Skate

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ALÉM DAS MANOBRAS Skateboard. O par de patins em uma prancha, como se traduz ao pé da letra, surgiu nos EUA na primeira metade do século 20 como uma mistura derivada dos rollers scooters (uma espécie de patinete) e das pranchas de surfe. Sem ondas no litoral da Califórnia dos anos 50, os surfistas tentavam, então, reproduzir as manobras realizadas na água em uma versão de rodas e eixos sob pranchas de madeira no asfalto. A partir de então, o esporte ganhou espaço na América do Norte. Com rodas feitas de ferro e relatos diversos de acidentes, a sociedade norte-americana tentou banir o esporte das ruas. No Brasil, somente nos anos 60 a prancha com rodinhas chegou ao Rio de Janeiro com o incentivo de anúncios da revista “Sur-

fer”, dos EUA. O “boom” do esporte nas orlas cariocas aconteceu somente ao longo dos anos 70 e se expandiu para uma geração de jovens brasileiros. Desde o início o skate se resume a acertos e quedas. No asfalto e nos olhos de quem vê, os praticantes do esporte brigam por espaço: as mulheres no esporte, a segurança, religião e pistas públicas são algumas das militâncias dentro do meio até hoje. Assim como a prática, é por meio de manobras que surgem as novidades. Não só das ações corporais do skatista mas também nas mudanças, sejam os novos tipos de skate, novas modalidades ou até no surgimento de uma cultura de rua por conta de um esporte.


Saltos e quedas de um veterano POR JEFERSON BATISTA

A rotina do vendedor de abrisse a Aloha, uma fábrica de máquinas de café e ex-skarodas e shapes que funcionava no tista profissional Néio Lúcio fundo de sua casa. Pena, 56 anos, é bem mais Apesar do rótulo de marginalidatranquila quando compade que o esporte possuía no início, rada com seu dia-a-dia na ele sempre contou com o apoio da década de 1970. Aos 16 família, que muitas vezes dependeu anos, depois de assistir a do jovem para se manter. “Em épouma reportagem sobre skacas difíceis, cheguei a sustentar mite na TV, o adolescente finha família com a Aloha”. cou interessado no assunto A empresa foi promissora, os e decidiu praticar o esporte. equipamentos abasteciam os skaNão encontrou na região de tistas de Campinas e parte do Campinas ninguém que lhe material era vendida em São Paupudesse vender um skate. lo. Aas instalações não eram das Para resolver o problema, melhores e o medo da fiscalização Pena tirou as rodas de um era constate. “Um dia qualquer, par de patins e as colocou um fiscal, acho que da prefeitura, em um shape de madeira, não lembro, apareceu lá em casa. que ele mesmo confeccionou Conversei com ele, ofereci um café, no quintal da sua casa. Deuma xícara de café mesmo, não era pois de montar uma primeipropina. Ele viu nosso esforço. Eu Néio Pena mostra camisas e shapes que usava em competições. FOTO: MARINA ORTIZ ra prancha com rodinhas, era um jovem que estava tentando saiu andando pelas ruas da ganhar a vida. Não levei multa e a cidade. O gosto por aquele mundo só foi au- mas ainda não foi possível”, conta a universi- fiscalização nunca mais passou por lá”. mentando. Ele nem imaginava que se tornaria tária, que mantém contato com o veterano do Junto com a vida de empreendedor, Pena foi referência nacional do esporte, como é definido esporte pelas redes sociais. se profissionalizando no esporte como atleta. Marcar de andar de skate com Pena parece por skatistas ouvidos pela reportagem. Pena, Aos 20 anos, bateu o recorde brasileiro de salto aos 16 anos, era um dos primeiros skatistas do ser difícil. “Ele faz muita coisa, não consegui- em altura, atingindo 1,36 metro. Ganhou cammos marcar”, diz o empresário e skatista Eder peonatos regionais e nacionais. Das datas de interior paulista. Na época, o esporte era marginalizado, não Botelho. A reportagem também teve dificuldade suas vitórias, ele não lembra. “Tenho os recorexistiam espaços para prática. Os novos ska- para marcar a entrevista. Ligações, mensagens tes de jornais e revistas, mas não lembro exatistas disputavam o asfalto das ruas com os no WhatsApp e inbox no Facebook. Entrevista tamente quando foi”. A marca Aloha também Fuscas, Kombis e Brasílias que circulavam pela marcada, desmarcada, marcada de novo e des- patrocinou diversos atletas. Campinas dos anos 1970. Outra opção era in- marcada. Por fim, em um sábado à tarde, Pena Nos campeonatos e nas ruas, Pena praticou vadir casas abandonadas com piscinas vazias falou encontrou-se com a reportagem e come- diversas modalidades do esporte: Slalom, Hipara usar como rampa. A invasão era uma ati- çou por se justificar: “Cara, durante a semana ghline e Freestile. “No começo não existia muita vidade constante nos skatistas que formavam o é o trabalho; no final de semana estou quase referência, a gente aprendia olhando em revisgrupo Aloha, o primeiro de Campinas, que nas- exclusivo para o Hospitalhaço”, ong da qual é tas e praticando”, conta. Mas quem tornou-se ceu na região do bairro Nova Campinas, através um dos diretores. Além das visitas aos hospi- referência foi ele. “O Néio trouxe coisas novas da iniciativa de Pena. Vistos como marginais, tais, é responsável pela formação de novos vo- para o skate, e minha geração o tem como um sempre eram confrontados pela polícia. “Era luntários, faz palestras e organiza encontros. ídolo”, afirma Botelho. Na década de 1990, Pena um grupo muito pequeno, pouca gente conhe- “O skate tem ficado de lado, mas sempre que criou a produtora de vídeo Cinética e fechou a fábrica de skate. Como produtor de filmes, fez cia aquilo. Não tínhamos muita referência, mas dá, a gente dá uma volta”. diversos vídeos sobre esportes, especialmente andávamos diariamente”, lembra. O skate como negócio sobre skate. Mas Pena decidiu voltar a produzir Hoje, o veterano tem um skate com shape skate, vendeu a agência de filmes e montou oufeito de bambu, modelo que surgiu nos anos Em 1975, Pena organizou um campeonato tra empresa para fabricar rodas, shapes e freios 1980. Ultimamente as rodinhas movimentamse pouco, o objeto fica encostado em um dos de skate no clube Regatas, de Campinas. Entre de bicicletas. Entre 1995 e 1996, a empresa cantos de sua sala de TV. Em alguns raros fi- as dezenas de meninos e meninas que foram ver teve em média 30 funcionários. A maioria era nais de semana, ele sai com alguns amigos “das as manobras dos jovens skatistas campineiros, de recolhidos ao presídio de Hortolândia. “Deciestava Eder Ribeiro. “Eu tinha 12 ou 13 anos di dar uma pegada social para a empresa. Dava antigas” para andar por aí. No final de 2015, em uma das poucas vezes quando vi o Néio fazendo as manobras, fiquei emprego para o pessoal que estava em procesem que Pena saiu para andar de skate, a uni- doido e logo quis praticar”, lembra Botelho, que so de reabilitação”. O negócio não foi bem, em versitária e skatista Marina Gomes, 20 anos, tem uma loja de objetos para skate. Este foi um 2014 a empresa faliu. “Perdi tudo: escritório, teve a oportunidade de encontrá-lo na Praça de muitos eventos que Pena realizou em Cam- casa, carro, fiquei sem nada. Estou recomeçando do zero”, conta o vendedor de máquinas de Arautos da Paz, em Campinas. “Foi um dia pinas para divulgar o esporte. Ele não fi cou somente andando de skate café. Pena casou duas vezes. Teve quatro filhos. incrível. Apesar de já ter ouvido falar do Néio, nunca imaginei que iria trombar com ele em na adolescência. Mas viu uma oportunidade Nenhum é skatista profissional. “Tenho um fiuma pista. Andamos juntos e ele me ensinou de empreendedorismo. Antes de completar 18 lho de 14 anos que adora judô, pratica pra vamuita coisa. Gostaria de vê-lo outras vezes, anos, seu pai o emancipou para que o jovem ler. Às vezes brinca com o skate, mas só isso”. Esta edição da série CADERNOS ESPECIAIS foi produzida como trabalho de conclusão de semestre na disciplina Jornalismo Especializado, do 7º período da Faculdade de Jornalismo. Responsável: Prof. Dr. Carlos A. Zanotti (MTb - 12.463). Dir. da Faculdade: Prof. Ms. Lindolfo Alexandre de Souza. Integrantes da equipe de produção: Henrique Fernandes, Isabel Barros, Jeferson Batista, Mariana Benetti, Mariana Rodrigues, Marina Ortiz e Nathalia Nasser.

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, junho de 2016


‘Minha dor, transformada em conquista’ POR ISABEL BARROS

Quando Michael Braga, de 22 anos, morreu por traumatismo craniano após uma queda de skate sem o uso de capacete, em novembro de 2015, sua mãe Andrea Wanger, 46, tomada pela tristeza e pela indignação, sentiu que devia conscientizar as pessoas para que isso não acontecesse com outros jovens. Desse sentimento surgiu o movimento Sem Trauma – Use Capacete, e quatro meses depois, veio a primeira grande conquista. A prefeitura de Campinas encaminhou à Câmara, em 26 de Abril de 2016, um projeto de lei que obriga o uso de capacetes em eventos do município e placas de conscientização em áreas comuns de uso de skate. Agora o projeto segue para aprovação enquanto Andrea continua o seu discurso de segurança e humanização no skate, que já é referência em várias partes do Brasil. Mãe, avó e professora, Andrea tem grandes planos para o movimento e fala sobre a sua paixão pela cultura de rua, os ideais do Sem Trauma e de como lida com a morte do filho. A seguir, trechos da entrevista.

tem alguma coisa que me incomodou foi a minha ignorância, de não saber disso. E esse inconformismo é que me fez ir atrás e sinalizar a outras pessoas e outras mães, inclusive. Eu não quero uma mãe na face da terra passando a dor que eu estou passando. Hoje eu estou em dor ainda, mas eu creio que a minha dor vai ser transformada, transformada em conquistas. Eu espero deixar uma marca nas pessoas, não eu Andrea, mas o movimento. A minha esperança é que tudo tem o seu tempo e a Como vocês pretendem mostrar esse caminho? Nós queremos conscientizar com amor e sem cicatriz vai ficar ali. Eu vou olhar para as fotos do moralismo, porque o moralismo é correr atrás do meu filho e vou sentir muita saudade. Mais do que saudade, honra de ter sido a mãe dele. entra nossa missão, a conscientização, que vão ser as sinalizações, as placas e as campanhas no rádio. Por isso que nosso movimento tem que continuar, e não é chegar onde a moçada anda e falar “não, não ande sem capacete”. Isso não adianta, pois vamos ser os indesejados. Se você quiser andar sem capacete, a vida é sua, a gente só está lá para mostrar que tem outro caminho.

Como o projeto começou? Começou com a indignação e com postagens minhas indignadas no Facebook. O Guilherme Damasceno, que tem um cargo na prefeitura, simpatizou muito com o movimento e se engajou politicamente com a gente. Ele abriu as portas do movimento dentro da prefeitura. Hoje em dia são 17 membros, com flutuação. Os que participam ativamente são uns 8. Mas o resto dá muito suporte, e sempre participam dos eventos em que fazemos ações.

O movimento Sem Trauma é algo muito recente. E se a sua neta quiser andar de Para embasar o discurso skate no futuro, qual será a sua redo movimento foi necessáação? rio ir atrás de dados sobre Ela já fez até um ensaio de acidentes com skate. Como fotos no skate do tio Michael. você conseguiu ir atrás desEu acho tranquilo ela andar de ses dados? Com mensagens de conscientização, camisetas e bonés são vendidos para skate, desde que ela se proteja, Não tem dados espeajudar o movimento criado por Andrea Wanger. FOTO: ISABEL BARROS. sempre com o capacete. A gente cíficos no Ministério da sabe que, dependendo da veloSaúde. Mas em órgãos de skate têm alguns dados. Mencionou em entrevista próprio rabo. É como disse Mandela, “ninguém nas- cidade, o capacete não vai te impedir de ter um ao Correio Popular que não sabemos a fidelidade ce odiando outra pessoa. Para odiar elas precisam trauma, mas com certeza vai ser um trauma mais desses dados, mas nós não precisamos duvidar. Para aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem leve do que um que poderia te matar. ter uma experiência é só ir na Unicamp, no setor ser ensinadas a amar”. Da mesma forma que coloQuais são os próximos planos e as próximas conde trauma e perguntar: de todos os traumatizados camos a parte negativa, também podemos colocar a que estão aqui, quais são as causas? A resposta vai parte positiva. A gente só vai conseguir o que quer quistas? Como plano, o Movimento Sem Trauma futuser – bicicleta, skate, patins... E aí você começa a ver quando, daqui a alguns anos, essas placas não preciramente vai passar a ser uma ong. E como conque existe uma porcentagem expressiva de aciden- sarem mais existir. quistas, quero justamente gerar esse valor humatados por esporte e recreação. No mesmo dia em que o meu filho entrou na UTI de trauma, entrou Pelo que aconteceu, seria muito fácil você não que- no, promover coisas para a cultura de rua, urbana, de hip hop e estar em eventos não só no Estado de um rapaz com o mesmo acidente que o dele, só que rer mais mexer com essa cultura... de bicicleta. Um mês depois da morte do meu filho, Não, vou até aprender a andar de skate! Skate é SP, como fora. O meu filho tinha dois projetos armorreu um menino de 16 anos no Parque Vianorte, cultura, é uma tribo urbana. Eles pensam diferente, quivados no seu computador e quem sabe a gente em Campinas, com as mesmas causas, encontrado são ligados a outras coisas, têm poesia na alma. O realiza: o primeiro é o Rap Alimenta, que é fazer morto do lado do seu skate. Dias depois, morreu um nosso movimento não quer só bater o martelo no saraus e batalhas de rap em que a entrada é um rapaz em Jundiaí, pelo mesmo tipo de acidente. E valor do capacete, mas também no valor que a cul- quilo de alimento, e o outro é o Equilivre-se, que eu só fui atrás disso quando começaram a chegar tura de rua traz. Eu sei disso porque o rap mudou é a presença de um microfone aberto em eventos, histórias no meu ouvido e eu pensei “Como assim a vida do meu filho. Ele amava a cultura da rua e o onde você pode cantar, declamar uma poesia, deas pessoas morrem de skate?!”. Isso tá errado, não movimento Sem Trauma pode dar esse valor huma- sabafar, falar o que você pensa. é acidente. Alguém precisa levantar uma bandeira, no que a cultura de rua traz. O que você acha que o Michael diria para você porque morrem jovens, pessoas que estão começansobre esse movimento? do a viver uma vida. Como foi o processo de perda e superação? “Mãe, você é demais!”. A admiração entre nós O processo de perda ainda existe. Faz muito pouQuando a lei entrar em vigor, você acredita que as co tempo, não tem nem seis meses. Não existe um dia era mútua, e eu sempre falava que ele não ia ficar pessoas vão aderir ao uso do capacete? na minha vida que eu não passe sem lembrar do meu no anonimato. Mal sabia que seria dessa forma. A lei vai entrar em vigor para torneios e cam- filho. A superação, eu acho que o movimento ajuda Mas todos nós nascemos com um propósito e vapeonatos, não para andar na rua. Mas na rua é que a me trazer. Raiva, ranço, eu não tenho nenhum. Se mos deixar uma marca na vida.”


‘Jesus loves skate’ POR MARINA ORTIZ Apesar de uma tradição majoritária de skatistas céticos e shapes estampados com imagens provocadoras, um grupo de jovens em Campinas decora as camadas laminadas de madeira entre o truck e a lixa com adesivos evangélicos. Mensagens como “Jesus loves skate” e adesivos em formato de peixe (que simboliza a crença evangélica) acompanham o cotidiano de diversos jovens que, além de um mesmo hobby, compartilham de uma mesma fé: todos frequentam a Bola de Neve Church. Além do nome inusitado para uma comunidade cristã, a Bola de Neve Church também possui uma sede diferenciada em Campinas: o local que hoje abriga os fiéis era uma casa de shows de grande porte do município. A movimentada avenida que leva nome de santa (Nossa Senhora de Fátima) apresenta uma curiosa movimentação formada majoritariamente por jovens, principalmente aos domingos. Lá dentro, o pastor tem liberdade para pregar usando bermudas, e o púlpito é formado por uma prancha de surfe, que não é o único esporte “acolhido” pela comunidade. Separada das demais atividades esportivas da igreja por uma rede de proteção, encontra-se uma rampa de skate de rua com dois metros de altura. Por conta dos “arranhões” no cimento, a pista esteve interditada para manutenção, com previsão de reinauguração meados de 2016. “Eu comecei a andar de skate aos 12 anos de idade, mas só conheci a Bola de Neve em 2013. Foi uma surpresa conhecer um espaço que conciliasse as duas coisas”, conta o estudante de administração André Vinco, de 23 anos. Vinco explica que foi conhecer a instituição por conta de um primo e acabou descobrindo um espaço não só para praticar sua fé como o skate, literalmente. “Eu entrei na igreja aqui de Campinas e até comecei a rir quando vi a rampa, ninguém imagina, né?”, relembra. Entre os símbolos religiosos, o espaço também é utilizado para campeonatos de skate abertos ao público geral. “Quando a gente sai pra andar em outros lugares com shape adesivado, capacete e tudo mais, de vez em quando rola um preconceito dos outros caras”, afirma o analista de comércio exterior Arthur Balista, skatista há cinco anos e evangélico há dois. Apesar da questão do estereótipo cristão fora do “templo”, Balista diz que muitos skatistas mudam o jeito de pensar quando participam dos campeonatos abertos da Bola de Neve. “A galera vem meio tímida e acaba percebendo que ninguém vai ser obrigado a rezar no meio de disputa, aí eles se soltam e fazem até pergunta de religião pra gente”, brinca. Balista também conta que grande parte do preconceito de outros skatistas está na ideia de que os colegas de esporte cristão tentam convertê-los. “A gente nem fala nada de igreja para quem vem competir com a gente. Se rola alguma coisa, é uma oração entre a gente e pronto. Nosso objetivo é competir e conhecer outros skatistas, não converter ninguém”, explica. As manobras da fé Também iniciado na reli-

gião após o skate, o estudante de economia Otávio Oliveira afirma ter desenvolvido uma série de “rituais” no esporte após se tornar evangélico. “É engraçado porque antes de tentar novas manobras ou quando vou competir eu sempre dou uma rezada, peço pra Deus me acompanhar e me sinto mais confiante na hora”, diz. Para André Vinco, símbolos religiosos no skate trazem boas energias. FOTO: MARINA ORTIZ Vinco complementa que até mesmo a procura por adesivos reli- muito bem”, afirma Vinco, que costuma levar a sogiosos foi difícil. “A gente teve que encontrar muitos brinha de sete anos para aprender o esporte dentro dos adesivos em sites americanos que importassem, da igreja. e alguns a gente mandou fazer. Não existe uma traMesmo com a boa conciliação entre fé e skate, o dição de juntar religião e skate nem no Brasil nem grupo relata um desconforto ao se deparar com sarno resto do mundo”, conta. Apesar da dificuldade, casmos de colegas do esporte. Marcas importadas e o estudante explica que dentro da igreja a ideia ga- de referência no mercado do skate são conhecidas nhou força. “Quando apareci com os adesivos vários por utilizar o “humor” em suas artes e modelos, que outros skatistas da igreja vieram perguntar onde eu vão de apologia às drogas até ao ato de blasfemar consegui”, afirma. autoridades religiosas como Maomé, Moisés e Jesus Foi dentro da igreja que Oliveira conheceu André Cristo. Vinco e Arthur Balista. Hoje, os três praticam o esUm dos casos que gerou polêmica entre o univerporte semanalmente, dentro e fora da Bola de Neve. so gospel e do skate aconteceu com a marca Eshe, da Por conta da dificuldade em conciliar o esporte com Nova Zelândia. A empresa criou shapes, cartazes e os horários de trabalho e estudo, os encontros dos camisetas que provocavam diversas religiões estamjovens são sempre noturnos (assim como a presença pando o slogan “religião é lixo”. “Tem marca grande nos cultos). “A gente compartilha o mesmo hobby e como a Eshe que faz shape blasfemando e isso sema mesma fé, então ficamos muito juntos e trocamos pre teve. Mas o chato é quando alguns poucos caras ideia não só sobre skate mas sobre religião também”, fazem questão de mostrar pra gente e de certa forma explica. zombar do que a gente acredita”, explica Balista. Os colegas estimam que, somente no templo de Dentro da igreja, os skatistas explicam que além Campinas (SP), cerca de 40 fiéis utilizem a rampa do skate a Bola de Neve também estimula os cristãos para praticar o esporte. “É legal de ver que tem mui- a praticarem outros esportes, como artes marciais, ta gente que não andava mais e resgatou o skate na yoga, futebol e basquete. “É muito legal ver essa conBola de Neve, criança começando agora com a gente ciliação e esse apoio para reunir o esporte e a reliporque os pais são da igreja e todo mundo se mistura gião porque tem muita gente que retoma um esporte ou começa um novo lá dentro e são duas coisas que fazem bem pra gente, a fé e a saúde física”, diz Oliveira. Com mais de 40 templos espalhados pelo Brasil e também em outros países, como Chile e Canadá, os colegas afirmam que também existe uma interação entre os skatistas cristãos da Bola de Neve. “A gente tem grupo no Facebook e conversa bastante com a galera de Santos. Eu já fui para lá competir e alguns amigos vieram para Campinas também tanto para andar na nossa rampa quanto para se conhecer pessoalmente né”, conta Balista. “Nosso sonho é visitar a Bola de Neve em Portugal, lá em Lisboa. A gente não tem muito contato com a galera de lá, mas é uma oportunidade legal para conhecer os fiéis e também usar a rampa deles que é Os encontros noturnos para andar de skate se tornaram tradição entre os amigos. FOTO: MARINA ORTIZ maior que a nossa”, brinca Vinco.


Jogado fora: o primeiro skate de Thiago Depoimento de um skatista que encontrou sua primeira prancha em um lixo POR MARIANA BENETTI Eu devia ter só quatro anos quando via meu irmão, Paulo Roberto da Silva, sete anos mais velho, andar de skate. Eu era sempre avisado: “Nada de andar, Thiago Silva, só olhar!”, e assim o fazia, mas com aquela vontade de pelo menos tentar aprender alguma manobra. Meu irmão parou de praticar o esporte. A vontade ficou, ficou, passou e desapareceu, até quando vi meu primeiro skate naquele dia frio de julho de 2007, quando eu não tinha mais de 12 anos. Estava encostado em uma lixeira cheia de sacolas, no Jardim Eulina, em Campinas, o bairro em que morava na época. Estava caminhando para ir jogar bola, passei perto da escola Leonor Zuhlke Falson e, logo na casa ao lado, o skate estava jogado no canto do lixo. Deixei o futebol de lado e agarrei o objeto quebrado o mais rápido que pude. Ao chegar em casa, perguntei ao meu irmão se ele ainda sabia fazer alguma manobra, mesmo depois de tanto tempo... Assim que vi o que ele conseguiu fazer, me maravilhei novamente no mesmo instante. Sujo, sem a lixa que deveria estar onde colocamos os pés, sem marca alguma e com um cheiro peculiar por ter estado tão perto do lixo: era meu mais novo velho skate. Até mesmo o rolamento, necessário para fazer com que as rodas girem com facilidade e sem fazer barulho, estava faltando naquelas rodinhas. Mesmo com tantos defeitos, aprendi a ficar em pé, andar e não cair. O mais importante foi que voltei a me apaixonar pelo esporte que marcaria minha vida pelos oito anos seguintes. Não demorou muito, fiz amizades novas com skatistas que me ajudaram muito. Um deles juntou umas peças velhas que tinha e montou um skate só pra mim, e foi nele que aprendi minha primeira manobra, o ollie, que consiste em saltar no ar com o skate sem usar as mãos, somente através de impulsos com os pés e os joelhos, em terreno plano ou não. Essa é a primeira manobra que todos os skatistas aprendem quando pegam um skate pela primeira vez, e comigo não foi diferente. O tempo passou mais rápido do que o esperado. Com 16 anos estava sabendo o suficiente para participar de uma competição. Não cheguei a ganhar, mas a emoção de estar com os melhores, de correr, cair e ralar... indescritível. Só não foi melhor do que quando, com 18 anos, eu ganhei meu primeiro campeonato, na Praça das Águas, no bairro Ponte Preta, em Campinas. A gente nunca sabe o que fazer numa hora dessas, né? Só rir e agradecer! Depois de participar de competições, fui trabalhar em uma loja de skates no mesmo bairro da Ponte Preta, ainda no ano passado, aos 19 anos, que me deu a oportunidade de dar aulas para crianças lá no bairro Vida Nova, na pista de skate do parque Dom Bosco. Não foram somente essas oportunidades que o esporte me trouxe, mas também despertou em mim uma paixão escondida pela fotografia. Com minha Canon, tiro fotos de skatistas, coloco filtros em preto e branco, faço com que o foco esteja no ambiente grafitado da Praça das Águas e nas manobras de meus amigos. Amigos que só surgiram por causa do skate. Não costumo guardar o que é velho do meu passado,. Como não era sentimental quando mais novo, acabei jogando fora o velho skate quebrado. Mesmo assim, sempre vou me lembrar do momento que,

descendo a rua, o encontrei ao lado de um lixo, esperando para mudar completamente o rumo da vida de um garoto que, agora com 20 anos, só tem que agradecer a esse acaso. Fazer uma manobra várias vezes, cair, machucar e conseguir, é só o começo dos prazeres que esse esporte me ofereceu e me oferece até hoje. Lá no bairro Vida Nova Logo na última semana de março, meu antigo chefe, Rodrigo Alves, me ligou para propor um emprego de cinco dias. Eu não voltaria a trabalhar em sua loja de skate, mas faria algo que foi mais significativo para mim: daria aulas de skate para crianças. “Eu confio em você, Thiago. Você é um dos melhores skatistas que eu conheço, é paciente e sabe ensinar muito bem... Acho que você é o cara certo para o trabalho”, foi o que ele me disse, sem muitas explicações extras. Topei sem pensar duas vezes, honrado pela proposta e feliz em poder passar para os outros quais manobras eu sabia. Entendi que talvez eu nem chegaria a mostrar o passo a passo de um salto, Todas as tardes fico treinando com meu skate na Praça das como o ollie, já que aqueles que eu ensi- Águas, na Ponte Preta, em Campinas. FOTO: MARIANA BENETTI. naria eram ainda muito crianças. Mesmo assim, eu poderia passar um pouco da felicidade que Em uma das tardes, algo me chamou atenção. sinto para os outros. Algo não, melhor dizendo, alguém me chamou a Em comemoração ao dia Mundial da Juventude, atenção. Logo ao lado da praça, perto de onde esa Coordenadoria da Juventude entrou em parceria távamos, havia um tipo de reformatório em que os com a comunidade do bairro Vida Nova e decidiu pais deixavam as crianças para passar o dia inteiro, fazer um evento que durou uma semana, no Parque enquanto eles trabalhavam. Dessa instituição, um Dom Bosco. Começou dia 3 de abril, em um domin- menino de somente nove anos pulou o muro e foi go muito ensolarado, e fiquei para dar aulas de se- em direção ao evento... Mais precisamente, em migunda até a sexta feira, dia 8 do mesmo mês. nha direção. Procurei por um tal de Henrique quando cheguei Perguntei seu nome, ele não me disse, e eu sabia lá, ele estava trabalhando com o Felipe Gonçalves, que ele não vinha de nenhuma das escolas. Apontou um dos organizadores. Recebi um espaço legal para para um dos skates que estavam ali comigo e falou dar aulas à vontade, de manhã até o final da tarde, que sabia andar. Estava só de chinelo, então eu ofecom pausa só para almoçar. reci para tentar algumas manobras simples; ele, conCheguei às 8 horas, mas a criançada de algumas tanto, recusou minhas instruções. escolas só foram chegar às 8 e meia. Tinham entre Colocou o skate no chão e, em um pulo, come5 e 11 anos, uma mistura de idade que parecia não çou a andar com facilidade. Ele não sabia tudo o que importar muito quando o assunto era diversão. Os eu poderia ensinar, mas com certeza sabia mais do alunos não ficavam todo o tempo ali comigo, eles que as crianças ali presentes. Depois de fazer algupodiam sair para a cama elástica, para o parque e mas manobras, me devolveu o skate com uma risaoutros esportes que estavam em áreas diferentes da da, agradeceu e saiu em direção ao parque. Sua mãe praça toda. Na hora do almoço, eu ganhei uma mar- estava procurando-o, pois ele havia fugido de onde mita para não perder tempo, já que as crianças che- deveria estar... Tudo para andar de skate só por algavam de novo às 13 horas e ficavam até às 16 horas. guns minutos, durante uma tarde. Eram sempre novos alunos, meninos e meninas, Para quem ama, o esporte pode chamar muique estavam prontos para cair, se fosse preciso. Isso to a atenção. Aquelas crianças tinham a facilidade, não chegou a acontecer, as crianças geralmente não aprendiam com rapidez, nenhuma chegou a cair endemoram a aprender. Parecem esponjas, onde você quanto eu estava de olho. Só que, como sou apaixocoloca-las vão sugar tudo o que conseguem e apren- nado pelo skate, consigo identificar quem também der assim, rápido mesmo! tem o mesmo brilho no olhar. Nenhuma se machucou, e as professoras também Aquele menino, tão novo, de chinelos velhos e ficavam de olho para isso não acontecer. Ensinei o desgastados, que fez questão de não me falar seu que conseguia em poucas horas, algumas se cansa- nome, ele sim era apaixonado pelo esporte. Quem vam e logo iam para outra área, mas a maioria ficava sabe, um dia, ele tenha a mesma sorte que eu tive de para tentar mais uma vez uma manobra que, para encontrar um skate jogado no lixo para mudar sua eles, era tão difícil de ser realizada. vida.


Empresário campineiro quer investir em aplicativos para skate POR HENRIQUE FERNANES lor Skateboard à venda, além Quase quatro anos dedisso, quem passa por lá pode pois de manter uma grife de montar um skate totalmente roupas e acessórios voltacustomizado. Ferreira acredita dos ao Skate, o empresário que isso ajudou a Pop Board campineiro Roberto Barbose tornar conhecida, “a cosa quer apostar em aplicamunidade do skate sempre se tivos para a comunidade do apoiou e eu quis criar uma loja skate. A ideia é de criar um que fosse muito próxima dos aplicativo que sirva como atletas e praticantes locais”. forma de monitoramento do Ferreira conta que os clientes skate do usuário, medinassíduos da loja hoje formam do distâncias percorridas e a Família Pop Board, que semmanobras feitas. Além dispre andam de skate juntos e so, uma rede social só para aqueles que querem se profisquem anda de skate e possa sionalizar recebe um patrocítrocar experiências, dicas nio da loja, que também prode onde andar e outras inmove eventos de customização formações também está nos de skate, oficinas de grafite e planos do empresário, que competições amistosas. conta que não há nada parecido com isso no mercado Mercado acirrado de aplicativos hoje em dia. Barbosa tem uma reO mercado de skate no lação antiga com o skate, Roberto Barbosa passa quase todo seu tempo livre andando de Skate e fazendo planos Brasil fatura mais de R$ 1 bianda desde os 13 anos e para a Sailor, que está estampada no shape do seu skate. FOTO: HENRIQUE FERNANDES lhão por ano com a venda de hoje, com 33 anos, tem no roupas e acessórios, seguncurrículo de praticante algumas competições, seis fraturas espalhadas ticulares, aniversários e outros lugares para do pesquisa realizada pela SGI Europe (Sports pelo corpo e uma vontade de viver de alguma fazer demonstrações e divulgar sua marca. Good Intelligence), em parceria com a Advencoisa que seja relacionada com o esporte. Dessa Mesmo assim, a concorrência é grande e ele ture Sports Fair (ASF) e a promotora alemã de vontade surgiu, em 2012, a Sailor Skateboard, acredita que, para pequenos empresários como eventos esportivos ISPO. Porém, enquanto esse uma grife de camisetas, meias e bonés voltados ele, o futuro para ganhar dinheiro não está na mercado é muito lucrativo para poucas marcas para os praticantes do skate. Barbosa partici- venda de roupas. Foi quando a ideia de criar nacionais e principalmente empresas internapava de um grupo de skatistas que frequenta- aplicativos surgiu. “O jovem anda de skate com cionais, o cenário não é tão fácil para empresávam o Bunker Taquaral, uma pista localizada o celular no bolso, grava suas manobras e pos- rios menores como a Sailor Skateboard. Uma das marcas nacionais que conseguiu se no Parque Taquaral na cidade de Campinas e a ta nas redes sociais. Um espaço que ofereça Sailor surgiu daí. “É muito comum que os ska- informações, faça um monitoramento de tudo destacar foi a Drop Dead, do empresário curitistas se unam e formem crews de quem anda que o praticante faz e reúna os simpatizantes é tibano Eduardo Dias, que, nos anos 90, começou a fazer camisetas em casa e ia vender em junto há muito tempo. A Sailor primeiramente muito necessário” conclui Barbosa. foi só um grupo de pessoas que andavam” conUma das lojas que vende os produtos da Sai- São Paulo e Porto Alegre “Eu aproveitava para ta Barbosa, que, depois de alguns meses de- lor Skateboard é a Pop Board Shop, em Cam- andar de Skate e vender” conta. Foi de extrecidiu fazer camisetas personalizadas para esse pinas, e a história dela é muito parecida com a ma importância ele andar de skate há anos e grupo, a partir daí, em poucos meses ela já era de Barbosa. Luciano Ferreira, de 39 anos, anda conhecer o universo antes de abrir a marca. “O uma marca independente. Barbosa, além de de skate desde os 17, participou de competi- skate é um estilo de vida, que começa até mesamante do esporte, também é arte-finalista de ções, conheceu sua atual esposa numa pista mo na infância do consumidor e é importante uma agência de publicidade e é ele mesmo que e sempre teve o sonho de ter uma skateshop, saber como ele pensa e o que ele quer” explica. Dos anos 90 pra cá, a marca se destacou fez todos os desenhos e designs dos produtos uma loja que só vende produtos relacionados que são comerciados. Ele mesmo faz tudo na ao esporte. Em 2009, com 40 mil reais juntados no mercado e chegou a ter 200 funcionários só empresa “desde o desenho, o design da cami- através de anos trabalhando como gerente co- no setor de costura. Atualmente, Dias foca em seta, o contato com o fornecedor de materiais mercial e um carro vendido, Ferreira conseguiu apenas na gestão de linhas – ele licencia suas e a fábrica de roupas, sou eu que faço tudo” alugar um pequeno espaço comercial na Rua marcas, além da Drop Dead, possui mais quaexplica. Luzitana, no centro da cidade e abrir a loja. “Foi tro marcas e também é representante no merÉ um trabalho difícil, principalmente para a arriscado, porque naquela região já havia duas cado nacional de empresas internacionais. “Hoje o mercado está mais profissional, por empresa de um homem só que é a Sailor Sak- lojas que vendiam produtos esportivos, mas neisso resolvi não ter uma fábrica. Tem gente teboard. A venda de seus produtos acontece em nhuma era 100% dedicada ao skate” explica. uma loja virtual própria e também em lojas esO começo foi difícil, o lucro não apareceu no muito especializada nessas áreas e decidi focar pecializadas da cidade de Campinas e região. O primeiro ano de existência mas Ferreira não nas marcas, que é o que conheço bem”, afirma lucro gerado é pouco, “a maioria do que entra desistiu, a ajuda dos amigos que ele reuniu o empresário. Diferentemente da época que a Drop Dead é reinvestido e a concorrência é muito grande, nos anos praticando o esporte foi fundamental principalmente com grandes lojas de roupa on para a divulgação inicial. “O mercado de skate surgiu, o mercado hoje está muito mais compe-line que vendem roupas de skate a preços bai- é grande e lucrativo, mas para as pequenas lo- titivo e segundo Dias, fazer uma marca de skate xos” conta Barbosa. jas a história é outra, é difícil competir com as acontecer se tornou uma tarefa mais difícil “É A marca também patrocina oito atletas do grandes lojas de esporte da cidade” conta. A Pop preciso correr atrás, hoje em dia existem váskate com roupas, acessórios e ajuda de custo Board Shop adotou desde o começou a filosofia rios exemplos de pessoas que trabalham nesse quando há competições e eventos. Além disso, de apoiar a cena local do esporte e por isso, lá sonho, porém está cada vez mais difícil, ainda Barbosa corre atrás de eventos em pistas par- existem muitas marcas pequenas como a Sai- mais com as marcas gringas no mercado.”


Para líder skatista, ser mulher é resistir POR NATHALIA NASSER No Brasil, o skate demandou das mulheres certo tempo e muito esforço para se consolidar, e mesmo assim encontra algumas dificuldades pelo caminho. Atualmente o esporte ainda é praticado majoritariamente por atletas do sexo masculino. “É um território de embates, inclusive de gênero. É um espaço que demanda disputas por existência e por significação”, afirma Renata Paschini, de 43 anos, skatista há 30. Natural de São Bernardo (SP), Renata se divide em duas funções: a de dentista e, há seis anos, de presidente da Associação Feminina de Skate. Segundo ela, as mulheres conquistam a visibilidade no skate, mas “com atraso e desvantagem quando pensamos no gênero masculino.” O primeiro campeonato feminino foi criado há apenas vinte anos, enquanto a primeira competição masculina existe desde 1963. Só com a criação da Associação Brasileira de Skate Feminino (ABSF), em 2002, é que foi possível exiNas premiações de campeonatos femininos, a união gir melhores padrões de qualida- res resiste. FOTO: NATHALIA NASSER. des nos eventos, circuitos e campeonatos. Para Renata, as mulheres no esporte porte, por isso a campineira precisou trabalhar não significam apenas a falta de representativi- para poder comprar o primeiro skate. Para os dade. “Ser uma mulher e ser skatista também pais de Letícia, andar de skate não era propício significa resistência, estratégias de visibilidade para meninas. “Mas é claro, nunca concordei e principalmente protagonismo.” com isso”, defende. A estudante de 16 anos, Jéssica Alvarenga, A discriminação de gêneros é característica teve o primeiro contato com o skate no colégio, em festivais, campeonatos e eventos de skate. foi onde se encantou pelas manobras que viu Ainda hoje, a maioria dos juízes são homens e sentiu vontade de experimentar. “Meus cole- que, segundo as esportistas, utilizam da apagas não me deixarência e modo de se vam andar com o vestir como um dos skate deles, então quesitos para julgar resolvi comprar as competidoras. “Eu o meu.” Aos 13 particularmente sei anos, Jéssica gadisso porque já fui nhou do pai seu muito julgada pelo primeiro skate. O meu estilo”, afirma apoio dentro de Jéssica. Em contracasa foi imporpartida, Roberto Matante. Foi com a çaneiro, skatista proajuda de seu pai fissional e presidente que pôde se insda Federação Paulista crever nas primeide Skate, explica que ras competições e a escolha dos juízes é investir tempo no feita a partir da ponque era até então tuação no ranking de um hobbie. A hisoutros campeonatos tória foi diferente oficiais. Ele defencom a veterinária de que a escalação Letícia Woski, de dos árbitros é justa 20 anos, que não e seleciona profisteve a mesma assionais capacitados. sistência dos pais. “Eventualmente são escolhidas árbitras A família tinha femininas, mas a receio de que ela Jéssica Alvarenga dedica seus finais de semana soentrasse no es- mente à prática do skate. FOTO: NATHALIA NASSER quantidade é pequena

e demanda certo histórico esportivo.” Já Renata diz acreditar que as melhorias necessárias nos campeonatos femininos atualmente são possíveis de realizar. “O começo de tudo é na equiparação da premiação, que está longe de ser igual.” Mesmo com as melhorias conquistadas nos últimos anos, a definição das categorias é ainda muito diferente. “E a premiação, por consequência, infelizmente também é”, afirma Maçaneiro, que participa de campeonatos há mais de dez anos. Segundo pesquisa feita pelo DataFolha, registrada pela Confederação Brasileira de Skate, em setembro de 2006, por volta de 3,2 milhões de domicílios brasileiros possuiamm pelo menos um morador que tem um skate, número que corresponde a aproximadamenentre as mulhete 6% dos lares brasileiros. Desse contingente, 8% são do sexo feminino. E para as competidoras, a mulher ainda está conquistando seu espaço no skate, “assim como lutamos para conquistar em todos os âmbitos da nossa vida social”, afirma Renata. Porém, suas vivências e relatos carecem de espaços para serem ouvidos e compartilhados. A quantidade ainda é escassa, mas blogs e sites especiais como a Revista Checkit Out e o portal Mary Jane são plataformas virtuais criadas estritamente por e para mulheres. Para Letícia, é essencial que existam espaços de discussão exclusivos. “Não temos esse tipo de diálogo com os homens porque precisamos falar sobre um gênero que ainda está conquistando seu espaço no skate, e não é o masculino.” Para Renata, estar na presidência da Associação Feminina de Skate é extremamente importante porque isso lhe permite “oferecer às skatistas o tratamento que o skate feminino merece, já que isso não acontece sempre nos campeonatos mistos.” Tanto os espaços de discussão quanto as condições oferecidas às mulheres são frutos de luta e resistência, e a rivalidade se dosa o suficiente para estar presente somente nas competições. “Nós somos induzidas o suficiente a sermos rivais como mulheres. No skate nosso espaço deve ser de união”, conta Letícia. O aumento no número de praticantes do sexo feminino no skate, que saiu de 10% em 2014 para 19% em 2015, mostra que a visibilidade que falta para as skatistas brasileiras não resulta da ausência feminina no esporte. Para Letícia, o que falta para atingir essa visibilidade “é uma cultura que nos posicione no skate da mesma maneira que posiciona o gênero masculino.”


‘Skate é meu Prozac’, diz pós-doc em biomedicina POR MARIANA RODRIGUES A essência do esporte é o desafio imência corporal, principalmente dos pés posto pelo próprio skatista, explica o póse das pernas, é responsável pelo timing doutor em biomedicina Augusto Ducati na execução de manobras, até mesmo Luchessi, pesquisador na área de fisioas mais simples, como fazer curvas e logia humana, professor da Universidade realizar pequenos saltos. A liberação Estadual de Campinas (Unicamp) e skade endorfina, hormônio que aumenta a tista há 30 anos. Daí a satisfação pessoal sensação de bem-estar e reduz o estresquando o praticante consegue vencer os se, é alta por envolver muito esforço fíobstáculos e a comparação com o medisico, aliado a adrenalina, característica camento à base de fluoxetina, indicado dos esportes radicais. “No subconscienpara tratamento de transtornos e depreste do skatista surge uma reação autosão. “Como farmacêutico, posso dizer que mática de ‘alerta de risco’ quanto ao o skate é meu Prozac”, afirma. corpo. Por isso qualquer manobra bem O caminho para o aprendizado e o apriexecutada é muito prazerosa, a dificulmoramento da prática do skate, segundo dade foi vencida com êxito e isso traz o professor, consiste em cair, levantar e boas sensações para o corpo e para a tentar de novo. A relação entre autoconmente”, explica. A prática do skate é considerada um fiança e pertinência em continuar é o que exercício aeróbico, ou seja, há aumencaracteriza a evolução no esporte, assim to da quantidade de oxigênio que entra como no surf, cujos fundamentos deram no corpo e no ritmo cardíaco. Esses auorigem a prática do skate. mentos possibilitam, além dos benefíSegundo o pesquisador, os seres hucios hormonais, a melhora do sistema manos apresentam uma capacidade de imunológico e a queima de gordura. construir “programas cerebrais” em uma Também o esporte contribui para a toespécie de rede de neurônios, apta a acunificação muscular e o fortalecimento mular experiências e associar situações, das articulações, principalmente joeque faz com que os skatistas desenvolvam lhos e tornozelos. uma “estratégia para fundamentar o conO perigo da queda é iminente e, muiceito de que a vida é repleta de obstáculos tas vezes, há uma linha tênue entre a e que existe a opção de tentar superá-los autoconfiança adquirida pela prática no lugar de visualizar a sociedade como e o alerta de risco. “É natural que um uma entidade obrigada a te servir”. São skatista experiente sinta-se à vontade os obstáculos da modalidade transpostos para andar sem capacete numa descida para a vida em sociedade. porque já fez isso diversas vezes. Mas Luchessi iniciou a prática do skate em essa pode ser a vez da queda”, alerta 1986, deixou o esporte de lado por aproLuchessi. Segundo o pesquisador, é esximadamente 19 anos e retornou há 3 na sencial o incentivo a proteção individual modalidade longboard. Mesmo gostando específica de cada modalidade valendode esportes radicais na natureza, afirma se de exemplos e pequenas dificuldades que o skate é a atividade escolhida para que podem acarretar graves acidentes, ambientes urbanos. No início da prática, mesmo nos veteranos do esporte. em Santo André, dividiu as pistas com É indispensável, para todas as moSandro Dias, o Mineirinho, hexacampeão dalidades, o uso de capacete, joelheimundial de skate no estilo vertical. Conta ras e cotoveleiras. Luvas podem auxique já incentiva os pequenos da família a liar nas manobras e também proteger se aventurarem no asfalto. “Tenho uma de escoriações. Os tênis apropriados sobrinha e um sobrinho no jardim de insão aqueles que possuem solado antifância, o skate já está na lista de presendeslizante, para não haver escorregões tes futuros. Tem até um half-pipe [pequeprincipalmente no movimento de pegar na pista em formato de U] em uma praça impulso no chão. no bairro deles”, diz o professor. E não é só a boa forma física e as práticas de segurança corretas as resA experiência com o skate é capaz de ponsáveis por um bom desempenho condicionar a mente a se desafiar em no esporte. Acompanhamento psicolóbusca do prazer da conquista, e não apegico é importante para quem participa nas na modalidade competitiva. De acorde competições e torneios, porém é nedo com Luchessi, desconsiderando comPós-doc skatista já dividiu as pistas com Mineirinho, he- gligenciado muitas vezes, assim como petições, a prática do skate não envolve o xacampeão mundial, e hoje dedica-se à docência, à pes- em outras modalidades esportivas no embate entre indivíduos ou equipes, “cada quisa e ao longboard. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL. Brasil, afirma Luchessi. “Muitos ainda um enfrenta o limite estabelecido por si desconhecem seu papel, ignoram sua mesmo, contribuindo para amenizar diimportância ou não têm acesso ao traficuldades no relacionamento interpessoincentivo mútuo entre os praticantes”, completamento”, relata. Segundo o pesquisador, na al”. A prática torna-se também um exercício de ta o pesquisador. modalidade competitiva o apoio psicológico é convivência social, já que é na pista que gruessencial, já que a pressão é tanto externa, em pos se reúnem, amizades se formam e aprenNo corpo dizados são compartilhados. “Observa-se que a Segundo Luchessi, o controle do corpo vai vencer os adversários, quanto interna, em superar a si mesmo na perfeição das manobras. pista de skate é caracterizada por coleguismo e além do equilíbrio para evitar quedas. Consci-


ONDE ANDAR DE SKATE EM CAMPINAS? POR HENRIQUE FERNANES

Skatenation Park Rua Anita Moretzsohn, 324 Jardim Santana

Praça das Águas

• Lugar para quem pratica a modalidade Street e Mini Ramp

Rua Dr. Álvaro Ribeiro, S/N - Ponte Preta

• É uma pista privada, o preço é 10 reais e pode andar o dia todo

• Lugar para quem pratica a modalidade Street

• A pista é de boa qualidade, os obstáculos são trocados com frequência

• O lugar, que era antes improvisado, foi recentemente reformado e conta com bons obstáculos, boa estrutura e iluminação boa para praticar a noite

• Atrai gente de fora de Campinas

Parque Ecológico Luciano do Vale Av. Carlos Lacerda, S/N Parque Res. Vila União • Lugar para quem pratica a modalidade Street • A pista tem alguns buracos e a iluminação é precária. Sem manutenção da prefeitura, os próprios frequentadores fazem pequenas reformas • Localizada próxima a lugar perigoso, tem casos de roubo

• Atrai gente de fora de Campinas

UNICAMP G10 Arautos da Paz

Cidade Universitária Zeferino Vaz - Barão Geraldo

Quadrinha de Barão Av. Dr. Heitor Penteado, S/N - Taquaral • Lugar para quem pratica as modalidades Street, Longboard e Skatinho. Também é um bom lugar para iniciantes do esporte • Por ser uma praça de passeio, os únicos obstáculos são os naturais, como escadas e rampas • Atrai praticantes principalmente nos fins de semana. Bicicleta e patins são outros esportes praticados no lugar

Entre as Ruas Ângelo Vicentin e José Antônio Marinho – Centro de Barão Geraldo • Lugar para quem pratica a modalidade Street • Era uma quadra de futebol e foi transformada em pista de skate pelos próprios frequentadores que colocaram obstáculos. Recentemente, a prefeitura reformou e melhorou a pista

• Lugar para quem pratica as modalidades Downhill e Longboard • O lugar é uma ladeira da UNICAMP, cedida pela universidade nos fins de semana das 6h de sábado até a meia noite de domingo • Atrai muita gente, além de praticantes do skate, pois tem um belo pôr do sol. As pessoas se reúnem para tirar fotos, tocar violão e praticar outros esportes como Slackline


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