes também no Entrudo. O CANTAR DOS REIS Em algumas aldeias dos concelhos de Montalegre e Boticas, ainda é habitual cantarem os Reis. No dia 5 de Janeiro à noite, os habitantes juntam-se em grupos e andam pelas casas a pedir os reis. Para registo ficam algumas das quadras que se cantam pelas aldeias do Barroso, recolhidas por Borralheiro

I Ó que Casinhas tão altas Forradas de papelão Levante-se minha senhora Dê-nos cá o salpicão II Se nos querem dar os reis Venham-nos os dar com tempo Estamos c’os pés à geada Está correndo ar e vento 95


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III Salta a faca do louceiro Salta lá àquele fumeiro Corta lá uma chouriça Ou um presunto inteiro IV Em Gralhas, costumam cantar: Aqui estão os Reis à porta Dispostos p’ra se cantar Se o Senhor nos der licença Os Reis vamos começar V Aqui vimos, aqui estamos Hoje é dia de alegria Viva o senhor desta casa E a sua companhia VI Se nos querem dar os Reis Venham-nos os dar com tempo Estamos com os pés à geada Vai correndo ar e vento VII Se nos querem dar os Reis Não nos mande a sua criada Qu’ela tem a mão pequena Parte pequena talhada VIII Se o presunto está duro E a faca não quer cortar Faça-lhe um frrum, frrum, frrum Nas beiças do alguidar Exclusivamente em Montalegre encontramos uma outra versão e que é a seguinte: I Vimos-lhe cantar os Reis, Com muita animação, P’ra que em Montalegre, Não se perca a tradição. II Que tradição tão bonita, Nós estamos a relembrar, Se nos querem dar os Reis, Não nos façam demorar. III Obrigado, obrigado, 96


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Por toda a sua amizade, Deus lhes dê muita saúde E um ano de felicidade. IV Aqui vimos todos, Todos reunidos, Dar as boas festas Aos nossos amigos. V Não é por interesse, Ó rapaziada, É só p’ra que estimem A nossa chegada.

O que cantadores dos reis recolhem, é essencialmente dinheiro e fumeiro, que em algumas aldeias é utilizado para organizar uma merenda para todos. Noutras aldeias, o que se recolhe reverte a favor da Igreja, sendo os produtos oferecidos leiloados, tornando-se em dinheiro para determinado “santo”. Por vezes acontecia, pedirem os reis e as pessoas não darem nada, a esses “barbas de farelo”. Então, o grupo descantava-os da seguinte forma: Os Reis que agora cantamos Voltamos a descantar Este barbas de farelo Não tem nada p’ra nos dar. O ENTRUDO As festividades do Carnaval, ou Entrudo, provêm directamente das Saturnais romanas, mas de um modo mais geral, encontram-se vestígios destas festas, que tiveram primitivamente um carácter religioso, em praticamente todos os povos desde a mais remota antiguidade. Celebrava-se com elas a entrada do ano, para que este fosse favorável, ou a da Primavera, símbolo do renascer da natureza. Podendo a sua origem ser mais antiga, é contudo nos velhos ritos romanos de celebração do fim do Inverno e de início de Primavera que deve ser encontrado o seu sentido mais genuíno. Apesar dos seus rituais pagãos, as comemorações do Entrudo ultrapassaram as fronteiras da Europa acompanhando a difusão do cristianismo. O Carnaval ou Entrudo é uma festa não fixa, mas sabemos que se realiza durante o mês de Fevereiro e antecede a Páscoa quarenta dias. Na região do Barroso, o ciclo do Carnaval vai muito para além dos três dias que de Domingo Gordo a Terça-feira, antecedem a quarta-feira de Cinzas. Anunciando o período de abstinência da Quaresma, o Entrudo é celebrado com uma alimentação melhorada, assumindo a carne de porco particular destaque. Assim, poder-se-á afirmar que o “ciclo” do Carnaval engloba várias festividades e é uma época de divertimento e farras, cujo auge se encontra entre o Domingo 97


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Gordo e a Terça-Feira Gorda. É anunciado com celebrações anteriores tais como o Dia dos Compadres e o Dia das Comadres. Estas festas tornaram-se importantes manifestações carnavalescas, como veremos mais adiante, que antecedem o Carnaval e como afirma Pinho Leal “assinalam muitas vezes a chegada do Entrudo com as suas folias e liberdades. Regra geral estas duas celebrações complementares – cuja ordem pode, em certos casos, ser invertida – recaem sobre as duas quintas-feiras imediatamente anteriores ao Domingo Gordo”. Àcerca desta temática, afirma o Padre Lourenço Fontes que a quinta-feira que ocorre no décimo nono dia antes do Entrudo, se chama a quinta-feira dos Compadres, ou quinta-feira Magra. Festeja-se com uma merendola de chouriças, num encontro de todos os compadres amigos. No domingo imediato, celebra-se o domingo Magro, em que já se vão vestindo os caretos, ou folipeiros. A quinta-feira seguinte chama-se quinta-feira das Comadres ou quinta-feira Gorda, que se recorda com a mesma merenda das comadres. O fim-de-semana anterior ao dia de Carnaval é extremamente rico a nível de gastronomia. O sábado denomina-se como “Sábado Filhoeiro”, ou seja, no qual se devem fazer muitas filhoses e de preferência de diversos gostos e recheios, quer para a família, quer para que as pessoas amigas que se visitam nesse dia. António Lourenço Fontes reforça esta ideia de fartura e de variedade neste dia: O sábado imediato é o Sábado Filhoeiro. Em todas as casas é de sagrado dever, fazer as filhós. Ou são feitas do sangue do porco, que se conserva desde a matança, ou na sua falta, de farinha, leite e ovos. A quem não as faz, os ratos comem-lhe as messes (sementeira de centeio) na terra. Quanto ao Domingo Gordo, o próprio nome já diz tudo, pois é um Domingo, no qual se prepara a mesa como se fosse o dia de Carnaval, onde não podem faltar bons pedaços de carne de porco, designadamente pé, orelheira, presunto cozido, enchidos cozidos, como as farinheiras e os chouriços de abóbora, de pão e de farinha. Há ainda quem mate um galo ou uma galinha gorda para encher as delícias da mesa. Também as sobremesas são mais caprichadas neste dia, uma vez que se avizinha o período de abstinência - a Quaresma, que obriga os cumpridores da tradição cristã a não abusarem deste tipo de alimentação. Na região do Barroso, este dia é também dedicado aos pastores que têm comida melhorada. Segundo Lourenço Fontes “em Tourém os pastores levam lacão ou pernil de porco, cozido e vinho. Juntam o gado na veiga e comem e bebem alegremente, junto do gado. Em todo o Barroso este dia é dos pastores. Têm comida melhorada e festa”. É também neste dia que nas aldeias se faz o leilão das carnes ao santo da terra, em que os devotos levam para o adro da igreja partes do porco, nomeadamente orelheiras e chouriças, as quais depois de arrematadas, o dinheiro reverte a favor do santo, pedindo-lhe muitas vezes para que haja fartura em casa e para que livre os animais de doença. A este respeito, descreva o Padre Lourenço Fontes a tradição: “ao fim da missa o sacristão no adro em cima do muro ou à porta da igreja leiloa todas as ofertas, e ao fim de apregoar os maiores lanços, vendo que ninguém dá mais, termina dizendo - dou-lhe uma, dou-lhe duas e por fim dou-lhe três, e está entregue o objecto arrematado, que pode ser pago na hora ou ficar apontado no livro das 98


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contas”. Quando há uma porca para parir, os donos costumam prometer um leitão a Santo António, se todos vieram salvos. Quanto ao dia de Carnaval propriamente dito, também chamado Terça-feira Gorda, encontramos várias características e costumes consoante os locais, mas tal como no Domingo anterior, prima pela qualidade e pela quantidade alimentares. A tradição de Terça-feira de Carnaval não se reduz apenas à mesa, tem também o seu ponto alto nas festividades de rua. Desta forma, o Entrudo é uma mistura de vários elementos!... Para além de uma mesa farta, há também folguedos, desfile de carros alegóricos e grande sortido de caretos mascarados. As máscaras do Carnaval têm na sua origem, um carácter religioso espiritual ligado ao culto dos mortos. Nas festas de Baco e de Saturno, que se celebravam no dia do Ano Novo, invocavam-se as larvas ou maus espíritos de antepassados mortos, julgando-se que através da respectiva antropomorfização, se conseguia a sua reconciliação com os vivos. Os que personificavam os mortos vestiam-se de branco e encobriam o rosto com uma máscara. Por vezes, as pessoas juntam-se para pregar partidas, enfarinhando os que passam com farinha, cinza e até ovos. Enquanto se enfarinham as pessoas, era habitual também recitar determinados versos como nos diz o Padre Fontes.

A Figura do Galo

Os que se vestem de roupas velhas, jogam farinha, farelo ou cinza. Quando utilizada, esta últoma é sinal de pobreza e desprezo. Atira-se a toda a gente que passa e ninguém leva a mal. Quando jogam cinza, diz-se: já estás cheio de fome, nem farinha tens para jogar no Entrudo. Os garotos trazem zichos de canas de sabugueiro e zicham água às pessoas. Os rapazes atiram bombas de estourar e rabear às pernas das moças novas. Nos países ocidentais da Europa é costume acabar os festejos carnavalescos com o chamado enterro do Entrudo, cerimónia a que se chamava na antiga Veneza o enterro do Baco. Esta festividade, no Barroso, termina em algumas aldeias com a tradição dos motes do galo, como por exemplo em Gralhas, concelho de 99


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Montalegre, cujo testamento do galo se transcreve a seguir e que encerra o período de festividades com a entrada na Quaresma e a necessidade de jejuar nos próximos tempos. O Testamento do Galo I Eis aqui o testamento Que fez elegante galo Quando tinha no pescoço Aguda faca para matá-lo II Não haverá quem me console Nesta tão triste sorte Esta noite se escreveu A minha sentença de morte III Em nome da benta hora Venham todos venham ver O que fez um pobre galo Quando estava para morrer IV Já que estou em meu juízo Testamento quero fazer Para meus bens eu deixar A quem melhor me parecer V Porém antes que se escrevam As asneiras derradeiras Quero também despedir-me Das amadas companheiras VI Galinhas minhas amigas Com quem sempre acompanhei Vinde ver e compreendereis O estado a que eu cheguei VII Estou tão atribulado Nesta nossa despedida Que deixar-vos nesta hora Decerto me custa a vida VIII Um conselho quero dar-vos E vos falo bem sisudo Que fujais quanto puderes Dessas festas do Entrudo 100


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IX E se acaso vos chamarem Pila pila vos disserem Não vades lá que é engano Que apilar vos querem X Erguei-vos de madrugada E a casa não torneis Ficai estes dias fora Para a Quaresma vireis XI E se vires que há doença Vede bem como andais Que também vos pilarão Quando menos vós cuidais XII Daqui a sete semanas Quando entrar o mês de Abril Eu já estou a adivinhar Que morrereis mais de mil XIII E aquelas que escaparem Alegres passais os dias Retirai-vos quanto puderes Das funções de tais folias XIV Afirmai-vos, vede bem Esta cor da minha crista Talvez seja a última vez Que vós lhe poreis a vista XV De mim pena não tenhais Aos mais galos dai ouvidos Que assim fazem as mulheres Quando lhe morrem os maridos XVI Em tudo quanto vos disser Tomai sentido e atento Que eu principio agora A fazer meu testamento XVII Deixo a voz da garganta Aos galos meus companheiros Para que cantem de noite Em cima dos seus poleiros XVIII 101


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Deixo mais a minha crista Vermelhinha e tão bela Ao galo mais lambareiro Que puder ficar com ela XIX Deixo as penas do pescoço De várias cores pintadas Às meninas desta terra Para andarem enfeitadas XX Deixo as penas do corpo Que são todas as mais honestas Para as biatinhas da moda Se enfeitarem pelas festas XXI Deixo as penas do rabo Por serem as mais brilhantes Para as meninas solteiras Darem aos seus amantes XXII Deixo as unhas dos pés Para as mulheres viúvas Se arranharem à noite Quando lhes morderem as pulgas XXIII Deixo as pernas Por serem cor amarela Para todos os cães tomarem Uma grande atacadela XXIV O bico que me ia esquecendo Deixo ao galo mais fraco Para quando travar bulha Fazer mais um bom buraco XXV O fígado e a moela E a minha vontade inteira Que as coma logo assadas Quem for minha cozinheira XXVI O papo que toda a vida Me serviu de bom celeiro Deixo ao homem mais honrado Para a bolsa do dinheiro XXVII 102


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Deixo o miolo das tripas E toda a mais demasia À mulher mais rabugenta Que houver na freguesia XXVIII Ainda agora me lembrou Já me ia esquecendo Que das barbas não disponho Mas deixá-las pretendo XXIX E as deixo de boa vontade Vermelhinha e tão belas Àqueles mais desbarbados Que quiserem servir-se delas XXX E os móveis da casa Deixo ao meu testamenteiro Que no meu falecimento Fique dono do poleiro XXXI Deixo por uma só vez Que este meu corpo defunto Não esqueçais de lhe juntar Boa porção de presunto XXXII Deixo por advertência Aos mais galos machacázes Se desviem de ser vizinhos Da escola dos rapazes XXXIII E se por acaso desprezarem O conselho que vos dou Daqui a vinte anos se verão No estado em que agora estou XXXIV Deixo mais que o meu enterro Seja feito com carinho O que hão-de gastar em esmolas O gastem antes em vinho XXXV Deixo que todo o estudante Que andar nesta lição Dê um galo como eu Que morra nesta função 103


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XXXVI E se um galo não derem Dêem um bom coelho E nenhum seja tão néscio Que despreze o meu conselho XXXVII Agora torno a lembrar-me E já me ia sendo erro No nome da sepultura No lugar do meu enterro XXXVIII Deixo é minha vontade Seja minha sepultura Dentro dos corpos humanos Que é melhor que na terra dura XXXIX Dos mais galos que morrerem Peço a todos em geral Que não façam testamento Que este p’ra todos vale XL E vós meus estudantinhos Já que assim o quereis Degolai-me bem depressa Que é favor que me fazeis XLI Todo o pai que tiver filhas E dote para lhes dar Meta-as todas num convento Eu trato de as casar XLII Agora por nossos pecados Estamos vendo em cada canto Que todo o pai que tiver filhas Logo se lhe faz o cabelo branco.

Ainda hoje, assumindo várias formas, persistem entre alguns povos ou nalgumas regiões, certos costumes e práticas místico-supersticiosas que têm a sua origem no Carnaval. Acendem-se por exemplo grandes fogueiras, onde se queima um boneco, uma cruz, ou mesmo um gato vivo, que simbolizam um bruxo ou um espírito maléfico. É crença popular muito generalizada, que o fogo e o fumo têm a virtude de purificar os campos e livrar os homens da influência dos maus espíritos. 104


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Noutros locais permanece ainda a tradição da Serrada da Bélha que varia consoante as aldeias e com os mais diversos fins, um dos quais, por exemplo, consiste em pedir vinho às senhoras mais velhas. Nessa mesma noite há baile, o único que é permitido na Quaresma. OS MOTES DE GRALHAS Como já ficou dito, a leitura dos motes era por assim dizer um dos pratos fortes desta época festiva e também um dos episódios marcantes para as populações que faziam alarde da sua leitura. O que eram então os Motes?!... De que tratavam?!... Os Motes, eram quadras de louvor, escárnio ou maldizer, de origem pagã, nascidas nos alvores da nacionalidade, e um tipo de poesia, galaico-portuguesa, que constituíu sem qualquer dúvida, um dos fenómenos culturais mais ricos da Idade Média e se prolongou em várias aldeias do concelho de Montalegre, até aos finais dos anos sessenta do passado século. Eram enfim, um momento único de louvor ou de critica aos aldeões, tendo sempre como pano de fundo, a satirização da sua conduta, das boas ou das más acções praticadas, durante o ano que os antecediam.

Os textos das quadras, que poderão eventualmente ser chamados de intervenção, eram lidos por dois «trovadores» previamente escolhidos, pela juventude da aldeia, que em conjunto com os anotadores (autores), as escreviam antecipadamente e em total segredo, durante os serões das longas noites do inverno, de modo a que no momento certo, constituíssem autêntica novidade. O texto no seu todo, contemplava, uma a uma, todas as familias da aldeia, e em geral, cada duas ou três quadras, eram dirigidas em exclusivo e em forma de louvor ou critica, a determinada familia ou membro da mesma. O amor, a vaidade, a ganância, a inveja, a falta de solidariedade, a critica pessoal, as «casamenteiras» e os «compadres», aliados à veia cómica, lirica ou satírica estavam sempre presentes. Por vezes, determinadas criticas, não eram muito do agrado de quem as ouvia, designadamente, quando as mesmas lhe «batiam à porta», ou mesmo, quando através da sua leitura, se punham a descoberto, 105


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«amores proibidos», «negócios fraudulentos», «comportamentos hereges», «falta de dignidade e honradez» ou se ridicularizavam os comportamentos menos abonatórios das pessoas visadas. Mas como é que tudo isto funcionava: Na aldeia de Gralhas por exemplo, no dia aprazado para a leitura dos ditos Motes e ao toque do sino da Capela (de Santa Rufina), o povo juntava-se no largo hoje apelidado de Cruzeiro. Um dos trovadores, subia para a varanda do Zé Rato, segurando o seu caderno de leitura e o melhor galo da freguesia, devidamente decorado com todo o tipo de adornos, e que para o efeito, era oferecido ou comprado. Para a varanda fronteiriça, subia o segundo trovador, munido tal como o primeiro, do seu caderno, onde previamente haviam sido escritas as quadras, que iriam fazer as delicias dos presentes, tanto mais que cada lavrador, suas mulheres, filhos, filhas, namorados, namoradas, velhos, velhas e até os solteirões e solteironas da terra, não escapavam à ridicularização. Uma vez instalados e em jeito de leitura feita ao desafio, os trovadores, só interrompidos pelas palmas dos presentes, faziam a apologia do galo (testamento). Realçavam as sua cores, o seu tamanho, o tamanho da sua crista e dos seus «tomates», a sua elegância e altivez, o modo como cantava, tudo isto intercalado com comparações satiricas, a determinadas pessoas presentes na concentração. Aqueles que não resistiam, abandonavam o local a resmungar, em sinal de protesto, mas tudo isto fazia parte da «festa»...

Após atingidos os primeiros objectivos, o galo era então simbolicamente morto e esquartejado. Logo após, procedia-se à distribuição de todas as componentes do seu corpo (testamento)!... Sempre de forma simbólica, aos aldeões alvos de maiores criticas, eram atribuídas as penas. A outros, cuja conduta não era tão 106


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censurável, saíam-lhe em sorte as patas ou a cabeça. Para outros, dado o seu melhor relacionamento e disponibilidade, ficavam reservadas, as asas ou o pescoço e para os aldeões exemplares, para aqueles que mais contribuíam para a boa harmonia e para o progresso da terra e respectiva população, ficavam as cochas e o peito, que eram as partes mais apreciadas. No final da sessão, surgiam os comentários de concordância ou discordância, com o desfolhar das criticas. Discutia-se, a «qualidade» dos Motes, se tinham sido bons ou maus, se tinham sido melhores ou piores que os do ano anterior!... Discutia-se o «ataque» que fora feito ao fulano A, quando quem tinha a ver com o assunto, era o B. Discutia-se a inoportunidade de desvendar determinado segredo, quando outros, deviam vir para a praça pública, enfim... todo um rol de questões, que eram tema de conversa, nos três ou quatro dias que se seguiam. Quanto ao galo, agora sim... via chegada a sua hora, de fazer as delicias de quantos tinham contribuído para a festa. Anotadores e trovadores, reúniam-se em casa de um deles e após a respectiva «janta», comemoravam pela noite dentro... A NOITE DAS BRUXAS - FESTA RAINHA O Halloween era uma festa sagrada, denominada de Samhain, que marcava o fim do Verão e o início do Outono. Esta festa teve duas origens!...

A origem pagã, que acreditava que os mortos visitavam os seus lares nesse dia e guiavam os seus familiares para o outro mundo, e a origem cristã, em que a igreja designou o dia 1 de Novembro, para celebrar o dia de "Todos os Santos".Assim, a 107


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festa de 31 de Outubro é a preparação para a celebração do dia de "Todos os Santos".Em Montalegre, o Dia das Bruxas é festejado por miúdos e graúdos e é tradição as crianças e adultos vestirem-se de bruxas, monstros, vampiros, entre outros e pedirem guloseimas de casa em casa. Também é usual ver nas casas abóboras sem polpa com velas dentro, para assustar os vizinhos e criar um ambiente diferente do habitual. Porém a festa maior relacionada com o “bruxedo” ocorre em Montalegre. A Noite das Bruxas na vila, é comemorado durante todo o ano às sextas-feiras 13 e tem como personagem principal o padre Lourenço Fontes.Na noite da festa, o padre Fontes chega transportado numa grua, como se descesse dos céus, para dar início à reza do esconjuro destinada a afastar o povo de bruxedos e maus olhados. O esconjuro do padre Fontes é o momento alto da Noite das Bruxas, que atrai atraíndo de cada vez que se realiza dezenas de milhares de pessoas. Esta festa recria toda a mística e crenças tradicionais das terras do Barroso e constitui-se igualmente como fonte de receita para conseguir formas de sobrevivência num ambiente de crescente isolamento. A festa de sexta-feira 13 em Montalegre, pega em todas estas tradições e raízes, demonstrando a coragem do povo em enfrentar o azar. Para os barrosões, pode ser o seu dia de sorte.

O ESCONJURO DO PADRE FONTES Sapos e bruxas, mouchos e crujas, demonhos, trasgos e dianhos, spírtos das eneboadas beigas, corvos, pegas e meigas, feitiços das mezinheiras, lume andante dos podres canhotos furados, luzinha dos bichos andantes, luz de mortos penantes, mau olhado, negra inveija, ar de mortos, trevões e raios, uivar de cão, piar de moucho, pecadora língua de má mulher casada cum home belho. Vade retro, Satanás, prás pedras cagadeiras! Lume de cadávres ardentes, mutilados corpos dos indecentes peidos de infernais cus. Barriga inútil de mulher solteira, miar de gatos que andam à janeira, guedelha porca de cabra mal parida! Com esta culher levantarei labaredas deste lume, 108


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que se parece co do Inferno. Fugirão daqui as bruxas, por riba de silbaredos e por baixo de carbalhedos, a cabalo na sua bassoira de gesta, pra se juntarem nos campos de Gualdim. pra se banharem na fonte do areal do Pereira...

Oubide! Oubide os rugidos das que estão a arder nesta caldeira de lume. E cando esta mistela baixe polas nossas gorjas, ficaremos libres dos males e de todo o embruxamento. Forças do ar, terra, mar e lume, a vós requero esta chamada: Se é verdade que tendes mais poder que as humanas gentes, fazei que os spírtos ausentes dos amigos que andam fora participem connosco desta queimada! OS RITUAIS NAS SEGADAS E MALHADAS As malhadas eram também uma actividade considerada como uma prática comunitária ocorrida nos meses de Verão. Outrora as ceifas do centeio, estavam na origem de grandes grupos de trabalho. As segadas, e inerente a elas, as malhadas, eram dos trabalhos agrícolas que maior número de braços exigiam, pela celeridade com que estes trabalhos tinham que ser realizados. 109


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Antes da malha era preciso ceifar o cereal e para tal, grupos de homens e mulheres juntavam-se para segar o centeio. Divididos, uns segavam a palha, os segadores, outros arranjavam-na em molhos, os atadores. As segadas do centeio eram um momento de muito trabalho em que os trabalhadores labutavam de sol a sol para ganharem a jeira. Desde o nascer ao pôr do sol, apenas com interrupções para o mata-bicho (pequeno-almoço) e jantar (almoço), os quais tinham lugar em determinada leira (terreno) previamente definida, os segadores, percorrendo terreno a terreno, emanavam uma alegria constante, discutia-se o número de regos que cada um segava, quem era o melhor segador, quem atava melhor, arranjavam-se namoricos e, no final, o momento esperado: o recolher dos molhos para a roda, onde ficavam sobrepostos uns sobre os outros, com as espigas de fora e ao sol, para uma melhor maturação. Durante o decorrer dos trabalhos, ceifeiros e atadores cantavam uma espécie de diálogo que passamos a transcrever: I Bota abaixo, bota abaixo, ó segadeira Bota abaixo devagar. Por causa do bota abaixo, ó segadeira, Inda mas hás-de pagar. II Bota abaixo, bota abaixo, ó segador Eu ando de palha em palha Quanto mais devagar ando Mais ela se me embaralha. III Cantaste-me uma cantiga, ó segadeira, Nela não tomei atento. Fui acudir ao chapéu, ó segadeira, Que me fugia com o vento. IV Chapéu alto, chapéu alto, ó segador, Chapéu alto leva o vento. Bem enganadinho anda, ó segador, Quem comigo passa o tempo V Agora vem a noite ó segadeira Vem a minha regalia, Tristeza é para o patrão, ó segadeira, Por se lhe acabar o dia. VI Viva o nosso patrão de hoje, ó segadores Que tem cara de alegria; Se não ficar satisfeito, ó segadores Voltaremos outro dia. 110


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Como o sol apertava, os ceifeiros precisavam de ingerir líquidos para enfrentar o calor infernal necessário à realização desta árdua tarefa e como não deviam pedirdirectamente ao patrão cantavam-lhe uma cantiga, à qual ele já sabia como responder:

Ceifando o Centeio

I Segadinhas, segadinhas, olé, São as da ribeira d’Oura. Deu a mulher no marido, olé, Com a cota da ceitoura. II Nas segadas do Barroso, olé, Pensei de morrer à sede; Uma rosa me deu água, olé, Da raiz da salsa verde. III Dá-me uma pinga de vinho, olé, Que água não sei beber. A água tem sanguessugas, olé, Tenho medo de morrer. IV Dá-me uma pinga de vinho, olé, Para molhar a garganta. Que eu sou como o rouxinol, olé, Quanto mais bebe mais canta. V O rouxinol é vadio, olé, 111


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Faz o ninho onde quer, É como o rapaz solteiro, olé Enquanto não tem mulher. No final dos trabalhos das ceifas os trabalhadores procediam à feitura do ramo (arranjo feito em cruz) da segada, que depois era transportado por um dos segadores que, em conjunto com todos os demais, entoava cânticos, até à porta do «patrão», a quem o entregavam para exposição pública (normalmente feita nas varandas das habitações) e protecção divina. I À entrada desta rua Já me quiseram bater Eu meti a mão ao bolso Ou retirar ou morrer. II Siga a malta, siga a malta Siga a malta, trema a terra, Venha lá o que vier Esta malta não arreda. III Esta malta não arreda Nem espera de arredar. Venha lá outra mais forte Que a faça retirar. IV Eu hei-de ser o primeiro Que hei-de subir a escaleira Para dar as boas festas À senhora cozinheira. V Ò senhora cozinheira Saia fora e venha ver Venha ver o seu ranchinho Venha-lhes dar de beber. VI Ó senhora cozinheira O seu caldo cheira bem, Dê-me uma malguinha dele Por alma de quem lá tem. Posteriormente seguia-se a carrada, entre os campos e a eira ou eirados, em carros de bois, e só mais tarde, é que se começou a fazer em tractores. Segundo o Padre Fontes, esta tarefa também possuía certos rituais como enfeitar os carros das vacas que transportavam os molhos: Enfeitam as vacas junguidas, 112


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com o jugo mais lindo, mais pintado, com mais enfeites. Colocam as melhores e mais bem soantes campainhas, nas melhores jugadas de gado. Sobre as molhelhas, ou molidas de junguir, ou jungir o gado, prendem peles de cão, lobo ou de porco, que descem sobre o focinho das vacas ou bois, para fazerem sombra. Na falta de peles põem-lhes um tecido ou bordado, com franjinhas sobre os olhos do Gado. Combinado o dia da carrada com os amigos e vizinhos que vão ajudar, vão duas pessoas com cada carro, uma para chegar os molhos, outra para carregar. Nesta ocasião, os vizinhos oferecem a ajuda com todo o material preciso. Carros, jugadas, cordas e pessoal braçal. Na eira, conforme os carros vão chegando, há dois homens que estão a amedar.

. Imediações do Castelo Montalegre (1945)

Chegados à eira é necessário fazer a meda. Esta também era feita segundo um rito ancestral que consistia em fazer uma “espécie de cruz com os quatro primeiros molhos.(…) ao terminar a meda, em cada uma, faz-se no corucho da meda uma cruz de palha, para proteger o pão.” Só quando todos os habitantes faziam a sua segada e carrada é que se procedia à marcação dos dias da malhada de forma a não existirem sobrepostas, uma vez que todos os braços são necessários à realização desta árdua tarefa. Em algumas aldeias tocava-se o sino para chamar o pessoal que vinha à malhada; noutras terras “gritam dum sítio alto, ou da meda, da eira: à eira, à eiiiiraaaa” . 113


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A eira já tinha sido preparada com alguns dias de antecedência. Estas por norma situavam-se fora do povoado, para evitar possíveis incêndios das medas. Outras situavam-se junto ao pátio, perto dos palheiros do feno e da palha, de preferência num local mais exposto ao vento, “para melhor erguer, limpar o pão (centeio)” . As eiras podem ainda ser de pedra ou de terra batida e é precisamente nestas últimas que é necessário fazer a eira. Assim, toda a comunidade se envolvia no processo e homens, mulheres e crianças iam às cortes de todos os vizinhos, apanhar toda a bosta que conseguissem. E, como descreve António Fontes (1992 b: 139), de seguida: Carram-na para a eira até que seja bastante que possa tapetar todo o eirado.

Uma malhada

Quando se carrou toda a bosta, num ou dois, três dias ou mais, para um monte no meio da eira, caldeia-se com água que baste, para a tornar mole, como quem faz cimento. E um homem, descalço e calças arregaçadas, amassa-a muito bem e estende-a, com um rodo de madeira, por todo o espaço utilizável da eira. Ficam apenas um ou dois centímetros de bosta em toda a eira. Depois é alisada e composta com uma croça velha de junco, que vai sendo arrastada sobre a bosta estendida, até a deixar mais ou menos lisa e espalhada. O sol encarrega-se de a secar, e esta massa fica dura, impedindo que o grão se suje na terra. Entretanto, enquanto está a eira fresca e a bosta mole, é preciso guardar de lá as pitas e outros animais. À vez, pelos vizinhos e herdeiros ou dos que lá têm medas já feitas, vão xotar as pitas e guardar a eira. Se chove, há que fazê-la de novo às vezes. Posto isto, deve-se desfazer a meda e colocar o pão sobre a eira, mas de forma ordenada. Também neste aspecto o Padre Fontes nos dá uma explicação bastante clara de como se deve desfazer a meda: Estendem os molhos desapertados às fiadas, em carreiras, com as espigas todas para o mesmo lado, ficando apenas as espigas à vista, numa camada contínua. Homens e mulheres 114


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alinham os direitos a um lado e os esquerdos ou canhotos a outro, ficando de caras, em duas filas, de malho na mão. Este malho era também preparado antecipadamente, sendo constituído por duas partes, um pau mais comprido e rijo e um mais pequeno unidos por uma fivela de couro para que o pau mais curto ficasse solto e maleável. O Padre Fontes deu a sua visão àcerca deste instrumento que deu origem ao nome da actividade: É formado por dois paus. A mangueira, com cerca de dois metros de comprimento, e o pirto ou pírtigo, ou malho, de cerca de 70 cms. A mangueira é de vidoeiro e o pirto é de carvalho, mais duro e pesado. Estão as duas partes presas por duas peças de coiro cosidas com fio de coiro cru. O pirto é o que vai malhar e debulhar as espigas, com o bater alternado dos malhadores. Durante o momento propriamente dito da malhada, os homens já dispostos na eira vão malhando e andando até correrem toda a eira com cuidado para não baterem com os malhos nas cabeças uns dos outros. Ainda na Etnografia Transmontana, encontramos a descrição do ritmo de malhar, que implicava força e habilidade: Há dois ritmos a malhar ligeiro, retardado e pousado. Cada malhador procura endireitar o pirto no ar até ficar horizontal com a mangueira e assim cair com mais força no eirado, para entoar mais. Alguns enterram de véspera na eira, do seu lado, onde já esperam ir colocar-se, um pote velho de ferro, para o malho entoar mais. A fila que puxa mais, corre com os do lado ao canto, e diz-se que correm a anha. Após o centeio estar todo malhado, os homens afastam-se e as mulheres levantam os molhos de palha para juntar num monte e varrem o centeio para o canto. Esta acção era realizada a quantidade de vezes que fosse necessária para malhar todo o centeio. Após o término desta tarefa, a palha era arrumada para mais tarde ser utilizada para colmar as casas, para os animais e para tudo que fosse preciso. O grão que resultava da colheita depois de limpo de todas as impurezas, com a ajuda de crivos ou peneiras, era transportado para caixas muito grandes de madeira e daqui saía para o moinho a fim de ser reduzido a farinha, que servia para alimentar toda a comunidade. Do que ficou dito, podemos verificar que as segadas e as malhadas eram autênticas festas, porque as pessoas se juntavam e vinham até de outras aldeias, tornando-se este trabalho numa tradição de índole comunitária. Resta ainda salientar que estas tarefas eram feitas em sintonia e em ritmo, mas repletas de brincadeiras e de partidas, que também envolviam um conjunto de iguarias preparadas para este acontecimento. É evidente que quando um barrosão tem gente a trabalhar em sua casa tenta dar-lhe boas refeições, as quais eram necessárias para dar energia aos trabalhadores que labutavam de sol a sol, como reporta Lourenço Fontes: “logo de manhão cedo matam o bicho com pão e aguardente. Ao fim do primeiro eirado é almoço de garfo. Os miúdos do rexelo com pão, cebola e batatas cozidas, aí pelas onze horas. Às duas da tarde é o jantar. Cabra cozida com batatas, arroz ou macarrão com cabra, e no fim, o caldo da horta. O vinho é abundante. Bebe-se pelo pipo que estava na eira. Não pode faltar o arroz-doce, ou massa com trigo cozido com açúcar. A terminar, servem as rabanadas. A merenda é servida no chão da eira. A ceia é em casa e servida em 115


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compridas mesas, com brancas toalhas de linho. Há malhadas que a malho duravam 3 a 4 dias, ficando caríssimas só pela mantença”. Mas tudo muda com a evolução da tecnologia e hoje em dia só é possível ver parte destas malhadas se forem organizadas por associações que relembram o passado. OS RITUAIS DOS MOINHOS Em tempos, existiram nas proximidades das aldeias de Barroso vários moinhos, destinados a moer o centeio e até o milho. Estavam todos situados ao longo dos rios alguns bem distantes dos povoados, o que suscitava a invenção de algumas canções para ajudar a passar os caminhos que permanecem até hoje como se pode ver a seguir: Moleirinha Ó moleirinha peneira o pão Bem peneirado pela peneira O meu amor é um trigo Ele é moído na pedra alveira. O meu amor é moleiro Traz a cara enfarinhada

Moinho de água

Se os beijos sabem a pão, o ai! Não quero comer mais nada. Não há pão como o centeio Nem carne p’ra do carneiro Nem vinho como o maduro O ai, nem amor como o primeiro. O rodízio anda, anda Toda a noite de redor Eu não ando nem desando, ó ai 116


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Sou leal ao meu amor. Eu estava na peneira Eu estava na peneira Eu estava a peneirar Eu estava de namoro Eu estava a namorar Minha mãe mandou-me à fonte Com uns sapatos de papel Eu quebrei a cantarinha A falar com o Manel Refrão O vento veio sacudiu a cabeleira Levantou a saia dela No balanço da peneira Refrão Ó minha mãe deixe, deixe Ó minha mãe deixe-me ir Vou à feira do fumeiro Eu vou e torno a vir OS RITUAIS DAS FONTES DE MERGULHO Para além dos rios e dos ribeiros que matavam a sede às plantas e aos animais, existiam também diversas fontes onde as mulheres iam mergulhar os cântaros e trazê-los cheio de água para casa. Estas idas à fonte provocaram muitos namoros e até casamentos aos seus frequentadores, o que tornou imortal a importância destas fontes. A Fonte Se te queres casar Anda meu amor à fonte comigo Eu peço ao senhor p’ra casar comigo Verás se é ou não Verdade o que eu digo Vamos pelos campos fora Para a Senhora da Hora Hoje sem bailar não ficas Antes que a lua desponte Vamos beber água à fonte. Refrão Havemos de ter pequenos Cheios de vida e morenos 117


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Como o Sol no horizonte Lindos como tu Anita Tão lindos como tu ficas Quando vais comigo à fonte. Refrão Casarei na tua igreja Pró povo não ter inveja Da minha linda mulher Mesmo depois de casados Iremos agradecer À fonte dos namorados

Fonte de Mergulho/Fonte do Bárrio (Gralhas)

. Refrão Olha o cheiro que a rosa tem Ai, ai, ai, ai Olha o cheiro que a rosa tem Ai, ai, ai, ai Chega à janela donzela meu bem Rosa que estás na roseira Deixa-te estar em botão Que a rosa depois de aberta Perde toda a estimação Refrão A silva que me prendeu Saiu daquela janela Nunca a silva me prendeu 118


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Do modo que foi aquela Refrão Tanta silva, tanta silva Tanta silva, tanta amora Tanta menina bonita E o meu pai sem uma nora Refrão Maleitas de amor Não vás à noite ao fraguedo, Que andam lá lobos, além na serra Eu tenho muito mais medo, Aos papos-secos que andam na Guerra. Maleitas de amor, quem é que as não tem Dizem os doutores, que até fazem bem. Além do mar anda na guerra Ó ai, eu bem ouço dar tiros, Eu bem ouço combater Ó ai, os meus ais com os teus suspiros. Refrão Ó meu amor de tão longe Ó ai, retira-te e vem-me ver, As cartas que me confortam, Ó ai, bem sabes que não sei ler. Refrão Eu hei-de subir ao alto, Ó ai, que eu do alto vejo bem, Quero ver se o meu amor, ó ai, Conversa com mais alguém. Refrão Se beijinhos espigassem, Como espiga o alecrim, A cara das raparigas, ó ai Era um belo jardim. Refrão Eu por ti suspiro Eu por ti dou ais Eu por ti amor Já não choro mais Já que me deste a pêra Dá-me também a navalha, 119


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Tu bem sabes que eu não como Pêra sem ser debulhada. Refrão O meu amor enraivou-se De enraivado foi às moras Anda cá meu enraivado Que isso dura poucas horas Refrão Anda amor, andamos ambos Já que outra vida não temos Anda a morte pelo mundo Cedo nos apartaremos Refrão Ó Ana, ó linda Ana Esta noite à meia-noite, Ai, ouvi cantar e parei, Ó Ana, ó linda Ana, Ai, ouvi cantar e parei. A moda era tão linda, Ai, quem a cantava não sei, Ó Ana, Ó linda Ana, Ai, quem a cantava não sei Era a filha da rainha, Ai, lá no palácio do rei, Ó Ana, Ó linda Ana, Ai, lá no palácio do rei. Pedrinhas da calçada, Ai, levantai-vos e dizei, Ó Ana ó linda Ana Ai, levantai-vos e dizei. Quem vos passeia de noite, Ai, que eu de dia bem sei, Ó Ana ó linda Ana Ai, que eu de dia bem sei. Esta noite sonhei eu, Ai, e a outra sonhada a tinha, Ó Ana ó linda Ana Ai, e a outra sonhada a tinha. Que estava na tua cama, Ai, acordei estava na minha Ó Ana ó linda Ana Ai, acordei estava na minha. Dava-te o meu coração, 120


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Ai, se o pudesse arrancar, Ó Ana ó linda Ana Ai, se o pudesse arrancar, Arrancando-o sei que morro, Ai, morto não te posso amar, Ó Ana ó linda Ana Ai, morto não te posso amar. OS RITUAIS DAS DOENÇAS Orações da Manhã Subi ao calvário visitar uma cruz Pano e cama de Cristo Jesus. Pus-me a olhar para ela e a considerar que me faria para me eu salvar. Anjo do céu desce à terra, valei-me e responde por mim, para que o inimigo mau não se possa vingar de mim.

Lá vem a alminha do dia, lá vem quem a cria, encomendo-me a Deus e à Virgem Maria. O monte calvário e a Santa Bela Cruz é Cristo minha luz que me livre de cães danados e por danar, 121


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de homens vivos e inimigos de fogo ardente e da boca de má gente. Em louvor de Deus e da Virgem Maria, um pai-nosso e uma ave-maria. Senhor do conforto foste morto e estás vivo, perdoaste a vossa morte tal cruel e tãoforte, perdoai os meus pecados, os esquecidos e os lembrados que aos pés do confessor nunca foram confessados, confesso-os a ti por seres o rei da verdade. Na hora da minha morte tende de mim piedade. Deus todo poderoso, criador de tudo quanto há no céu e na terra, à tua palavra desaparece o dia e bem a noite e a tua bondade continua sempre. Graças te dou senhor por me teres guardado durante este dia e pela saúde queagora gozo. Guarda-me senhor de todo o mal, ajuda-nos a amar-te e a servirte para sempre, por amor Jesus Cristo teu filho. Ámen Muito alto vai a lua, como o sol ao meio-dia, mais alto ia a senhora quando para Belém corria. Madalena ia atrás dela p’ra alcançar e não podia. Quando a chegou a alcançar, já a virgem estava parida, era tanta a pobreza que nem um panal trazia.

Desceu um anjo do céu à terra dois panais de ouro trouxe, tornou a subir ao céu a contar a aleluia, 122


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o Senhor le perguntou: - Como ficou a parida? - A parida ficou boa, a parida ficou bela, entre duas cancelinhas, a parida era d’ouro a porta de prata fina. Quem esta oração disser todos os breves do ano, tira tantas almas do purgatório como flores tem no campo, como areias tem no mar, quem na sabe não na diz, quem na ouve não na aprende, lá haverá um dia de juízo, lá verá quem se arrependa.

Orações da Noite Com Deus me deito, com Deus me levanto, encomendo-me a Deus e ao divino Espírito Santo e à bela Santa Cruz que Deus me acompanhe santo nome de Jesus. Nesta cama me vou deitar p’ra dormir e descansar, se a morte vier e não acordar, entrego-me a Deus, agarro-me à cruz e entrego a minha alma ao menino Jesus. Nesta cama me deito, com esta roupa me cubro, se me der alguma aflição, os anjinhos do céu me acudam.

Orações a Santa Bárbara Bárbara Virgem pela barca passou. - Para onde vais Bárbara Virgem?

- Vou ao alto do céu, buscar aquele trovão, botá-lo ao marinho, onde não haja pão nem vinho nem festinhas do menino. 123


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Quem esta oração disser e consigo a trouxer, será dita e escrita pelo anjo S. Cristóvão S. Gabriel. Santa Bárbara fugiu p’ro monte, onde ela se sentou, nasceu uma fonte, vieram os anjinhos do céu, boberam nela. Que auguinha tão doce, que senhora tão bela. Santa Bárbara fugiu p’ro monte com um rosário d’ouro na mão, pedir a nossa Senhora que abrande o trovão. Santa Bárbara virgem que tendes la torre na mão, pedi ao senhor que nos libre do raio do trobão. Quem esta oração disser e nela tiber deboção, não há lume nem inferno nem neste mundo raio ou trobão.

Oração da Inveja Jesus e Jesus e três vezes Jesus, eu te corto ar das estrelas, ar do luar ar da inveja ar excomungado, ar espinhado ar das encruzilhadas, ar de defunto, todos os ares que andam pelo mundo,(animal ou nome da criatura) Deus te deu, Deus te criou, Deus te desencalhe se alguém te encalhou. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria este ar aqui não pararia nem lavraria. Tudo venha bem amor, como vieram as cinco chagas do senhor. Em louvor de Deus e da Virgem Maria um pai-nosso e uma ave-maria. Jesus e Jesus e três vezes Jesus, eu te corto ar das estrelas, ar do luar ar da inveja ar excomungado, ar espinhado ar das encruzilhadas, ar de defunto, todos os ares que andam pelo mundo,(animal ou nome da criatura) Deus te deu, Deus te criou, Deus te desencalhe se alguém te encalhou. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria este ar aqui não pararia nem lavraria. Tudo venha bem amor, como vieram as cinco chagas do senhor. Em louvor de Deus e da Virgem Maria um pai-nosso e uma ave-maria. Jesus e Jesus e três vezes Jesus, eu te corto ar das estrelas, ar do luar ar da inveja ar excomungado, ar espinhado ar das encruzilhadas, ar de defunto, todos os ares que andam pelo mundo,(animal ou nome da criatura) Deus te deu, Deus te criou, Deus te desencalhe se 124


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alguém te encalhou. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria este ar aqui não pararia nem lavraria. Tudo venha bem amor, como vieram as cinco chagas do senhor. Em louvor de Deus e da Virgem Maria um pai-nosso e uma ave-maria.

Responsos a Santo António Santo António de Lisboa se vestiu e se calçou, suas mãos bentas lavou, o senhor encontrou e lhe perguntou: - Onde vais beato António? - Senhor, convosco vou. - Tu comigo não irás, na terra ficarás a guardar as coisinhas todas, que não tenham perigo nenhum, livrá-las de lobo, de raposa, de ladra e de ladrão, e de quantas imundices no mundo são. Assim como guardaste teu pai, teu padrinho e tua madrinha, de sete sentenças falsas, guardai a (pessoa que a gente indicar) de todos os prigos. Em louvor de Deus e da Virgem Maria, um pai-nosso e uma avemaria. Glorioso padre S. António, foste padre foste bispo, ajudai-me pela minha vida, pelas cinco chagas de Cristo. Glorioso padre S. António, foste padre foste bispo, ajudai-me pela minha vida, pelas cinco chagas de Cristo. Glorioso padre S. António, foste padre foste bispo, ajudai-me pela minha vida, pelas cinco chagas de Cristo.

Santo António de Lisboa, benza-me este cordão que mo deu nossa senhora, Sexta-feira da paixão, Sábado da aleluia e Domingo da ressurreição, dava doze voltas em rodor do coração e as pontinhas que sobejavam, chegavam do céu ao chão. 125


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Responso das Almas Ó almas, ou três ou seis ou nove. Três degoladas, três enforcadas, três mortas a ferros frios. Ó almas, vós nas vossas almas brancas vos incorporastes, num monte de olivete passastes, uma vergastinha cortastes para no coração de nossa senhora tocares, para eu fazer boa viagem, pela graça de Deus e da Virgem Maria. Ó almas, ou três ou seis ou nove. Três degoladas, três enforcadas, três mortas a ferros frios. Ó almas, vós nas vossas almas brancas vos incorporastes, num monte de olivete passastes, uma vergastinha cortastes para no coração de nossa senhora tocares, para eu fazer boa viagem, pela graça de Deus e da Virgem Maria.

Ó almas, ou três ou seis ou nove. Três degoladas, três enforcadas, três mortas a ferros frios. Ó almas, vós nas vossas almas brancas vos incorporastes, num monte de olivete passastes, uma vergastinha cortastes para no coração de nossa senhora tocares, para eu fazer boa viagem, pela graça de Deus e da Virgem Maria.

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Responsar a Pessoa (Diz-se o nome da pessoa) Filho do meu coração, nosso Senhor é teu pai e Nossa Senhora tua mãe, os apóstolos teus irmãos, Deus te leve e traga nas suas benditas mãos. Com as armas de S. Jorge não sejas preso nem arrematado nem teu sangue derramado nem teu corpo corrompido, tão guardado sejas tu como foi o omnipotente no ventre da Virgem Maria.

Oração para Defumar Ar mau e invejidade vai-te daqui, que o fumo sagrado vai atrás de ti. Assim como a Virgem Maria defumou o seu filho p’ra o salvar, assim eu te defumo p’ra te curar. Ar mau e invejidade vai-te daqui, que o fumo sagrado vai atrás de ti. Assim como a Virgem Maria defumou o seu filho p’ra o salvar, assim eu te defumo p’ra te curar. Ar mau e invejidade vai-te daqui, que o fumo sagrado vai atrás de ti. Assim como a Virgem Maria defumou o seu filho p’ra o salvar, assim eu te defumo p’ra te curar.

Oração para tratar o Coxo Com a faca que cortas o pão, cortas zona, coxo e coxão de sapo e de sapão, de cobra de cobrão de salagamenta de salagamentão de lagarto, lagartão e de rato e ratão e de aranha e de aranhão e de bichos de toda a nação.

Pelo poder de Deus e da Virgem Maria este coxo nunca mais aqui lavraria. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria este coxo secaria. 127


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Pelo poder de deus e da Virgem Maria, um pai-nosso e uma avemaria. Oração para tratar a Ciática Ora, Jesus e nome de Jesus, é o nome da virtude. Eu te corto ciática, folato e reumatismo, pelo poder de Deus e da Virgem Maria, que esta ciática e este folato nunca mais aqui lavraria.

Apóstolo S. Pedro e S. Paulo e S. Tiago, façam mezinha até ao cabo, Ciática corto em nome do Pai, ciática corto em nome do Filho, ciática corto em nome do Espírito Santo, ámen. Em louvor de Deus e da Virgem Maria um pai-nosso com três avemarias.

Oração para Tratar a Constipação Santa Anastácia ao mato entrou e Jesus Cristo encontrou e Jesus Cristo lhe procurou como se tira a constipação do Sol. Com um guardanapo dobrado e com

um copo de água fria, eu te tiro sol e calmaria. Em louvor de Deus e da Virgem Maria um pai-nosso e uma ave-maria. 128


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Oração contra as Lombrigas Jesus e Jesus e três vezes Jesus. Jesus quando nasceu no altar se revolveu, virou-se para S. João, que chama-se pelo padrinho e pela madrinha, que as lombrigas (tem de ser de criança ou de gente) que as lombrigas engolidas e denegridas por baixo e por cima.

As mães a morrer e as filhas a padecer. Tudo vem do seu amor, pelas cinco chagas de Cristo, fé em Deus nosso senhor. E agora em louvor de S. Cipreste, tudo que fizer que preste. Em louvor da Virgem Maria, um pai-nosso e uma avemaria.

OS CONTOS DO PAGANISMO A Lenda da Santa Genoveva O marido partiu para a Índia e ela ficou grávida!... Como ela era muito bonita um comandante lá das cortes queria servir-se dela, mas como nunca quis trair o marido, sempre se negou. Aquele general que ficou a tomar conta dela, quando escreveu para o marido, para que ela não o pudesse acusar, disse-lhe: “olha, a tua mulher anda-te a trair, a tua mulher anda-te a trair”. Então o marido mandou ordem, “se a minha mulher me trai, manda-a matar”. Então, ele, para que ela não dissesse nada ao marido, mandou-a prender. Depois já presa, um dia chamou a filha do carcereiro e deu-lhe um colar de pérolas muito lindo e disse: - Se um dia o meu marido vier, tu entregas-lhe esta carta. Este colar de pérolas fica nesta caixinha com esta carta que é para saber que foi ele que mo ofereceu. 129


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Tu entregas-lhe tudo e dizes-lhe que a carta é para ele ler e o colar é para te dar a ti. Na carta, dizia que aquele homem se queria servir dela e que ela não quis, que estava grávida e que portanto, ele a quis castigar por ela não ceder aos pedidos dele.

Então de seguida o gajo decidiu, para que ela não contasse nada ao marido, que a mandassem matar, disse para os soldados a levarem, e ela andava já para ter o bebé, e queria ver a língua dela, que lhe trouxessem a língua. Quando os soldados a levaram para o monte, ela pediu-lhes: - Não me mateis, não me mateis que eu quero dar à luz um filho que trago no ventre, não me mateis. E eles diziam: - Não, temos de te matar, temos de levar a tua língua ao comandante, ele quer ver a tua língua. Então ela disse: - Vem aí uma cadelinha, levai-lhe a língua dela. - Mas ele pode-a conhecer!... - Ele não vai ter coragem de olhar para ela. Então eles decidiram matar a cadelinha e levar-lhe a língua e na verdade ele não teve coragem de olhar para ela. Ela disse que nunca mais ninguém a ia ver na serra. Ficou na serra, arranjou uma cabana lá, e lá viveu e nasceu o bebezinho. Ela lá ia ensinando o menino, quando havia neve e geadas ela dizia p´ro filho: - Olha, isto são os copinhos do bom deus. Quando ao longe da serra via os castelos, o menino procurava-lhe: - Ó mãe o que é aquilo? - e ela dizia-lhe: - Olha meu filho, quando vires aquilo são os castelos da casa de teu pai. Tu um dia irás para lá, quando eu ficar velhinha, perca as forças e não possa andar, tu vês aqueles castelos? É para lá que te diriges, lá é a casa do teu pai. 130


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Pronto, o menino lá andava e apareceu uma corça que entrou naquela caverna e ajudou a criá-lo dando-lhe de mamar. Quando o marido veio, o menino já tinha cinco anos e ela já estava muito doente, já mal podia andar, esteve sempre nas cavernas, a filha do carcereiro foi-lhe entregar a carta e a caixinha que ela lhe tinha entregado. O marido ao ver aquilo, viu que era verdade, mandou prender o comandante que tinha mandado matar a mulher, reuniu as tropas e os soldados contaram que não a tinham matado, que a tinham deixado no monte. Ordenou a todas as tropas para irem à procura dela com os cavalos para o monte. Quando as tropas, os cavaleiros cada um por seu lado, nas suas buscas, a certa altura o menino sentiu barulho e veio p’ra fora da caverna e então viu aquilo e ficou pasmado a olhar. Quando viram aquela criança, aproximaram-se dele e o menino disse logo para os cavaleiros: - Isto amarelo é ouro, é do meu pai? (a mãe dizia que o pai era rico e tinha muito ouro) É amarelo? É ouro do meu pai? Eles procuraram-lhe pela mãe e então ele chamou-a. Chamaram por ela mas ela disse que não podia sair porque estava nua e sem forças. Eles cortaram uma capa para ela se embrulhar e ela saiu, tocaram as trombetas, reuniram-se todos os cavaleiros, disseram ao marido que ela tinha aparecido, mandaram vir as roupas p´rá vestir, puseram-na a cavalo dos cavalos, quando iam pelas ruas, as pessoas, vieram tantas para a ver, que subiram para cima dos telhados, p’ra verem passar. Quando chegou a casa faleceu e o menino, pronto, o menino ficou na companhia do pai. Mas ela faleceu e toda a gente admirou a história e ficou abalada com o sucedido. Mais tarde viria a se considerada santa.

Um Rapaz Apaixonado Um rapaz estava apaixonado por uma menina bonita que havia na aldeia, mas ela não lhe dava muita atenção. Então ele resolveu, numa certa madrugada agarrar numa escada e pô-la na janela. Quando viu o pessoal começar a movimentar-se, ele começou a descer pela escada abaixo p´ra que o pessoal pensasse que ele vinha de dormir com ela, para a difamar p’ra que ninguém a quisesse. Pronto, aquilo começou a espalhar-se na aldeia, toda a gente a falar da rapariga e ela com aquele desgosto ficou tísica e morreu. O rapaz, ficou muito triste, foi-se confessar e disse ao Sr. Padre que tinha feito aquilo porque gostava dela e que tudo fora por amor e queria que o padre lhe perdoasse, se tinha perdão. O padre disse: - Olha rapaz, p´ra te perdoar tens que encher um cântaro de água e vais ao cemitério e deita-a em cima da campa dela, volta-a a apanhá-la e traz-ma cá. Bom, o rapaz levou a água, chegou ao cemitério despejou e a água sumiu. O rapaz muito triste voltou para trás e foi ter com o Sr. Padre. - Sr. Padre, despejei a agua e afinal não consegui apanhá-la, sumiu-se logo. Diz o padre:

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- Pois meu filho, da maneira que despejaste aquela água e ele se espalhou, assim tu espalhaste o mal no nome daquela menina, que ela nunca mais encontrou, por isso tu não tens perdão.

O Padre das Lavradas O padre era muito rico e tinha uma grande vacaria e havia lá um casal que tinha vários filhos e pobrezinhos, andavam cheios de fome e então, o que é que o pai resolveu, p’ra matar a fome aos seus filhos: assaltou a vacaria ao padre das Lavradas e levou uma vaca para casa e matou-a.

Os filhos, encantados com aquela fartura toda, um dos miúdos botou as ovelhas e cantou no monte: - O meu pai roubou uma vaca, ao senhor padre das Lavradas e uma cozida e outra assada, vai estar toda papada. 132


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O senhor padre que andava preocupado com a falta da vaca, dizia e comentava: - Todo o mundo é muito sério, mas uma vaca falta-me. Até que um pastor que andava no monte escutou o miúdo cantar e foi logo meter o nariz no cú do senhor padre: - Já sei quem lhe roubou a vaca, o filho do fulano andava a cantar esta cantiga lá no monte. - Ai foi? Então espera que eu vou ao encontro do rapaz. Vai o padre à espera do rapaz quando ele vinha do monte e diz: - Ó meu homem, tu andavas a cantar uma história, uma cantiga tão bonita lá no monte, serias capaz de a cantar amanhã na missa? - Canto, senhor padre. - E eu dou-te uma camisola. - Canto. E o miúdo vai encantado para casa todo contente e diz: - Amanhã vou ganhar uma camisola nova. Amanhã vou ganhar uma camisola nova. Diz o pai: - Vais ganhar uma camisola nova, porquê? - Porque vou cantar uma moda amanhã na missa, que o senhor padre quer ouvir. -Ai vais? Que cantiga é essa? O miúdo cantou e diz o pai: - Alto! Vais cantar aquilo que eu te mandar! - Tá bem… O miúdo teve que fazer o que o pai mandou. Chega na hora da missa, o padre estava no sermão e diz: - Pelos inocentes é que se sabem as coisas, anda cá meu homem, canta aqui aquela cantiga que tu sabes. Vai o miúdo: - A minha mãe anda prenha do senhor padre das Lavradas, mas se o meu pai sabe, dá-lhe uma data que o fode. Diz o padre: - Ora, quem se há-de fiar na canalha.

O Padre e o Comerciante Um comerciante de porcos certo dia foi para a feira. O padre como tinha conhecimento da feira e o comerciante tinha uma mulher muito boa, ele foi ter com ela e diz assim: - De noite venho cá e trago-te um galo para fazer ai, vamos comer aí uma ceiinha os dois. A mulher, contou ao marido: - Olha que o padre quer vir aqui comer um frango hoje à noite. E então o marido diz: - Deixa-o vir mulher, não te preocupes.

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O marido fez-se ido à feira e a meio da noite voltou. Já o padre estava lá e estava a comer, quando o marido bateu à porta. A mulher vem rápido à porta e vai rápido para trás: - Ai senhor abade, é o meu marido que vem aí, não sei o que aconteceu, ele não chegou com certeza a ir à feira, já está aqui em casa, ó senhor abade, dispa-se e meta-se rápido aí pelo alçapão. O padre, toca a despir as fardas e enfia-se pelo buraco para corte dos porcos. Lá ficou a noite inteira e quando chegou o outro dia, era domingo. O sacristão tocou os sinos, tocou a primeira, tocou a segunda e nada do padre chegar, já tinha o pessoal no adro a dizer: - O senhor padre hoje não vem?

Então o comerciante no adro da igreja diz para umas senhoras que estavam lá: - Enquanto o padre não chega, vocês não querem ver um porquinho bom de cobrição que trouxe ontem da feira? Lá vão as mulheres todas contentes atrás do negociante. Ele abre-lhe a porta, saem meia dúzia de porquinhos da corte cá para fora e dizem elas: - Oh, dessa raça já nós vimos muitos, não era novidade nenhuma. - Alto, mas o melhor, ainda está lá dentro, ainda não saiu. Disse para o criado: - Ò criado, pega aí na vara de aguilhada, entra lá dentro e bota cá o porquinho para fora. O criado entra lá para dentro com a vara, à meia volta lá sai o senhor Abade com as mãozinhas entre as pernas a correr…até hoje. - Então querem melhor porco de cobrição que este? Até hoje que ele ainda vai a correr! 134


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O Sacristão e o Abade O sacristão costumava meter a mão no pratinho da esmola. Então no dia das confissões foi-se confessar. O sacerdote estava dentro do confessionário e ele da parte de fora: - Então quais são os seus pecados meu amigo? E o sacristão: - Ó senhor Padre, os dias vão uns atrás dos outros e a gente vai fazendo aquilo que não deve.

- Pois é, pois é, quem é que mete então a mãozinha no prato da esmola? - Ó senhor Padre, olhe que não ouço. - Não ouves? Parece impossível! Quem é que vai metendo a mãozinha no prato da esmola? - Ó senhor Padre, não ouço! O Padre já meio revoltado: - Espera lá, parece impossível, então anda cá, vamos trocar de lugar. O Padre saiu p´ra fora e o sacristão entrou para dentro do confessionário, começa: - Ó senhor Padre quem anda amigado com a mulher do sacristão? E o padre de fora: - Olha que razão tens tu, quem esta cá de fora não escuta mesmo nada.

O que dizem as Letras Para uma aldeia transmontana, vai um padre novo, já há muitos anos. Então, nem havia água em casa, as mulheres iam todas à fonte. O padre, sentava-se na fonte a ler o jornal, na altura era diário de notícias e com letras vermelhas. As pessoas nunca tinham visto o jornal, olhavam p’ró padre a ler: -Ó senhor padre, que diz o jornal nessas letras vermelhas? E o padre: 135


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- Olhe, o jornal diz que esta noite tens de ir dormir comigo, passar a noite comigo… - Ai é, senhor padre? - Pois, tens de obedecer, é o que mandam as letras, ai… Aquela senhora que era muito gira, chega a casa e diz ao marido: - Olha, esta noite vou ter de ir passar a noite com o senhor abade.

E diz o marido: - Hum?! Diz ela: - Nem fum nem funetas, eu tenho de fazer o que mandam as letras!...

A Estória do Emigrante Certa altura, um emigrante partiu para os Estados Unidos e deixou a esposa grávida. Ela, coitadinha, foi ter com o padre, pela ausência do marido e com a barriga a começar a crescer, confessou-se e disse ao padre: - Ó senhor padre, o meu marido foi embora e eu fiquei grávida e ando preocupada, é que às vezes o povo até pode falar de mim ... - Não minha filha, não te preocupes, isso não tem nada a ver, o que precisa é de se dar um jeitinho para se fazerem os olhos, senão a criança pode ficar cega. - Ó senhor padre, então como é que eu hei-de fazer? - Olha filha, eu à noite vou lá um bocadinho e dou-lhe um jeito. Bem, ela coitada, simples, aceitou. Quando passado um ano o marido voltou e a criança já tinha nascido, era um menino muito lindo e o pai encantado ao ver a criança diz: - Ai que filho tão lindo nós temos! Ela na simplicidade diz: - Olha, mas tens de agradecer ao senhor abade, porque... - Porquê mulher? 136


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- Porque se não fosse o senhor abade, podia ter nascido cego! Foi ele que lhe fez os olhos. E o marido: - Ai foi? Ah! Então espera que eu tenho de lhe agradecer.

Como na altura os padres eram muito ricos e tinham bons rebanhos de gado, ele foi à corte do padre com um pau de urzeira, furou-lhes os olhos dos chibos, furoulhos todos. Foi no domingo na missa que o padre estava no sermão a dizer: - Todo o mundo é muito bom, mas só aparecem malfeitores, porque me cegaram os chibos. Então uma voz vinda do coro: - Não és tu que pões os olhos aos igos? Põe-os agora aos chibos!

O Homem Cuco Havia um homem na aldeia que quando passava na porta do padre, o padre dizia: - Cucu… O senhor muito chateado chega a casa e diz: - Ó mulher não sei o porquê, mas sempre que passo na casa do padre, ele faz cucu. E diz ela: - Faz? O gajo é tolo ou quê? - Ó mulher tu tens de ir lá e dar um recado ao padre, porque senão eu viro-me a ele. - Ó homem, eu vou lá mas tu tens de me levar às costas. O marido diz: - É p’ra já! Ela põe-se às costas do marido e aí vai ele, tau, tau, até casa do padre. Chega-lhe à porta, ela bate nela e o senhor padre vem à porta. - Quem é? 137


Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região

E ela vai: - À seu comedor das minhas galinhas, rompedor das minhas fraldinhas, pai de três filhas que tenho, o burro que me aqui trouxe e ainda me há-de tornar a levar e eu ao senhor abade hei-de voltar a emprestar e nunca mais chame cuco ao meu marido. E diz o homem: - Sim senhor mulher, se ele tiver vergonha, nunca mais se mete comigo…

Por tudo quanto ficou dito, poder-se-à dizer que Barroso foi sempre por assim dizer, uma zona multifacetada, mas possuidora de uma singularidade dos usos e costumes, crenças, superstições, certos rituais, e de um «falar» local que, dentro da própria região, incluindo o léxico, varia de aldeia para aldeia. Na verdade, todo este repositório cultural que nasce e renasce, é fruto de um património de transmissão oral inesgotável e uma vastíssima componente lexical específica do peculiar e expressivo dialecto barrosão, variante linguística local, que mantém vivo o sagrado no imaginário deste povo, descendente de uma cultura celta ancestral, que nos faz reviver os mitos e ritos feitos desde a antiguidade, mas que mascarados pela cultura cristã, perdurou até nós. De tudo o que ficou descrito e se pôde verificar, é que nesta zona, os limites entre o sagrado e o profano, entre o rito religioso e a festa estão muito próximos, confundindo-se e entrelaçando-se na maior parte das situações. Deve ainda salientar-se, que entre o rito e o mito, em ambas as manifestações, aquele tornase essencial pela ligação que estabelece com o sagrado. De maneira simplificada, poder-se-à dizer que o rito é a praxis do mito. É o mito em acção. Enquanto o mito 138


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rememora, o rito comemora. O rito abole o tempo profano, cronológico, é linear, e por isso mesmo, irreversível. Cabe observar também, que se a visibilidade dessas práticas na maioria das vezes, é controlada por instituições ou por colectividades religiosas, e se o sagrado exige, sobretudo experiência e sentimento, nada melhor do que entendêlo a partir das vivências da religiosidade, sobretudo daquelas que se desenvolvem a par das instituições religiosas ou das fórmulas previamente estabelecidas e autorizadas. Guiados pelas reflexões acima expostas, observa-se que ao lado das práticas e dos rituais definidos pela hierarquia da clericalização do culto e do controle sobre o templo, encontra-se uma religiosidade que evoluiu independente das prescrições oficiais e que é aceite pela população como uma das mediações entre ela e o sagrado. É ela que estabelece um relacionamento directo com o sagrado, uma manifestação espontânea da fé e da crença e uma ritualista na qual, no relacionamento com o transcendente, somam-se forma e emoção. Socialmente, essa religiosidade recorta verticalmente a sociedade, perpassando por diferentes categorias sociais, sem levar em conta se são pobres ou ricos, analfabetos ou escolarizados. Ela distingue-se de uma religiosidade oficial, ditada e controlada por especialistas, sejam eles do clero ou não. Nas manifestações desta religiosidade cumpre-se uma das características descritas na concepção de sagrado: de um lado, observa-se a crença nos espíritos bons, aceites e respeitados, que fazem o bem, que ajudam e que fazem a felicidade das pessoas; de outro, a adesão aos espíritos perigosos que fazem o mal, que prejudicam os homens e que levam as pessoas à perdição. Ambos reflectem a experiência do “misterium”, do numinoso e do não racional. Ambos geram rituais e práticas que povoam o imaginário individual e social. Curioso é observar, que embora antagónicos, bem e mal se colocam como indispensáveis um ao outro, sendo que o primeiro não subsiste sem o segundo. Pratica-se o bem porque existe o mal, veneram-se santos e diabos. Dentro da temática das rezas mágicas, as que são dedicadas aos males do espírito e das doenças da pele são as que surgem em primeiro lugar logo seguidas das rezas mágicas dedicadas ao pão, e sensivelmente no mesmo plano e muito abaixo das três primeiras, as rezas dedicadas aos animais, aos males de mulher e aos males do corpo. Tendo em atenção a perspectiva de Gilbert Durand na amostra recolhida, em articulação com o que se pode também detectar em parte da obra do Padre António Lourenço Fontes, as imagens do imaginário repartem-se pelos regimes diurno e nocturno; o primeiro mais ligado à vida e esquizofrenia e o segundo mais ao exorcismo de diversos males. A evocação a Deus é a mais recorrente, Além destes símbolos e de todos os que pudemos encontrar nas unidades textuais e que já foram comentados anteriormente, temos que recordar que no Barroso subjaz uma língua de símbolos, como o do pão, da cruz, das encruzilhadas, o livro sagrado, o vinho, o culto dos mortos, o culto das fontes, o culto de santos, o culto dos animais, entre outros. É desta relação forte e directa do barrosão com a natureza e tudo que a envolve, tornados símbolos e arquétipos, que se constrói uma mitologia fabulosa no 139


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imaginário popular. Pelas evocações ritualizadas da fusão do sagrado e do profano, floresce um mundo ritual, do qual nascem as palavras do signo linguístico ou o léxico do falar local.

De tudo isto podemos inferir que do religioso, do sagrado e do profano, actualizando mitos remotos em rituais complexos, floresce uma linguagem de características próprias, de grande expressividade, a nível do léxico do falar local. Em todos os momentos encontramos o sagrado não separado do profano ou o chamado profano também como sagrado. Este é um aspecto que ilustra claramente a dimensão etnolinguística da profunda relação entre a língua e a cultura da comunidade barrosã. Os símbolos pertencem ao registo de espiritualidade detectado, registo de espiritualidade que se reparte pelo sagrado da natureza sensivelmente o dobro do registo de espiritualidade cristã, em que ambos os sagrados da natureza e cristão se relacionam profunda e intrinsecamente, tornando-se num todo sagrado. De tudo o que foi exposto, chegamos à conclusão de que, no dizer em Barroso, o sagrado está presente em todo o lado: tudo o que faz parte da existência é sagrado. Nestes casos, onde o sagrado domina, onde poderemos encontrar o profano? A resposta é simples, não o encontramos. Encontramos antes um sagrado que não existe sozinho: o homem destas Terras de Barroso desenvolveu rituais, cerimónias e tradições que definem os comportamentos a ter e a evitar quando em presença do sagrado. Essas regras são a religião, que gere o sagrado, tornando-as numa realidade dual onde se pode encontrar o sagrado cristão e o sagrado natural. Foi notório que a presença do sagrado (incluindo o profano) e da religiosidade desafia os esforços da ciência e da tecnologia para explicar racionalmente o 140


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mundo e a existência humana. Apesar dos avanços e conquistas da ciência, o sagrado e a religiosidade mantiveram-se presentes e afirmam-se como formas de vivênciar a religião. Pensamos ainda que, através do léxico analisado, verificámos que os símbolos predominantes nas rezas mágicas podem remeter para a cultura celta e para os cultos pré-romanos, mantendo-se vivos no imaginário popular. O Homem barrosão preserva a crença naquilo que está fora do quotidiano e das coisas comuns, nas quais se expressa uma ordem sagrada que dava e dá sentido às suas vidas, aos lugares e à sua concepção de mundo, ela continua a mitificar o tempo e o espaço do sagrado. Deste modo, cremos ter atingido os objectivos e comprovado as hipóteses formuladas, pois chegámos à conclusão de que o sagrado, na região em estudo, tem características únicas e divergentes das regiões circundantes. Acresce ainda que após este estudo, estamos conscientes que a zona de Barroso é de grande riqueza a nível linguístico, podendo dar um contributo sério à aprendizagem da língua portuguesa. Face ao exposto, podemos concluir que este trabalho foi, indubitavelmente, bastante motivante e enriquecedor, mas jamais estará totalmente finalizado, pois outros percursos poderão ser trilhados e explorados. Tendo em atenção a resolução do problema formulado nesta investigação, estamos em crer que, pela sua profundidade e extensão, demos um sério e humilde contributo para a sua resolução.

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CAPITULO VIII OS MUNICIPIOS DE BARROSO

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MONTALEGRE - BOTICAS Como já foi referido, as Terras de Barroso são uma região do norte do País, fundamentalmente montanhosa, situada a noroeste do distrito de Vila Real, na província de Trás-os-Montes, compreendendo como já se disse os concelhos de Montalegre e Boticas, os quais serão aqui abordados de forma diferênciada. O concelho de Montalegre ocupa um território que ultrapassa os 800 Km², com uma posição geográfica que inclui 70 Km de fronteira com a Galiza, o que possibilitou desde sempre a criação de laços fraternos e afinidades sociais e culturais, incluindo as linguísticas, que hoje são objecto de estudo no Centro Interpretativo da Região.

Segundo o recenseamento nacional mais recente, realizado em 2011 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a população residente é de aproximadamente, 11.000 habitantes. O concelho abrange as aldeias de Cabril, Cambezes do Rio, Cervos, Chã, Codeçoso, Contim, Covelães, Covêlo do Gerês, Donões, Ferral, Fervidelas, Fiães do Rio, Gralhas, Meixedo, Meixide, Morgade, Mourilhe, Negrões, Outeiro, Padornelos, Padroso, Paradela, Pitões das Júnias, Pondras, Reigoso, Santo André, Sarraquinhos, Sezelhe, Solveira, Tourém, Venda Nova, Viade de Baixo, Vila da Ponte e Vilar de Perdizes, as vilas de Montalegre – sede do concelho, Salto, e tantos outros lugares dispersos e próximos das já citadas aldeias, os quais dada a sua dimensão, aqui não cabe enumerar. Como já foi afirmado, este concelho confronta-se geograficamente, a Norte com a província espanhola da Galiza, a Sul com o município de Cabeceiras de Basto, a Sudoeste com o município de Vieira do Minho, a Oeste com o município de Terras de Bouro, a Este com o município de Chaves, e a Sudoeste com o município de Boticas.

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A região natural dasTerras de Barroso é essencialmente uma zona de montanha de elevada altitude, limitada a oeste pela serra do Gerês, com 1.434 metros de altitude máxima, sendo esta uma das três mais altas de Portugal, estendendo-se por 30 quilómetros desde Espanha até ao Cávado e à província do Minho; a nordeste pela serra do Larouco, com 1.525 metros de altitude, com cerca de 10 quilómetros de extensão, marcada pelos miradouros com vistas panorâmicas sobre Portugal e Espanha; a sudoeste a serra da Cabreira, que atinge os 1.262 metros e é uma das serras mais extensas do norte de Portugal; a sul pela serra das Alturas, também conhecida por serra do Barroso, com 1.279 metros de altitude e uma extensão de 8 quilómetros; e por fim, a menor das cinco principais serras de Barroso, a serra do Leiranco, com uma altitude de 1.156 metros, que divide as bacias hidrográficas dos rios Beça e Terva. Miguel Torga, descreve-nos como ninguém, esse transpor do Alto Minho para o Barroso: “Tranquei as portas da memória e, pela margem do rio, subi aos Carris. Uma multidão minava as fragas à procura de volfrâmio, por conta da guerra e de quem a fazia. Teixos e carvalhos centenários acompanharam-me quase todo o caminho. Só desistiram quando me aproximei do cume da montanha, onde a vida, já sem raízes, tenta levantar voo. Agora, sim! Agora podia, em perfeita paz de espírito, estender a minha ternura lusíada por toda a portuguesa Galiza percorrida. Pano de fundo, o mar de terras baixas era apenas um cenário esfumado; à boca do palco reflectiam-se nas várias albufeiras do Cávado a redonda pureza da Cabreira e a beleza sem par do Gerês. E o espectador emotivo já não tinha necessidade de brigar com o cavador instintivo que havia também dentro de mim. Embora através da magia agreste dos relevos, talvez por contraste, impunha-se-me com outra significação a abundância dos canastros, o optimismo dos semeadores e a própria embriaguez que anestesiava cada acto, no fundo necessária à saúde dos corpos individuais e colectivos. Integrava o alegrete perpétuo no meu caleidoscópio telúrico. Bem vistas as coisas, se ele não existisse faria falta no arranjo final do ramalhete corográfico português. Em acção de graças por esta conclusão pacificadora, rezei orações pagãs no Altar de Cabrões, antes de subir à Nevosa e aos Cornos da Fonte Fria a experimentar como se tremem maleitas em pleno Agosto. Estava exausto, mas o corpo recusava-se a parar. Pitões acenava-me lá longe, de tectos colmados e de chancas ferradas. Não obstante pisar o mais belo pedaço de chão pátrio, queria repousar em terra real e consubstancialmente minha. Ansiava por estender os ossos nos tormentos do Barroso, onde, apesar de tudo, era mais seguro adormecer”. A serra da Cabreira, a Sudoeste do concelho de Montalegre, já serviu como marco natural que separava Trás-os-Montes do Minho, enquanto que na parte oeste do concelho de Boticas, a serra das Alturas do Barroso, ou somente do Barroso, também é conhecida por “Cornos das Alturas”, pela sua forma excêntrica que lhe dá um aspecto visual muito interessante para quem a vê de longe. Há a constatar que todas estas serras actualmente dão um grande contributo para a economia nacional, uma vez que nos seus cumes se encontram instalados 144


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aerogeradores que têm como objectivo a produção de energia eléctrica, utilizando como matéria-prima a força cinética do vento. A HIDROGRAFIA No que se refere à hidrografia, as Terras de Barroso são também uma região abundante em nascentes de água, dividindo-se pelas duas bacias hidrográficas do Cávado e do Tâmega.

O rio Cávado é o grande rio do Barroso, ocupando o segundo lugar na escala dos rios nacionais. Nasce na serra do Larouco, passa junto de Montalegre, atravessa o distrito de Braga, em direção ao oceano Atlântico percorrendo uma extensão de 118 quilómetros. Ao rio Cávado acrescentam-se o rio Rabagão, o segundo rio do Barroso, o rio Beça e o rio Terva, dando origem a uma vasta rede hidrográfica, que quer pela sua dimensão, quer pela área que abrangem, modelam a paisagem ao longo do seu percurso, fecundando os campos e oferecendo nos seus leitos um manancial piscícola. Neste ponto destacam-se, apenas os principais rios que atravessam as Terras de Barroso, mas desde já fica registado que será elevado o número de ribeiros e corgos que não sendo citados, estão à espera de ser visitados e que por mais pequenos que sejam, no deixam de ser importantes no seu conjunto. O rio Cávado nasce na Serra do Larouco – na Fonte da Pipa - a uma altitude de cerca de 1520 metros, passa contíguo à vila de Montalegre e depois de banhar uma infinidade de aldeias, alimenta famosas barragens. Passa por Braga, Barcelos e desagua no Oceano Atlântico junto a Esposende, após um percurso de 145


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135 quilómetros. Este rio tem como principais afluentes o rio Homem, o rio Rabagão e o rio Saltadouro. O Rabagão é um afluente da margem esquerda do rio Cávado. Nasce entre as serras do Barroso e do Larouco, e com um comprimento de 37 quilómetros, drena uma área de 246 km². Desagua no rio Cávado, próximo da famosa Ponte da Misarela. O Sistema Cávado - Rabagão – Homem, é composto por várias barragens implantadas nesses mesmos percursos fluviais para aproveitamentos hidroeléctricos: Barragem da Paradela, Barragem de Salamonde, Barragem da Caniçada, Barragem do Alto Cávado, Barragem do Alto Rabagão, Barragem da Venda Nova, Barragem de Vilarinho das Furnas e a Barragem de Penide.

A barragem do Alto Rabagão, inaugurada em 1966, estende-se desde o paredão dos Pisões até ao extremo do antigo planalto barrosão de Morgade, com uma altura de 90 metros, formando um lago artificial com cerca de 2.200 hectares de área. A sua cota máxima pode atingir os 888 metros, com um volume de água de 565 milhões de metros cúbicos. Também é conhecida por Barragem de Pisões. A Barragem do Alto Cávado está relacionada com um túnel de cinco quilómetros com a Barragem do Alto Rabagão mas é bastante menor, tem puma área de cerca de 46 hectares, com a altura de 89 metros e a cota máxima de 901 metros. A Barragem de Paradela tem uma característica muito própria de construção, é feita de rochas acumuladas a granel, e constitui no seu género, a maior obra de engenharia da Europa. O seu lago artificial tem 540 m de comprimento e 110 m de altura podendo atingir a cota máxima de 740 metros e um volume de água de 165 milhões de metros cúbicos. A Barragem da Venda Nova foi construída em 1951 e levou à imersão da dita povoação, tendo sido construída uma outra, numa cota mais elevada. A sua cota máxima atinge os 700 metros, com um volume de água de cerca de 92 milhões de metros cúbicos. Finalmente, o rio Beça nasce na serra do Barroso nas imediações de Serraquinhos e percorre os leitos de Cervos, Beça, Vilar e Canedo, indo desaguar na margem esquerda do rio Tâmega, perto de Santo Aleixo. 146


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A água sempre teve uma enorme importância para esta região, sendo aproveitada e adaptada conforme as necessidades da população, que a utiliza para os mais diversos fins, que vão desde a rega dos prados naturais (lameiros) e dos campos de cultivo, à fonte de energia para os inúmeros moinhos de água existentes junto ao seu curso, bem como para a produção de energia eléctrica, como já se disse, ou para a prática de pesca, uma vez que estes rios transportam e alimentam diversas qualidades de peixes que são nacionalmente reconhecidas por terem uma qualidade invejável e um sabor único e inconfundível. Entre outras variedades piscícolas, podemos destacar a truta, o escalo, os barbos, a boga e a carpa. O CLIMA Relativamente ao clima nos espaços concelhios, é bastante heterogéneo – Nove meses de Inverno e Três de Inferno -, ou seja, tem Invernos longos e extremamente gélidos, onde ocorrem nevões com alguma frequência, que reforçam a rara beleza das paisagens, e Verões muito quentes, destacando-se os rios e albufeiras que, actualmente, formam praias fluviais propícias a agradáveis e salutares momentos de lazer.

Devido ao seu clima, a região do Barroso é também conhecida por “Terra Fria”, depois que Ferreira de Castro ali situou o seu romance. Na Terra Fria, como já se referiu, existe um ditado popular que caracteriza na perfeição o clima da região nove meses de Inverno e três meses de inferno. A seguir a uma curta Primavera, seguem-se três meses de Verão em que as temperaturas registadas são muitas vezes superiores a 35ºC. Depois de um breve período de Outono, segue-se um 147


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Inverno longo com temperaturas mínimas registadas frequentemente abaixo dos 0ºC. Ainda que a região não seja muito grande, contém duas zonas agrícolas bem diferentes: a mais baixa, formada pelas bacias interiores dos rios Terva e Beça e a margem direita do rio Tâmega, que apesar de muito restrita, constitui uma das zonas mais ricas do concelho de Boticas, visto aí existir uma exuberante vegetação e variedade de culturas, desde a vinha aos pomares e cereais. Nas zonas mais altas do Barroso, existem extensas áreas de prados naturais (lameiros), mas desconhecem a oliveira e a videira, cultivando-se, em larga escala, o centeio e a batata. Os ventos, irregulares e variáveis, conforme a época do ano, constituem elemento muito influente no clima barrosão. Por se localizar na chamada Ibéria Húmida, o Barroso tem índices pluviométricos elevados com uma média de 100 dias de chuva por ano. A REDE VIÁRIA No que diz respeito à rede viária existente nesta região, destacam-se a Estrada Nacional 103, a 308 e a 311. A Estrada Nacional 103, que liga Braga a Chaves, faz um percurso que liga o litoral minhoto ao interior transmontano.

Começa em Neiva, perto de Viana do Castelo, e prolonga-se por uma paisagem multifacetada pelo Este do Alto Minho, e por toda a zona Norte de Trás-os-Montes, passando por localidades como Braga, Chaves e Vinhais até acabar em Bragança. Constituiu um projecto de Estrada Nacional que percorresse toda a fronteira Norte de Trás-os-Montes com a Galiza, ligando as principais localidades raianas, das quais apenas Montalegre não é contemplada, já que a EN103 não a serve directamente vila e as aldeias à sua volta. Paralela à Estrada Nacional 103, e com o propósito semelhante de acompanhar a fronteira passando no entanto por 148


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localidades de menor grandeza, existe a Nacional 308, projecto este nunca terminado, constituindo o seu traçado uma manta de retalhos, dadas as inúmeras interrupções de percurso. Ao longo do percurso da Nacional 308, cruzamos Viana do Castelo, Barcelos, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Montalegre, Boticas, Chaves, Vinhais e Bragança. A 308 liga Montalegre às proximidades de Vieira do Minho e a 311 passa por Fafe, Cabeceiras de Basto, Montalegre, Boticas e Chaves.

OS DIALECTOS E A GEO-LINGUÍSTICA Também quanto ao dialecto, as Terras de Barroso têm uma cultura secular, de onde se destaca o falar próprio e a sabedoria que se tem transmitido de geração em geração, com a finalidade de evitar o seu desaparecimento, embora outrora tenha sido associada ao analfabetismo das suas gentes.

Actualmente, esta linguagem, com formas peculiares, tem direito até a dicionário, uma vez que ainda hoje é falada nas serras da região e em várias zonas de montanha de parte do Gerês. A linguagem falada pelo povo na vida quotidiana 149


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tem particularidades próprias. Não só apresenta aspetos fonético-fonológicos interessantes, como a nível lexical inclui um léxico característico. Como refere Rui Dias Guimarães na sua tese de doutoramento, “o falar do Barroso é um dialeto de transmontano e alto-minhoto a radicar numa variedade de português antigo localizado no século XIV, o que se reveste de particular importância para o conhecimento da Língua Portuguesa”.

O seu dialecto, designado por Barrosão, é pois um tópico significativo que constitui uma fonte de enriquecimento para as ciências da linguagem, considerado uma das matrizes da nossa língua. Diferencia-se através das suas especificidades próprias, como a manutenção de traços comuns ao galego ou às variedades leonesas em território português como o mirandês e sendinês. O falar de Barroso, possui uma série de léxicos únicos, hoje designados por barrosismos. Quanto à sua localização geolinguística, podemos dizer que a região do Barroso, pela sua posição geográfica - inclui 70 km de fronteira com a vizinha Galiza - possibilitou desde sempre, que se criassem laços fraternos e afinidades linguísticas e culturais entre as aldeias raianas. José Leite de Vasconcelos iniciou a identidade geolinguística ao assinalar na sua versão final do Mapa Dialectológico Português (1929) a variedade de “Boticas” e ao apresentar alguns fonemas dialectais e variantes, assim como Braga Barreiros que a nível lexical, publicou um “vocabulário barrosão” muito expressivo, de léxico em uso na região sem estudo lexicográfico, e Montalvão Machado que anexou ao seu romance regionalista um breve “glossário” de léxico em uso na região do Barroso, aspectos que indiciavam uma personalidade linguística própria, de remotas raízes linguísticas. 150


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Convenientemente a esta «irmandade Galaico-Transmontana», o padre António Lourenço Fontes, em colaboração com José Rodríguez Cruz, numa obra intitulada Mitos, crenzas e costumes da Raia Seca–A Máxica Fronteira Galego-Portuguesa, refere que “A Galicia sul e o Norte de Portugal estão intimamente ligados. “Así xa foi desde tempos arrecuados, que se ve na cultura dos castros, na paisaxe, na cultura, na língua…”. Também em Etnografia Transmontana – O comunitarismo de Barroso, o Padre Fontes nos fornece uma descrição bastante pormenorizada referente a esta relação: “Irmanado com os montes e rios e com os animais do campo, falamos a mesma linguagem, conservamos hábitos ancestrais de vida comunitária agropastoril…”, “O nosso folclore, o cantigueiro, os romances medievais, as anedotas e chistes, os ditos e provérbios do povo sábio, as cantigas de amigo e saudade, a nossa fala, fazem de nós irmãos gémeos…”

Um outro tópico significativo a realçar na região natural de Barroso, formada pelo concelho de Montalegre e de Boticas, e que constitui uma fonte de enriquecimento para as ciências da linguagem – o barrosão, que se aproxima do português falado nos séculos XIV E XV, e é tido como sendo uma das matrizes da nossa língua, possuindo além dos termos comuns ao galego, também uma panóplia de lexemas únicos, designados por «barrosismos». Para Rui Dias Guimarães “a linguagem falada pelo povo na vida quotidiana tem particularidades próprias. Não só apresenta aspectos fonético-fonológicos interessantes, como a nível lexical inclui léxico característico…”. Estas são pois as conclusões extraídas em O Falar de Barroso – O Homem e a Linguagem, do dito Professor Rui Dias Guimarães. Na primeira parte, referindo-se 151


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à identidade cultural e linguística da região barrosã, o estudioso classifica o «falar» como subdialecto transmontano e alto-minhoto, o mesmo que Lindley Cintra chamava de dialecto e Leite de Vasconcelos subdialecto raiano transmontano. Três designações se registaram: falar, subdialecto e dialecto, tendo Rui Guimarães optado por se fixar na classificação de “dialecto”, dando seguimento a Lindley Cintra, dialecto barrosão como um subdialecto transmontano e altominhoto. Ora, é precisamente no segundo prefácio do trabalho de investigação deste Autor, que o etnógrafo Padre Fontes faz referência à fala barrosã, frisando que “(…) passou de simples e bem conservada oralidade ciosamente guardada pela gente mais rude, analfabeta, mas ciosa das suas origens, à forma escrita, estratificada, gravada para os vindouros. (…) Temos agora mais que nunca razões para falar barrosão. Esta é a nossa língua materna (…) Falá-la é identificar-se, irmanar-se, descobrir-se, dar a cara e o prazer a quem já se habituou a ouvir-nos, porque não somos nem envergonhados, nem imitadores de outras falas”.

Mapa dos Dialectos de Portugal Continental de José Leite de Vasconcelos (1894 e 1929)

Rui Guimarães, afirma que o falar barrosão é “conservado ainda pelos falantes com o estatuto sócio-cultural de «agricultor», «idade superior a 65 anos» e «analfabeto» ou «sabe ler e escrever sem a 4.ª classe»”, acrescentando que “Os falantes usam a variante linguística local em contextos familiares, e usam a variante do português padrão em situações diferentes, como nas escolas, nas repartições públicas, ou mesmo até com os próprios netos escolarizados”. Comparando com o mirandês, que é um dialecto ou variedade da Língua Leonesa, falada em Portugal, o barrosão é um dialecto português, ou uma variedade da Língua Portuguesa pertencente à área dos dialectos transmontanos e altominhotos, que em conjunto com a área dos dialectos baixo-minhotos durienses e beirões, integram a vasta área dos dialectos portugueses setentrionais, a partir da 152


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região de Aveiro até ao Norte da Galiza, segundo o estudo realizado por Lindley Cintra (Portugal) e Fernández Rei (Galiza). Foi no mapa geolinguístico destes dois autores que Rui Guimarães inseriu o dialecto barrosão, limitando os seus contornos geográficos às regiões de Barroso, Montalegre e Boticas e o seu uso linguístico em situação de diglossia, por vezes com aspectos de bilinguismo, diglossia, como o uso de duas variantes da mesma língua, a Língua Portuguesa, uma variante com uso linguístico em contexto familiar e socio-cultural e a outra variante com afinidades em relação ao português padrão, em situações de comunicação oficiais e formais, um pouco como, de certo modo, também acontece com o Mirandês. Só que as origens do barrosão são muito antigas, próximas do galego-português medieval do século XIII e do português antigo do século XIV e com uma partilha comum assinalável em relação ao galego, ele mesmo, segundo Lindley Cintra e Fernández Rei, um dialecto da Língua Portuguesa, os dialectos galegos com três variantes internas. O interesse dos meios de comunicação social pelo dialecto barrosão também é já hoje assinalável

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CAPITULO IX O CONCELHO DE MONTALEGRE

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O Concelho de Montalegre é o segundo mais extenso do país!... Conta duas vilas - Montalegre e Salto - e 136 aldeias e lugares. É a grande porta de entrada do litoral minhoto, sendo por assim dizer, alguém com o coração em Trás-os-Montes e os braços estendidos ao Minho.

É nesta linha de transição que têm lugar alguns dos mais belos trechos paisagísticos de Portugal e onde está implantado o único Parque Nacional de Portugal - o Parque Nacional da Peneda Gerês. Miguel Torga fala-nos como ninguém desse transpôr do Alto Minho para o Barroso: "Tranquei as portas da memória e, pela margem do rio, subi aos Carris. Uma multidão minava as fragas à procura de volfrâmio, por conta da guerra e de quem a fazia. Teixos e carvalhos centenários acompanharam me quase todo o caminho. Só desistiram quando me aproximei do cume da montanha, onde a vida, já sem raízes, tenta levantar voo. Agora sim!... Agora podia em perfeita paz de espírito, estender a minha ternura lusíada por toda a portuguesa Galiza percorrida. Pano de fundo, o mar de terras baixas era apenas um cenário esfumado; à boca do palco reflectiam-se nas várias albufeiras do Cávado a redonda pureza da Cabreira e a beleza sem par do Gerês. E o espectador emotivo já não tinha necessidade de brigar com o cavador instintivo que havia também dentro de mim. Embora através da magia agreste dos relevos, talvez por contraste, impunha-se-me com outra significação a abundância dos canastros, o optimismo dos semeadores e a própria embriaguez que anestesiava cada acto, no fundo necessária à saúde dos corpos individuais e colectivos. Integrava o alegrete perpétuo no meu caleidoscópio telúrico. Bem vistas as coisas, se ele não existisse faria falta no arranjo final do ramalhete 155


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coreográfico português. Em acção de graças por esta conclusão pacificadora, rezei orações pagãs no Altar de Cabrões, antes de subir à Nevosa e aos Cornos da Fonte Fria a experimentar como se tremem maleitas em pleno Agosto. Estava exausto, mas o corpo recusava-se a parar. Pitões acenava-me lá longe, de tectos colmados e de chancas ferradas. Não obstante pisar o mais belo pedaço de chão pátrio, queria repousar em terra real e consubstancialmente minha. Ansiava por estender os ossos nos tomentos do Barroso, onde apesar de tudo, era mais seguro adormecer. Quem me garantia a mim, que mesmo alcandorado nos carrapitos da Borrajeira, não voltaria a ter pela noite fria um pesadelo verde?!..." Como tantas outras terras do Noroeste peninsular, o concelho de Montalegre, pela riqueza da sua história, pela singularidade dos seus costumes, pela sua centralidade no planalto barrosão, constitui um espaço onde se fundem gerações e gerações, particularidades e acontecimentos, que lhe conferem uma diferenciação na dinâmica social, que o distingue de todas as regiões circundantes. A sua abertura tardia ao contacto com povos e culturas diferentes, gerou nas últimas décadas fortíssimos processos de mudança, colocando problemas sérios de equilíbrio do indivíduo com o seu ambiente e de apreensão e transmissão do legado cultural. Alteraram-se não só os conhecimentos mas também "os interesses, as atitudes, o desenvolvimento do carácter e da sociabilidade e adaptabilidade". De facto, Montalegre não é hoje o que era há quarenta ou cinquenta anos. As relações económicas e sociais mudaram!... Não se vive de maneira idêntica e os quadros de valores também não são os mesmos. Os últimos anos do século XX trouxeram nos novos conhecimentos muitas e rápidas mudanças com sucessos e insucessos, descobrimentos, fenómenos e transformações que eram impensáveis nas gerações anteriores. Vamos então “sentar-nos no escano” frente à fogueira e recriar uma "viagem virtual" que retome as referências passadas e presentes, que corporizam e dão sentido ao Concelho de Montalegre de hoje. A HISTÓRIA O Concelho de Montalegre regista a presença do homem desde os longínquos tempos da pré história. Os mais antigos vestígios conhecidos datam de há 4 ou 5 mil anos. As antas ou dólmenes constituem o património vivo de uma cultura neolítica relativamente desenvolvida e de um povo fortemente vinculado à sua terra. São numerosos os dólmenes existentes no concelho. Infelizmente necessitam de um trabalho de sinalização, marcação e protecção. Impõe se um esforço de sensibilização das populações e das escolas, de modo a preservar um património valiosíssimo e raro, que pode constituir uma base notável para atracção de turistas esclarecidos e apreciadores do belo, eterno e único. Da era dos metais chegam até nós preciosíssimos achados: machados de bronze, pontas de lança, instrumentos com forma de garfo, fivelas em bronze e três admiráveis torques de ouro, por certo contemporâneos da civilização castreja. Por volta do ano mil antes de Cristo o concelho de Montalegre era habitado por um povo mal conhecido. 156


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Mais tarde chegaram outros povos possuidores de uma forte cultura multissecular. No concelho de Montalegre são referenciados 50 castros, dos quais 35 ao longo da bacia do Rabagão. Este património inestimável encontra se ao abandono. 0 autor recebeu o testemunho de muitos pastores que ocuparam a sua mocidade a vandalizar muros, pedras, recantos, enquanto se divertiam a fazer rolar as pedras encosta abaixo. Outros testemunhos dizem nos de pessoas que ali foram carregar pedra para erguer casas e muros de propriedades rústicas. Tais factos deixam nos estarrecidos.

Com um tal património de que mais podemos precisar para fazer desta região um local de atracção turística e cultural sem paralelo?!... A cultura ibero-céltica dos Castros cedeu lugar ao domínio romano e muitos destes castros foram romanizados ou abandonados com a deslocação forçada dos habitantes para as planícies. A região do Barroso era atravessada pela via romana de ligação entre Braga e Chaves, com três itinerários diferentes constituídos em épocas diversas. Os marcos milenares são prova disso. A densidade de vias de comunicação nesta região tem a ver, por certo, com a intensa exploração de estanho e de ouro, que se estendia desde a serra da Cabreira, ao Vale do Tâmega e à Galiza. Trás-osMontes e Galiza forneciam então anualmente cerca de 6.000 quilos de ouro a Roma!... Isso explica também a forte presença militar (a sétima legião tinha assento em Chaves) para assegurar a exploração e o transporte de tamanha riqueza para a sede do Império. Em Salto, local bastante mineralizado foi feito um achado de 3.000 moedas do século III, bem próximo das minas da Borralha. Os tempos bárbaros trouxeram à região a presença dos Alanos, Vândalos, Suevos e Visigodos durante 126 anos, desde a queda do reino dos Suevos até à invasão árabe. Barroso não deve ter registado um domínio permanente dos árabes 157


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superior a 40 anos, mas as incursões foram muitas, motivo por que os nomes e tradições mouriscas ficaram aqui profundamente arreigados. Por certo os repovoamentos efectuados a seguir à fundação da nacionalidade têm bastante a ver com este fenómeno. Barroso faz parte integrante do Condado Portucalense, tal como uma substancial fatia do sul da Galiza, devolvida ao rei de Leão por Afonso Henriques, quando da tentativa frustrada da conquista de Badajoz. Foi assinalável a participação de homens de Barroso na reconquista com viva presença em Toledo e no cerco de Sevilha.

Segundo o trabalho de investigação efectuado por José Batista, o escudo de armas dos Barrosos está presente em mais de meia dúzia de locais diferentes da cidade de Toledo. Foi D. Dinis, o rei lavrador, quem ordenou a construção do imprescindível Castelo de Montalegre. Sobre a linha de fronteira edificaram-se duas torres de vigilância: a atalaia do Portelo e o Castelo de Piconha, hoje desfeito. Estas eram as únicas fortalezas existentes desde Lindoso à vila acastelada de Chaves. D. Nuno Álvares Pereira casou no Concelho de Montalegre, na freguesia de Salto, com D. Leonor Alvim, viúva de um senhor de Barroso, de avantajado património territorial. Foi, segundo a lenda, no Monte da Corneta, que foram treinadas as tropas que haveriam de combater depois em Aljubarrota. Barroso assistiu ainda à passagem do exército napoleónico, em princípios de 1808, sob o comando de Soult, e no seu regresso, dois meses depois, ferozmente perseguido pelo exército luso inglês, tendo-se escapado por um triz pela ponte de Misarela. No seu recolhimento, afastados dos grandes centros populacionais e políticos do país e separados da Galiza por montanhas pouco acessíveis, os naturais do concelho, excluídas algumas correrias e escaramuças, foram sempre poupados a lutas fronteiriças sangrentas. Os poucos conflitos militares aqui registados revestiram preponderantemente o carácter de 158


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acções isoladas, por vezes de tipo guerrilha, ou limitaram se a incursões pontuais com objectivos limitados. Hoje como ontem, porta de passagem da Galiza para Portugal e vice-versa, Montalegre acolhe os galegos com o mesmo espírito que estes vêm em Montalegre uma comarca vizinha. Padres, médicos e veterinários prestam os seus serviços de um e outro lado da fronteira. E já assim acontecia em tempos remotos, muito antes da abolição das fronteiras, trazida pelos ventos europeus. Como se sabe e já se afirmou, a área do concelho de Montalegre é enorme!... Porém, os seus 800 quilómetros quadrados de serras e planalto são escassamente povoados, por menos de quinze mil habitantes, o que lhe dá uma densidade populacional pouco superior a 16 habitantes por quilómetro quadrado. Hoje, não bastando serem poucos, os barrosões estão também em retrocesso demográfico. Morrem muitos mais do que nascem, o que cada vez mais se nota na ocupação do território e na paisagem, hoje em dia entristecida pela proliferação de aldeias em desertificação, apenas povoadas por respeitosos gerontes, saídos de um conto de antanho, de Miguel Torga ou Bento da Cruz. A maior parte da população vive no planalto barrosão, que se estende desde os contrafortes do Gerês à depressão do vale de Chaves. O resto do concelho é montanhoso e agreste. Proporciona miradouros esplêndidos de onde se disfrutam panoramas rasgados. Aliás, todo o território de Montalegre é muito elevado, o que marca indelevelmente o clima.

O território montalegrense está em parte coberto de florestas. Todavia, são apenas todas de plantação recente, nomeadamente as de coníferas. Apenas nos vales mais abrigados há ainda florestas nativas de carvalhos. Junto aos rios, há choupos e freixos, também plantados, mas para servir de divisórias nos pastos. A 159


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maior parte das terras baixas é de semeadura, onde se colhem saborosas e afamadas batatas, ou de pastagens, onde se alimenta e cresce o célebre gado barrosão. Dos seus antepassados celtas, a população desta terra herdou o carácter orgulhoso e agressivo, do qual resulta um marcado bairrismo, que torna a população solidária e ao nível da comunidade, auto-suficiente. Como em muito poucas zonas do território nacional, a vida e sentimento comunitários são particularmente intensas nas terras de Barroso. Veneram-se ainda hoje de uma forma invulgar os familiares desaparecidos. Por outro lado, todos se sentem umbilicalmente ligados à terra que os viu nascer.

Porém, paradoxalmente, o povo barrosão é fechado e reservado, quiçá em consequência da sua actividade tradicional principal, a pastorícia que o torna igualmente rude e violento. Mas também o clima, o relevo e a pequena densidade populacional moldaram o carácter rude e austero dos barrosões e determinaram que se agrupassem em aldeias outrora populosas, com muitas casas, próximas umas das outras e aconchegadas. Em regra, não há casas ou quintas isoladas, que seriam muito mais vulneráveis aos temporais, ao frio ou às alcateias de lobos famintos que noutros tempos desciam das serras no Inverno. Nestas aldeias, ao longo das gerações, enraizaram-se tradições comunitárias que não poderiam aparecer em pequenas povoações: a vezeira de reses, somente rentável em aldeias grandes; o forno do povo de grandes dimensões; e o boi do povo, que para ser campeão exigia grandes despesas no seu trato. Por todo o Barroso houve, no passado, várias outras ricas tradições de instituições comunitárias, como a administração dos baldios, o ordenamento das águas correntes para rega de lameiros, ou o fojo do lobo. São também determinadas pelo clima as mais características manifestações do artesanato local: a capucha de burel e a croça. A 160


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primeira é uma capa de Inverno, em tecido grosseiro, de agasalho e de protecção da chuva e da neve; a segunda é um capote palha ou juncos, destinado ao tempo de chuva. O povo que aqui aina habita, laborioso e esforçado, rende-se por isso à alimentação substancial. Na mesa barrosã é imprescindível o fumeiro, composto, entre outros, por chouriças, de carne e de sangue. A par dele, come-se também muita carne de porco. São especialmente característicos desta terra, como de toda a terra transmontana, os “rijões”, que são pedaços de tripa de porco fritos no unto do próprio animal. Em dias de festa, come-se vitela ou vaca, bem como cabrito. É também nestas ocasiões que se comem os poucos doces que por aqui se permitem: o arroz doce, a aletria e as rabanadas de Natal. A mais recente especialidade regional é a carne de vitela barrosã, na grelha ou na frigideira, sem qualquer tipo de tempero. Esta é enfim, uma terra de vastos e vivos horizontes, mas de poucas e fracas vias de penetração. Contrariando a beleza dos lugares e o ambiente pastoril e salutar, onde predomina a natureza selvagem, a vida é difícil por estas paragens - a agrura cria predisposição para a emigração. Apesar do natural apego dos barrosões ao seu torrão natal, desde há séculos que a emigração se instalou como uma tradição e instituição, quer para as Américas, quer em momento mais recente para a Europa. Já assim é desde o século XVI, quando um natural da zona, João Rodrigues Cabrilho, a soldo dos reis de Espanha, se tornou famoso por ser o primeiro europeu a pisar a Califórnia. Também por ser terra de emigração, esta é uma terra hospitaleira, não faltando nunca ao visitante a porta aberta para a mesa farta de cozido à moda de Barroso, presunto, cabrito ou vitela assada. AS CASAS As casas de Barroso são em geral uniformemente simples e cinzentas!... A sua beleza rústica prevalecia até há algumas dezenas de anos, quando começaram a regressar mais intensamente os emigrados de além-fronteiras, que trouxeram com eles descontracção e vontade de a demonstrar, nomeadamente no estilo inusitado que imprimiram às suas casas. Mas há, além destas, alguma que outra excepção ao estilo tradicional, e se assim se lhe pode chamar, regional. Na vila, um dos mais notáveis casos atípicos é a Casa do Cerrado. Quando o castelo deixou de servir como residência senhorial dominial no advento da Idade Moderna, os alcaides de Montalegre mudaram-se para um novo paço, construído em sítio mais abrigado das intempéries que o morro do castelo medieval. Esta nova residência, que ficou conhecida como Casa do Cerrado, está em sítio actualmente próximo do centro cívico da vila, em frente ao Tribunal Judicial, à Câmara Municipal e ao edifício da Caixa Geral de Depósitos. É um solar granítico, rodeado, em tempo, de jardins, com traços tradicionais e pretensões senhoriais. Hoje em dia passa um pouco desapercebido, por estar baixo e pela proximidade de outros edifícios maiores e mais altos. Mais chamativa é a sua monumental portalada de acesso ao pátio, também em granito, onde estão esculpidas, em grandes dimensões, as armas dos senhores da casa. No que diz respeito às casas dos lavradores nas aldeias, estas estiveram ao longo dos anos, sempre adaptadas às actividades agrícolas e pastoris. Sobre o mesmo tecto abrigavam-se muitas vezes pessoas, animais e produtos da terra. O rés-do161


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chão era reservado para a adega, cortes dos porcos, lojas, tudo paredes meias com a corte da rês e cortes do gado. Os estábulos deitavam normalmente para um pátio, e se o recinto fosse adequado, podia servir também de eira com palheiro e tulha a fechar o círculo. No primeiro andar, habitavam as pessoas. A escada exterior em pedra levava à cozinha, e a varanda corria toda a fachada, dando acesso ao sobrado de limpo, destinado na maioria dos casos para os “visitantes ilustres” dormirem. Havia porém casos, em que a eira, o palheiro e as cortes de gado eram um conjunto independente e até distante da casa de habitação. A par das casas dos lavradores existiam ainda as dos cabaneiros, estas muito mais modestas e apertadas, mas não raramente com mais família para abrigar. Nestas casas normalmente térreas, cabiam o lar com escano e cremalheira, as camas, uma pequena mesa, uma toucinheira pendurada da trave, uma caixa de madeira de carvalho e vários molhos de lenha ao lado, que uma dúzia de galinhas usava como capoeira.

Gralhas-Anos 60

A cobertura de colmo ajudava a conservar o calor noite dentro, o que era fundamental quando o lume era pobre e onde raramente entrava cepo de carvalho ou torgo de urzeira. OS LOCAIS DE CULTO Quanto a igrejas em Montalegre, não há muito a dizer. Somente há algumas dezenas de anos Montalegre foi dotada de uma grande Igreja Matriz, compatível em grandeza com a terra. A actual igreja principal é um templo grande e moderno, dominado por uma torre sineira, construído em cimento e pintado de branco. Está a leste do núcleo principal da vila, próximo da saída para Boticas. Muito mais antigas, são as duas 162


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igrejas da zona medieval da vila. Uma delas, a Igreja do Castelo, que já foi matriz e está efectivamente muito próxima do castelo. Rodeiam-na muitas e frondosas árvores, que lhe dão um ambiente sereno e pacato de muito recolhimento.

Embora seja de origem medieval, o seu traço diz-nos que deve remontar ao século XVII, e nela merece destaque a torre sineira. Tal como em muitas igrejas da região, está separada do corpo principal do templo, ao qual fica fronteira, tendo acesso próprio pelo exterior. A outra igreja é mais baixa e atarracada. Também tem origem medieval, embora as suas características arquitectónicas actuais revelem alterações muito posteriores. Fica no Largo do Pelourinho. A CRIAÇÃO DE GADO No Concelho de Montalegre deveriam existir, antes da florestação, à volta de um milhão e meio de ovelhas e cabras, as quais geravam uma média de 800.000 cabritos e cordeiros, dos quais meio milhão destinado à venda. Aos preços actuais daria uma receita de cerca de 4 milhões de contos, ou seja, 20 milhões de euros. A diminuição brutal do pastoreio originou uma quebra insustentável do rendimento familiar. O gado barrosão, foi desde sempre a verdadeira riqueza pecuária do planalto. É meão de estatura, sóbrio e robusto, de "cornos infinitos" no dizer de Miguel Torga; é animal de trabalho e de criação. A densidade de gado bovino em Montalegre era de 15 cabeças por 100 hectares, muito acima da média registada em toda a região de Trás-o- Montes. Todos os anos saíam de Montalegre em direcção a Braga e outras cidades e vilas minhotas, cerca de 5 a 6.000 vitelos, que aí eram engordados com milho, trevos e fenos, para serem vendidos depois nas feiras do litoral. Aos preços actuais daria origem a uma receita da ordem de 40 milhões de Euros. Em paralelo, o arroteamanto de lamas, lameiros e touças, para produção de batata de semente, reduziu ainda mais a área de pastagem. Estamos a falar do Barroso da década de 30. Com a intensificação da cultura da batata de semente nos anos 40 as coisas mudaram radicalmente. 163


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O gado barrosão foi, em grande medida, substituído pelo gado de penato (maronês), mais rústico e resistente ao trabalho, e pelo mirandês, mais corpulento e possante.

Bovino Raça Barrosã

As juntas de vacas deram lugar às juntas de bois, muitos lameiros viraram plantações de batata e inclusivamente certos bancos exploraram grandes áreas de produção de batata de semente, como por exemplo na Aldeia Nova de Barroso. Passado o impacto da guerra e reorganizada a produção na Europa, Montalegre voltou a experimentar dificuldades económicas, que só a emigração atenuou. As razões são várias: A batata de semente baixou para preços que mal cobriam os custos de produção. Os circuitos de comercialização funcionavam mal (apesar da existência de cooperativas de produtores) e os valores de mercado oscilavam excessivamente de ano para ano. A carne de gado barrosão, sendo reconhecidamente uma das mais saborosas do mundo, não tinha condições para se diferenciar pelos preços (o que só recentemente está a acontecer), face ao crescimento mais rápido de outras raças produtoras de carne. "Uma barragem a mais, três vales a menos"; a construção das barragens roubou mais de 2 mil e setecentos hectares dos melhores vales agrícolas e as indemnizações, sem qualquer preocupação de natureza social, foram simplesmente de miséria. Conhecemos casos em que o valor pago ao proprietário foi inferior ao valor de venda da batata ali produzida no ano anterior; O comunitarismo agrário foi profundamente atingido, os baldios reduzidos, o tecido social destruído, os produtos tradicionais afectados. E então, chega a sangria da emigração para França. A juventude, a alegria, a força de trabalho foram-se. França e Alemanha são os grandes destinos, mas também os Estados Unidos da América e até em alguns casos o Brasil. Nos Estados Unidos, há até casos, em que certas ruas são conhecidas pelo nome dos habitantes originários das aldeias de Barroso: "rua dos de Negrões" ou de outras localidades, conforme a predominância. Barroso da Fonte, cita que só em Bridgeport (EUA) viviam, na passagem do segundo milénio, 164


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cerca de 150 pessoas nascidas na sua aldeia natal de Codeçoso. Montalegre sofreu assim um golpe brutal e a partir de então vive à procura de um novo equilíbrio ainda por definir. As potencialidades existem, mas torna-se imperioso aprofundar uma estratégia, que dê sentido e concretize as mais profundas aspirações das suas gentes. Os desequilíbrios são estruturais. Muitos dos seus filhos não encontram aqui condições para afirmar a sua independência psicológica e material, e por isso vão procurar outros destinos. E Montalegre ressente-se de tudo isto, sem perspectivas concretas, sem projectos, com uma população crescentemente envelhecida a registar uma perda de um terço da população em cada dez anos. O património natural, a paisagem pouco alterada, a qualidade do ar, a calma dos grandes espaços, os desportos aquáticos e de montanha, a qualidade dos produtos, a riqueza da cozinha, a proximidade dos grandes centros do litoral são atractivos que podem constituir um foco de intensa atracção turística. No entanto, é necessário criar uma mentalidade empresarial, mesmo de um tecido de pequenos projectos bem geridos e apoiados, e isso não se revela fácil numa comunidade crescentemente subsídio dependente. Montalegre e todo o Barroso tem ao seu alcance todo o mercado europeu para aí colocar a sua carne de Barroso se souber utilizar a informação e o marketing de modo adequado. Falta um plano, falta produção, falta confiança e credibilidade. Nada que não tenha sido feito ao longo do século XIX, com a exportação regular de gado barrosão vivo para Inglaterra, onde os melhores restaurantes colocavam, como atractivo, sobre a porta da entrada o dístico, "Portuguese beef'. Foi igualmente a carne barrosã a dar renome ao mundialmente conhecido "roasted beef'. Este fluxo de exportação sofreu um forte decréscimo por ocasião da disputa do mapa cor de rosa, tendo-se mantido no entanto, até por volta de 1918 A HIDROGRAFIA No que se refere à hidrografia, o Barroso apresenta uma vasta rede hidrográfica, com especial destaque para os Rios Cávado, Rabagão e Beça, que quer pela sua dimensão, quer pela área que abrangem, modelam a paisagem ao longo do seu percurso, fecundando os campos e oferecendo nos seus leitos um manancial piscícola. Neste ponto destacam-se, apenas os principais rios que atravessam as Terras de Barroso, mas desde já fica registado que será elevado o número de ribeiros e corgos que não sendo citados, estão à espera de ser visitados e que por mais pequenos que sejam, no deixam de ser importantes no seu conjunto. O rio Cávado nasce na Serra do Larouco – na já designada Fonte da Pipa - , a uma altitude de cerca de 1520 metros, passa contíguo à vila de Montalegre e depois de banhar uma infinidade de aldeias, alimenta famosas barragens. Passa por Braga, Barcelos e desagua no Oceano Atlântico junto a Esposende, após um percurso de 135 quilómetros. Este rio tem como principais afluentes o rio Homem, o rio Rabagão e o rio Saltadouro. O Rabagão é um afluente da margem esquerda do rio Cávado. Nasce entre as serras do Barroso e do Larouco, e com um comprimento de 37 quilómetros, drena 165


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uma área de 246 km². Desagua no rio Cávado, próximo da famosa Ponte da Misarela. O Sistema Cávado - Rabagão – Homem, é composto por várias barragens implantadas nesses mesmos percursos fluviais para aproveitamentos hidroeléctricos: Barragem da Paradela, Barragem de Salamonde, Barragem da Caniçada, Barragem do Alto Cávado, Barragem do Alto Rabagão, Barragem da Venda Nova, Barragem de Vilarinho das Furnas e a Barragem de Penide.

Finalmente, o rio Beça nasce na serra do Barroso nas imediações de Serraquinhos e percorre os leitos de Cervos, Beça, Vilar e Canedo, indo desaguar na margem esquerda do rio Tâmega, perto de Santo Aleixo. A água sempre teve uma enorme importância para esta região, sendo aproveitada e adaptada conforme as necessidades da população, que a utiliza para os mais diversos fins, que vão desde a rega dos prados naturais (lameiros) e dos campos de cultivo, à fonte de energia para os inúmeros moinhos de água existentes junto ao seu curso, bem como para a produção de energia eléctrica, como já se disse, ou para a prática de pesca, uma vez que estes rios transportam e alimentam diversas qualidades de peixes que são nacionalmente reconhecidas por terem uma qualidade invejável e um sabor único e inconfundível. Entre outras variedades piscícolas, podemos destacar a truta, o escalo, os barbos, a boga e a carpa. AS BARRAGENS Barroso, terra de montanha, é também terra de muita água. Das serras correm rios e ribeiros caudalosos no inverno e na primavera, e mais calmos no verão. Os seus vales prestam-se à construção de barragens e de centrais de aproveitamento da energia hídrica. O rio Cávado e o seu afluente Rabagão dão origem, ao longo dos respectivos cursos, a um dos maiores e mais complexos sistemas de 166


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barragens e centrais hidroeléctricas. Os lagos artificiais, para além de intervirem na ecologia e na paisagem da região, modificando-a, criam também interessantes locais de turismo e lazer. Para o aproveitamento hidroeléctrico de alguns cursos de água, ao longo dos anos, designadamente durante o último século foram construidas grandes barragens em toda a região. Só no concelho de Montalegre existem, a Barragem do Alto Rabagão inaugurada em 1966, também conhecida por Barragem de Pisões, que se estende desde o paredão da aldeia, até ao extremo do antigo planalto barrosão de Morgade, a Barragem do Alto Cávado a qual está relacionada com um túnel de cinco quilómetros com a Barragem do Alto Rabagão, mas é bastante menor, a Barragem de Paradela, com uma característica muito própria de construção, feita de rochas acumuladas a granel, constituindo no seu género, a maior obra de engenharia da Europa e a Barragem da Venda Nova, construída em 1951 e que levou à imersão a dita povoação. BARRAGEM DO ALTO RABAGÃO Situa-se junto da aldeia de Pisões e é o maior lago de Portugal. Tem cerca de 12 quilómetros de comprimento máximo e cerca de 4 de largura, tendo uma capacidade de mais de 500 milhões de metros cúbicos de água.

O dique da barragem propriamente dita tem cerca de 3 quilómetros de comprimento e noventa metros de altura máxima. A sua construção foi concluída em 1966, ficando desta obra, como especial referência, a sua central, que é subterrânea e fica a 130 metros de profundidade. Como lago, apropriado para actividades de lazer, esta barragem é de utilização livre e sem restrições. As suas margens são muito recortadas, com baías, golfos e pequenas enseadas de areia e pedra granítica. Tem muita pesca e podem praticar-se desportos náuticos, para os quais há boas condições. Em boa parte as margens são vegetadas com carvalhos e sobretudo com mato rasteiro, criando assim uma bonita paisagem, completada pelas cadeias montanhosas das vizinhanças. 167


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A BARRAGEM DO ALTO CÁVADO É a mais pequena e modesta da região. Com apenas um par de quilómetros de comprimento, tem capacidade para tão só 2 milhões de metros cúbicos de água. A barragem em betão, tem uma altura máxima de 29 metros. Não tem central hidroeléctrica, mas as suas águas não se perdem!... Alimentam a Barragem do Alto Rabagão, para onde são levadas por uma conduta artificial com quase cinco quilómetros de comprimento. A configuração deste lago artificial é comprida mas estreita, seguindo o curso sinuoso do rio Cávado. As suas margens estão revestidas de densos matagais de vegetação nativa, onde avultam os lameiros, ladeados de carvalhos e vidoeiros, que dão encanto e placidez ao lugar. A utilização desta barragem é condicionada por lei, podendo ser feitas restrições

às actividades aqui desenvolvidas. Não obstante, é autorizada a pesca e a natação, bem como alguns desportos náuticos. BARRAGEM DE PARADELA Também vive das águas do rio Cávado!... O seu dique é uma impressionante edificação de terra e granito, empilhados em aterro, com uma altura de 110 metros e um comprimento de 540. Pelas suas dimensões, já foi considerada a maior da Europa no género. O lago é igualmente grande e profundo, com capacidade para mais de 150 milhões de metros cúbicos de água. Também aqui não há central de aproveitamento hidroeléctrico. Porém sem se perder, a água que daqui sai é directamente canalizada para a Central de Vila Nova, sobranceira à Barragem de Salamonde, por uma fantástica conduta escavada na montanha, com cerca de 11 quilómetros de comprimento. Quer a barragem, quer a respectiva albufeira, estão na área do Parque Nacional da Peneda-Gerês, em zona de planalto, em geral 168


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despido de arborização. Apenas em alguns locais há coníferas, plantadas pelos serviços florestais. Com estas condicionantes, a barragem é classificada como protegida, por motivos de preservação ambiental e ecológica, sendo todavia permitido, com certas restrições, pescar e nadar, bem como praticar desportos náuticos, desde que sem utilização de motor.

Os acessos à barragem sofreram muito recentemente obras de beneficiação e fazem-se actualmente por estrada alcatroada até ao paredão. A partir daí, são em regra maus, fazendo-se por caminhos de terra, embora curtos, que partem do estrada que a bordeja pelo sul. Há todavia por ali, locais muito agradáveis e propícios às actividades ao ar livre. BARRAGEM DA VENDA NOVA A mais distante barragem do concelho de Montalegre, já nos limites do Minho, é a no rio Rabagão. É a mais antiga de toda a região e foi construída em 1951. O seu dique tem 96 metros de altura máxima e 230 de largura. A sua albufeira, com capacidade para quase 100 milhões de metros cúbicos de água, tem cerca de 10 quilómetros de comprimento, apesar de ser muito estreita. Como outras, não tem central hidroeléctrica, alimentando com as suas águas a Central de Vila Nova, para onde são levadas por uma arrojada conduta com cerca de 3 quilómetros de comprimento. A albufeira é muito irregular, com variadas ramificações para os flancos, entrando pelos vales dos afluentes do Rio Rabagão. 169


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As margens são intensamente florestadas com coníferas, dando à paisagem uma tonalidade sempre verde e repousante, que convida à prática da vida ao ar livre.

Tanto mais que esta barragem é de utilização livre, sendo possível pescar e nadar, bem como praticar todas as modalidades de desportos e competições náuticas. O CLIMA O concelho, na sua globalidade também conhecido por Terra Fria Transmontana

devido ao seu clima, é bastante heterogéneo, como diz o ditado popular, com “nove meses de inverno e três de inferno, ou seja, invernos longos e extremamente gélidos, com temperaturas mínimas registadas frequentemente 170


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abaixo de 0º, com nevões frequentes e geadas que levam semanas e até meses a desfazer e que reforçam a rara beleza das suas paisagens. Por sua vez, os verões são muito quentes, muitas vezes com temperaturas superiores a 35º, o que faz destacar os rios e as albufeiras que formam praias fluviais propícias e agradáveis em momentos de lazer. Durante o período de abril a outubro, o clima comporta-se de forma regular, sendo aconselhado medicinalmente, como dos melhores climas para a saúde. O clima nesta região regista grandes amplitudes térmicas. Podendo assim fazer-se uma distinção entre o Baixo Barroso, que se apresenta mais temperado e com elevadas precipitações, e a região de Montalegre, que se apresenta mais rigoroso e com fortes nevões. A pluviosidade do Planalto do Barroso é considerada elevada, com cerca de 1.100 mm devido à grande condensação nas altas montanhas.

A GEOGRAFIA ÁREA: 822 quilómetros quadrados POPULAÇÃO: 12.792 habitantes (census 2011) VILAS: 2 FREGUESIAS: 25 VILAS, ALDEIAS E LUGARES: 136

SERRAS: Larouco 1.525 metros; Gerês 1.434; Alturas do Barroso 1.262; Leiranco 1152. MACIÇOS MONTANHOSO:Montes Gordo e Ferronho 1.214 metros; Alto de Ribas 1.477; Coto de Sendim (Sendim) 1.259; Cabeço do Vidual (Padroso) 1.272. 171


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Cabeço do Alto (Sabuzedo) 1.322; Alto do Rinchão (Mourilhe) 1.401; Pisco (Tourém) 1.393; Ourigo 1.276; Corujeira (Montalegre) 1.214.

AS GRANDES REFERÊNCIAS MONTANHOSAS DE BARROSO O LAROUCO Do planalto barrosão, a nordeste da vila de Montalegre, sobressai o espigão de uma serra que no outono é escura e ameaçadora, no inverno é branca, na primavera verde e no verão garrida. É a serra do Larouco, cuja altitude máxima atinge os 1536 metros acima do nível do mar. Está disposta na direcção norte/sul, atravessando a fronteira e prolongando-se para terras da Galiza, com um comprimento de cerca de 10 quilómetros. Chega-se lá, partindo de Montalegre pela estrada de Vilar de Perdizes, que depois se deixa na direcção de Padornelos Daqui, toma-se a estrada de Sendim e do antigo posto fronteiriço, cuja estrada se deixa para a direita, na direcção da pendente ocidental da serra. A estrada foi recentemente pavimentada e é pouco pronunciada até meio da encosta. encontrase toda em bom estado; passa agora a ser térrea e íngreme. Nalguns troços está mesmo em O panorama imenso que daqui se avista, consoante se vai subindo, compensa o esforço da subida. A zona do topo, próxima da raia, é conhecida por Fonte da Pipa. Trata-se de um planalto, a cerca de 1500 metros de altitude, que no inverno e na primavera está sempre bastante molhado, por reter as águas pluviais. Um pouco mais abaixo, na encosta poente da serra, com esta água começa a formar-se o rio Cávado. A 1525 metros de altitude, está um marco 172


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geodésico de onde o panorama é fabuloso. Avista-se todo o Barroso, o Alto Tâmega e o Gerês, como se fossem vistos de avião..

A historiografia galaica diz que no cimo do Larouco havia, há dois mil anos, um templo a Júpiter. Arqueólogos da região raiana, de ambos os lados da fronteira, apoiados por populares, têm feito nos últimos anos, no verão, réplicas das festas pagãs que havia outrora. À serra chamavam os romanos Monte Ladiço. Nas suas encostas foi colocada na Idade Média uma atalaia, que mais tarde se transformou em castelo, dividindo inicialmente as dioceses de Braga e Lugo, e depois Portugal da Galiza. O PARQUE NACIONAL DA PENEDA-GERÊS O Parque Nacional da Peneda-Gerês inclui no seu território uma significativa parcela do concelho de Montalegre, a noroeste da circunscrição. É uma área grande, no conjunto do Parque, que se demarca pela especificidade da morfologia do terreno e pela particularidade dos ecossistemas. É uma das zonas mais interessantes, apesar de ser das menos visitadas. Caracteriza-se pelo predomínio das zonas planálticas, inóspitas e rochosas, cortadas aqui e ali por córregos largos e fundos. Há aldeias, grandes e populosas, como no restante Barroso, uniformemente cinzentas, o que resulta do granito em que sem excepção são construídas. A economia da população local baseia-se sobretudo na pastorícia. Há muitos e grandes pastos de altitude, tal como há lameiros, de dimensões mais reduzidas, normalmente rodeados de árvores, que os protegem dos ventos. Estes lameiros servem como pastos no verão, mantendo-se verdes toda a estação, porque são regados pelos sistemas tradicionais de levadas, alimentadas pelos rios e ribeiros. Aliás, uma das instituições comunitárias mais tradicionais da região é a regulamentação da rega de lameiros, que são alternadamente regados por cada um dos vizinhos, de modo a que ninguém fique sem água. No inverno, com o solo coberto de neve ou gelo, o gado apenas se alimenta de forragens ou palha. Nas margens dos cursos de água há, de onde em onde, azenhas, 173


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destinadas em tempos idos a aproveitar a energia hídrica para moer os cereais. Actualmente, a generalidade destes moinhos de água está destruída ou muito arruinada. Dentro da área do parque, as aldeias maiores e mais próximas das características dos últimos séculos, são Tourém e Pitões das Júnias. Em relação a elas, a Câmara Municipal de Montalegre tem tido particulares cuidados, em conjugação com a Direcção do Parque Nacional, para salvaguardar as respectivas fisionomias e as suas características arquitectónicas e paisagísticas.

Pitões das Júnias, é uma aldeia com muitas casas, invariavelmente graníticas. Algumas ainda têm telhado de colmo, sobretudo as destinadas à recolha dos animais. As ruas da aldeia são estreitas e estão sempre enlameadas, mesmo no verão, apesar de quase todas elas estarem calcetadas. Na zona central da aldeia, próximo de uma das fontes, está localizado o forno comunitário. Tourém, é uma aldeia relativamente mais pequena que Pitões das Júnias. Constitui uma curiosa espécie de enclave, que na raia norte entra pela Galiza, mantendo-se portuguesa apesar de estar virada para Espanha. Aliás, nesta terra, há por isso uma grande identificação com a Galiza!... Por exemplo, quando há que chamar o veterinário ou o médico, muitas vezes chama-se o galego de Randim. Esta uma realidade com raízes históricas. Conta-se que na Idade Média houve uma espécie de referendo em Tourém, para decidir se a freguesia alinhava por Portugal ou pela Galiza. Prevaleceu desde então a tendência lusitana. Porém, nas vizinhanças, foi o único povoado a optar por Portugal, ficando assim geograficamente isolado. Ainda actualmente o acesso é feito por uma única estrada que atravessa o planalto da Mourela, cuja paisagem desolada de rochas 174


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graníticas e vegetação rasteira está a 1200 metros de altitude. Este acidente geográfico, que no inverno se cobre de neve, torna-se muitas vezes intransponível, é a fronteira natural entre Portugal e Espanha. RIOS: Rio Cávado; Rio Rabagão; Rio Beça; Riacho da Assureira. OS LIMITES Confronta de Norte. com a província espanhola da Galiza, de Oeste. com o concelho minhoto de Terras do Bouro, de Sul e Sudoeste com terras de Vieira do Minho e de Cabeceiras e de Sueste com o Rio Tâmega, até alturas da Serra de Pinho, servindo-lhe o concelho de Chaves de limite oriental.

ALGUNS MONUMENTOS HISTÓRICOS De entre os monumentos destacamos: os diversos dólmenes e antas, já assinalados. Estes monumentos tumulares de pedra foram construídos, entre nós, no período que se situa nos fins do Neolítico, com prolongamento pela Idade do Bronze; os castros são povoações fortificadas, localizadas em colinas de difícil acesso e, de preferência, junto a cursos de água, onde os povos viviam em relativa tranquilidade e se poderiam defender de outras tribos. A cultura castreja teve larga difusão no Barroso, como já vimos; as estradas romanas que atravessavam a região do Barroso, fazem a ligação entre Braga e Chaves e Astorga com variantes e itinerários diferentes; os marcos miliários, monolitos que se fixavam ao longo das vias romanas, por vezes, com indicação de nomes e títulos honoríficos. assinalavam as distâncias de 1.000 em 1.000 passos. 175


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Dos muitos existentes ainda se conservam os que se encontraram em Vilarinho dos Padrões, Sanguinhedo, Codeçoso do Arco, Lama do Carvalhal e Cruz do Leiranco. Como património medieval construído temos: os castelos medievais, o de Montalegre, o do Portelo e o da Piconha, (hoje em ruínas, conservando se, apenas, a cisterna, no alto do morro, dois lanços de escada e os rasgos de uma rocha, que serviram de alicerces); o Convento de Santa Maria das Júnias de Pitões, dos monges de Cister; a igreja de S. Vicente da Chã, que, segundo a tradição, foi parte de um convento da Ordem dos Templários e que denuncia na parte inferior o estilo românico do século X.

Casa de Abrigo

São de registar igualmente como locais de grande destaque a Ponte de Misarela sobre o rio Rabagão, entre as povoações de Ferral e Ruivães; as casas solarengas como o Solar dos "Queridos" em Viade e a Casa do Cerrado, residência dos últimos alcaides, de que apenas resta o portal heráldico; São ainda de assinalar alguns achados históricos como um machado de talão, duas pontas de lança e um instrumento garfiforme na freguesia de Solveira, diversos machados de bronze; três torques de ouro da civilização castreja, de fabrico céltico; moedas romanas pertencentes ao tesouro dos "Antonianos" (cerca de 3.000 encontradas em Salto e 15 em Penedones). Também podem ser visitados locais de interesse como os fornos comunitários, as aldeias tradicionais, os coutos mistos, as piscinas naturais do Cabril, os "Cornos das Alturas", as albufeiras e barragens, a cascata de Pitões das Júnias. 176


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Castelo da Piconha Aquela que foi a mais importante das três fortalezas medievais de Barroso, a Piconha, poderá ter muito mais a ver com o Couto Misto de Rubiás do que à primeira vista pode parecer. Aquando da independência do condado de Portugal, o castelo da Piconha, como fortaleza defensiva do concelho de Tourém, teve um importantíssimo papel “na defesa nacional contra Leão e Castela e tornou-se o principal centro militar da região do Salas, com Tourém por capital”.

Em torno do seu Castelo se realizaram inúmeras batalhas. Construido provavelmente muito antes da nacionalidade portuguesa, serviu depois de fortaleza defensiva do condado. Foi por mais de uma vez arrasado pelos castelhanos e outras tantas reconstruido pelos portugueses que lhe outorgaram e confirmaram numerosos e importantes privilégios por cartas, alvarás e forais régios. Presentemente, do Castelo ainda restam a cisterna aberta no alto do bloco granítico, dois lanços de escada de acesso ao Castelo sobre cujo morro se erguia a altaneira torre de menagem e cujas vistas dominavam toda a parte norte do vale do Salas. Tourém, naqueles tempos concelho, era bem mais importante que Montalegre por causa das honrarias com que os reis portugueses distinguiram os habitantes das terras da Piconha. Estes numerosos privilégios, semelhantes aos do Couto Misto, poderão ter criado naqueles povos um certo sentido de independência de que usufruiram durante séculos e justificar o facto de Tourém, uma cunha no território galego, sempre se manter fiel a Portugal. O mesmo se terá passado com o Couto Misto de Rubiás extinto contra a vontade dos seus habitantes em1864. 177


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Outro factor que se pode descartar é também a indefinição dos limites da fronteira entre Portugal e Espanha que, associado ao abandono a que este território era votado, pode ter suscitado e reclamado o estatuto de independência por parte dos seus habitantes. Mas há um outro pormenor que também não pode ser menosprezado. É deveras surpreendente verificar que o Couto Misto de Rubiás resistiu durante muitos séculos e impôs o seu estatuto e direito de existência sobre os dois paises (Espanha e Portugal) que, nos séculos XV e XVI, dominavam o mundo. O Castelo da Piconha com um historial riquíssimo encontra-se completamente abandonado. Recentemente, um vizinho de Randín cercou um seu terreno com uma vedação de postes de ferro e arame farpado que vai rematar nos penedos da fortaleza, dificultando ainda mais o acesso às pessoas que a queiram visitar, transformando o caminho privilegiado em caminho desprezado, porque impraticável. Resta aos curiosos e estudiosos, a tarefa de corta mato e salta paredes para o que é indispensável uma prévia preparação física adequada. Pena que o concelho de Calvos de Randín ou a Diputatión de Ourense ou a Xunta da Galiza não se proponham preservar aquele monumento, encomendar o estudo da sua história e referenciá-lo como um importante marco da história desta parte da Gallaecia. Mosteiro de Santa Maria das Júnias

As ruínas do Mosteiro de Santa Maria das Júnias são um local ermo e místico, localizado a sul da aldeia de Pitões das Júnias, no noroeste do concelho de Montalegre. Estão no fundo de um vale escavado no planalto da Mourela, emergindo dos densos silvados que o revestem. O conjunto é simples e bonito, apesar de muito degradado. É o que resta de um antigo mosteiro, fundado na Idade Média, a partir de um eremitério, construído numa zona de morfologia agreste e clima destemperado. A partir do século passado, foi sendo abandonado, 178


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ruindo pouco a pouco, sobretudo após um violento incêndio que quase o destruiu totalmente. Foi fundado, provavelmente, no século IX da nossa era. Diz a lenda (citada por JOÃO GONÇALVES DA COSTA, em "Montalegre e terras de Barroso", I, paginas 120 a 121) que a sua fundação foi voto de um grupo de fidalgos que andavam por aqui a caçar e, a certa altura, no tronco de uma árvore, viram uma imagem de Nossa Senhora com o Menino, sinal que tomaram como indicação para a construção de uma igreja. Há quem explique este facto, dando-lhe fundamento histórico, dizendo que a imagem religiosa teria sido escondida aquando das invasões muçulmanas, para a proteger dos infiéis. Com mais fundamento, pode afirmar-se que, no século XII, sob a protecção dos monges beneditinos galegos, do Mosteiro de Santa Maria de Osera, este local foi transformado num mosteiro, ligado inicialmente à diocese de Ourense, que integrava Osera, para passar mais tarde a pertencer ao mosteiro cisterciense de Santa Maria do Bouro, integrado na diocese de Braga. Ao longo da sua história, aliás, viria a estar ligado, quer a um lado, quer a outro. Teve, por variadas vezes, abades galegos. O seu último pároco, que não merecia o título de abade, por ser já o único habitante do mosteiro, morreu em 1850. Nas ruínas do notável conjunto, vale a pena realçar a porta principal da igreja, tipicamente românica, com um arco de volta inteira de duas arquivoltas e um tímpano singelamente decorado. O claustro do mosteiro, do qual restam apenas alguns arcos de volta inteira, também é notável, apesar de estar muito destruído. Tal como o resto do edifício, estes arcos são de granito, Não obstante estar muito arruinado e em completo abandono, o mosteiro merece uma visita. Fica a cerca de um quilómetro e meia de Pitões das Júnias, para sul, por um caminho de terra batida, sinalizado pelos serviços do Parque Nacional da Peneda Gerês, em cuja área se encontra. Este caminho apenas é circulável por veículos de todo-a-terreno e, em parte, a pé. Castelo de Montalegre O Castelo de Montalegre foi construído já tardiamente, inserindo-se no movimento empreendido por D. Afonso III para a reorganização das fornteiras a oeste e a este de Chaves. O objetivo da sua construção foi o de que a fronteira setentrional de Trás-os-Montes fosse dotada de uma efetiva ordem territorial e jurídica, que deveria ficar sob o poder do Rei. No entanto, esse domínio régio durou pouco tempo, sendo que, ainda antes do término do século XIII, Pedro Anes recebeu, por parte do rei D. Dinis, a carta de foral de Montalegre, com o objetivo de povoar estas terras, já que, por essa altura, Montalegre encontrava-se completamente deserta. Essas dificuldades de povoamento e os parcos recursos económicos que aí existiam ficam bem evidentes no formato do castelo que, segundo o projeto inicial, deveria incluir três torres que ficariam integradas no perímetro da muralha oval. A Torre furada é a única que foi construída segundo o projeto, devendo existir uma outra semelhante e uma terceira de maior impacto visual. No entanto, devido à falta de recursos económicos, as duas outras torres foram construídas com planta rectângular e com uma altura inferior. Actualmente, o Castelo de Montalegre conserva ainda as suas principais caraterísticas de fortaleza gótica, mantendo a 179


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sua planta ovalada, muralhas entrecortadas por uma torre quadrangular e duas rectangulares. A torre de menagem está também associada à cerca, não se encontrando isolada e situada no centro do pátio, como era habitual. Das duas portas que existiam no castelo, mantém-se apenas a porta virada para nascente, sendo que, a porta principal que era protegida pela torre de menagem e que ficava virada para norte, já não existe. A torre de menagem é mesmo a principal peça do conjunto militar, sendo que a sua construção é posterior à das restantes peças do Castelo. A torre de menagem foi construída durante o reinado de D. Afonso IV e concluída em 1331.

Daí o facto da torre de menagem ter uma maior altura e secção que as restantes torres, assumindo-se assim como a parte mais robusta de todo o conjunto. Possui quatro pisos e uma organização cujos sistemas de escoamento de águas, espaços abobadados e espessas paredes rasgadas por estreitos corredores de acesso aos balcões, revelam uma complexa preocupação funcional. Durante o reinado de D. João II, o Castelo de Montalegre sofreu uma campanha de reconstrução e aprimoramento da estrutura, com o objetivo de reforçar a entrada principal, protegendo-a por um reduto de torres circulares, das quais restam apenas os níveis superiores. Já no século XVII, devido às Guerras da Restauração, o Castelo viria a sofrer novas alterações, com a construção de diversos baluartes e revelins, com as caraterísticas naturais da época, não tendo o conjunto arquitetónico sofrido mais nenhumas alterações até aos nossos dias. Nos últimos anos, foram realizadas diversas escavações exploratórias no local, que 180


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têm ajudado a conhecer a história pré-castelo do local. O Castelo de Montalegre está envolto em lendas e tradições orais. Por exemplo, diz-se que, cada ano, à meia noite do dia de S. João, aparecem três belas meninas sentadas em cadeiras de ouro e que não é possível livrá-las do encantamento. Reza a lenda que, certa vez, as meninas ofereceram a uma mulher um avental cheio de jóias, alertando-a de que não deveria contar a ninguém o que levava ali. Quando a mulher ia a caminho de casa, apareceu-lhe uma amiga que lhe perguntou o que carregava no avental. A mulher respondeu-lhe que levava uma grande riqueza e, quando abriu o avental para mostrar, todas as jóias tinham se transformado em carvão. Numa outra lenda, diz-se que quando ia a caminho da igreja do Castelo, pela estrada que vai da Portela para lá, uma mulher encontrou um cordão de ouro. Quando começou a puxar, viu que o cordão não tinha fim. Ela puxou o cordão até se cansar. Então ela disse: “Para ser rica já me chega” e cortou o cordão. Nessa altura, o cordão começou a desfiar-se em sangue, ouvindo-se muitos gritos e maldições contra ela. Para quebrar o encanto, a mulher devia ter puxado o cordão durante toda a missa, até que o padre a terminasse. Ponte Romana – Vila da Ponte

Um belo e bem conservado exemplar de uma ponte Romana de três arcos, com corta águas e em cavalete. É uma das pontes que atravessa o concelho de Montalegre, pertencendo à Via Romana que ligava Braga a Chaves.

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Igreja Românica de São Vicente da Chã

Templo de elevado valor patrimonial, de estilo românico. Foi edificada entre os séculos XI e XIII e encontra-se no núcleo mais antigo da aldeia de São Vicente, na freguesia de Chã. A igreja é composta por duas naves de planta rectângular, interligados por dois arcos plenos e cobertura em madeira. Em 1910 foi incluída no primeiro grande decreto português de classificação de edifícios antigos como “monumentos nacionais”. Ponte do Diabo (Mizarela) Também conhecida por Ponte do Diabo, a Ponte Misarela é um dos lugares mais míticos do Barroso. Fica no limite de Trás-os-Montes com o Minho e transpõe o rio Rabagão, já próximo da sua foz com o Cavado. Por ela passaram os franceses do exército invasor de Soult, quando retiravam em fuga, a 16 de Maio de 1809. Não sem que os tentassem impedir alguns paisanos portugueses, capitaneados por um sacerdote, que compreenderam a importância estratégica da passagem da ponte e quiseram encurralar os inimigos entre ela e o exército nacional que os perseguia. Diz-se que a sua origem é romana. De acordo com a lenda, esta ponte foi construída pelo diabo, pois só ele, com as suas artes maléficas, poderia colocar uma ponte sobre o rio, num desfiladeiro como este. À ponte estão associados poderes sobrenaturais: a ela se deslocavam as mulheres estéreis que, com os respectivos maridos deviam aqui dormir uma noite. 182


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Depois, para que a criança nascesse sem complicações e com saúde, já durante a gravidez, deveriam o pai e a mãe voltar à ponte onde dormiriam de novo. Mas desta vez, só até à meia-noite.

Depois desta hora, os futuros pais aguardavam a primeira pessoa a passar sobre a ponte, que logo ficaria, por este facto, designada para padrinho. Desde logo se baptizava o nascituro, ainda no ventre da mãe, dando-se-lhe o nome escolhido pelo viajante. Actualmente, o lugar está muito modificado, pela proximidade da barragem e da albufeira de Salamonde, no sistema hidroeléctrico do Cávado. Igreja de Santa Maria de Gralhas Desconhece-se o ano da sua construção, sabendo-se apenas que é anterior ao século XVI. E sabe-se que é anterior ao século XVI, dado existir na Biblioteca Pública de Braga, uma «Relação de todas as Igrejas do Arcebispado e seus Padroeiros», onde consta, para além de outras 26 igrejas da região de Barroso, a «Igreja de colação do Arcebispo de Santa Maria de Gralhas». Embora tratando-se de um documento sem data, pela caligrafia e ortografia, verifica-se ter sido manuscrito, no início do século XVI, razão pela qual, a Igreja terá sido construída no antecedente. A esta aldeia e à sua Igreja, se refere também o respectivo Vigário, Francisco Affonso dos Santos, que sob o testemunho do Vigário de Santo André de Vilar de Perdizes, Agostinho Alvares e do Reitor de São Miguel de Vilar de Perdizes, Miguel do Couto de Oliveira, quando em 20 de Março de 1758 e em resposta a uma ordem emanada do Muto Reverendo Senhor Doutor Vigário Geral, para que lhe desse conta do que havia nesta freguesia, lhe respondeu o seguinte: 183


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1-Esta freguezia de Santa Maria de Gralhas está sita na província de Trás dos Montes no Arcebispo de Braga Primaz, da comarca de Chaves, eclesiástica e do secular de Bragança e o hé do termo da vila de Monteallegre.Hé freguezia matriz. 2-Hé beneficio simples, anexo a hua tercenaria na Santa Sé Primaz.Hé toda de Roma e do ordinário conforme ao mês da sua bacatura.O beneficiado que existe hé José da Silva Duarte. (...) 6-A paróchia está dentro do lugar no meio da povoaçam (parte) do Nacente e nam tem mais lugares.

7-Seu orago hé Nossa Senhora dÀssumpssam.Tem três altares hum principal e dois colaterais, o principal tem o Santíssimo no sacrário e Santo António e o Santo Nome de Jezus e o colateral da parte direita tem Nossa Senhora dÀssumpssam e o da parte esquerda tem Nossa Senhora do Rozário.Nam tem naves, nam tem irmandades. 8-O párocho hé vigário ad nutum aprezentado pelo beneficiado deste beneficio.Terá de renda cem mil réis pouco mais ou menos hum anno por outro. É uma das mais belas igrejas da região. Paço de Vilar de Perdizes Complexo de grande valor histórico constituído por solar e hospital, botica, capela com cruzeiro junto ao caminho de Santiago. Constitui um dos poucos, senão único Morgadio em Portugal que se sabe ter sido instruído por comenda pontifica. A origem deste Paço está Intimamente ligada a Santiago da Compostela, pois a 184


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criação inicial da botica e hospital tinha como objectivo o apoio a esse peregrinos. O hospital teria capacidade para 9 a 12 indivíduos, e ao que parece, estava relativamente bem apetrechado, visto a carta de instituição determinar oferecer um caldo de azeite, caldo de carneiro e frango. Aliás, em Vilar de Perdizes existia um talho ao serviço do hospital. O pão seria feito no forno, nomeadamente no de cima da vila. O solar de Vilar de Perdizes terá ainda desempenhado um papel importante na introdução da cultura do bicho-da-seda em Trás-os-Montes, tendo as primeiras experiencias sido aí realizadas. Aliás, uma amoreira centenária testemunho dessa tentativa sobreviveu no Parada do Paço até há poucos anos.

Actualmente, o solar apresenta o aspecto de uma residência senhorial do século XIX. A fachada, sóbria, em granito, tem dois pisos. Apenas é decorada pela escadaria, também granítica, que lhe fica no centro. Em volta do edifício há um terreiro amplo, ao lado do qual são ainda visíveis os vestígios da albergaria medieval, deles se destacando os restos ias edifícios religiosos de então. No seu interior, em razoável estado de conservação, já estiveram instalados serviços públicos. CASA DO CERRADO Casa de arquitetura tardo-barroca localizada no centro cívico de Montalegre, em frente ao Tribunal Judicial e à Câmara Municipal. Trata-se de um solar em granito que antigamente se encontrava rodeado de jardins. Destaca-se na porta de acesso ao pátio, um monumental escudo em granito, onde estão esculpidas as armas dos senhores da casa. Serviu em tempos, como residência aos alcaides de Montalegre. 185


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A Casa do Cerrado, foi construída quando o castelo deixou de servir como residência senhorial dominial, no advento da Idade Moderna.

Foi nesta altura que os alcaides de Montalegre se mudaram para este novo paço, construído em sítio mais abrigado das intempéries que o morro do castelo medieval. Hoje em dia passa um pouco desapercebido, por estar baixo e pela proximidade de outros edifícios maiores e mais altos. A SEDE DO CONCELHO Vila e sede do concelho, ocupa o coração do planalto barrosão em lugar sobranceiro ao rio Cavado e à serra do Larouco, que lhe domina as vistas. Está a cerca de mil metros de altitude, pelo que o seu clima é muito frio e rigoroso no Inverno, sendo em contrapartida ameno no verão. Os historiadores não sabem ao certo desde quando esta terra é habitada. Julga-se porém que houve já por aqui barrosões desde o segundo milénio antes de Cristo. Prova disso são os inúmeros dólmenes espalhados por todo o concelho, cuja enumeração inclui várias dezenas. No último milénio antes de Cristo todo o Barroso foi povoado pelo povo celta, que se disseminou pelos outeiros deste território agreste, construindo castros. Estão actualmente inventariados cerca de cinco dezenas. Entre eles, o da vila de Montalegre, sobre cujas ruínas viria a ser mais tarde construído o castelo medieval. Ainda actualmente, o povo barrosão exibe as suas características célticas, nas suas feições físicas, no seu carácter violento e orgulhoso e nas suas manifestações lúdicas e culturais. Embora não haja documentação que o comprove, parece certo que a zona da vila, povoada apenas por pastores até à Idade Média, por essa altura se povoou intensamente, correspondendo este fenómeno à necessidade de povoar e defender o reino portucalense e, em particular, as zonas fronteiriças. Aliás, ao que parece, já então a vila ocupava o lugar de cabeça da terra de Barroso. Com D.Afonso III, Montalegre teve o seu primeiro foral em 1273, confirmado e renovado por D. Dinis em 1289. Este é o primeiro documento escrito que se conhece sobre Montalegre. E dele pouco se sabe mais porque desapareceu com o incêndio que destruiu a vila durante as 186


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escaramuças fronteiriças que opuseram o nosso rei D. Afonso IV a Afonso XI de Castela. Conhece-se uma versão posterior do foral, emitida pelo próprio D. Afonso IV em 1340 e renovado por D. João II, em 1491. Com D. Manuel, em 1515, a vila teve novo foral, o qual acabou com antigos privilégios nobiliárquicos e abriu o caminho para o desenvolvimento que a vila teria nos tempos modernos. Actualmente, Montalegre é uma vila agitada por ser o centro administrativo e comercial do Alto Barroso.

A sua rua principal, a Rua Direita, muito comercial, destina-se apenas ao trânsito de peões. Nesta rua predominam ainda as casas de granito cinzento típicas de Barroso, que aliás são muito abundantes por toda a vila. Verifica-se com agrado que vários dos edifícios públicos de construção mais moderna, na zona da Portela, exibem o uniforme cinzento acastanhado que lhes impõem o estilo e os materiais de construção tradicionais, o que não quer dizer que não haja também já por toda a vila casas de cores garridas, “importadas da Europa” e abandonadas durante a maior parte do ano. Montalegre é também uma vila florida, com vários e bem cuidados canteiros e jardins. Sobretudo nas praças principais, onde uma estátua de João Cabrilho domina com o olhar os edifícios solenes do Palácio de Justiça, da Câmara Municipal e da Caixa Geral de Depósitos.

AS FREGUESIAS A região de Barroso desde sempre foi habitada pelo homem. Disso são marca os inúmeros vestígios da ocupação de que os povoados castrejos identificados nos cotos dos montes são o inequívoco e principal testemunho (Santos Júnior 1986). O sentido da palavra aldeia significa o ajuntamento de casas onde se aglomeram famílias, que se organizam em comunidade de vizinhos. A típica aldeia trasmontana e particularmente a barrosã é caracterizada por ser um aglomerado de casas que se tocam de perto, separadas apenas por pequenas hortas ou logradouros. Normalmente têm um quintal anexo nas traseiras e cortes para os 187


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animais. Outra fachada, a principal, abre-se à rua ou largo, espaço de convívio e partilha da comunidade. Depois alongam-se, seguindo a orientação da rua principal ou irradiando pelas suas travessas a partir do centro onde, normalmente, se situa a capela ou igreja.

Outros elementos de uso colectivo situam-se em lugar estratégico, como a eira onde os vizinhos, ajuda por ajuda, se auxiliavam nos trabalhos; o forno onde todos cozem à vez e que também funcionava como espaço de partilha e fruição comunitária, albergue de peregrinos ou almocreves em rota de passagem para os centros de peregrinação e comércio, pousada de pedintes e indigentes; a corte do boi do povo, animal de cobrição e reprodução, alimentado e guardado por todos, situava-se também no perímetro mais próximo da aldeia. Em torno deste aglomerado de casas, logradouros e “equipamentos” existiam, se a terra e o clima o permitissem, as hortas e campos de novidades: o segadiço, o linhal, o nabal donde se colhiam os legumes, as ervas sempre frescas para os animais de criação e o linho que haveria de servir para a organização do bragal. Num anel exterior, os lameiros e os campos de cultivo onde pastam os animais e se produz o centeio, a batata e algum milho e vinho, este nas terras abrigadas da ribeira. Muitos destes eram terrenos de fruição comunitária, uns anos terra de semeadura, outros terra de pasto. Mais distante o monte, os baldios, onde o povo se abastece de mato e lenha e o pastor leva o gado a pastar. A partir de uma, duas ou mais aldeias se construiu a comunidade de fregueses que constitui a freguesia ou paróquia. Ligada à igreja onde pontifica o pároco, é nesta figura tutelar que se 188


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encontra a dignidade matricial da paróquia, à volta da qual se organiza a vida quotidiana dos fregueses e se registam os momentos vitais da comunidade.

A freguesia cimenta-se na vivência dos vários momentos da celebração na igreja – nascimento, sacramentos da confissão e comunhão, casamento e funeral. Na igreja ou no adro organiza-se também a vida da comunidade, funcionando como centro de decisão da vida económica e social: os trabalhos agrícolas, a distribuição das águas, a colheita do cereal, a limpeza dos montes, a organização do pastoreio dos gados, etc. Da igreja centro, aos limites territoriais claramente definidos do seu termo se fixa o horizonte geográfico da freguesia. É, pese embora a origem remota de algumas destas aldeias e lugares e da consequente influência cultural dos inúmeros povos e civilizações que aqui passaram e deixaram as suas marcas, nesta realidade, plasmada ao longo dos últimos séculos, que se sedimentou o carácter e a identidade do povo de Barroso. As aldeias eram assim e continuam a ser na maioria dos casos, povoados por gente que raramente ultrapassava em média as 300 almas. Ergueram-se a meio das encostas, predominantemente voltadas a sul, protegidas do vento norte e de preferência, próximas de rios ou ribeiras. No concelho de Montalegre, Vila de Ponte, Frades do Rio, Fiães do Rio e Pondras entre outras, são vivos exemplos desta realidade. Abrigam-se normalmente nas pequenas bacias da testa do vale, defendidas dos ventos mais agrestes. As casas apinham-se umas sobre as outras, como se protegessem mutuamente das invernias. As ruas são estreitas e tortuosas, onde desembocam becos e onde mal passa um carro de mato. As casas são (ou eram), em regra, de propianho ou pedra miúda desemparelhada, enegrecida pelo tempo e raras são aquelas que denotam algum sinal de riqueza 189


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ou de fidalguia do proprietário. Prática também corrente, era o facto do povo se mobilizar facilmente para consertar os caminhos.

Freguesia de Cabril Cabril é um mosaico de pequeninas povoações ao longo das encostas abrigadas que descem sobre os rios. Xertelo que fica acima dos 700 metros, Lapela e Pincães, acima dos 600 metros, São Lourenço, Chelo, Fafião e Azevedo, acima dos 500 metros, Bustochão e Vila Boa, acima dos 400 metros e todas as restantes, Cabril , Cavalos, Chãos, Fontaínho, São Ane e Chã do Moinho não sobem para lá dos 300 metros de altitude. Não admira por isso que, nestas funduras quentes e húmidas, Barroso se orgulhe de colher boa fruta, vinho e azeite na freguesia de Cabril. Pincães foi a primeira aldeia do concelho que teve honra de monografia publicada, da autoria de Jacinto de Magalhães. É a segunda mais extensa freguesia do concelho -76,6 km2 - e provavelmente a mais bucólica, a mais rica no plano das espécies arbóreas e avícolas e também a mais admirável no aspecto multifacetado das suas paisagens edénicas, sem dúvida, devido às condições orográficas e climatéricas que a cordilheira do Gerês apresenta. Com um total de 14 lugares ou aldeias, dista cerca de 50 km da sede de concelho e faz fronteira com o Minho, beneficiando dos sortilégios das Barragens de Paradela, Venda Nova e Salamonde.

Tem cerca de 640 habitantes e à volta de 410 edifícios dispersos pelos. O lugar mais célebre é o da Lapela, pois foi aqui que nasceu João Rodrigues Cabrilho, na Casa do Americano. 190


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União das Freguesias de Cambezes do Rio, Donões e Mourilhe Cambeses é uma das poucas povoações expostas ao cortante frio do setentrião, além de que, segundo a carta do Instituto Geográfico e Cadastral de 1/50.000, é cortada a meio pela curva de nível dos 1000 metros de altitude, situação a que poucos lugares se alcandoram. Encabeça, as freguesias ditas “do Rio”. Pode dizer-se que esta freguesia barrosã mantém um altíssimo nível de rusticidade e tipicismo bem próprios para filmes medievais a que até o seu orago se adapta com enorme propriedade. Com efeito, este mártir da Capadócia tem culto antiquíssimo na Península Ibérica. O ser advogado das mães que aleitam os filhos deve-se talvez ao facto da mãe dele - Santa Rufina, o ter parido quando ela e o marido estavam na prisão, durante a perseguição do feroz e tresloucado imperador Aureliano, nos fins do terceiro quarteirão do século II. Donões resume-se apenas ao lugar do mesmo nome, com cerca de 70 habitantes e 81 edifícios. É a mais próxima da vila e também a mais pequena. Foi berço dos artistas "Pintos de Donões", de vários padres da família Costa, um dos quais o Monsenhor João Gonçalves da Costa, autor da grandiosa Igreja de N.ª Senhora da Conceição, em Vila Real e da Monografia: «Montalegre e terras de Barroso». A Igreja de São Pedro, o castro, os moinhos, as capelinhas da Senhora da Peneda e de Santo Amaro onde resistem meia dúzia de sepulturas antropomórficas fixas, destacam-se porque preservam com carinho e devoção exemplares magníficos.

No dia 4 de Abril de 1854, ficou reduzida a cinzas, a igreja incluída. Reconstruída por subscrição pública em terras do Minho e Trás-os-Montes, voltou a ser devorada pelas chamas em 4 de Julho de 1875, apenas se salvando desta vez 191


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quatro casas e a igreja!... O Aquilégio Medicinal dá notícia dos efeitos curativos da fonte desta Igreja que foi benzida “consagrada” por São Braz” e produz milagrosas curas nas moléstias da garganta. Não conseguimos descobrir como é que o bispo Arménio São Braz cá teria chegado trezentos anos depois de Cristo, visto que foi martirizado em 316. Em lembrança do seu martírio, as cardadeiras e tecedeiras escolheram-no para seu patrono e advogado das gargantas doentes. Por isso, se diz, quando a criança se engasga: “São Braz te desafogue já que Deus não pode”!... Em tempos, Mourilhe foi Comenda de Cristo e levantava rendas em metade da povoação de São Pedro da freguesia de Contim. Enquadrada nesta freguesia fica ainda a aldeia de Sabuzedo. Nela vivem cerca de 130 pessoas O facto de algumas destas aldeias se situarem nas margens do Rio Cávado, como todas quantas partilham do mesmo estatuto, têm a expressão "do Rio". Nesta freguesia foi professor primário o poeta barrosão Artur Maria Afonso e aqui nasceu o Padre António Lourenço Fontes.

Freguesia de Cervos A freguesia mais oriental do concelho foi atravessada de lés-a-lés pela via imperial romana, a primeira ou Prima. No seu aro apareceram já três marcos miliários, o primeiro dos quais em 1813, na rua principal de Arcos, perto da Senhora do Campo, e que muito contribuiu para localizar, “in situ”, o verdadeiro e único trajecto da citada via.

Pelos marcos viários e Moimentos ficámos também a conhecer a verdadeira localização da antiquíssima cidade pré-romana de CALADUNUM que deverá situar-se no termo desta paróquia. Antigo de Arcos, Vilarinho de Arcos e Arcos sem necessidade de arcos em rio que não possuem – trazem no próprio nome a 192


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indicação de que seria por aí o antigo opidum. A Senhora de Galegos com a sua lenda mais o castro e a passagem da via romana no Cortiço, sobre o Beça, merecem visita atenta. É também digna de referência a lenda. Tem uma extensão de 33,070 km2, para uma população de cerca de 325 residentes que ocupam 311 edifícios. Tem os seguintes sete lugares: Arcos, Barracão, Cervos, Cortiço: Fontão, Vidoeiro e Vilarinho de Arcos. Chã é das maiores freguesias em extensão geográfica: 57 km2 e 927 habitantes distribuídos por 742 edifícios. São as seguintes as suas doze aldeias: Aldeia Nova, Castanheira, Fírvidas, Gorda, Gralhós, Medeiros, Peirezes, Penedones, São Mateus, São Vicente, Torgueda e Travassos da Chã. Até 1836 também lhe pertenceu a aldeia de Codeçoso que actualmente pertence à freguesia de Padornelos-Meixedo. Em Peirezes nasceu o escritor Bento da Cruz. Em Fírvidas nasceu o falecido Bispo de Portalegre D. Carlos Esteves Dias. A igreja paroquial é românica e está classificada como monumento nacional.

União das Freguesias de Paradela, Contim e Fiães Antigamente Contim era lugar da freguesia de São João da Poenteira - é este o topónimo correcto. Actualmente invertem-se os termos, sendo sede da dita freguesia Paradela.

Porém, como Outeiro, Venda Nova, Ferral, Paredes e Travaços do Rio mantém-se o anterior padroeiro que era e é São João. É uma freguesia de largos horizontes e 193


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panorâmicas paisagens, variadas e de grande profundidade para sul e ocidente. Na sede da freguesia mora uma barragem que assume uma grande novidade em termos de construção: o dique enorme foi erguido com pedregulho a granel, betonado a montante e com um sistema inovador de descarga num funil gigante associado ao túnel de profundidade. Tal como as da barragem da Venda Nova, as suas águas vão em tubarias gigantes fazer mover as turbinas da Central de Vila Nova produzindo energia hídrica. Merecem uma visita cultural as armas dos Carvalhos, na Casa do Loureiro, e os exímios ceramistas locais José Pereira e esposa. Todas as três povoações que formam a freguesia já serviram de sede: em todas se rezou missa e se ergueu baptistério capaz. Metade de São Pedro, aldeia fundada sobre um castro onde ainda continua, pertenceu à Comenda de Sã o Tiago de Mourilhe. Porém, o mais idílico recanto de todo o planalto talvez seja a capela de Nossa Senhora da Vila de Abril que foi ermitério medieval carregadinho de religiosidade e lendas. É uma das “Sete Senhoras” festejadas a 8 de Setembro de cada ano. Repare-se na poesia desta lenda: Consta que um ermitão (os ermitães, como possíveis vestígios de algum antigo mosteiro que aí tivesse havido, habitaram no local, pelo menos até ao século XVIII), um belo dia de há séculos atrás, ao abrir a porta da capela aos peregrinos, deu pela falta da imagem da Senhora no seu altar. Convenceu então os assistentes a juntarem-se a ele em orações que se prolongaram por todo o dia. Ao cair do sol no horizonte, sobre o Alto de São Pedro do Rio, uma sombra triangular alongou-se pelo corpo do edifício!.. Era a Senhora que regressava muito cansadinha. O ermitão franziu a sobrancelha e repreendeu-a: “Maria, então como é que me deixas tão aflito, preocupado e doente?!... E a senhora regressou ao seu altar ante a estupefacção dos presentes. Era assim, sem cerimónias, que o último pároco da freguesia contava a poética lenda. Fiães do Rio: Ocupa o penúltimo lugar em termos de pequenez do respectivo território. Foi aí que nasceu Bento António Gonçalves, em 1902, que bem cedo migrou para Lisboa. Muito jovem encabeçou as lutas laborais/sindicais como operário no Arsenal da Marinha o que o levaria a ser detido pela Pide e condenado a degredo no Tarrafal (Cabo Verde) onde viria a morrer com quarenta anos. Foi o primeiro Secretário Geral do Partido Comunista Português. A sua ponte de madeira, tal como a de Covelães sobre o rio Cávado, é muito antiga. Referidas a ela contam-se muitas peripécias de imensa graça e alguma história. Por lá passavam grupos de pessoas da margem norte, em romagem a São Bartolomeu, o menos conhecido dos doze apóstolos, para que da sua capelinha acorrentasse o demónio e os livrasse das malignas possessões. Da freguesia fazem ainda parte São Pedro e Vilaça, com uma população de 100 pessoas que ocupam 89 edifícios. Ás portas da freguesia, existe ali também a Barragem do Alto Cávado, também conhecida por Barragem de Sezelhe. Covelães tem 186 habitantes que ocupam 142 edifícios e se distribuem por uma extensão geográfica de 18 km2, agrupando se em 2 lugares: Covelães e Paredes do Rio. Da freguesia fáz também parte o lugar de Loivos e a Ponteira. A barragem. que recebeu o nome da freguesia, tirou-lhe o fértil vale, mas recompensou a com uma beleza inconfundível. 194


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Freguesia de Covêlo do Gerês Este lugar é o herdeiro único do determinativo “do Gerês” que pertenceu também às freguesias de Ferral - outrora Santa Marinha do Gerês - e Parada do Gerês actual freguesia de Outeiro - e São Vicente do Gerês – actual Pitões .

A situação, numa altitude inferior aos setecentos metros, e encaixada entre o Gerês e a serra do inter-flúvio, torna a freguesia apta para produções agrícolas semelhantes à de Cabril. Por isso o ditado antigo, sobre os principais povos de Barroso, no que dizia respeito à produção vinícola: Covas e Pinho, Vila da Ponte sem vinho; Atrás vem Covêlo do Gerês. que dá na tola aos outros três. E não só na produção do verdasco porque o nosso Povo também se diz: Vaca de São Pedro, mulher de Covelo. Tem cerca de 260 habitantes, distribuídos por três lugares: Covêlo, Penedas e S. Bento de Sexta Freita.

União das Freguesias de Viade de Baixo e Fervidelas A freguesia de Santa Maria de Viade orgulha-se do seu passado glorioso, de que restam vestígios notórios, às vezes, de muito difícil estudo por ausência total de documentos. Referimo-nos ao bonito solar dos Queridos no qual sobressai uma impressionante pedra de armas, dos Barrosos e Mouras, e a extinta capela de Santa Rita. A dificuldade de retirar da obscura poeira dos tempos a verdadeira história destes e doutros monumentos conduz à propagação do rosário de lendas que a tal respeito se contam. O vale do Regavão, que bordeja a freguesia pelo sul e nascente, dá passagem à via prima, aqui assinalada por um miliário gigante que 195


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depois se transformou na cruz de Leiranque. Não longe desse local houve um pisão – que passou a topónimo da barragem e mais acima a antiquíssima Vila de Mel, provavelmente a primeira “statio” - São Vicente da Chã seria a segunda entre as cidades de “Praesidium” e “Caladunum” – “mansiones” da dita via imperial. Aí, ainda se pode ver a necrópole, cujas sepulturas abertas num granitoide muito mole e areento se vão esboroando com a erosão eólica e aquática. Urge acudir-lhes. Doutras eras mais recentes temos imensas notícias que dariam para grossos volumes.

Fervidelas: Ao redor do altar onde veneram o Santinho que foi peregrino de bordão, chapéu e cabacinha, Fervidelas abriga-se por trás do Oural, do frígido vento castelhano. A par de Cambeses é a freguesia mais alta de toda a montanha inter-fluvial. Apesar de se ter tornado independente há vários séculos, andou sempre anexada à sua vizinha Santa Maria de Viade por ser demasiado pequena em território e populações. Vale a pena percorrer os seus caminhos de montanha para admirar a cascata e o “castelo” de penedos empoleirados bem como o Monte Oural que traz com ele o nome quanto à riqueza de paisagens que dali se vislumbram. Desta freguesia fáz parte igualmente a aldeia de Lamas, Antigo, Brandim, Friães, Parafita, Pisões, Telhado e Viade de Cima. Foi nos seus melhores terrenos que se construiu a Barragem de Pisões. Para o bem e para o mal, alterou a vida das populações. Tem hoje cerca de 795 habitantes. Tem filhos ilustres. como, por exemplo, o general Jorge Barroso de Moura e todos os seus irmãos.

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Freguesia de Ferral Esta freguesia mudou várias vezes de nome: foi primeiro Santa Marinha de Covêlo do Gerês por oposição a São Pedro de Covêlo do Gerês; depois dava apenas pelo hagiotopónimo Santa Marinha; mais tarde foi Santa Marinha de Ferral e hoje é somente Ferral. Contudo, é da tradição local que existiu neste mesmo termo a freguesia de São João da Misarela, de que não possuímos qualquer documento escrito. Na realidade, nunca se encontraram vestígios de tal construção nem qualquer referência à sua localização.

Apesar das oito povoações que integram a freguesia, o seu isolamento até ao século XVIII era tão acentuado que se tornava extremamente propício à criação e sedimentação de lendas de que é paradigma a da Misarela. Tal como na vizinha Cabril, antes das barragens, os rios eram barreiras difíceis de transpor, mesmo de verão, por isso a freguesia foi-se alargando e anexando povoações na área de entre Cávado e Regavão: Vila da Ponte e Bustelo (freguesia anexa até ao século XIX) Contim e São Pedro. A freguesia tem cerca de 640 residentes distribuídos por 8 lugares: Bairro, Ferral, Nogueiró, Pardieiros, Sacozelo, Santa Marinha, Sidrós e Vila Nova de Ferral. Aqui se situa a célebre Ponte da Misarela, em que o sagrado e o profano atingem dimensões inimagináveis.

Freguesia de Gralhas Gralhas é uma freguesia com 20,82 km² de área, cerca de 208 habitantes residentes e uma densidade de 10,8 habitantes/km². A história da aldeia é milenar. Segundo alguns autores, por aqui cruzaram estradas romanas, passando pelo 197


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"opidum" romano, hoje relembrado pelo lugar de Castelo Romão (castro romano). Nesta terra, aparece, com alguma frequência, cerâmica com fortes sinais de romanização. Para além desta referência arqueológica, outra merece idêntico destaque. Falamos da "villa de Caladunum". São vários os textos que a ela se referem, informando existir no local um edifício quadrangular abobadado em pedra, muita dela reutilizada na construção da actual igreja paroquial. Em 1530, Gralhas aparece referenciada com 44 moradores o que daria uma população aproximada de 180 pessoas. Em 1538, aparece identificada dentre as honras de Barroso: “os lugares de Honras que partem com Galiza” eram os seguintes “a Aldeia de Vilar de Perdizes, a Aldeia de Gralhas, a Aldeia de Padornelos, a Aldeia de Padroso (…) e tem cada Aldeia seu juiz de honras”. No tempo da Monarquia até ao ano de 1836, foi um concelho com Casa da Câmara, com Vereação, com oficiais para o governo económico, aplicação da justiça e controlo social. Era um concelho cujo território era apenas a actual freguesia, que pertencia à Casa de Bragança, tal como Montalegre, Chaves e tantas outras terras que faziam parte do Ducado de Bragança.

Lá por esses tempos do rei D. Dinis, Gralhas foi elevada à categoria de Vila após a concessão do respectivo “foral”. É provável que daí proviessem os muito famosos e não menos ignorados, Gralhos - fidalgotes locais que não passaram à história, porque entre nós, sempre foi residual a história longe do trono, mas passaram à lenda. Queremos acreditar que, na aba sul do Larouco nasceram para uma paixão agitada e periclitante um tal Fernão Gralho e Maria Mantela, filha de Paio Mantela – antropotopónimo de povoação perto de Solveira. Todo o fidalgo rural que se prezava tinha então a sua quinta na Ribeira. Não admira por isso que o jovem casal fosse viver para a nobre cidade (então vila) de Chaves, nem que a determinada altura, tivessem filhos, os renomados filhos de Maria Mantela. E o resto da lenda fica para outra ocasião... Em Gralhas nasceu o primeiro seminário da diocese de Vila Real. Um ex-aluno do dito escreveu a outro uma longuíssima carta cheiinha de saudades e de recordações desde o Rio de Janeiro: “Aqui Rio de Janeiro/Trago sempre na lembrança/Feliz terra do dinheiro/ 198


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Nossos dias de criança/Tão falada em Portugal; E os caros tempos de Gralhas/ Paraíso terreal/E as primeiras batalhas/Além dos mares sem fundo/ Contra o azar e os maus fados/ Nas terras do Novo Mundo; Em que fomos derrotados… Gralhas tem 346 edífícios!... Aqui funcionou de 1922/25 o primeiro Seminário da diocese de Vila Real e aqui nasceu o Padre João Álvares de Moura, sobrinho de D. Joaquim da Boa Morte Álvares de Moura, de quem herdou a valiosa biblioteca. Nas suas imediações existiu a cidade romana, conhecida por Ciada.Tem monografia da autoria de Domingos Vaz Chaves. União das Freguesias de Meixedo e Padornelos Como Gralhas e outras mais,Meixedo foi uma das honras de Barroso. Por ser lugar honrado os reis não possuíam aí reguengos. Bem pelo contrário o seu termo (só de Meixêdo) constituía “um couto coutado por padrões separados que coutou o Senhor Rei Afonso primeiro ao Hospital” (à ordem dos Hospitalários). Esta tinha sido fundada após a conquista de Jerusalém pelos Cruzados, em 1099. Por ser a única dádiva à dita Ordem dos Hospitalários, em Barroso, a gente de Meixedo deve considerar-se muito honrada. A Capela de São Sebastião é um dos poucos sinais vivos da enormíssima devoção a este Santo, depois da peste de 1570, e, sobretudo, após o renascimento do Sebastianismo, com a morte de D. Sebastião, em 4 de Agosto de 1578.

Pertence hoje à freguesia a povoação de Codessoso que antigamente pertenceu à freguesia da Chã. Nesta povoação, em 1258, pagavam ao rei a oitava de todos os frutos excepto a herdade de cavaleiros e de Dona Maiorina. E, pelo São Miguel, os 199


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de Codessoso (as mais antigas referências deste topónimo não autorizam outra grafia) tinham de entregar simples espáduas com pão e, como todos os da Chã, iam ao apelido e davam a refeição e a cevada ao mordomo do senhor rei. Pelo termo de Codessoso passava um caminho medieval importante que servia diversos lugares da enorme paróquia da Chã, ao tempo das Inquirições de D. Afonso III: Negrões, Vilarinho, Lamachã, Morgade, Carvalhais e Rebordelo, Fírvidas e Gralhós, além das herdades ribeirinhas do Regavam. Padornelos: É a referência lógica à terra fria barrosã, desde os tempos de Camilo, muito antes de Ferreira de Castro! Mas Padornelos goza de outras referências bem mais importantes (ou devia gozá-las)! Importa recordar que lhe foi concedido um foral autêntico, por D. Sancho I e confirmado, a 5 de Outubro de 1266, por D. Afonso III. Foi ‘’conselho sobre si’’, isto é, gozava dos privilégios que aos grémios municipais se concediam: “Os homens de Padornelos devem meter juíz e serviçal e mordomo e clérigo” E assim, por este documento que substituía o de Sancho I, se conferia existência jurídica ao rudimentar concelho, com magistraturas próprias. Dessas glórias antigas (foi depois uma das honras fronteiriças de Barroso) sobeja ainda o facto de ter direito a capitão residente para poder arregimentar homens, dos 18 aos 60, para a defesa nacional, sempre que Portugal fosse acossado. Padornelos tem um forno do povo muito curioso, e ao lado existe a Casa do Capitão, onde Ferreira de Castro, em 1934 se hospedou para escrever o romance “Terra Fria”. Para além de Padornelos e Meixedo, esta freguesia tem mais dois lugares: Sendim, a aldeia mais alta de Portugal com os seus 1120 metros e Codeçoso (conhecido por Codeçoso da Chã). No lugar do Facho, em Codeçoso, existe um dólmen e a povoação foi atravessada por uma calceta romana que passava nos Pardieiros, Portela de Urzeira e seguia para Chaves, por Meixedo, Gralhas e Vilar de Perdizes. Em Codeçoso nasce o Rio Rabagão que dá origem à Barragem de Pisões. A capela em honra de S. Nicolau é célebre pela sua talha setecentista.

União das Freguesias de Vilar de Perdizes e Meixide Vilar de Perdizes: A par de Salto e Tourém é das mais cosmopolitas freguesias do concelho, afora Montalegre. Outra zona barrosã testificadamente habitada desde remotas eras, como se prova numa inventariação sumária dos seus monumentos: as inscrições pré-históricas de Caparinhos (gravuras rupestres de controvérsia leitura); o altar sacrificial da Pena Escrita; as duas aras romanas achadas na abertura da estrada para Meixidee-Chaves, uma dedicada ao Deus dos Deuses, Júpiter, e outra dedicada ao Deus local Larouco; e a grande inscrição do Penedo de Rameseiros cuja interpretação não consegue recolher consensos. Tal riqueza arqueológica e tão diversificada não é usual em meios pequenos. Mas a riqueza continua no que sabemos da sua igreja de São Miguel e no Solar, que foi berço de filhos de algo, e junto do qual floresceram o Hospital e a Capela de Santa Cruz, destinados a prestar apoio físico e espiritual aos peregrinos de Santiago de Compostela e do Cristo de Ourense que por ali passavam, vindos dos lados de Chaves Alto Douro, Beiras e Castela. Modernamente Vilar de Perdizes entra na moda das notícias televisivas por apadrinhar um evento sócio-cultural que é o 200


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Congresso de Medicina Popular. Admira que alguns, ditos intelectuais, lancem farpas ao dito como se estivéssemos ainda no século VI, do São Martinho de Dume, a combater pagãos e as heresias dos maniqueístas e arianos… Recusamo-nos a que nos lancem o anátema de pagãos e hereges pelo facto de querermos alcançar, enquanto é tempo, os saberes (no campo da farmacologia, da medicina e das tradições) dos nossos avós! Esperemos que a gente de Vilar continue a acarinhar as ervas com que se fazem mezinhas, defumatórios, infusões e chás que nos debelam as dores do corpo e nos dulcificam as dores do espírito! Estão em fase de conclusão os roteiros arqueológico e do contrabando, que a pé e a cavalo de burros irão permitir a visita aos locais que melhor defendem a identidade de Vilar de Perdizes.

Meixide: É uma pequena aldeia a nascente do concelho, na cota dos novecentos metros de altitude, domina os outeiros da raia seca com a Galiza na encosta sul do Larouco. Em inexorável agonia preserva ainda assim uma velha jóia: a capelinha da Nossa Senhora da Azinheira que já foi uma das sete senhoras do planalto Barrosão. Até que um dia se possa esclarecer todo o passo histórico, Meixide vai gozando a fama de ter sido berço do herói Diogo Peres, (da “Escaramuça dos Nus”)...o tal que derretendo aos calores do deserto marroquino, foi refrescar-se na ribeira com alguns mais cavaleiros. Surpreendidos por um troço do exército mouro, tomam as espadas e adargas, montam completamente nus os seus cavalos, mas bem vestidos de indomável valentia desbaratam e põem em fuga a cavalaria moura. Uma façanha limpinha protagonizada à moda barrosã. 201


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Meixide tem actualmente cerca de 175 habitantes. Confina com o concelho de Chaves e daqui era natural um tal Diogo Peres que lutou em Marrocos, ao lado de D. Afonso V. Vilar de Perdizes é lugar único, mas representativo. Tem cerca de 530 habitantes e foi sempre uma terra diferente das demais do Alto Barroso, graças ao seu clima, bastante mais ameno. Foi terra de titulares famosos da Casa de Bragança. Modernamente deu-lhe fama o Padre Fontes, com os polémicos Congressos de Medicina Popular.

União das Freguesias de Montalegre e Padroso É a capital de Barroso. Não é com certeza das freguesias mais antigas como atestam as confrontações antigas dos termos vizinhos; mas, depois que o Bolonhês mandou erguer o Castelo – autêntica jóia da arquitectura militar medieval - mudou-lhe os marcos e as cruzes e definiu-lhe num território de vinte quilómetros quadrados para sustento (pastoreio e agricultura) dos cem povoadores iniciais. E assim, sem grandes convulsões, foi crescendo ao longo dos séculos, por indústria e legítima ambição dos seus moradores. A vila é hoje uma pequena metrópole de vigoroso comércio, de indústrias incipientes mas estáveis e objecto de procura turística invejável. São já famosas as suas principais feiras Santos, Prémio, Fumeiro e Vitela - as festas concelhias do Senhor da Piedade, o Festival do Cabrito e diversos outros eventos culturais como congressos de medicina, de arqueologia, de etnologia, de folclore e Medicina Popular. Já que se fala em festas cumpre recordar que até ao século dezanove a maior festa da vila foi a de São Frutuoso, na sua humilde capelinha a caminho do Larouco. De referir, como sítio com referências ao passado das épocas clássicas, um importante achado recente de mais de novecentas moedas romanas. Padroso: Como todas as freguesias da raia seca também Padroso sofreu as agruras das agressões castelhanas e gozou com os benefícios ocasionais do contrabando. Foi uma das honras de Barroso. Mas Padroso tem outras glórias para passar à posteridade. Desde logo o ter sido lugar propício para a emigração clandestina – actos heróicos que salvaram da fome e da morte muitas famílias pobres do norte. E justo é recordar agora o Padre Domingos de Donões que foi vilipendiado e condenado ao ostracismo, perdendo o sacerdócio e o seu estatuto social, apenas por ter espírito cristão, caritativo e solidário. Quantos dos que o acusaram, foram mil vezes piores que ele. Padroso e um tal Júlio, cabo da Guarda Fiscal aí colocado, foram o sítio azarado e a mão da justiça para “armar o laço” a um prepotente oficial que a agitação social, saída da “monarquia do Norte”, designara administrador do concelho de Montalegre. Este, tenente do exército, dos lados de Viseu, chamado Aurélio Cruz, trazia o povo aterrorizado, com ameaças, perseguições e multas incompreensíveis, com sovas e até com dias de prisão. Certo dia, ao ouvido do Dr. Custódio Moura, o tenente revelou intenção de oferecer à sua criada um xaile de veludo galego. Foi quanto bastou para o apanharem na esparrela. Como o cabo de Padroso lhe levantasse um auto de notícia, ao apanhá-lo em flagrante com o xaile de contrabando, o governo de 202


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então decidiu exonerá-lo, por indecente e má figura, despachando-o para setenta léguas de distância. Padroso é lugar único e tem actualmente cerca de 110 pessoas. Aí existe um ponto que alguns confundem com um castro e a que se chama o "Fim do mundo", por fazer fronteira com a Espanha. Entre Padroso e Padornelos nasce o Rio Cávado. E passou a haver uma estrada que faz ligação com os "nuestros hermanos.

A freguesia reparte-se ainda pela Portela, pelos Casais e pelo antigo bairro do Crasto. Montalegre é a sede do concelho, tem 1822 habitantes e 866 edifícios. Sobressai o Castelo medieval, e a Casa do Cerrado que pertenceu a titulares da Casa de Bragança. Um bonito Pelourinho e o "Carvalho da Forca", por ali ter sido enforcado o "Bagueiro", naquela que foi a penúltima execução da pena de morte em Portugal. Merece visita a "Fonte da Mijareta" que tem a alegada virtude de acasalar com um barrosão a donzela solteira, que vinda de fora, beba dessa água. É uma acolhedora vila com várias e confortáveis unidades hoteleiras, com arruamentos modernos, com estruturas ao nível das exigências do moderno quotidiano.

Freguesia de Morgade Andou muitos anos anexada, bem como Negrões, à freguesia da Chã. As três constituíam uma Comenda do Convento de Santa Clara de Vila do Conde. O fortalecimento das regras primitivas e da reforma contra a lassidão em que haviam caído os frades, levados a peito, ao longo do século XVI, originou um grande 203


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movimento de apoio das populações, no plano espiritual e no plano material, que as levaram a construir mosteiros e capelas. Vem daí a devoção dos morgadenses a São Domingos de Gusmão, revelada na edificação da sua capela e dos vilapontenses que lhe dão lugar de honra no altarmor da sua Igreja.. Era o comungar desta gente barrosã com os princípios da pobreza voluntária dos monges pregadores, também chamados mendicantes, os frades dominicanos (e os franciscanos) cuja glória mais significativa foi São Tomás de Aquino. E já que falamos de Santos não ficava nada mal – era até um acto de justiça – que os de Carvalhais devolvessem à sua Capela o orago primeiro que foi São Tiago, conforme muito bem expressa a nossa variante barrosã da belíssima lenda dos Sete Varões Apostólicos.

Morgade tem 4 lugares: Morgade, Criande, Carvalhais e Rebordelo. Aí residem 287 pessoas. Situa se juntinho à Barragem de Pisões, dela beneficiando, sobretudo na época do verão, porque pode fazer se uma espécie de praia e entretenimento para os pescadores.

Freguesia de Negrões Também esta freguesia integrou a Comenda da Chã às Clarissas de Vila do Conde, pelo rei de D. Dinis. Em 1862, nasceu em Vilarinho de Negrões Domingos Pereira. Ordenado padre e já abade de Refojos (Cabeceiras) contra vontade de seu tio, o também padre João Albino Carreira, filiado no Partido Regenerador, filiou-se no Partido Progressista. Fiel ao seu credo partidário, tornou-se amigo íntimo de Paiva Couceiro e recusou aderir à República em 1910. Perseguido, como os outros chefes monárquicos, 204


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após a estrondosa derrota, no espaldão da carreira de tiro, em Chaves, foi condenado a 20 anos de penitenciária. Conseguiu colocar no Brasil os seus “soldados, na ordem de alguns milhares” e regressou a Espanha e à sua actividade conspiratória. Conspirou a vida inteira. Depois da amnistia de Sidónio Pais, teve acções preponderantes na proclamação da “Monarquia do Norte”, em 1919, participando nos combates de Cabeceiras, Mirandela e Vila Real. Restaurada a República exilou-se em Espanha e foi condenado à revelia a 20 anos de prisão maior. Excluído, como Paiva Couceiro, da amnistia concedida aos monárquicos, regressou em segredo, em 1926, a Cabeceiras, onde viveu até 1942. Por falar em condenações, é de lembrar a condenação de José Pereira, de Lamachã em 1947, a 29 anos e meio de cadeia “acusado de ser o autor moral” de um crime que de certeza não cometeu. Eram assim os tribunais e juízes fascistas. Negrões tem cerca de 190 residentes distribuídos pela sede de freguesia, Lamachã e Vilarinho. É banhada, a norte, pela Barragem de Pisões que lhe confere imensa graça.

Aqui nasceu António Chaves, um economista que singrou em Lisboa, como docente do ensino superior e empresário, mas que nunca se desprendeu das origens telúricas. Guilherme Pires Afonso é outro filho da terra que brilha como Juiz Desembargador em Lisboa, ao lado do causídico Armando Gonçalves. Daqui 205


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foi o famoso Padre Domingos Pereira, celebrizado em Cabeceiras, na Casa da Raposeira, aquando da Causa Monárquica liderada por Paiva Couceiro.

Freguesia de Outeiro Em extensão territorial é a terceira freguesia de Barroso, contando apenas quatro aldeolas. Entra na conta das freguesias que bordejam a característica Mourela, além de Covelães, Paredes, Pitões, Tourém, e Randim (Galiza). Inicialmente a freguesia chamava-se Parada do Gerês, depois São Tomé de Parada , depois Parada de Outeiro e finalmente Outeiro, sempre sob o mesmo orago – que é e foi São Tomé. Merece referência o achado de Torques (jóias pré-históricas de oiro) encontradas na abertura da estrada de Outeiro a Parada do Rio, no sopé do Castro que linda com o rio Cávado . É um tesouro de inestimável valor – um dos muitos que arrastam os turistas mais cultos para longe das nossas terras e assim nos levam à desertificação.

Outeiro tem mais três lugares: Cela, Parada e Sirvozelo, com cerca de 202 residentes, para uma extensão geográfica da ordem dos 51 km2. Constitui a varanda sobre a Barragem de Paradela que tanta beleza lhe confere, vigiada pela rudeza imponente do Gerês. 206


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Freguesia de Pitões das Júnias Herdeira natural da velhíssima freguesia de São Vicente do Gerês, nas profundezas do rio Beredo, que recebe águas de vários ribeirinhos na montanha, Pitões é a segunda povoação mais alta de Barroso na cota dos 1100 metros, logo atrás de Sendim nas faldas do Larouco. Este facto contribuiu em grande medida para a elevada qualidade do presunto e fumeiro desta localidade. Sempre foi conhecida por ser terra de gente lutadora e mesmo guerreira. Não resistiu à destruição do Castelo, nem do Mosteiro, nem da sua “república ancestral” (conjunto de normas comunitárias e democráticas dos seus habitantes) mas resistiu aos Menezes, condes da Ponte da Barca, a quem um rapaz de casa do Alferes foi raptar uma filha com a qual caso.

E residtiu também à pilhagem e assaltos sistemáticos que os Castelhanos organizavam durante a guerra da Restauração. Em 1665, “um grande troço de infantaria e cavalaria, sob comando de D. Hieronymo de Quiñones atacou Pitões mas não só não conseguiram queimar o povo como este lutou bravamente pondo em fuga o inimigo e sem perdas. Alguns dias após (com os pitonenses a ajudar, em represália) o capitão de couraças João Piçarro, com 800 infantes, atacaram Baltar, Niño d’Águia, Godin, Trijedo e Grabelos, donde trouxeram 400 bois, 1500 ovelhas e 20 cavalos. E resistiu ainda ao florestamento com pinheiros da Mourela imposto por Salazar, o que ainda assim levaria à perda de algumas das suas vezeiras. Resistiram sempre e ainda bem resistem!... Nesta aldeia é atracçao a corte do boi do povo agora reconstruída e um pólo do Ecomuseu de Barroso. 207


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Pitões é também um aldeamento único. Para nascente e junto a um regato que a dado passo do seu curso, forma a típica "cascata", situa-se o Convento de Santa Maria das Júnias, que foi célebre na época medieval e que ainda hoje permite ajuizar da sua importância, não obstante o estado de abandono em que se encontra.

União das Freguesias de Venda Nova e Pondras Venda Nova, é uma localidade relativamente jovem (ainda não existia à data do numeramento ordenado por D. João III, em 1530), mas duzentos anos depois, já consta como sede de freguesia, nas memórias paroquiais de 1758. Talvez convenha deixar dito que as referidas memórias paroquiais podem não constituir informação de grande fiabilidade. Por um lado, devido ao nível de interesse que os Inquéritos teriam despertado, e pelo outro, devido ao estado de espírito, aptidões e propensão dos inquiridos. As respostas dos curas anuais ou encomendados em paróquias pobres e isoladas, onde sobreviviam um ano ou dois, vindos talvez de lugares distantes, não podem ter o mesmo “nível e valor” que as do abade de freguesia rica, donde apenas sairiam para a cova. Aliás, esses estados de alma, detectam-se em muitos períodos das diferentes respostas aos inquéritos. A nova sede de freguesia substitui o lugar de S. Simão de Codeçoso de Arco e passou a chamar-se São Pedro de Venda Nova, tendo andado anexa a Santa Marinha de Ferral. A antiga igreja que fora transferida do vale da igreja para Venda Nova acabou por ser afogada, assim como toda a povoação e o cemitério pelas águas da barragem que foi inaugurada em 1950, com pompa e circunstância e onde, no desfazer da festa se afogaram dez pessoas. Próximo da Venda Nova existem ainda as aldeias de Codeçoso do Arco, Padrões, e Sanguinhedo, todas pertencendo à freguesia.

Quanto a Pondras, ocorre evidente discrepância sobre o hagiotopónimo desta freguesia. As inquirições de 1258 tratam-na, e bem, por Santo Fins. O Catálogo de todas as Igrejas em 1320, quando reinava D. Dinis, chama-lhe, e mal, São Félix. Mais recentemente, voltámos e bem, ao chamadouro correcto que é São Pedro 208


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Fins de Pondras. É provável que a confusão derive do tratamento dado na arquidiocese ao problema de São Pedro de Rates, dito primeiro bispo-fundador da Igreja de Braga, ou a D. Pedro, primeiro bispo-refundador da Igreja de Braga. De todo o modo, em Pondras, fazem festa ao príncipe dos Apóstolos, em 29 de Junho. É um caso significativo o modo de povoamento verificado visto que as principais povoações da freguesia -Pondras e Ormeche, estão algo distantes do local da Igreja, por acaso, ou talvez não, junto do outeiro que foi um castro e onde se situa a povoação de São Fins. Próximo de Pondras existem ainda mais quatro aldeias, todas pertencentes também à freguesia: Ormeche, Paio Afonso, e S. Fins. Alguns troços da via romana que por aqui existiam, foram cobertos pelas águas da barragem. É uma freguesia que beneficiou dos sortilégios da Barragem do mesmo nome, como por ela foi lesada, na medida em que perdeu os melhores terrenos agrícolas. De Sanguinhedo foi o Padre Domingos Barroso, autor do «Perdigueiro Português», obra marcante do seu tempo.

Freguesia de Reigoso Com a freguesia de Reigoso sucedeu o mesmo que sucedeu a Contim!... Antes de independente esteve anexa à de São Pedro de Covelo. Ao ganhar carta de alforria levou consigo Currais e Ladrugães. Mas Currais - exemplo único no Barroso, nasceu de quatro casais de Dona Maior Gomes e que D. Afonso II honrou. Com o decorrer dos tempos esses “lavradores” organizaram-se em catorze casais, sob a forma de beetria, isto é, os habitantes escolhiam o senhor que mais garantias lhe desse.

Talvez por isso o melhor troço de via romana existente no concelho foi tão bem preservado em Currais. Na freguesia ainda há hoje uma irmandade muito antiga 209


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mas igualmente muito fechada e reduzida de “irmãos”. Da freguesia fazem ainda parte as aldeias de Ladrugães e Currais. É uma terra que foi muito prejudicada pela Barragem da Venda Nova, por lhe ter roubado os melhores terrenos. Mas recompensou a com a graciosidade paisagística.

Freguesia de Salto Salto é a maior freguesia do concelho, pois para além da sede da freguesia existem mais 20 aldeias que fazem parte da mesma e que totalizam cerca de 1.800 pessoas, o que ultrapassa a própria sede concelhia. São elas, Ameal, Amiar, Bagulhão, Beçós, Minas da Borralha, Caniçó, Carvalho, Cerdeira, Corva, Linharelhos, Lodeiro d'Arque, Paredes, Pereira, Pomar da Rainha, Póvoa, Reboreda, Seara, Tabuadela e Golas. Sempre teve ilustres filhos!... Em Reboreda nasceu Leonor Alvim, que foi mulher de Nuno Álvares Pereira. As Minas da Borralha constituíram, na segunda metade do século XX, um filão de ouro que valeu a muita gente da região. Como espaço habitado e evangelizado, Salto é já referido no Paroquial Suévico como uma das trinta paróquias já existentes no último terço do século VI e pertencentes à catedral de Braga. Ao longo da sua vida teve muitos momentos de glória, daí a riquíssima história desta freguesia. Enquanto os cruzados do norte da Europa atravessavam o Atlântico e o Mediterrâneo, para combater nos lugares santos, o povo portucalense trepava descalço os caminhos das suas peregrinações que atravessavam a freguesia.

De tal modo que D. Afonso Henriques autorizou e apoiou a construção da Albergaria de São Bento das Gavieiras ao monge Benedito em 1136. Alguns nobres olharam com cobiça para esse território onde adquiriram casais ou mesmo 210


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povoações como Carvalho, Póvoa e Revoreda que eram do fidalgo-trovador D. João Soares Coelho e de suas irmãs. D. Pedro I, o tal que arrancou o coração pelo peito a Pero Coelho (bisneto do referido João Soares Coelho) e pelas costas a Álvaro Gonçalves por terem morto Inês de Castro, também cobiçou Salto. Por isso, depois de uma visita a Santa Senhorinha de Basto, de quem era devoto, cedeu-lhe fartos rendimentos da Igreja de Santa Maria de Salto. O território da freguesia actual 78,6 km2 era ocupado também pela freguesia de Novaíças que incluía vários casais e herdades em diferentes povoações entretanto desaparecidas: Pontido, Curros de Mouro, Ulveira, Gulpilheiras e outras. Os grandes mosteiros do norte Refojos, Pombeiro e Bouro – todos levantavam daí grossas rendas. Aqui poderá visitar-se a antiga casa do Capitão, agora pólo do Ecomuseu de Barroso, onde se encontrará uma apresentação dos ofícios tradicionais do Pisão de Tabuadela e das Minas do Volframio da Borralha.

União das Freguesias de Seselhe e Covelães Ambos os lugares desta freguesia foram sede de freguesia, porém anexas a Santa Maria de Montalegre. Todos os edifícios de ambas as localidades estão construídos entre os novecentos e os mil metros de atitude.

Como o resto do concelho são terras de produção agro-pecuária, de largos montes de caça e de boas manchas de arvoredo para madeira e lenhas. Os 211


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documentos conhecidos não autorizam a grafia deste topónimo com z como por aí se vê escrever. A criação de gado foi tão importante que os de Travaços do Rio ergueram a meio do povo uma torre ao boi campeão. Os seus habitantes devem sentir-se orgulhosos também porque Travaços é depois de Salto, a terra barrosã referida em documentos autênticos e mais antigos!... Trata-se de dois documentos do Tombo de Celanova, na Galiza, referentes a doações destinadas ao Mosteiro e ambas no termo de Travaços, datadas, respectivamente, dos anos 953 e 976, sendo que numa delas é doadora a própria mãe do bispo São Rosendo há 1053 anos. Muitas vezes “o coração tem razões que a razão não conhece” e assim, por vezes, encontramos canastros, tulhões, cortes de boi, fornos e moinhos feitos com tanto primor e equilíbrio como se de altares ou sacrários se tratasse. A emigração que hemorragicamente nos vem sangrando, por este andar, vai obrigar-nos a associar não duas mas quatro ou cinco freguesias limítrofes. Por sua vez, Covelães é a primeira das freguesias que circuitam a serra da Mourela. Esta serra, verdadeiro planalto de altitude média a caminho dos 1100 metros, é e foi, desde os tempos megalíticos, um local muito apto para a transumância ascendente. Com efeito, as povoações próximas aí conduzem numerosas vezeiras de gado que por lá demoram todo o verão. Tal costume há-de ter origem nos ancestrais pré-históricos que encheram aquele espaço de mamoas, sinal de que aí viveram e morreram. O que também já morreu ou quase, foi a raríssima perdiz cinzenta, também conhecida por charrela. Devíamos envergonhar-nos de tal notícia, mas enfim. A actual freguesia compõe-se de dois lugares: Covelães e Paredes do Rio!... Ambos foram sede de freguesia, aquele sob o orago de Santa Maria e este de Santo António. Nesta localidade existe um pisão, com outras curiosidades dignas de visita, entre as quais uma sala que servirá de polo na rede informática do Ecomuseu. Aos pés da freguesia fica a barragem do Alto Cávado. Aqui nasceu o Coronel António Dias Vieira, um bom exemplo de barrosão.

Freguesia da Vila da Ponte Sendo uma das freguesias barrosãs com menos área distribuída é, porém a mais produtiva por metro quadrado de terreno. Por outro lado, a povoação sede, ainda é uma das mais populosas, pois aparece em oitavo lugar - ao lado de Solveira, no conjunto dos 136 povoados do concelho.Tal indicação (ao lado de outros indicadores bem significativos) deve servir como aviso aos poderes vigentes no sentido de providenciarem uma distribuição mais equitativa dos benefícios às populações. É a única freguesia que não tem acesso a outra povoação. Das glórias de que sempre gozou (sem que alguma vez tivesse pretendido obstruir as legítimas capitalidades – honras, coutos e sede concelhia) todas lhe vão sendo injustamente sonegadas com evidentes malefícios para uma população ordeira e esclarecida. Orgulha-se das suas villae, disseminadas ao longo do ubérrimo vale e várzeas e bem testemunhadas em documentos medievais e na toponímia vigorante, dos seus castros estrategicamente colocados sobre linhas de água que entram no 212


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Regavão. Orgulha-se também dos seus monumentos funerários (tipo/cistas, achados em dois outeiros, Donim e Gorgolão, sobre os quais corriam lendas cheias de encanto; do seu outeiro (altarium) onde os mais remotos indígenas ergueram altar para adorar os seus deuses e sobre o qual, ao lado do Paço (que hoje é o cemitério local) edificaram o seu oratório ou basílica, que é agora a igreja; da sua velhíssima ponte que unia os vales marginais, e que durante séculos, foi a única passagem invernal para as povoações de entre-os-rios. Por falarmos do rio lembra-se que devemos continuar a dizer Regavão. Com v ou com b, não importa visto que não se trata de modismos. Mas era assim sempre que o povo dizia. E dizia bem como sempre. Ora, o mais antigo documento conhecido até hoje chama-lhe Regavam (1258)!... Que se saiba é o único rio transmontano que se pode gabar de ter uma monografia publicada em letra de forma, da autoria do Professor da Universidade de Coimbra, Raul Miranda, em 1938.

Da freguesia fáz ainda parte a aldeia de Bustelo, somando 260 habitantes. Ainda hoje tem uma ponte romana, bem conservada, a confirmar o relevante papel da via romana que ligava Braga a Astorga e que tinha um acentuado nó, mais abaixo, em Codeçoso (do Arco). Seguia o curso do Rio Rabagão, até à sua nascente, em Codeçoso (da Chã), hoje pertencente à freguesia de Meixedo-Padornelos. Teve sempre filhos muito ilustres: o Padre Manuel Baptista, continuado por seus sobrinhos: o José Dias Baptista, investigador e autor de inúmeras obras de história local e poesia; o Manuel e o Domingos e o antigo Presidente da Câmara de Chaves, João Batista. 213


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Freguesia de Santo André A aldeia de Santo André, como a de Solveira, foram desmembradas da sub-zona denominada Vilar de Perdizes a que pertenciam. Ao conseguirem as suas autonomias escolheram os patronos que já antes admiravam e invocavam. Santo André é terra bastante fértil, com alguma fruta. Para que se saiba, o rei D. José I mandou passar certidão à petição por escrito, que fora feita em 9/11/1733, de brasão de armas de nobreza a “Mateus Francisco Padrão, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, capitão de granadeiros no 1º batalhão do Regimento de Guarnição da Praça de Elvas onde era morador, dizendo nela, que ele suplicante é filho legítimo de António Francisco e de sua mulher Jerónima da Encarnação. Neto pela parte paterna de Afonso Francisco de Sirgo natural da honra e julgado de Santo André, freguesia de S. Miguel o Anjo do lugar de Perdizes, e de sua mulher Inês Padrôa, filha de Diogo Padrão naturais da mesma honra.

E pela materna que é neto de Alexandre Gonçalves e de sua primeira mulher Maria Vaz, naturais da honra de Gralhas onde ele foi vereador e juiz ordinário, tudo na comarca de Chaves e ele suplicante natural da cidade de Lisboa. Os quais ditos seus pais, avós e mais antepassados que foram todos muito nobres e por tais conhecidos e respeitados, sem que algum deles houvesse labéu de judeu ou mouro, nem outro sangue infecto que pudesse pôr nódoa na sua fidalguia, nem havia fama ou rumor em contrário. ”A sentença de justificações foi proferida a 9/6/1756 e a decisão: ”… busquei os livros dos registos das armas da nobreza e fidalguia deste reino que em meu poder então e nelas achei os que pertencem à nobre e antiga linhagem de padrão na forma que lhas dou iluminadas com as mesmas figuras, cores e metais nesta carta segundo as regras do nobre oficio da armaria. A saber: “Um escudo com as Armas dos Padrões que sai em campo azul um Padrão ou coluna de prata levantada sobre um monte de sua cor e sobre a coluna um escudo do mesmo metal carregado de uma Cruz da Ordem de Cristo entre duas estrelas de ouro. Elmo de prata aberto guarnecido de ouro. Paquife dos metais e cores das Armas e por diferença uma brica de prata com uma faixa vermelha. Lisboa aos nove dias do mês de Maio do ano do N. S. J. Cristo de 1760.” 214


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Os vários entendidos na heráldica asseveram que “esta família tem as mesmas armas que os Cãos pelo que se presume que descendem de Diogo Cão a quem elas foram dadas.” O próprio Braancamp Freire afirma: “As armas do apelido Cão”. Santo André é lugar único. Tem cerca de 270 habitantes, um forno do povo todo em granito, com a aldeia galega da Xironda e situa-se nas faldas da serra do Larouco, para nascente.

Freguesia de Sarraquinhos Esta freguesia, enquanto tal, não consta das Inquirições de 1258 conquanto constem delas todas as localidades que a integram. Em boa verdade lá se referem Pedrário, Sarraquinhos, Cepeda, Zebral - onde existia uma herdade do irmão do trovador João Baveca e Antigo. Esta última povoação com o topónimo significativo, Antigo de Espinho, que o mesmo era dizer Antigo de Aspinius (Aspini). Mais tarde foi Antigo de Arcos, pertencente ao aro de Cervos e agora Antigo de Sarraquinhos. As voltas que a vida dá!... Quem vai a Sarraquinhos deve seguir o roteiro do grande poeta transmontano Miguel Torga: visita obrigatória à igreja, à capela, ao castro de Pedrário e ao Forno e ouvir meia dúzia de velhinhas dizer jaculatórias por alma do sempre lembrado Padre Joaquim, que Deus haja.

Da freguesia fazem parte mais quatro aldeias: Antigo, Cepeda, Pedrário e Zebral, totalizando a população cerca de 370 pessoas residentes. Desta terra emigrou muita gente, alguma bem situada hoje na vida, corno por exemplo: Manuel Moutinho, que tem um "império" na cidade de Bridgeport nos USA.

Freguesia de Solveira É a mais recente freguesia do concelho de Montalegre e ganhou a independência à custa de Vilar de Perdizes tal como Santo André. O topónimo é muito antigo: provém do étimo sorbu+aria - sorbaria, planta semelhante ao buxo muito utilizada em obras de marcenaria. Como tal, já se vê que o território desta freguesia foi habitado há muitos séculos. Aliás, a toponímia circundante certifica-o!... Primeiro o sítio das Antas que nos levam até à préhistória; depois o próprio assentamento da povoação no Outeiro – altarium; e 215


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depois ainda, o castro do Soutelo, a Cidadonha e finalmente Paio Mantela, uns e outros tradicionalmente considerados locais habitados.Solveira ao fazer parte da honra de Vilar de Perdizes estava obrigada a mandar homens à guarda do Castelo da Piconha, pelo menos até ao reinado de D. João I, mas há quem pense que a obrigação durou até à Restauração.

Entre 1841 e 1853 pertenceu ao concelho de Ervededo que foi couto criado por D. Afonso Henriques para o seu amigo Arcebispo D. Paio Mendes em 1132, tal como fizera ao Couto de Dornelas. Solveira é lugar único, com cerca de 210 habitantes. Também aqui emigrou muita gente, mas é uma freguesia rica e berço de ilustres filhos.

Freguesia de Tourém Ao refazermos a nossa história regional, é justo salientar como exemplo a freguesia de Tourém. Recebeu foral de D. Sancho I para manutenção da vigilância fronteiriça a partir do Castelo da Piconha e da sua ligação, num caminho neutral, ao coração do Couto Misto formado pelas povoações de Santiago, Rubiás e Meaus. Há mesmo notícia certa, de que o Sancho Povoador por ali passou antes de 1211: “…quando ibat rex domino Sanchio pro a Sancte Pelagio de Piconia…” Mesmo após o estabelecimento definitivo da capitalidade das terras de Barroso em Montalegre, as prerrogativas e privilégios de Tourém foram mantidos. Basta dizer que as chamadas “honras” ficaram oneradas em fornecer homens para a guarnição da Piconha. Aliás, a defesa do sítio era questão primordial para toda a população de Tourém, como se verifica pelos orifícios abertos nas testadas das casas sobre as portas das habitações, de modo a evitarem assaltos, cercos e esperas ou emboscadas. Dado de inusitada curiosidade é o facto da igreja muito antiga de São Pedro - com vestígios românicos, não aparecer no catálogo de 216


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1320. Mas tal não ocorre, porque pertencia no espiritual, à Diocese de Ourense. Por esse motivo, é da tradição e tido como certo, que a dada altura, no florescimento do Liberalismo Galego, um bispo de Ourense, da família Quevedo, se refugiou em Tourém, por razões políticas. O bispo, estando em país estranho, estava em terra própria, porque Tourém integrava a Diocese de Ourense. Tourém, muito antes do foral, foi honrada numa escritura de doação de bens ao Mosteiro de Celanova, pelos anos de Cristo de 1065. É talvez a freguesia mais cosmopolita da zona com visitas diárias dos “turistas” da Galiza Irmã. Estes forasteiros podem desfrutar com toda a comodidade, das instalações legadas pela Casa dos Braganças, reconstruída para turismo de habitação. Nesta aldeia, a corte do boi do povo foi transformada em pólo do Ecomuseu de Barroso, onde está retratada a questão do contrabando, do couto misto, dos exilados políticos e da relação transfronteiriça.

Tourém é lugar único, tem cerca de 185 habitantes e está mais próxima da Espanha do que do seu país. Ali bem perto existiu o castelo da Piconha e o Couto Misto de Rubiás. Ali marcou também presença a Casa de Bragança e o protestantismo. Existem acentuados vestígios romanos, como, por exemplo, a Igreja paroquial.Um exemplo esta aldeia...

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CAPITULO X O CONCELHO DE BOTICAS

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A SEDE O concelho de Boticas está situado na parte noroeste de Portugal, província de Trás-os-Montes, Distrito de Vila Real. Criado no âmbito da reforma administrativa de 1836, o actual concelho de Boticas corresponde a uma parte da antiga terra do Barroso à qual deu o nome, pois é na sua área geográfica que existe a serra do Barroso e as povoações de Alturas do Barroso e Covas do Barroso, divisão administrativa e territorial que até então incorporava também o actual concelho de Montalegre e o extinto concelho de Ruivães, este hoje parte do concelho de Vieira do Minho. A Vila de Boticas, então já lugar central, é desde a criação do Concelho, a sede do Município. O concelho de Boticas é limitado a Norte pelo concelho de Montalegre, a nascente pelo concelho de Chaves, a Sul pelo Concelho de Vila Pouca de Aguiar e a poente pelos Concelhos de Montalegre e Cabeceiras de Basto. A sua área é de 314,88 Km2, tendo cerca de 10 mil habitantes em 3.986 fogos distribuídos por 10 freguesias e num total de 52 povoações. Boticas assenta essencialmente numa vasta superfície planáltica, onde a serra do Barroso ou Alturas, se orienta a NE e SW em 1279 metros, no seu ponto mais alto. No entanto, o desnível entre as cotas extremas, 1279 e 22 5metros em Fiães do Tâmega, junto ao rio Tâmega, é bastante considerável (1054mts), pelo que é possível dentro do concelho conjugar vários tipos de paisagem, que vão desde a alta montanha granítica pobre em vegetação e rica em grandes penedias, passando pelos verdes vales cobertos por prados de lameiro. Oferece também áreas consideráveis de bosque onde as espécies dominantes autóctones são o carvalho roble e o carvalho negral nas zonas de maior altitude e o vidoeiro nas zonas de menor altitude, nas linhas de água é frequente o aparecimento do amieiro e salgueiro. Para além da paisagem própria do relevo do concelho, é ainda possível uma vasta e alargada visão para as serras de Cenábria, Larouco, Gerês, Cabreira e Marão, oferecendo assim uma rara imensidão de horizonte, por vezes entrecortado pelas águas da barragem do Alto Rabagão. Estas serras que cercam e dominam a região impuseram-lhe sérios condicionalismos de acessibilidade e comunicação, hoje ultrapassados. Boticas encontra-se por rede viária, sensivelmente à mesma distância de Madrid e Lisboa e perto de grandes cidades como Orense, Vigo, Santiago de Compostela, Vila Real, Braga e Porto. Também no que diz respeito a água, o concelho é rico e atrai um número considerável de pescadores, sendo atravessado pelos rios Beça, Covas, Terva e Tâmega, além de um enorme número de ribeiras e corgas. Com base nos Livros de Linhagens - Livro Velho 3, Título XXX.º página 107; na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, página 313 do 4º volume; no Armorial Lusitano, página 88; e no Historial do Apelido de Família do CAPB, o apelido "Barroso", de raiz toponímica, teve a sua origem nas Terras de Barroso, em Trás-osMontes. O primeiro que o usou, e que provinha da antiga linhagem dos Guedeões, retirou-o de uma torre no lugar de "Sipiões", naquela região, da qual foi Senhor. Foi ele D. Egas Gomes Barroso, filho de D. Gomes Mendes Guedeão e de sua mulher D. Chamôa Mendes de Sousa, ambos tratados no Nobilário do Conde D. Pedro, filho de D. Dinis, onde se vê ainda ser neto de D. Gueda, o Velho. Foi D. Egas rico219


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homem dos Reis D. Sancho II e D. Afonso III, tendo ido em 1247, durante o reinado deste último soberano, ao cerco de Sevilha, em auxílio do Rei D. Fernando, o Santo, de Castela. Dos dois filhos de D. Egas vêm duas distintas linhagens: a dos Bastos, descendentes de seu filho segundo, D. Gomes Viegas de Basto, e os Barroso, provenientes do casamento do primogénito Gonçalo Viegas Barroso com D. Maria Fernandes de Lima. Destes ficou vasta geração, a qual manteve o uso do apelido, muitas vezes até por linha feminina. Fixando-se na região de Braga e Barcelos vieram a ser senhores e administradores de bons Vínculos e Morgados, como os das Quintas da Falperra, do Eixidio, de Oleiros, ou de S. Jorge, que tinha Capela em S. Francisco, no Porto. As armas usadas por esta família são: de vermelho, cinco leões de púrpura, armados e linguados de ouro, cada um carregado de três ou de duas faixas também de ouro. As armas e a bandeira do concelho de Boticas, são, de acordo com o parecer da Associação dos Arqueólogos Portugueses, de prata, com uma abelha de negro realçada a ouro, acompanhada de quatro espigas de trigo verde, cruzadas em ponta e atadas de vermelho. Coroa mural de quatro torres. Bandeira azul. ASPECTOS GERAIS E CARACTERIZAÇÃO

O relevo do concelho corresponde a um mosaico diversificado de cadeias montanhosas e vales encaixados. Na parte mais elevada, que representa 13% da área do concelho, encontra-se, orientada de NE a SW, a Serra do Barroso (1279 metros), de onde deriva o nome da região que Boticas integra e que corresponde ao ponto mais alto do concelho. Mais a Este, encontra-se a Serra do Leiranco (1155 metros). No prolongamento destas duas serras, vastas áreas de planalto ocupam grande parte da zona central do concelho. Aí se localizam outras serras, 220


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como Santa Comba (901 metros), Pinheiro (1002), Antigo (968), Bocal (906), Melcas (949), Brandelos (560) e Facho (775), que ocupam a maior proporção do território. No nível seguinte, dos 400 aos 700 metros, que corresponde a 39% da área do concelho, encontram-se alguns dos vales mais férteis, junto dos principais cursos de água: na parte Este, os vales dos Rios Tâmega e Terva, e na parte Oeste do concelho, os vales das Ribeiras das Lousas e do Couto e do Rio Covas. Por fim, no que se refere à classe de altimetria mais baixa, dos 0-400 metros, podemos afirmar que é a menos representativa no concelho, correspondendo apenas a 2% da área total, distribuindo-se ao longo das encostas dos vales encaixados dos rios Covas e Tâmega. O desnível entre as cotas extremas, 1279 metros em Alturas do Barroso e 225 em Fiães do Tâmega, é bastante considerável. Assim, Boticas encerra uma diversidade de paisagens, que vão desde as altas montanhas graníticas, aos vales cobertos por prados naturais (os lameiros). Os pontos mais altos, entre os quais se destacam a Serra do Barroso e a Serra do Leiranco, pela sua posição estratégica e pela sua altitude, constituem excelentes miradouros naturais que permitem uma vasta e alargada visão para as Serras de Sanábria (Espanha), Larouco, Gerês, Cabreira e Marão, oferecendo, assim, uma rara imensidão de horizonte, por vezes entrecortado pelas águas da barragem do Alto Rabagão. Encaixadas nestas múltiplas paisagens encontram-se as aldeias e lugares do concelho, dispostas em planaltos, nas encostas das serras ou protegidas nos vales. A conjugação destes diferentes tipos de paisagens proporciona momentos únicos aos visitantes e constitui uma das imagens de marca do concelho. O Clima Longe do mar e isolado das suas influências pela barreira natural formada pelas inúmeras cadeias montanhosas que constituem a região do Barroso, domina o clima exposto às influências continentais. A isto se alia o facto de o concelho se encontrar numa zona planáltica e montanhosa, modelada por vales profundos, o que faz com que se registem alguns contrastes climatéricos. Os Invernos são agrestes e prolongados, durante os quais é frequente ocorrerem fortes nevões, especialmente nos pontos mais altos, e geadas em alguns períodos do ano. Por seu lado, os Verões são muito quentes e pouco prolongados. Rigores de um clima, que o adágio popular “Em Barroso, nove meses de Inverno e três de inferno” tão bem descreve. Em termos gerais, a temperatura média anual é tendencialmente crescente de Norte para Sul, sendo que as temperaturas mais baixas se registam ao longo das Serras do Barroso e Leiranco, enquanto que as temperaturas mais elevadas se encontram confinadas nas encostas mais a Sul, nos vales encaixados dos rios Beça, Covas e Tâmega. Todavia, se tivermos em conta os valores médios anuais de temperatura e a precipitação média anual, o concelho divide-se em várias zonas climáticas: a Terra Fria de Montanha corresponde à zona mais elevada do concelho - a Serra do Barroso, região muito fria, com elevadas precipitações médias anuais e alguns nevões durante o Inverno. A Terra Fria de Planalto, embora mantenha as elevadas precipitações médias anuais, possui uma temperatura mais amena, estendendo-se por uma 221


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vasta área do concelho e encerrando algumas serranias da Zona Oeste, como são os casos das Serras de Santa Comba, Pinheiro, Antigo e Bocal, Leiranco e a Serra das Melcas, na parte Este. A Terra de Transição que se localiza essencialmente na parte Sul do concelho, ao longo dos vales encaixados das Ribeiras das Lousas e do Couto e do Rio Covas e parte intermédia das encostas do Tâmega. Uma segunda Terra de Transição que ocupa a parte Este do concelho, sendo que à medida que nos aproximamos da fronteira com o concelho de Chaves se verifica um decréscimo da precipitação e a manutenção da temperatura. E a Terra Quente, uma zona extremamente explosiva do ponto de vista climático, dado possuir em simultâneo elevadas precipitações e elevadas temperaturas médias anuais. Encontra-se circunscrita a uma pequena área na parte Sul do concelho, ao longo das partes mais baixas das encostas dos Rios Beça e Tâmega. Património e Arqueologia O Guerreiro consiste num monólito antropomórfico esculpido, erecto e em posição de parada. Foi encontrado, juntamente com outro exemplar semelhante, provavelmente no sec. XVIII (tendo sido posteriormente encontradas, já no século XX, mais duas estátuas acéfalas) no grande castro do Lesenho, a altitude de 1075 metros, em Campos, Freguesia de S. Salvador de Viveiro e Concelho de Boticas, considerado o mais importante castro lusitano em Portugal e já classificado como imóvel de interesse público (D.R. n.º 29/90 de 17 de Julho). Este Guerreiro apresenta-se vestido com "sagum" (saio exuberantemente decorado com motivos geométricos de círculos concêntricos encadeados e axadrezados), com decote em V e manga curta, cingido por um cinturão com quatro nervuras paralelas. A cabeça é proporcionada, exibindo um cabelo curto e deixando livres as orelhas, barba e bigode. Ostenta as seguintes armas: "caetra" redonda e plana (típico escudo redondo), com umbo, com decorações do tipo "labirinto", que segura na mão esquerda com correias cruzadas no antebraço, e na mão direita empunha um punhal triangular curto, com pomo discoidal, introduzido numa bainha com o conto de perfil circular e linhas transversais de possíveis travessas. Usa no pescoço um torque (peça de ourivesaria típica nos guerreiros da época), com aro aberto e em cada braço, uma "víria" de três toros (espécie de pulseira). O Guerreiro Calaico ou Castrejo é o expoente máximo da Arqueologia Nacional e representa a imagem da Divindade e o carácter guerreiro das civilizações castrejas que habitaram a nossa região. As quatro estátuas de Guerreiros Calaicos ou Castrejos que apareceram no imponente Castro do Lesenho encontram-se actualmente em Lisboa, no Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia; as duas que se encontraram em melhor estado de conservação são um verdadeiro "ex-libris" do referido Museu. AS ALDEIAS Esta região de Barroso desde sempre foi habitada pelo homem. Disso são marca os inúmeros vestígios da ocupação humanade que os povoados castrejos identificados nos cotos dos montes são o inequívoco e principal testemunho (Santos Júnior). O sentido da palavra aldeia significa o ajuntamento de casas onde se aglomeram famílias, que se organizam em comunidade de vizinhos. A típica aldeia trasmontana e particularmente a barrosã é caracterizada por ser um 222


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aglomerado de casas que se tocam de perto, separadas apenas por pequenas hortas ou logradouros. Normalmente têm um quintal anexo nas traseiras e cortes para os animais. Outra fachada, a principal, abre-se à rua ou largo, espaço de convívio e partilha da comunidade. Depois alongam-se, seguindo a orientação da rua principal ou irradiando pelas suas travessas a partir do centro onde, normalmente, se situa a capela ou igreja. Outros elementos de uso colectivo situam-se em lugar estratégico, como a eira onde os vizinhos, ajuda por ajuda, se auxiliavam nos trabalhos; o forno onde todos cozem à vez e que também funcionava como espaço de partilha e fruição comunitária, albergue de peregrinos ou almocreves em rota de passagem para os centros de peregrinação e comércio, pousada de pedintes e indigentes; a corte do boi do povo, animal de cobrição e reprodução, alimentado e guardado por todos, situava-se também no perímetro mais próximo da aldeia. Em torno deste aglomerado de casas, logradouros e “equipamentos” existiam, se a terra e o clima o permitissem, as hortas e campos de novidades: o segadiço, o linhal, o nabal donde se colhiam os legumes, as ervas sempre frescas para os animais de criação e o linho que haveria de servir para a organização do bragal. Num anel exterior, os lameiros e os campos de cultivo onde pastam os animais e se produz o centeio, a batata e algum milho e vinho, este nas terras abrigadas da ribeira. Muitos destes eram terrenos de fruição comunitária, uns anos terra de semeadura, outros terra de pasto. Mais distante o monte, os baldios, onde o povo se abastece de mato e lenha e o pastor leva o gado a pastar. A partir de uma, duas ou mais aldeias se construiu a comunidade de fregueses que constitui a freguesia ou paróquia. Ligada à igreja onde pontifica o pároco, é nesta figura tutelar que se encontra a dignidade matricial da paróquia, à volta da qual se organiza a vida quotidiana dos fregueses e se registam os momentos vitais da comunidade. A freguesia cimenta-se na vivência dos vários momentos da celebração na igreja – nascimento, sacramentos da confissão e comunhão, casamento e funeral. Na igreja ou no adro organiza-se também a vida da comunidade, funcionando como centro de decisão da vida económica e social: os trabalhos agrícolas, a distribuição das águas, a colheita do cereal, a limpeza dos montes, a organização do pastoreio dos gados, etc. Da igreja centro, aos limites territoriais claramente definidos do seu termo se fixa o horizonte geográfico da freguesia. É, pese embora a origem remota de algumas destas aldeias e lugares e da consequente influência cultural dos inúmeros povos e civilizações que aqui passaram e deixaram as suas marcas, nesta realidade, plasmada ao longo dos últimos séculos, que se sedimentou o carácter e a identidade do povo de Barroso.

União das Freguesias Alturas de Barroso e Cerdedo A aldeia de Alturas de Barroso situa-se a uma altitude de 1120 metros e encavalitada na serra do Barroso, a qual atinge no Alto da Armada os 1275 metros. Esta aldeia incrustada no coração na inóspita e agreste serra, é segundo as celebrações eucarísticas, o rincão onde Deus mora. Recentemente com a agregação das freguesias, a extinta freguesia de Alturas do Barroso uniu-se com a extinta freguesia de Cerdedo passando a denominar-se 223


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freguesia de Alturas do Barroso e Cerdedo. Fica situada na parte noroeste do concelho de Boticas e é formada pelas aldeias de Alturas do Barroso (sede), Atilhó, Vilarinho Seco, Cerdedo, Coimbró, Casas da Serra e Virtelo, totalizando 5.664 hectares de área total - tornando-se desta forma na maior freguesia do concelho.

Tem como referência patrimonial a igreja de Santa Maria Madalena. Uma igreja de planta simples, composta apenas por uma nave e sacristia. A fachada principal é constituída por portal de forma rectangular encimado por óculo redondo sobrepujado por campanário com dois rasgos sineiros coroados por dois pináculos e uma cruz. Interiormente a sua riqueza ornamental é soberba. A porta da Sacristia é Barroca, em castanho com grandes almofadas pintadas. O espaço envolvente da igreja, o adro, serviu durante muitos anos de cemitério, encontrando-se o piso todo lajeado com tampas de sepulturas com datas, cruzes e outros sinais. Quanto a Cerdedo é marcadamente uma aldeia das terras do Barroso, com uma área de 23,96 kms² e cerca de 180 habitantes. Situada nos confins dos concelhos de Boticas e de Montalegre, a Freguesia de Cerdedo estende-se pela encosta Sul da Serra do Barroso. A cerca de 22 kms de distância da sede concelhia, é limítrofe das Freguesias de Alturas do Barroso e Dornelas (concelho de Boticas) e Viade de Cima, Vila da Ponte, Pondras e Salto (concelho de Montalegre). A situação geográfica da Freguesia, como a do concelho aliás, inserido num conjunto de serras (Larouco, Cabreira, e Marão), impôs até há pouco tempo sérias limitações ao desenvolvimento da região. Hoje, todavia essa fase está ultrapassada. A sede da freguesia fica situada à beira da EN. 311 o que a torna perfeitamente acessível tanto para quem vem de Boticas (22 km) como para quem vem de Salto 224


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(7km). Coimbró beneficia de estradas para Telhado (concelho de Montalegre – 4 km) e Alturas do Barroso (7 km).

Desconhece-se a época a que remonta o povoamento do território que corresponde à actual freguesia, mas sabe-se que tal como o actual concelho de Boticas foi habitado desde o período Neolítico. Em tempos a exploração mineira estanho- foi muito importante para esta freguesia.

União das Freguesias de Ardãos e Bobadela Ardãos tem uma área de 22,41 kms². A origem da freguesia perde-se nos tempos!... Sobre o topónimo também não existem certezas, contudo poderá admitir-se que este termo esteja associado ao vocábulo “arder” e que para expressar locais de onde se queima ou arde muito, se terá encontrado um aumentativo em ão e seguidamente elevado ao plural assim: Ardãos = arde + ão + s. Esta possibilidade poderá ser sustentada no facto de nas proximidades de Ardãos terem existido importantíssimas explorações de ouro, na época romana, fazendo-se uso do carvão para fundir ouro. Uma outra possibilidade seria a de que Ardãos deriva de Arda, do velho saxão - harda - grande, maior. Acresce que de inverno as ardas (espécie de esquilo lanoso) frequentariam as pantanosas margens do alto Terva, por isso chamavam a este sitio - ardãos- significando local onde existiam grandes ardas. Segundo outros autores o nome desta localidade terá a ver a fase de reconquista cristã nomeadamente a um presor destas terras de nome Ardam. Esta aldeia tem actualmente cerca de 250 habitantes, 119 famílias clássicas residentes, 270 alojamentos de acordo com os Censos de 2011 225


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e possui uma veiga verdejante, cercada de montes com vários Castros: Malhó, Murada, Ribeira e Cunhas. Em termos arquitectónicos registe-se a capela de Santo António, datável do século XVI, que ostenta no seu interior interessantes retábulos em talha renascença. A sua principal actividade económica é a agricultura e a pecuária. Em termos de artesanato encontramos a cestaria. Fica situada no extremo norte do concelho de Boticas, dispondo de bons acessos para a cidade de Chaves e para a sede do concelho. Na própria localidade além do forno do povo tem a Igreja paroquial, cujo padroeiro é Santo André, a capela de S.Roque, que actualmente serve de casa mortuária e o Nicho de Nossa Senhora de Fátima. A poucos quilómetros da aldeia fica situado o santuário da Senhora das Neves onde se realiza uma das festas mais importantes da freguesia e da região. Esta freguesia representa um manancial de história capaz de atrair simples curiosos, estudiosos ou mesmo os melhores especialistas em história antiga.

Bobadela, é a outra aldeia que fáz parte da freguesia. Situa-se na parte ocidental do concelho, a cerca de sele quilómetros de Boticas, Bobadela, diz a lenda, deve o seu nome ao facto de em tempos recuados ter existido aqui uma confraria com casas abobadadas. O seu povoamento remonta, como em todo este concelho, a épocas préhistóricas. Ao poente da sede da povoação, num pequeno outeiro, surgiram alguns vestígios de um antigo reduto castrejo, o castro de Cidadonha. Conhecido também como castro do Bobadela ou do Brejo, é um daqueles que foi estudado a partir de 1983. Encontra-se na parte ocidental da freguesia. Ali foram encontrados 226


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dois machados, um de pedra polida e outro de bronze e outros objectos de metal, estes descobertos na primeira metade do século. Um outro, o de Nogueira, foi descoberto na aldeia do mesmo nome, no alto de um cabeço cónico. Este castro terá sido romanizado, a julgar pelo marco miliário descoberto em redor e pela calçada da mesma época. Um caminho difícil conduz ao local, marcado por uma vegetação espessa. Daquilo que provavelmente foi um povoado lusitano, restam hoje algumas ruínas de muralhas, mas nenhum dos seus paramentos é actualmente visível. Algumas covas pouco fundas no seu interior parecem indiciar que ali terá existido exploração, ou pelo menos pesquisa, de materiais preciosos. Nogueira fica no cume da serra, perto do ribeiro das Lameiras. A instituição paroquial desta freguesia ocorreu ainda no século XIII. Pertencia à Sé de Braga e foi mais tarde uma comenda da Ordem de Cristo. O reitor ele Bobadela era apresentado pela mitra e tinha de rendimento anual 150 mil réis. A igreja paroquial de Bobadela, totalmente restaurada nos inícios do século XVIll, é de uma só nave. A capela de S. Lourenço. erigida em 1742, encontra-se na parte mais alta da povoação. Conserva no seu interior uma ara muito antiga e em mau estado de conservação. O Poço das Freitas, datado não se sabe bem de quando, é um local de interesse turístico nesta freguesia pela sua peculiaridade e raridade. É a maior obra construída pelo homem em todo o concelho, destinada que era à exploração de ouro nas minas e no aluvião. As areias dali saídas seriam posteriormente lavadas com água de uma barragem. Esta, da qual hoje não resta qualquer vestígio, era alimentada por um pequeno regato nascido na serra da Cortiça, o Ganidoiro. Certas tradições mantêm-se ainda hoje desde tempos longínquos. Na Páscoa, por exemplo, todos os vizinhos têm que levar o folar caseiro para a festa. Quando algum habitante mais pobre não tiver essa possibilidade, todos os outros se juntam e contribuem da forma que podem. Foi sempre assim, mas nota-se que de quando em vez a tradição se vai perdendo.

Freguesia de Beça Beça tem 30,01 km² de área e cerca de 840 habitantes. A imponência arquitectónica desta freguesia fica bem demonstrada quando nos deparamos com a Igreja Paroquial de Beça - São Bartolomeu, Igreja Românica, podendo enquadrar-se a sua construção no século XIII ou XIV. Fica fora da povoação, junto do cemitério. Tem uma área coberta de 132 metros quadrados. O chão está lajeado com 49 tampas de sepulturas. A cornija é ornada de modilhões simples. A fachada tem na portada um esplêndido arco romano que está encimado por uma torre sineira para dois sinos, e a coroá-la, uma cruz Grega adornada a toda a volta. É a família portuguesa deste nome um ramo dos Baeza de Espanha, pelo que se trata de uma designação com raízes toponímicas. 227


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No tempo do Rei D. Fernando I fixou-se em Portugal Juan Alfonso de Baeza, que daquele soberano recebeu as vilas de Alter do Chão e do Vimieiro.

Juan, depois João Afonso, casou aqui e teve descendência, que começou por aportuguesar o nome em Baeça e depois em Beça.

Freguesia de Covas de Barroso Covas do Barroso situa-se nas faldas da Serra de Dornela, a dezassete quilómetros da sede concelhia, e é composta pelas povoações de Covas do Barroso, Romainho e Muro, confrontando com as freguesias de Couto de Dornelas, São Salvador de Viveiro e Canedo. Na época medieval, Covas do Barroso tinha mais duas povoações (Cabanelas e São Martinho), que, por causa das peste, se extinguiram. O topónimo da freguesia justifica-se pela sua situação geográfica, uma vez que está rodeada de serras e, quando é avistada do Alto do Castro, parece uma cova. O povoamento do território que corresponde à actual freguesia remonta a épocas muito antigas, tal 228


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como se pode comprovar pelos diversos vestígios arqueológicos encontrados nesta zona (castros, moeda bizantina da época do Imperador Ducas, vestígios romanos). Apesar do antigo povoamento, só há referências documentais a Covas do Barroso a partir do século XII. Esta freguesia integrou o concelho de Montalegre, até ao dia 6 de Novembro de 1836, data em que foi criado o município de Boticas, tendo Covas do Barroso passado a pertencer-lhe. Mas, do ponto de vista judicial, a freguesia pertencia, em 1839, à Comarca de Chaves, em 1852, à de Montalegre e, no ano de 1878, integrava o Julgado de Eiró. As pessoas mais idosas da freguesia costumam contar que, quando se colocou a hipótese de transferir a freguesia de Covas do Barroso para o concelho de Ribeira de Pena, se gerou um conflito aceso entre esse concelho e o de Boticas, uma vez que Covas do Barroso era a melhor e a mais rica freguesia das redondezas. Em 1839, os habitantes desta simpática freguesia passaram a dispor de uma Escola Primária, estando destinados ao mestre-escola vinte mil réis anuais.

A luz eléctrica, da rede pública, chegou a Covas do Barroso em 1966, mas já há cerca de vinte anos que algumas casas detinham electricidade, graças a um gerador que havia sido instalado na Aguieira. 229


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Freguesia de Dornelas ou Couto de Dornelas A freguesia de Dornelas, situada na parte mais a sudoeste do concelho de Boticas, confronta com a freguesia de Alturas do Barroso a Nordeste, com S. Salvador de Viveiro e Covas do Barroso a Este, com Gondiães, do concelho de Cabeceiras de Basto, a Sudoeste e com Cerdedo a Noroeste.

Esta freguesia tem a peculiaridade de ter um nome que não advém de nenhuma das aldeias que a compõem, mas antes terá a sua origem derivado das inúmeras dornas que aí existiam. É a maior freguesia do concelho e ocupa uma área total de 36,6 Km2, sendo constituída por 7 aldeias: Antigo, Casal, Espertina, Gestosa, Lousas, Vila Grande, sede da freguesia, e Vila Pequena, localizadas perto umas das outras, à excepção de Lousas e Casal que se encontram mais afastadas. Dista da sede do concelho aproximadamente 25 Km. O acesso viário faz-se seguindo pela ER 311, sentido Braga, e depois segue-se pelo CM 1046, ou em alternativa percorre-se um pouco mais a ER 311 e segue-se pelo CM 1045.

UNIÃO DAS FREGUESIAS DE CODESSOSO, CURROS E FIÃES DO TÂMEGA Fiães do Tâmega tem 14,76 km² de área e 167 habitantes (2001). Capela de Fiães do Tâmega Igreja de Veral Capela de Fiães do Tâmega - Pequena capela de 230


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planta rectangular, com torre sineira alongando a fachada do edifício. Portal de forma rectangular.

Interiormente possui várias imagens pintadas no retábulo do altar-mor. Igreja de Veral - Igreja de planta rectangular com torre sineira separada. Portal de forma rectangular encimado por óculo redondo e inscrições onde consta a data de 1855, ano da possível fundação do edifício. Interiormente possui pintado no tecto a imagem de S. Martinho.

União das Freguesias de Boticas e Granja Boticas terá nascido pelos fins da Idade Média, na periferia dos lugares de Sangunhedo e Eiró, junto à estrada que por ali passava em direcção a Chaves e onde também existia um entroncamento de outras vias para outros lugares. Aqui ter-se-ão instalado duas ou mais boticas que deram o nome ao local que posteriormente se foi desenvolvendo. "Mesmo a linguística confirma esta possibilidade com a fala popular "fui às Boticas", "vim das Boticas" e não "fui a Boticas" ou " vim de Boticas ". "Assim o nome Boticas deriva da palavra "apothéca" que significava lugar onde se guardavam provisões correspondendo ao termo celeiro ou adega. No português medieval adquiriu o sentido de Casa pequena onde se encontra toda a variedade de objectos e daí a frase popular "haver de tudo como na botica". Hoje é sinónimo de farmácia, loja ou estabelecimento onde se confeccionam e vendem medicamentos. A existência, até há poucos anos atrás, de uma importante loja ou botica, que confeccionava medicamentos para toda a região de Barroso, e a existência de pelo menos duas 231


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"estrumarias" (lugar onde se recolhiam e pernoitavam, almocreves e donos), reforçam esta possibilidade."

Granja tem 8,79 km² de área e 266 habitantes (2001). Igreja Paroquial da Granja Convento da Granja Castro do Cabeço - O Castro do Cabeço fica em termo da freguesia da Granja, que dista apenas 2km da sede do concelho. O monte cónico ou cabeço onde assenta o Castro fica a escassos 300 m da estrada nacional n.º103, km 146, entre Sapiãos e o Alto do Fontão. É propriedade da Junta de Freguesia. O castro possui duas linhas de muralhas. Encontra-se a primeira muralha separada da segunda muralha por um espaço de cerca de 15m, e esta está separada do fosso do reduto por cerca de 21m. Existem neste castro vários vestígios de casas circulares com pavimento lajeado, tégula, mós, bronzes e imbrices.

Freguesia de Pinho A freguesia de Pinho situa-se na parte Sudeste do concelho de Boticas. Confronta com várias freguesias: a Norte Boticas, Granja e Sapiãos, a Este Anelhe, do concelho de Chaves, a Sul Arcossó, também do concelho de Chaves e Capeludos, do concelho de Vila Pouca de Aguiar e a Oeste Curros e Beça. Dista da sede do concelho aproximadamente 5,5 km. O acesso viário faz-se seguindo pela ER 311, sentido Vidago, virando na indicação Pinho. A freguesia é constituída por três aldeias: Pinho, sede de freguesia, Sobradelo e Valdegas, dispostas no decorrer da encosta sul da Serra do Facho; ocupando uma área total de 22,4 km2 e uma população de cerca de 170 individuos. 232


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Nesta freguesia prolifera a existência de Castros!... De entre eles, saliente-se o Castro do Lezenho, um monte cónico e pedregoso cuja altura se pode calcular em 50 a 60 metros. O Lezenho tem três linhas de muralhas, sendo a cimeira a melhor definida pelos alinhamentos de pedras em montão caótico, a entestar em penedos. A segunda e terceira muralhas, na sua maior parte em ruínas, são também assinaladas pelas fiadas de montões de pedras. A maior parte das muralhas têm dois metros de largura. Além da porta aberta na muralha fundeira, que pode considerar-se a entrada principal, há mais duas portas. Uma no topo norte da terceira muralha, a outra no lado poente da primeira muralha. O Castro do Lezenho notabiliza-se pelo facto de nele se terem encontrado, talvez no século XVIII, quatro estátuas de Guerreiros Calaicos.

Freguesia de Sapiãos A freguesia de Sapiãos, localizada a Este da vila de Boticas, confronta com várias freguesias: a Norte com Bobadela e Ardãos, a Este com Redondelo do concelho de Chaves, a Sul com Pinho e a Oeste com Granja e Cervos, do concelho de Montalegre. É constituída pelas aldeias de Sapiãos, sede de freguesia e Sapelos. O acesso viário faz-se seguindo pela EN 312 até aparecer a indicação Sapiãos, por seu lado, para Sapelos segue-se pela EN 103 em direcção a Chaves. A aldeia de Sapiãos encontra-se disposta na base da encosta Este da Serra do Leiranco e a aldeia de Sapelos junto à encosta Norte da Serra do Facho. Protegidas a toda à volta por serras e montes, os seus pastos e campos de cultivo estendem-se ao longo do vale do rio Terva. A freguesia ocupa uma área total de 21,1 Km2. A sua origem data dos primeiros séculos conforme deduzimos dos testemunhos encontrados nos castros, já em muito mau estado e nas sepulturas antropomórficas ainda existentes. O Dr. João Baptista Martins, intelectual e estudioso prestigiado da história do concelho de Boticas, em artigo no «Notícias de Chaves» e transcrito no Ecos de Boticas em 15 de Outubro de 1997, escreveu “Conforme demos a conhecer, na freguesia de Sapiãos havia sepulturas antropomórficas, uma nas Seixas, junto do lameiro do Senhor António Joaquim de Moura e outra nas Pássaros junto ao caminho, esta cavada na rocha e reduzida a metade por virtude de obras levadas a efeito na referida via”. Podem ver-se também outras campas, a 200 metros da cruz das almas - onde se faz uma paragem, quando levam os mortos para o cemitério. A 100 metros da estrada nacional n.° 103, existem outras, feitas em rocha, com proporções que rondam 1,80 metros. Conta a história que as campas antropomórficas foram criadas há muitos séculos, o que confere a esta aldeia um passado remoto, em que muitos factos a tornaram naquilo que é hoje, recordando saberes ancestrais, preservando-os e registando-os para que futuras gerações possam desfrutar dos saberes de outrora. Uma coisa é certa, Sapiãos fazia parte do itinerário das Vias Romanas, que ligavam Bracara Augusta a Aquae Flaviae, passando por Venda Nova, Pisões, Morgade e Sapiãos, a caminho das termas de Chaves, não existindo já marcas desse passado histórico. No entanto, documentos mais recentes, mas agora já 233


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escritos, datam de 1251 da era Cristã, aquando da entrega do foral a esta aldeia por D. Afonso III. Poderá ler-se este foral na íntegra: Foral de Sapiãos "Em nome de Deus. Eu Julião Gonçalo, Juiz da terra de Panóia, por mandato do senhor Rei Afonso de Portugal e de D. Garcia abaixo assinado, faço carta de povoamento daquela herdade do senhor Rei que está no termo de Sapiães, de quanto aí tem o senhor Rei Afonso. Dou outra vez a D. João e a vós Pedro Peres e a Columba vossa esposa os domínios da mesma herdade, para que façais dela foro nomeadamente ao senhor Rei de Portugal. Pagai anualmente dois morabitinos. Não pagueis nela três calúnias, se as fizerdes. Se fordes inquiridos pela boca dos homens bons acerca das apostilhas, não respondais. Não deis luctuosa das casas e nenhum homem entre no vosso lugar para fazer mal por estas três calúnias já ditas. Pelo furto pague-se o dobro ao seu dono e a sétima parte é para o palácio.

As duas outras que restam, entregam-se segundo o costume da terra. Pagai o dito foro pela festa de S. João Baptista a quem o Rei de Portugal mandar. Pagai este foro da já dita herdade, conforme se regista nesta carta, e nada mais. Que vós e toda a vossa posteridade tenhais a dita herdade e a povoeis. Que vós, segundo o dito foro, e os vossos sucessores a tenhais em posse para sempre. Se vier alguém para vos impedir em alguma coisa e na medida em que vos impedir; pagar-vos-á o dobro, e tem a maldição de Deus, Amem. E quem tiver a vossa representação para ela consiga os soldos. Os nossos ouvidos prestem atenção ao pacto que se fez nesta carta a qual foi datada na era de mil duzentos e oitenta e nove sendo Rei de Portugal, Afonso. Conde de Bolonha no seu reinado. Arcebispo bracarense, João. O abaixo-assinado doador de Panoia. D.Garcia. Eu Juliano, juiz da terra por mandato do senhor Rei Afonso. E do abaixoassinado D. Garcia cobro esta carta por minhas próprias mãos, no cobro de dois dinheiros. Foram testemunhas, João testemunha. Conheceu os domínios por mandato de anos. Além disso, mando-vos 234


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que deis anualmente pelo vodo um almude e mil e dois pães. E outro almude do vinho no lagar. Não mais do que as testemunhas prescritas. E esta Carta não estava selada: nem tinha selos. " Arquivo Nacional da Torre do Tombo. A Freguesia de Sapiãos ontem e hoje Continuando a fazer história, apresenta mais documentos escritos que datam do século XVIII, como consta nas “Memórias Paroquiais - Dicionário geográfico” elaborado pelos párocos em 1758, quando ainda fazia parte da diocese de Braga. Aí pode ler-se: “FREGUESIA DE SÃO PEDRO DE SAPIÃES, COMARCA DE CHAVES, ARCEBISPADO DE BRAGA PRIMAZ." "Padre Domingos Gonçalves, Reitor da Paróquia Igreja de S. Pedro de Sapiães, termo da Vila de Montalegre, Comarca de Chaves, Arcebispado de Braga, Primaz, em virtude de uma ordem do correio que do Reverendo Padre Doutor Bispo Carvalho de Faria, vigário-geral desta Comarca de Chaves me foi apresentado com o edital dos interrogatórios juntos para lhes responder; faço certo constar esta freguesia de S. Pedro de Sapiães de dois lugares, Sapiães um, e Sapelos outro, situados ambos em um vale. Conta toda a freguesia de cento e sessenta e cinco pois nela existem quinhentos e oitenta e três almas mais ou nos mesmos lugares no termo de Montalegre e sujeita as do juiz de fora da mesma vila e da Insígnia Casa de Bragança Província de Trás-osMontes. A Paróquia desta freguesia, cujo orago é o Apóstolo São Pedro, está situada na estrada da veiga que fica entre os ditos dois lugares. Tem três altares, um na Capela-mor do dito Apóstolo dois colaterais, um da Senhora do Rosário outro do Santíssimo nome da Cruz. No altar da Senhora do Rosário, é a irmandade da mesma Senhora. O Pároco desta Igreja é o Reitor e de colação ordinária por concurso poderá receber um ano por outro cento e quarenta mil réis de certos e incertos, pouco mais ou menos; não há conventos beneficiados, hospitais, nem casa de misericórdia nesta freguesia. No lugar de Sapiães há três Capelas uma do Senhor onde está o tabernáculo do Santíssimo Sacramento, fabricada pelos fregueses excepto a armação para a lâmpada que alumia diante do Sacrário que se dá pelos frutos da Comenda de que é Comendador o ilustríssimo Senhor Marquez de Marialva; tem a dita Capela três altares. Um do Senhor; outro de São Caetano e outro das Almas. Nesse há a Irmandade das mesmas almas instituída autoridade ordinária. Capela com um altar que é da evocação de Nossa Senhora da Conceição, administrada pelos herdeiros de Gonçalo Monteiro, deste mesmo lugar e freguesia. Não há imagens nesta freguesia nem coisas dignas de singular memória. Na outra Capela da evocação da Senhora dos Anjos e de São Domingos, com um só altar; administrada pelo Reverendo António Alves Monteiro, Reitor da Igreja de São Miguel de Bobadela. Frutos que nesta freguesia se colhem com mais abundância são centeio, milho, castanhas e algum vinho. Fica distante da cidade de Braga, capital do Arcebispado, doze léguas e meia e de Lisboa capital do Reino setenta e duas léguas. Uma do correio de Chaves, distante desta freguesia, duas léguas e meia. Basta o vigésimo sétimo interrogatório e nesta freguesia nada mais há que responder; por estar respondido. No distrito desta freguesia de S. Pedro de Sapiães há ao norte uma 235


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serra chamada Leiranco; fica duas léguas de comprimento em algumas partes e uma de largo; Confina pelo norte com freguesia de Santa Cristina de Cervos. Nada há nela coisa aí digna de memória das que se perguntam nos interrogatórios. Porque há muitos penedos, giestas com algum mato de carqueja e videiras, muito agreste. Nela se criam alguns coelhos e perdizes. Pelo distrito desta freguesia de São Pedro de Sapiães corre do nascente para poente um rio que principia na freguesia de Santa Maria de Calvão desta Comarca de Chaves e se chama rio Terva. Não corre caudaloso por ser terra plana e pequeno, que no estio quase de todo seca; e se vai sepultar no rio Tâmega por baixo de Mosteirão, freguesia de Santa Maria de Curros. Há no dito rio uma grande pedra cantaria na estrada pública que vem da Província do Minho para a praça de Chaves desta Província de Trás-os-Montes a qual ponte fica entre Sapiães e Sapelos lugares de que se compõe esta freguesia de Sapiães.

No termo desta freguesia não há moinhos no dito rio; peixe que cria, são algumas bogas pequenas; e no que se pergunta nos vinte interrogatórios, não tenho mais que responder por não haver coisa notável no tal rio de que se podia dar notícia. Por verdade palrei esta que finei com o reverendo António Dias Monteiro vigário da Real Igreja de Santa Maria de Pinho e Manuel Dias vigário da Paróquia da Igreja da São Salvador de Eiró. Ambas anexas desta desta matriz de São Pedro de Sapiães e da forma dita a juro in verbo Sacerdotis. Sapiães, Março, 9 de 1758. 236


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Domingos Gonçalves de Santa Maria de Pinho – António Dias Monteiro, o vigário de São Salvador do Eiró – Manuel Dias” Dicionário Geográfico (Memórias Paroquiais), Vol. 34, doc.77, pág. 649 a 652. Torre do Tombo – Lisboa). A actual igreja paroquial é do século XVIII como foi referido no documento e tem, como padroeiro, S. Pedro. É adornada por quadros que datam do século XVIII e que foram oferecidos por emigrantes que buscaram riqueza no Brasil. Igreja paroquial Altar da igreja Além desta igreja, existe a Capela da evocação da Senhora dos Anjos e de São Domingos, Capela mais conhecida por Capela Nova, erigida também no século XVIII, mas que, actualmente, se encontra encerrada, não sendo utilizada para nenhuma prática religiosa. A Capela de São Pedro é uma obra artística que marca o período do românico/gótico que se viveu nesta aldeia, o que ajuda a vincar o seu carácter secular, e nos leva a crer ter possuído uma grande percentagem de habitantes, para arquitectarem um tal monumento. Esta capela foi construída nos finais do século XII, início da transição do românico para o gótico, como se pode verificar na frontaria do edifício. Actualmente, esta igreja, que se encontra afastada da povoação, serve de descanso aos que partem deste mundo, acolhendo-os junto dos seus antecessores que ajudaram a provocar a erosão na frontaria, devido à quantidade de vezes que tocaram os sinos para chamar os fiéis das localidades mais próximas à oração. Todo o seu espólio interior foi vendido ou levado para as outras igrejas do meio da povoação. Em Sapiãos existem três cruzeiros, sendo o mais antigo de 1759 e por sinal, todos situados em cruzamentos das ruas ou caminhos e no centro das aldeias, excepto o que se encontra na antiga via romana, datado de 1793. A fé, a devoção e o reconhecimento pela protecção concedida foram publicamente manifestadas no monumento construído, desde a Igreja Paroquial até ao lugar do Calvário, onde foram colocadas as cruzes referentes à Via-Sacra. Estas cruzes encontram-se na encosta de uma colina e esse movimento de subida, relacionado com as forças positivas, recorda-nos a virtude ascética a que todos aspiramos, mas que só é concedido àqueles que se mantêm fiéis aos seus anjos e santos. - O Castro fica no termo da freguesia de Sapiãos, e a nordeste de Sapelos. É um castro de situação baixa, assente na encosta pendente pelo lado poente sobre o rio Terva, que lhe corre na base, ao fundo da encosta, e a cerca de 100m da muralha fundeira. Para ir ao Castro segue-se o estradão que parte da povoação de Sapelos e vai para a capela da Nossa Senhora das Neves. A cerca de 2,5km chega-se ao castro que fica pela esquerda junto ao rio Terva. O castro é elíptico de eixo SW-NE, com comprimento de 122m e largura máxima de 47m. A muralha cimeira, tem patente e relativamente conservado o seu paramento interno, mas do lado do fosso a maior parte do paramento ruiu.

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União das Freguesias de São Salvador de Viveiro e Vilar É uma pequena freguesia constituída em 2013, no âmbito da reforma administrativa nacional, pela agregação das antigas freguesias de Vilar e São Salvador de Viveiro.

Tem uma área com 30,88 km² e 487 habitantes (censos 2011). A sua densidade populacional é 15,8 hab/km². Em termos de património, a Igreja da S.ª da Guia e a Capela do Senhor dos Milagres, são as suas principais referências.

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CAPITULO XI PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO DE BARROSO

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O MEGALITISMO A cultura megalítica floresceu na pré–história, ainda no período Neolítico, e caracterizava-se pelo aparecimento de utensílios de pedra polida, pela domesticação de alguns animais e início de actividades agrícolas primitivas que levaram à descoberta da cerâmica. O material mais utilizado era o sílex, com que se faziam facas, raspadeiras, pontas de seta e lanças. A sedentarização do homem deixou-lhe tempo para o progresso social e religioso e, muito mais tarde, para a indústria metalúrgica. Contudo, a roda de oleiro e o arado parece terem surgido apenas na Idade do Bronze. Nessas eras, a habitação do homem era ainda a gruta natural e a cabana rudimentar. Com os avanços referidos transferem-se os abrigos para sítios defensáveis em montes cónicos, próximos da água, constituindo povoados de várias famílias. No concelho de Montalegre e Boticas aparecem e existem muitas provas da passagem desses povos em todo o território. Era com tais artefactos que o homem primitivo fazia as gravuras rupestres, caçava, pescava e descarnava os animais que abatia, em grutas como as de Loivos, junto ao Cávado. Vestígios dessas actividades encontram-se ainda nos Penedos do Sinal, Pedra Pinta, Penedos das Ferraduras, Pena Escrita e Caparinhos, que se distribuem por todo o planalto barrosão. OS CASTROS “CELTILIZADOS E ROMANIZADOS” Estas construções estão disseminadas por toda a região barrosã. Da mesma época, mas muito mais raros são as Cistas de que temos exemplares conhecidos e únicos, na Vila da Ponte. Depois desses ignorados habitantes primitivos provavelmente indígenas, vieram povos a que é costume chamar Celtas cujos conhecimentos e modos de vida se enraizaram definitivamente. São os “metalúrgicos”!... Além de recolectores, de pastores e de agricultores passaram a dominar os metais. Primeiro o cobre, depois o bronze (liga de cobre e estanho) e finalmente o ferro. Daí a facilidade com que ocuparam o mundo conhecido. Vários escritores da antiguidade consideram os Galli, Galatae, Galleci, Keltoi designações de povos com a mesma entidade étnica – os Celtas – e ocupando quase toda a Europa e a Ásia Menor. Habitavam os castros que eles construíram muitos séculos antes da era romana. No concelho de Montalegre e Boticas, podemos distinguir facilmente pela análise dos restos de cerâmica e de outros objectos os castros romanizados e os “celtizados”. Ao nível artístico e artesanal os Celtas não têm paralelo. Os seus objectos de adorno, em ouro, prata, cobre, ferro e bronze são fruto de uma perícia manual imbatível. Vejam-se, a título de mera referência, os torques de ouro do castro de Outeiro ou os objectos de bronze de Solveira e Vila da Ponte, aqueles expostos no Salão Nobre da Câmara Municipal e este no Museu Dr. Mendes Correia, na faculdade de Ciências do Porto, onde se encontram também os três vasos da 1ª Cista da Vila da Ponte, dita de Donim, achada em 1931. sete, oito séculos após a fixação céltica iniciou-se a conquista romana. 240


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As máquinas de guerra daquele tempo, como é uso chamar-se às legiões romanas, demoraram duzentos anos a dominar os povos peninsulares, dentre os quais sobressaem os Vetões, os Vaceus, os Lusitanos, os Ástures, os Cântabros e sobretudo os nossos mais lídimos antepassados – os orgulhosos e indomáveis Galaicos. Para sustentação de tal domínio foi necessário abrir estradas para que as legiões do exército acorressem prontamente a qualquer ponto do império. Por isso lhe chamavam “estradas imperiais militares”, sendo a primeira a que saindo de Braga (Bracara) e atravessando o planalto barrosão de poente a nascente, aflorava Chaves (Flaviae) e seguia depois por Astorga (Asturica) à importantíssima zona portuária de Tarragona (Tarraco). Os restos arqueológicos desta via são vestígios de um passado glorioso. Os castros são pois a expressão patrimonial visível de uma cultura no noroeste da Ibéria. Constituem aquilo a que os romanos chamavam "gentilitas" um grupo de famílias aparentadas, que estabeleciam a sua relação na base de uma colectividade sobreposta a qualquer indivíduo. Os povos castrejos alimentavam-se à principal refeição do dia com uma espécie de pão de farinha de bolota e de um certo tipo de cerveja. Apesar da história recente dos dois Municípios que hoje dividem as Terras de Barroso, as origens do povoamento do território perdem-se na imensidão dos tempos. No aspecto histórico, Barroso possui um vasto património, enriquecido por uma grande variedade de vestígios de povoações castrejas, com destaque para a emblemática figura do Guerreiro Calaico, um dos achados provenientes dos Castros da actual região de Boticas, expoente da estatuária castreja com profundo enraizamento popular e institucional, que por esse motivo, constitui hoje uma aposta forte do Município no que respeita à promoção e divulgação da sua imagem. Como já foi referido, estas estátuas de Guerreiros Calaicos, encontram-se actualmente expostas no Museu Nacional de Arqueologia. Todos esses castros se encontram implantados em montes ou cabeços mais ou menos altos, quase sempre junto ou na proximidade dum rio, ou ribeiro, e muitas vezes na confluência de cursos de água. Para conhecimento fica uma breve resenha descritiva de alguns dos mais importantes castros desta região: SÃO VICENTE DA CHÃ Este povoado fortificado conserva uma parte das três linhas de muralha e um fosso que o circunda parcialmente. Encontra-se estrategicamente implantado numa curva do rio Rabagão, sendo defendido por este. Na muralha intermédia ainda se observa uma porta de acesso ao povoado. Tudo indica que o castro se tenha desenvolvido sobretudo nas plataformas superiores, dentro dos limites da segunda muralha, pois são aí visíveis ruínas de construções de aparelho castrejo. CASTRO DOS MOUROS:

O povoado cinge-se ao cabeço, à exceção de um prolongamento de muralha externa para uma rechã natural onde se identificam algumas construções. Distinguem-se, neste local, vestígios de estruturas, fragmentos de cerâmica e 241


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pedaços de escória de ferro. Tudo indica que o povoado teria uma área urbana extensa, incluindo um setor com evidente atividade metalúrgica.

Os vestígios existentes remontam à Idade do Ferro, sendo pouco evidentes os vestígios de romanização, embora se conserve, relativamente perto, o traçado da Via Romana XVII. PEDRÁRIO Classificado como "Imóvel de Interesse Público" em 1990, o "Castro do Pedrário" ergue-se a uma altitude de aproximadamente mil metros, no topo de um espigão sobranceiro ao Rio Assureira, no Lugar de Pedrário, que lhe deu nome. Construído durante a Idade do Ferro, o povoado dispunha de um complexo sistema de fortificação constituído por duas cinturas de muralha (com uma espessura variável entre um metro e meio e os dois) com paramento duplo preenchido com material pétreo de reduzidas dimensões, tendo sido reforçadas por um terceiro muro nas faldas localizadas a Oeste e a Este, o que parece conferir à fortificação uma aparência de subdivisão interna. Quanto às aberturas que conduziam ao interior da área habitada, elas foram localizadas nos dois muralhados, o segundo dos quais (exterior) ainda ostenta um dos esteios que serviria de umbral. É no recinto intra mural de configuração rectangular que nos deparamos com a presença de um conjunto de vestígios de estruturas domésticas de planta predominantemente circular, característica inerente deste tipo de povoado proto-histórico. As intervenções arqueológicas conduzidas neste arqueossítio permitiram, ainda, recolher diverso espólio essencialmente constituído por fragmentos de cerâmica manual e torneada atribuível à Idade do Ferro, bem como alguns vestígios de escória de bronze e de ferro, a indiciar uma provável prática metalúrgica no local. 242


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ALTURAS DO BARROSO Designação: Vilarinho Seco (Alturas do Barroso) Descrição: O castro de Vilarinho Seco, também conhecido como Couto dos Mouros, localiza-se a cerca de 1 km da aldeia de Vilarinho Seco, freguesia de Alturas do Barroso. Quase na base da encosta do Castro, voltada a Poente, encontra-se a habitual fiada de pedras caóticas a assinalarem o alinhamento da muralha, totalmente derruída. Esta primeira linha de defesa começa num grande penedo, no lado Norte, segue para Sul e vai entestar noutro grande penedo. Apenas 2 metros de muralha ligam este grande penedo a outro semelhante. Seguem-se 17 metros de ruínas de muralhas que entestam noutro penedo. Entre 20 a 30 metros acima da primeira muralha encontra-se a segunda, também destruída, que segue a crista do monte quase no alinhamento N/S, poucos metros adiante esbarra no alto, num grande penedo. Nele se vê uma cruz gravada em sulcos pouco fundos. Esta segunda muralha esbarra em dois grandes penedos, sobranceiros a um despenhadeiro quase abrupto da vertente do lado Leste, encosta que é toda penedia contínua, com alguns penedos grandes, com 6 ou 7 metros de altura, encostados uns aos outros. ARDÃOS Designação: Castro do Muro de Cunhas. Localização: Ardãos Descrição: O castro do Muro de Cunhas fica a Nordeste de Ardãos num monte muito pedregoso especialmente no topo cimeiro. O acesso ao castro faz-se de Ardãos pela estrada que vai para Chaves até uns 5 quilómetros depois à esquerda, uns 800 metros por estradão até à base do

castro

Na sua base vê-se um ouriçado de pedras fincadas, pequenas e não muito juntas, que se estende até à primeira muralha. Muralha essa com o paramento externo de cerca de 80 centimetros de altura de pedras de granito bem apicotadas, de faces 243


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em perfeita esquadria rectangular, de tal modo que assentam e encostam em perfeito ajuste. A primeira muralha tem 3 metros de largura e a face interna quase toda rente à terra. Acima 30 metros encontra-se a segunda muralha, que é do mesmo tipo de construção da primeira e também com 3 metros de largura. Existem neste castro restos de construções e pedras talhadas com covinhas e sulcos. BEÇA Designação: Castro de Carvalhelhos (Património Classificado). Localização: Carvalhelhos (Beça) Descrição: O Castro de Carvalhelhos assenta num cabeço sobranceiro às afamadas Águas de Carvalhelhos. Este castro tem três linhas de muralhas. A primeira muralha, em alguns sítios com 3 metros de largura, forma um anel à volta do reduto cimeiro, arredendado, com 51 metros no sentido N/S e 42,5 metros no sentido E/O; a segunda muralha entesta na primeira junto da porta do castro segue pela encosta do lado Poente direita ao ribeiro e a uma distância de 30 metros da muralha cimeira. A terceira muralha, ou muralha da base, estendese por mais de 100 m paralela e a curta distância do ribeiro. Existem 15 ou 16 rampas de acesso às muralhas, sendo 10 ou 11 na primeira e 5 na segunda. Uma particularidade que concorre para notabilizar o Castro de Carvalhelhos é a profundidade dos seus fossos. No castro foram descobertas algumas casas, sete no reduto cimeiro, sendo quatro circulares, uma das quais com vestíbulo parcialmente destruído e três rectangulares. Fora da muralha na encosta do lado Nascente encontram-se quatro casas, das quais duas são circulares, uma delas com vestíbulo e duas rectangulares. Neste castro foram também encontradas algumas peças de metal: uma fivela de bronze, uma fíbola também em bronze, quatro moedas e ainda duas contas de vidro, uma pedra de anel e vários pedaços de cerâmica. DORNELAS Designação: Castro de Ervas Ruivas, Localização: Lousas (Dornelas) Descrição: Este castro, localizado a cerca de 1 km de Lousas, assenta num monte situado no fundo do vale rodeado a Nascente, Sul e Poente pela Ribeira de Lousas. O esborralhado de pedras a marcar o alinhamento da primeira muralha começa na porta Sul do talude e estende-se 26 metros no alinhamento S/N. Na ponta do lado Norte a primeira muralha desanda à esquerda em ângulo recto, bordeja o recinto cimeiro e desce a encosta setentorial num extensão de 50 metros. A segunda muralha desce ao lado e abaixo da primeira, dela separada 10 metros. Dele apenas se vê uma fiada de pedra que marca o seu alinhamento, formando um patamar com 2 a 3 metros de largura cuja borda, em alguns sítios tem de 1 a 2 metros de altura, mas na maior parte do seu comprimento menos de 1 metro. O topo cimeiro é limitado a Norte pela primeira muralha e a Sul por penedia. SAPIÃOS Designação: Castro do Muro/Casas dos Mouros. Localização: Sapiãos. Descrição: o Castro do Muro fica ao lado e acima da EN 103, sentido Braga a Chaves, cerca de 400 metros adiante de Sapiãos. O “Muro” de Sapiãos é um castro de encosta, quase assente na base da ladeira do monte fundeiro do Leiranco. O perímetro da 244


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muralha é de 270 metros. Nalguns sítios vêem-se os paramentos externo e interno da muralha que tem 3,50 metros de largura. Na sua maior parte está destruida e é assinalada por fiada de pedras em amontoado caótico. A maior parte do recinto intra muralha, é por assim dizer, penedia. Distinguem-se dois pequenos terreiros sem penedia, um na base e outro a meio. A eira dos mouros é um espaço quadrilátero com quase 40 metros de comprimento na linha E/W, e de contorno subtrapeziodal, que vai alargando de cima para baixo. No alto tem 16 metros de largura, a meio 21 metros e quase no fundo 26 metros de largura. No local do castro foram encontrados restos de cerâmica.

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CAPÍTULO XII EVOLUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DE BARROSO

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Os mais antigos documentos referentes à região do Barroso na Pré-história datam de há 4.000 ou 5.000 anos. Nos fins do Neolítico, com prolongamento pela Idade do Bronze, desenvolve-se a cultura megalítica em Barroso, período este de civilização pré-histórica que se documenta essencialmente pela construção de monumentos tumulares de pedra, designados de dólmenes ou de megálitos, bem como pelos materiais como armas de pedra, osso, madeira e bronze, objectos de cerâmica, instrumentos de trabalho e uso doméstico. Por todo o concelho de Montalegre e Boticas, é possível encontrar e visitar tais vestígios da cultura megalítica.Da Idade do Bronze, há cerca de 3000 anos, são poucos os vestígios nesta região, embora apareçam três preciosos achados: os de Solveira – um machado de talão, duas pontas de lança e um instrumento em forma de garfo; os de Montalegre – cinco machados planos de bronze; e os de Carvalhelhos – duas peças de bronze, uma fivela circular e uma fíbula de arco. Por volta do ano 1.000 antes da nossa Era, a região do Barroso foi habitada pelos Oestrímnios, povo com uma tradição multisecular com usos e costumes detentores de uma cultura e de um modo de viver próprio. Da colaboração mútua entre este povo e os Sefes, povo de filiação celta que terá chegado a esta região no final do século VII a. C. ou nos princípios do século seguinte com o qual nasce a cultura castreja. Atravessando uma época de ameaças constantes, num clima de insegurança resultante da guerra permanente, com preocupação defensiva, estes povos construíram povoações fortificadas, designadas castros. Este tipo de arquitetura castro - consistia em erguer construções muralhadas, com um recinto no interior, dentro do qual construíam as casas em pedra, madeira ou outro material ligeiro como barro. Pensa-se que estas construções de habitação apresentavam geralmente forma circular na fase inicial, com um diâmetro compreendido entre 3 e 6 metros e com a sua cobertura em colmo. São numerosos os castros existentes no Barroso, havendo 53 registados pelo autor Braga Barreiros. Citam-se alguns, nomeadamente o Castro de Montalegre, o Castro da Veiga de Montalegre, o Castro do Portelo, entre outros testemunhos multiseculares de que já aqui demos nota e que provam a existência de população nesta região na época longínqua da cultura castreja. Por sua vez, a cultura romana dominou a anterior, dando um contributo valioso à cultura local, no que diz respeito à legislação, às instituições políticas, administrativas e sociais, à língua, às letras e aos costumes. São exemplo das marcas deixadas por este povo no Barroso, as vias de comunicação, os marcos miliários, as moedas imperiais, os monumentos funerários, a estatuária e a toponímia. A região do Barroso era atravessada pela via romana de ligação entre Braga e Chaves, com três itinerários diferentes, em que as distâncias eram assinaladas de mil em mil metros pelos mencionados marcos miliários. Também são prova da presença romana em Barroso, as moedas imperiais encontradas em Penedones (Chã) e Paredes (Salto). Do Barroso, pouco se sabe acerca da presença dos povos Bárbaros, embora as actas do concílio de Lugo, reunido em pleno século VI, nos dê informação sobre esta região: “Barroso era cristão e estava relativamente desenvolvido em 569(…)” 21 . No ano de 716, o Barroso terá caído em poder dos Mouros, sofrendo, tal como tantas outras localidades, o ódio e a perseguição mourisca.22 Após esta fase de conquistas dos Mouros, dá-se a 247


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reconquista cristã do Barroso em 753, após um cativeiro de trinta e sete anos. A passagem dos Mouros por esta região é comprovada pelos numerosos topónimos: Terra de Mouros, Eira dos Mouros, Pedra da Moura, entre outros. Desta época até à independência nacional, ou seja, desde 1095 até 1140, nada se pode garantir concretamente, tal como refere o João da Costa: “Mas a organização militar, fiscal e administrativa existente no dealbar da nacionalidade portuguesa; a vida paroquial e pastoral da região, em funcionamento perfeito; e ainda o arcediagado de Barroso, coevo da independência nacional, dá testemunho seguro do valor defensivo, do desenvolvimento económico e da vitalidade cristã do nosso planalto, durante o século XI e XII.” Apesar de surgirem alguns documentos e testemunhos deste período, é apenas a partir do século XIII que se pode encontrar documentação abundante sobre esta região. Relativamente a Montalegre, vila e cabeço das Terras de Barroso, o primeiro diploma legal que conhecemos é o foral de D. Afonso III, datado de 9 de junho de 1273. A partir deste documento, tentamos responder a questões como: quando e onde nasceu Montalegre?!... Não é possível afirmar a data de fundação da vila de Montalegre, o que sabemos e é certo, é que Montalegre já existia quando Portugal nasceu, em 1140.

Desenvolvimento Sócio-económico Os concelhos de Montalegre e Boticas, caracterizam-se por terem ambos uma matriz essencialmente rural, sendo possível constatar a existência de núcleos habitacionais de pequenas dimensões, em que a economia depende sobretudo da actividade agrária e pecuária.

Actualmente, deparamo-nos com uma realidade de algum desalento e abandono, necessitando estas populações de ajudas, de forma a produzir rendimentos suficientes para que tenham condições de permanência nas aldeias. No século 248


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XX, ocorreram mudanças que tiveram um enorme impacto nesta região. Por um lado, o envelhecimento da população, que contribuiu para um contínuo decréscimo populacional e para a incapacidade de renovação das gerações. Por outro lado, a região é afectada por um forte fluxo de emigração a partir dos anos 60, o que provocou a sua desertificação. Regista-se sobretudo, a emigração de homens e de jovens, o que provoca consequentemente um paulatino e crescente abandono das atividades tradicionais, contribuindo deste modo para resultados muito baixos a nível do desenvolvimento económico, social e cultural. No que diz respeito à evolução demográfica de ambos os concelhos, destacam-se as primeiras perdas populacionais nos princípios do século XX, com as migrações ultramarinas. É nos anos 20 do mesmo século que se regista uma queda generalizada, consequência da epidemia pneumónica de 1919. No período entre os anos 60 e 70, registam-se perdas substanciais como consequência da excessiva pressão demográfica, a par do tipo de intervenção dos serviços florestais nos baldios, num meio onde a produção estava vocacionada para a subsistência. É portanto, neste período, que se dá a diminuição mais drástica da população, devido ao fenómeno emigratório que se acentua com grande intensidade nesta região.

A título de exemplo, refira-se que no concelho de Montalegre – o mais afectado, em 1960 a população era constituída por 32.728 habitantes, tendo este número vindo a decrescer, e no início da década de 90, era cerca de metade. Esta situação manteve-se até ao último censo realizado em 2011, com 10.537 habitantes. De início, o fluxo migratório ocorria essencialmente para destinos como o Brasil e os Estados Unidos da América (EUA), no entanto, nos últimos anos alteraram-se esses destinos para países como a França, a Alemanha e a Suíça. Montalegre sendo um território de fronteira, está fortemente marcado pela emigração para Espanha, nomeadamente para Andorra. Aos fluxos migratórios 249


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externos acrescentam-se também os internos para os centros urbanos, especialmente para Braga, onde existem edifícios habitacionais multi-familiares com população exclusivamente do Barroso. Há portanto, uma perda generalizada da população em quase todos os aglomerados populacionais, registando-se uma quebra significativa da taxa de natalidade, uma vez que o envelhecimento dos seus habitantes e residentes foi aumentando. É necessário perante tais adversidades, combater as sequelas da emigração e da desertificação. É assim, importante avaliar a realidade estratégico-política, económica e social dos concelhos da região, actualmente marcados por um número muito reduzido de habitantes, causado também pelas suas dimensões e localização periférica. É importante tomar medidas que procurem cativar e fixar a população, como modernizar as infraestruturas e as estruturas colectivas, tentando mudar as mentalidades. Iniciativas de animação estratégica e económica, entre elas um conjunto de actividades ligadas ao turismo, que passam pelo lazer, nomeadamente ligados ao desporto, pelo religioso, ligados aos valores patrimoniais e naturais, são alguns dos sectores em que se tem investido e apostado com maior acuidade. Eventos como as Feiras do Fumeiro e do Presunto e as Feiras da Vitela, entre outras, ganharam uma grande dimensão e exposição pública, constituindo iniciativas que para além de divulgar e possibilitar a comercialização dos produtos do Barroso, produzidos e criados na região, vieram animar e valorizar o sector hoteleiro. 28 Em relação ao envelhecimento populacional, este traduz-se essencialmente em situações de isolamento face à sociedade exterior, uma vez que muitos idosos se encontram afastados dos centros, vivendo na solidão, especialmente porque os seus familiares mais próximos emigraram.

Este abandono, associado ao declínio económico e consequentemente social, às más condições da habitação e da alimentação, ao forte apego à casa e o pouco envolvimento e participação na vida social e cultural, constituem factores que 250


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contribuem para o processo de desertificação. Nesta região, a forte dispersão geográfica e morfológica condiciona as redes de relações sociais e culturais. Estas populações apresentam grandes debilidades relativamente às suas competências formativas, educativas e também profissionais, num contexto de emprego marcadamente insuficiente, tradicional, o que acaba por ter reflexos negativos na criação de novos empregos, desfavorecendo a fixação local da população. Do diagnóstico apresentado, evidencia-se e percebe-se que permanecem nesta região actividades agro-pecuárias maioritária e essencialmente de subsistência, o que reflecte o apego da gente do Barroso à sua terra e aos animais que cria. As Terras de Barroso apresentam uma densidade populacional muito reduzida causada, como já referido, pelo fenómeno da emigração. Contudo, outros fatores influenciam estes números, como a própria dimensão dos seus concelhos. Para além de apresentarem uma grande dispersão geográfica, não têm também actividades económicas e estratégicas com oferta, capazes de cativar e fixar as populações. Devido aos constantes movimentos migratórios e à regressão demográfica, a vida no meio rural e a própria agricultura têm vindo a sofrer desequilíbrios e retracções. Actualmente, a agricultura tem como função primordial a produção de bens alimentares, com explorações fundiárias de pequena dimensão, na maior parte dos casos de natureza familiar para auto-consumo. A região do Barroso contém duas zonas agrícolas bem distintas, sendo uma mais baixa e uma mais alta.

A zona agrícola mais baixa é formada pelas bacias interiores dos rios Terva e Beça, e pela margem direita do rio Tâmega. Esta caracteriza-se por possuir uma exuberante vegetação e uma grande variedade de culturas, da vinha aos pomares e aos cereais. As zonas agrícolas situadas nas cotas mais altas caracterizam-se pelas extensas áreas de prados naturais - os lameiros - cultivando-se em larga escala o centeio e a batata que proporcionam um desenvolvimento económico, estratégico e social importante na região. O clima irregular, de temperaturas 251


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extremas, característico do Barroso, próprio de montanha, juntamente com os prados naturais, formam as condições ideais quer para o cultivo da batata e da semente referido anteriormente, quer para outras actividades como a silvopecuária, com a criação de gado bovino, de raça barrosã, ovino, caprino e suíno. Esta última actividade constitui para os Barrosões, desde há séculos, fonte de receita. Assim, a agricultura e a pecuária, são as atividades económicas predominantes nos concelhos de Montalegre e Boticas. Alguns produtos, como a carne barrosã e o fumeiro, têm vindo a ganhar uma certa relevância a nível regional e até mesmo nacional, concorrendo para o crescimento estratégico e económico local e consequentemente, para a fixação da população. Actualmente, as actividades com mais relevância na sede dos concelhos, e alguns dos recursos económicos que contribuem para o crescimento da região, passam ainda pelo comércio, serviços e construção civil. Representam também uma fonte de emprego, a floresta de pinheiros incrementada nos baldios nas décadas de 50 e 60, do século XX, o aproveitamento do granito, embora a sua exploração seja em quantidade pouco significativa e incorpore pouca mão-de-obra e o elevado potencial de energia produzido nas várias albufeiras. Pode também ser referenciado, como uma mais-valia para o desenvolvimento estratégico e económico da região, os milhões de euros de poupanças locais e de remessa dos emigrantes, depositados nas instituições bancárias da região. O sector primário encontra-se numa situação muito débil, com reduzida dimensão e expressão económica e elevada fragmentação das explorações, com um forte envelhecimento dos agricultores. Esta situação deve-se ao abandono da actividade, uma vez que a comercialização dos produtos locais é ainda reduzida e sujeita a modelos tradicionais, consequência quer da fraca acessibilidade ao concelho, quer da debilidade de estruturas de comercialização e distribuição a nível local e regional. É urgente encontrar novas formas de reestruturação das áreas rurais e consequentemente do sector agrícola, uma vez que não existem estruturas de organização, comercialização e promoção dos bens. Essas estruturas organizadas, podem usar os espaços de produtores, vendedores e compradores do concelho, uma vez que é neste sector que se verificam as maiores potencialidades, dado o concelho apresentar condições favoráveis para a produção agrícola de elevada qualidade, onde se acentua a especialização em culturas adaptadas às condições climáticas, como por exemplo a plantação da batata. A maioria dos municípios rurais continua a não aproveitar de forma rentável o potencial e riqueza que possui, quer das paisagens naturais, quer do património histórico e arquitetónico, ou até mesmo dos produtos locais de que dispõe. No entanto, apesar de se verificarem fragilidades, há também sinais positivos, nomeadamente na forma como souberam criar marcas únicas, com autenticidade e sucesso na sua divulgação, revelando, deste modo, importância e consistência no que diz respeito ao desenvolvimento turístico. Este êxito ao nível do desenvolvimento estratégico e turístico do território, envolve um maior número de actores do território, criando uma dinâmica sustentável e rentável que assenta em marcas de produtos regionais e locais que têm vindo a ganhar progressivamente notoriedade nacional. Espelham esta realidade, eventos que atraem milhares de visitantes não só do nosso País, mas também da vizinha 252


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Espanha, que contribuem para o incremento e desenvolvimento da economia local, como as festas que assumem a função de animar e congregar as pessoas residentes e visitantes. Assim dá-se como exemplo o concelho de Montalegre, onde o calendário festivo e o ciclo agrícola, são articulados e estruturados, com a seguinte ordem: em janeiro, cantam-se os reis e festeja-se em honra de S. Sebastião, apanha-se a azeitona em Cabril e produzem-se enchidos que posteriormente são vendidos em larga escala na Feira do Fumeiro e do Presunto, evento complementado com algumas atividades de caráter popular, como as chegas de bois.

Em fevereiro, festeja-se o entrudo e a Serrada da Velha e preparam-se as terras com o estercar, lavrar, gradar e assocar. Em março, planta-se a horta, e em abril, regista-se o Auto da Paixão, a Queima do Judas e a Lenda da Misarela e preparam-se igualmente as terras. Em maio, semeia-se o milho e planta-se a batata. Em junho, festeja-se em honra de Nossa Senhora da Saúde e sacham-se as batatas, semeiam-se os nabos, rega-se e dá-se o início da Segada do Feno, que se prolonga até julho. Em agosto, realizam-se o Auto de Santa Bárbara e a Feira do Prémio do Gado, colhe-se o centeio e o milho, e é o tempo da malhada. Em setembro, realiza-se a Feira e o Congresso de Medicina Popular, realizados na freguesia de Vilar de Perdizes, onde são apresentados produtos biológicos naturais e locais e salientados os métodos da medicina tradicional, e festeja-se em honra de Santa Marinha, colhe-se o milho, arrancam-se as batatas e realizam-se as vindimas em Cabril e Vilar de Perdizes. Em outubro, semeia-se o centeio e o trigo, colhem-se medronhos e apanham-se castanhas. Em novembro, apanham-se as carquejas para chamuscar os porcos e realiza-se a matança do porco que se estende até dezembro, mês durante o qual se semeiam os nabos. 253


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As festas e as romarias realizam-se por todas as aldeias do concelho de Montalegre, com especial incidência no mês de agosto, onde se convidam ranchos folclóricos, bandas filarmónicas e grupos musicais, proporcionando a atração e a animação do concelho. Na vila de Montalegre festeja-se, desde há alguns anos, a Noite das Bruxas, aproveitando as raras coincidências das sextasfeiras e do dia 13 do mês, da qual faz parte, na sua organização, o padre António Lourenço Fontes, figura emblemática no concelho.

Esta tradição, quase esquecida, pensa-se ter influência americana, uma vez que muitos montalegrenses emigraram para os EUA, país em que se festeja o Halloween. Nesta Noite das Bruxas, realizam-se jantaradas pelas ruas da vila e uma cerimónia litúrgica com uma reza de esconjuro. Este evento é digno da presença de milhares de habitantes e visitantes e da presença da Comunicação Social. As características tão autênticas de ruralidade, tradições e costumes juntam-se a estes eventos, que são também um importante motor do progresso turístico. Cada região tem os seus costumes e tradições, como refere o autor João Costa: “Todas as terras têm tradições características, psicologia própria, hábitos herdados e transmitidos, geralmente de viva voz, através de gerações sucessivas.” As Terras do Barroso não são excepção. O seu povo caracteriza-se por ser tradicionalmente comunitário, representando esta característica um 254


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recurso muito valioso. É uma região singular, por tudo o que já foi referido, mas também pelas suas crenças, superstições e rituais próprios, dos quais se destacam a realização da chega de bois, ou a matança do porco, formas de reunião e convívio entre esta população, embora hoje menos frequentes que outrora.

Alguns jogos populares como o jogo da malha, da choca, do galo, o jogo da sueca e da bisca, são também formas de convívio, diversão e distração. Passam-se serões junto à lareira, com muitas memórias e histórias à mistura. Relativamente ao sector secundário, existe um reduzido empenho na introdução de recursos tecnológicos e de métodos de trabalho no campo do sector industrial, resultando uma fraca capacidade de produção e comercialização, factor impeditivo da fixação de investimentos. O sector terciário também apresenta um fraco desenvolvimento, com pouca qualidade no que diz respeito à prestação de serviços, nomeadamente na hotelaria e na restauração. Os serviços existentes coincidem praticamente com a administração pública e os de apoio à população no campo da educação e da saúde.

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CAPITULO XIII A IMPLANTAÇÃO DE AGLOMERADOS

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SÉCULOS XIX, XX E XXI A habitação e a organização agrária da região de Barroso, onde estão inseridos os concelhos de Montalegre e Boticas, difere da região do Minho. Este fenómeno é explicado segundo vários pontos de vista, por vários autores. Dantas Pereira diz que esta diferença se prova pelas variadas formas de colonização depois da Restauração, nos séculos XVIII e XIX. Joaquim Costa, afirma que as marcas de organização agrária sobreviveram depois da época pré-romana e influenciaram a estrutura parcelar. Outros autores afirmam que as condições do meio físico tiveram importante e decisiva acção no afolhamento e noutras formas de utilização do solo pelas comunidades de aldeia. Os aglomerados habitacionais do Barroso existiam quase todos já nos séculos XII e XIII. “A descrição do Tombo de 1758, o recenseamento de 1530, a revisão das rendas à Coroa, de 1261 ”, bem como outros documentos, mostram uma evolução progressiva da forma de habitar no Barroso. Segundo o Padre António Fontes, é durante o período da Restauração e séculos seguintes, que se consagra a formação das aldeias desta região. A forma de habitar nestas aldeias remonta-nos para os castros, outrora habitados pelos povos pré-romanos, situados em locais estratégicos de defesa.

A ocupação do território é indissociável da atividade económica, uma vez que se vão ocupando os solos mediante a sua aptidão e vocação para actividades agrárias e pecuárias. O recurso fundamental desta região é a agricultura, actividade apoiada pela fertilização das terras por parte do gado, com presença permanente de água para rega. As zonas mais favoráveis para o cultivo permanente localizam-se nas cotas mais baixas das encostas, uma vez que os 257


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solos são aí mais férteis. Com os meses de verão e a consequente falta de precipitação, a estagnação dos cursos de água e o forte escoamento resultante dos acentuados declives, contribuem para um défice a nível hídrico, o que obriga à criação de uma rede de regadios que consiste em trazer água das cotas mais altas da montanha, das nascentes dos cursos de água durante quilómetros de percurso para os campos de cultivo. Deste modo, as ocupações progressivas do território foram-se localizando nas áreas mais favoráveis, com mais facilidades na exploração da área de cultivo, geralmente no sopé das montanhas, em áreas muito reduzidas, estando grande parte do território sem ocupação habitacional. Ao visitarmos os concelhos, é visível que o Homem se foi instalando em determinados lugares, de acordo com algumas condicionantes e requisitos básicos, nomeadamente no que diz respeito às actividades agrária e pecuária, elegendo uma localização entre campos e serras e aproveitando os terrenos férteis, locais protegidos das más condições atmosféricas, resguardados dos ventos e bem orientados e expostos.

Embora a ocupação do território resulte destes factores, nomeadamente geográficos e morfológicos, as aldeias apresentam-se com um carácter muito idêntico no que diz respeito às organizações funcionais e estruturais, amadurecidas num longo período de tempo, resistindo às adversidades políticas, económicas e sociais, sem destruir o património natural e cultural e os suportes produtivos para as gerações futuras. As aldeias barrosãs caracterizam-se pela sua reduzida dimensão, implantando-se distantes umas das outras, nos vales ou nas 258


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encostas. Estes aglomerados organizam-se segundo uma estrutura ditada pela rede de caminhos condicionados pela necessidade de acesso aos campos, aos regadios, às eiras, ou seja, aos locais de trabalho, de produção vegetal e animal. O conjunto edificado vai sendo alinhado segundo estes caminhos, que em regra, são calcetados. Ao falarmos das aldeias barrosãs e da casa tipicamente barrosã, não podemos deixar de falar em arquitectura popular e vernacular e na ligação directa que tem com o povo. O Homem teve de acompanhar a expansão territorial de alguns povos e culturas, através do aparecimento e desenvolvimento de técnicas e formas de fazer arquitectura. Arquitectura popular e vernacular que resulta da adaptação às condições particulares de cada região e de cada comunidade, originando um modelo próprio que lhe dá a identidade. Como refere Pedro Llano, estas “edificações apresentam-se intimamente vinculadas às pessoas que, século após século, foram quem as levantaram, sem mais experiência do que a tradição, nem mais ajuda do que a própria comunidade.”

A relação que se estabelece entre a arquitectura e o meio, é com frequência condicionada por vários factores, nomeadamente, o clima, as matérias-primas que estão ao dispôr e as técnicas conhecidas e desenvolvidas por quem vai construir, bem como a economia e os condicionamentos políticos e históricos. Esta relação, é por vezes, encarada como prolongamentos da paisagem natural, e as construções são edificadas de forma a adaptarem-se à maneira de ser, de estar e de agir das pessoas que as vão habitar, resultando numa arquitectura de características próprias e populares. Como já referido, a forma de habitar na região de Barroso está directamente relacionada com a actividade agrária e pecuária, o que resulta numa arquitectura marcada pela rudeza do trabalho. Como refere Pedro Llano, o conjunto das 259


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construções da arquitetura popular é um produto do próprio camponês, de gente humilde e simples, que ao longo da sua vida criou e desempenhou o papel de construtor, ferreiro, moleiro, carpinteiro e pastor, resultando numa arquitectura sem arquitectos. A habitação tipicamente popular era construída pelo Homem, para si e para a sua família, sem a ajuda de qualquer tipo de especialista, apenas com as tradições transmitidas pelos seus antepassados, constituindo um reflexo da evolução e a actualização das formas das construções primitivas. Perante as novas necessidades de habitabilidade, o Homem sentiu-se obrigado a abandonar algumas formas de habitar, como podemos constatar com a inicial forma circular de influência céltica, passando a ser rectangular com clara influência romana. A arquitectura popular na região, é feita à base de três materiais característicos: a pedra, a madeira e o barro. Segundo António Fontes, a origem do nome Barroso está num destes materiais, muito aplicado nas construções da região – o barro.

A conjugação destes materiais proporciona uma arquitectura onde se destacam variadas aplicações e soluções construtivas, nomeadamente estruturais, em especial a partir da pedra que se mostra como um sistema construtivo maciço e forte. A casa popular é sobretudo a casa rural, isto porque não é concebida apenas como abrigo, mas também como instrumento agrícola, adaptada às necessidades da actividade de exploração da terra. Após esta abordagem à arquitectura popular, neste caso, à casa popular, passamos a descrever a casa tipicamente barrosã. Uma casa que apresenta geralmente dois pisos: o térreo, destinado aos animais, a arrumos e ao armazenamento de produtos agrícolas e lenha, e o superior destinado a habitação do agregado familiar. O rés-do-chão possui, para além da 260


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porta de acesso ao exterior, outras aberturas que na maioria das vezes, são apenas postigos ou frechas, geralmente guarnecidos por grades de ferro e abertos ou fechados por uma portada interior feita em madeira. A maioria das casas são constituídas por planta rectangular com telhado de duas águas, de vertentes desiguais. A cobertura é geralmente feita com telha cerâmica sobre estrutura de madeira, proporcionando uma forma geométrica precisa e apresentando uma coloração que permite estabelecer um contraste cromático, não só com a paisagem como também com os próprios materiais característicos da arquitectura popular.

No que concerne à entrada principal das habitações, esta é feita através de uma escada de pedra exterior, de acesso à porta de entrada, colocada paralelamente ao imóvel e que termina numa varanda ou alpendre de madeira que se encontra coberto pelo prolongamento da cobertura. A porta de entrada é em madeira, com fecho também em madeira pelo exterior e pelo interior. No interior destas habitações, o espaço com maior protagonismo é a cozinha, um espaço com área considerável que faz simultaneamente de sala de jantar, importante em dias de eventos como a malhada, a segada e a matança do porco. Regra geral, não existia casa de banho, excepto em casas mais ricas que pertenciam às famílias mais abastadas ou com descendência nobre, ou a familiares de padre. Estas construções eram feitas em especial para satisfazer as necessidades de uma economia agrária e pecuária, constatável através dos palheiros que construíam junto da habitação, para armazenar o feno para o gado, o maior recurso destes lavradores. “Essas simpáticas casinhas à beira da estrada, ou entre os campos, melhor nos revelam o seu português sentido. Que alegres no seu variado matiz; 261


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que acomodadas nas proporções; que graça, que modéstia e contentamento não respiram!... Nada tem de forçado ou de menos seguro efeito; tudo parece nascido do próprio lugar com naturalidade. Parece que estas casas eram dotadas de uma espécie de bom senso que as impedia de tomar atitudes agressivas, na forma ou na côr, que incomodam o viandante, que nenhuma obrigação tem de aturar extravagâncias e imbecilidades”. Raul Lino descreve assim as casas tradicionais da arquitectura popular portuguesa. Em suma, podemos então referir que esta arquitectura popular construída nos concelhos de Montalegre e Boticas, pertencente a Trás-os-Montes, apresenta-se com uma atitude modesta, com forte apego à natureza, reflectindo a vida no meio rural, e não perdendo o vínculo com o meio que a rodeia. Os espaços rurais têm vindo a sofrer mudanças provocadas por transformações e alterações dos seus costumes e tradições, por vezes impostos por novas ideologias políticas e novas necessidades e vontades da sociedade. Estes espaços deparam-se com o conflito entre a tradição e a inovação, a que designamos de modernidade ou actualidade. São as fortes raízes do passado que travam a inovação e a modernidade de forma drástica, insistindo numa identidade que merece ser respeitada. A necessidade que o Homem tem de ocupar e organizar um determinado território, de o habitar construindo o seu próprio habitat, tem sofrido alterações, aliando-se à evolução da sociedade e à mudança das necessidades e qualidades de vida. Estas novas condições contemporâneas criam no Homem a ilusão de as aliar à arquitectura do espaço rural, no entanto, a relação que se cria entre a tradição e a inovação, entre o passado e o presente, não é geralmente feita de forma harmoniosa, tomando como exemplo as influências estrangeiras trazidas pelas populações emigrantes. As migrações são o fenómeno mais marcante das evoluções e transformações no território, da forma de habitar o espaço rural, constituindo um dos factores condicionantes da arquitectura. A fraca capacidade dos espaços rurais em proporcionar aos seus habitantes um nível económico de vida sustentável e desejável é o grande impulsionador da emigração. Na grande maioria dos casos, a emigração é temporária e transitória, uma vez que o Homem parte na ânsia de conseguir meios para mais tarde regressar à sua terra natal e poder construir a casa dos seus sonhos, capaz de lhe conferir qualidade de vida a si e à sua família. Deste modo, o Homem acaba por consciente ou inconscientemente, deixar para trás a sua identidade, dando assim origem a novas habitações em meio rural. Estas habitações, apresentam-se de forma descaracterizada e descontextualizada, que não vão, portanto, de encontro ao que designamos de arquitectura popular. A emigração, tem sem dúvida, impacto na arquitectura rural, uma vez que o fenómeno provoca o cruzamento de tendências, hábitos e costumes. Estas novas habitações são construídas à margem de toda a circunstância que as envolve, sem ter em conta as tradições enraizadas, provocando a descontextualização, descaracterização e desqualificação da paisagem local.

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CAPITULO XIV ADÁGIOS POPULARES DE BARROSO

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MESES DO ANO

 A castanha em Janeiro vale mais que um carneiro.  Em Janeiro já ia o porquinho ó fumeiro  Se vires verdejar põe-te a chorar, se vires negrejar põe-te a cantar.  Não há luar como o de Janeiro, nem amor como o primeiro  Janeiro giadeiro.  Em Janeiro vai ao outeiro.  Em Fevereiro já os dias tem um salto do carneiro.  Fevereiro chuva, cada suco seu rigueiro.  Fevereiro é fermeleiro (come bem o gado).  Março pelarço (não há comida para o gado).  Março arreganhaço.  Março marçagão, de manhã Inverno à tarde Verão.  Março, bocadinhos de chuva que a velha leva no regaço.  No Março já tanto durmo como faço.  Abril, Abril águas mil coadas por um funil.  Abril águas mil e quantas mais puderem vir.  Abril águas mil.  Em Maio encho o palaio.  Maio desapondaio. 264


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 Maio quer-se claro como o olho do galo.  Maio turbo e S. João claro.  Páscoa enxuta, ano de muita fruta.  Fraco é o Maio que não rompe uma croça.  Em Junho calco a punho.  Junho seitoira no punho.  S. João claro como o olho do galo.  Em Agosto, como à saúde do meu rosto.  Luar de Agosto ao lavrador dá no rosto (as pessoas andavam até tarde a trabalhar: a colher, semear, regar...).  Água que de Verão regar, de Abril e Maio há-de ficar.  Setembro molhado figo estragado.  Entre Santos e Natal, Inverno crual.

OUTROS ADÁGIOS  A malvela, a mulher nunca habia de comer o caldo sem ela.  A mulher e a ovelha com sol à cortelha (antigamente, as raparigas e as mulheres ao tocarem as trindades recolhiam a casa).  Abre o teu porco e verás o teu corpo.  Ao rico não peças e ao pobre não prometas.  Atrás de mim virá, quem de mim bom fará.  Cada terra tem seu uso, cada roca tem seu fuso.  Casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.  Com Pão e erva, Deus tudo governa.  Como e bebo e pago a quem devo.  Dá com que não peças e pede com que não aborreças.  Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer.  Deus ajuda quem muito madruga.  Dorme e depois come do sono.  Em casa deste homem quem não trabalha não come.  Filho és, pai serás, como o fizeres assim o acharás. 265


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 Grão a grão enche a galinha o papo.  Mais vale um pássaro na mão, do que dois a voar.  Mãos à obra como diz a moda.  Nada me és, nada me dois.  Não faças mal ao teu vizinho que o teu vem pelo caminho.  Nos casamentos e nos murtórios é que se fazem os falatórios.  Pica pico, se fores pobre, não chegas a rico.  Quem a ferro mata, a ferro morre.  Quem adiante não olha, atrás volta.  Quem anda à chuva molha-se.  Quem está de fora não racha lenha.  Quem muito dorme pouco aprende.  Quem não arrisca não petisca.  Quem não come por ter comido não tem doença de perigo  Quem semeia ventos, colhe tempestades.  Quem tem medo compra um cão.  Quem troca o odre por odre, algum deles sai podre.  Quem tudo quer, tudo perde.  Quem vai casar longe ou vai enganar ou ser enganado.  Se a mulher soubesse o que era a malvela nunca a tirava da panela.  Se d’um lado chove do outro faz sol.  Só se lembra de Santa Bárbara quando toa.

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GLOSSÁRIO  Acalhoar – atirar pedras (calhaus).  Afumar – secar ao fumo.  Ajuntamento – adjunto, reunião de pessoas.  Amanhar – preparar a terra para semear.  Amedouchar – fazer medas (montes) de palha.  Arrematar – comprar ou arrendar algo em leilão.  Aviação – distribuição (da água).  Bancelho – uma espécie de corda feita de palha que se utiliza para atar os molhos.  Bandejar – atirar a massa ao ar com uma bandeja e apará-lo, tentando dar-lhe uma forma arredondada antes de o meter no forno.  Cabaneiros – a classe dos agricultores mais pobres, com parcos recursos, que vivem essencialmente da jeira.  Cacarenhas – pessoa sem iniciativa  Canceladas – reunir os rebanhos, nas terras que vão ser cultivadas, rodeando-os com uma cerca de cancelas para que permaneçam na área pretendida. Esta técnica de estrumação era muito utilizada em algumas aldeias do concelho.  Carmear - desfazer os nós da lã  Carpins – meias  Carrar – transportar, geralmente em carros de vacas  Carreja – transporte.  Cisco - poeira. Corte – Loja onde estão os animais  Desabagado – livre  Desenciscar – tirar os ciscos  Desorbalhado – sem orvalho  Emeroucar - fazer meroucas  Enfunilar ou ensacar – introduzir a carne, para o fumeiro, nas tripas, utilizando um funil largo. A carne é colocada no funil e depois empurrada, para dentro das tripas, com um fuso.  Escafolar / Escafular – tirar da cafula, desfolhar ou esfolhar o milho. 267


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 Escangalhar – estragar.  Escotchar – cortar.  Esterco – fertilizante natural, formado pelos matos com que se estrumam as cortes dos animais e os seus dejectos, é utilizado para a adubação das terras agícolas.  Fogatcha – fogueira.  Garmalheira / Gramalheira – corrente de pendurar os potes à lareira, ou corrente de ferro que está presa ao sino da Igreja/Capela.  Lameiros – pastagens naturais.  Lavrar – arar.  Liar – combater, lutar.  Malhadeira – máquina que faz a debulha, malhando o cereais.  Masseira – uma espécie de caixa de madeira onde se amassa a massa do pão.  Mata-Bicho – primeira refeição do dia. Matão – vassoura de urze ou giesta, enfiada num pau, que serve para varrer o forno.  Mato – designa o conjunto de arbustos existentes nos baldios (carqueja, giesta, urze, tojo, etc.).  Merouca – meda, monte de palha ou de canas de milho.  P’ra môr de – por causa de.  Palheiro – arrecadação de ferragens (feno e palha) para alimento dos animais.  Parva – primeira refeição do dia.  Pote – panela de ferro com três pernas.  Poulo – terreno de poisio.  Quentador / Quentadeiro – pessoa que aquece o forno para cozer o pão e que marcava a vez de cozer às pessoas.  Rasa – medida usada para os cereais, equivalente a um alqueide (doze quilos).  Rascalho – ramo de árvore.  Responsar – rezar responsos (oração por coisas perdidas)  Restolho – terreno depois de ceifado (restos de centeio).  Segadas - ceifas.  Segar – ceifar. 268


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BIBLIOGRAFIA  As Chegas de Bois -“Hino ao Boi do Povo” Uma Antologia. Lisboa: Âncora Editora. 35-39.  As Chegas de Bois “O Boi do Povo na Etnografia”. Uma Antologia. Lisboa: Âncora Editora. 41- 46.  Alves, Francisco Manuel (1918): “Arqueologia trasmontana”, In: O Archeologo Português, XXIII: Lisboa.  Alves, Manuel (2000): Marcos da nossa terra. 2.ª edição. Vila Real: Minerva Transmontana.  Baptista, José Dias (s/d): O País Barrosão – 1. Os Termos.  Barreiros, Fernando Braga (1914): “Materiais para a Arqueologia do Concelho de Montalegre”. In: O Arqueólogo Português.  Barroso da Fonte, Mestre em Cultura Portuguesa - III volume do Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses  Barroso da Fonte. Mestre em Cultura Portuguesa- Monografia de Codeçoso.  Domingos Vaz Chaves.Gralhas-Minha Terra Minha Gente- Monografia da Aldeia  Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências. Volumes I e II. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo.  Tradições populares de Barroso (concelho de Montalegre), In: RLu, vol. XVIII Lisboa: Livraria Clássica Editora.  Vocabulário Barrosão”, em R Lu., vol. XX, Lisboa: Livraria Clássica Editora Bernardo, Maria Clara Rolão (2006): I Encontro de Estudos Dialectológicos – Actas. Ponta Delgada:  Boléo Paiva; Santos Silva, (1962): “Mapa dos dialectos e Falares de Portugal Continental”. In: Actas do IXeme Congrés International de Linguistque Romane. Lisboa: Boletim de Filologia XX, 85-112.  Borralheiro, Rogério (2005): Montalegre, Memórias e História. Câmara Municipal de Montalegre: Ed. Barrosana.  Braga Barreiros (s/d): Ensaios de Inventário dos Castros no Concelho de Montalegre.  Brito Joaquim Pais de (1996): “Coerência, incerteza e ritual no calendário agrícola”.  Brito,Joaquim Pais: O Voo do Arado. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 217-229.  Caillois, Roger (1963): O homem e o sagrado. 3.ª edição. Lisboa: Edições 70.  Capela José Viriato, e Borralheiro Rogério (2001): Boticas nas Memórias Paroquiais. Boticas: Edição da Câmara Municipal de Boticas. 269


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ÍNDICE PREÃMBULO - 3 O AUTOR – 5 INTRODUÇÃO – 8 CAPÍTULO I - 10 A Região de Barroso dos Séculos XVIII e XIX – 11 Sintese Historica CAPÍTULO II – 14 Aspectos Gerais A História – 15 Os Povos Promiscuos – 24 Couto Misto – Uma República com 800 anos – 26 A Demarcação do Couto – 31 A Arca era a Lei – 33 O País da Memória – 34 CAPÍTULO III – 37 A Terra e a Gente A Região Pós-Século XVIII – 38 A Cultura Barrosã Nesta Época – 41 CAPÍTULO IV – 45 O Comunitarismo em Barroso As Actividades e as Estações do Ano – 49 A Matança do Porco – 52 O Fumeiro – 54 Os Trabalhos Comunitários – 57 A Entreajuda – 58 Os Baldios – 58 O Gado – 59 O Boi do Povo – 61 273


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A Vezeira – 62 O Pão – 64 O Forno do Povo – 65 A Entreajuda nos Trabalhos Agricolas – 68 CAPÍTULO V – 70 Exemplos de Comunitarismo O Regadio Colectivo - 71 Os Caminhos – 71 As Lamas e os Lameiros – 71 Os Moinhos – 72 O CICLO DE VIDA – Nascimento – 72 - Namoro - 73 - Casamento - 73 - Morte - 75 CAPÍTULO VI – 77 Organização Social e Decadência Comunitária A Organização Social – 78 A Decadência Comunitária – 80 CAPÍTULO VII – 82 O Sagrado no Imaginário Barrosão Aspectos Gerais e Tradições de Barroso – 83 O Forno do Povo – 87 Festividades Ciclicas – 93 O Cantar dos Reis – 95 O Entrudo – 97 O Testamento do Galo – 100 Os Motes de Gralhas – 105 A Noite das Bruxas – 107 O Esconjuro - 108 Os Rituais nas Segadas e Malhadas – 109 Os Rituais dos Moinhos – 116 Os Rituais das Fontes de Mergulho – 117 Os Rituais das Doenças – 121 Orações da Manhã – 121 Orações da Noite – 123 Orações a Santa Bárbara – 123 Oração da Inveja – 124 274


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Responsos a Santo António – 125 Responso das Almas – 126 Responsar a Pessoa – 127 Oração para Defumar – 127 Oração para o Coxo – 127 Oração para a Ciática – 128 Oração para a Constipação – 128 Oração para as Lombrigas – 129 CONTOS DO PAGANISMO – A Lenda de Santa Genoveva - 129 - O que dizem as Letras - 136 - A Estória do Emigrante – 137 - O Homem Cuco – 137 CAPÍTULO VIII – 142 Os Municipios de Barroso Montalegre – Boticas – 143 A Hidrografia – 145 O Clima – 147 A Rede Viária – 148 OsDialectos e a Geo-Linguística – 149 CAPÍTULO IX – 154 O Concelho de Montalegre A História – 156 As Casas – 161 Os locais de Culto – 162 A Criação de Gado – 163 A Hidrografia – 165 As Barragens – 166 Alto Rabagão – 167 Cávado – 168 Paradela – 168 Venda Nova – 169 O Clima – 170 A Geografia - 171 AsGrandes Referências Montanhosas – 172 Parque Nacional da Peneda-Gerês – 173 Os Limites – 175 275


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Monumentos Históricos – 175 Castelo da Piconha – 177 Mosteiro de Santa Maria das Júnias – 178 Castelo de Montalegre – 179 Ponte Romana – 181 Igreja de São Vicente da Chã – 182 Ponte do Diabo – 182 Igreja de Santa Maria de Gralhas – 183 Paço de Vilar – 184 Casa do Cerrado – 185 Sede do Concelho – 186 As Freguesias – 187 CAPÍTULO X – 218 O Concelho de Boticas A Sede – 219 Aspectos Gerais e Caracterização – 220 O Clima – 221 Património e Arqueologia – 222 As Freguesias – 222 CAPÍTULO XI – 239 Património Arqueológico de Barroso O Megalitismo - 240 Os Castros – 240 CAPÍTULO XII – 246 Evolução e Caracterização Histórica de Barroso Desenvolvimento Sócio-Económico – 248 CAPÍTULO XIII – 256 A Implantação de Aglomerados CAPÍTULO XIV – 263 Adágios Populares de Barroso Glosário – 268 Bibliografia - 269

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... “DIREITOS DE AUTOR RESERVADOS”

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