Saiba+ - Edição Junho de 2015

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Já pensou em ficar 24h sem celular e sem internet? Pág. 06

Desde 2006

Faculdade de Jornalismo - PUC-Campinas

08 de junho de 2015

Pesquisa mostra que tratamento da água é ineficaz Estudo desenvolvido na Unicamp indica que procedimentos são capazes de retirar os contaminantes previstos na legislação, mas o pesquisador Igor Pescara identificou hormônios, como o testosterona e o progesterona, em amostras nas torneiras na cidade.

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Almoço em Campinas é o mais caro do Estado Foto: Bettina Pedroso

Elizabeth Carvalho “fecha a boca” para engordar conta bancária: almoçar fora os cinco dias úteis da semana consome cerca de 75% do salário mínimo

MORADORES DE RUA

HILDA HILST

O Saiba+ entrevistou uma defensora pública e um promotor. Veja a opinião deles

Número de pessoas que vivem na rua em Campinas diminuiu 12% em 2015

Casa do Sol, onde viveu a escritora, receberá investimentos de R$ 800 mil

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Foto: Divulgação

MAIORIDADE PENAL


Opinião

2 RÁPIDAS

CARTA AO LEITOR

Vereador propõe bilhete único infantil

Amanda Januzzi Bettina Pedroso

Gabrielle Mazzetti

O transporte público em Campinas continua em discussão. Foi protocolado no dia 05 de maio, pelo vereador Carlão (PT), o projeto de lei que institui o bilhete único infantil, para usuários do sistema de transporte de três a seis anos. O objetivo é reduzir os acidentes já que, muitas delas, para entrarem nos coletivos pulam a catraca ou são levados no colo. As crianças já são isentas do pagamento.

editores

Campinas Decor completa 20 anos

Foto: Divulgação

A principal mostra de arquitetura, decoração e paisagismo do interior de São Paulo, completa 20 anos e abre as portas do dia 14 de maio até 02 de agosto. Com um período recorde de exposição ao público, o evento terá como cenário a recém-inaugurada expansão do Shopping Iguatemi Campinas e transportará para um espaço do empreendimento uma residência de 52 ambientes projetados por renomados profissionais do setor da região. Horários: de terça a sábado, das 14h às 22h; domingos, das 14h às 20h (bilheteria fecha sempre uma hora antes do término da visitação); Ingressos: R$ 35,00 (inteira) e R$ 17,50 (estudantes e idosos); crianças de até 12 anos não pagam. Telefone para informações: (19) 3255-7744.

CRÔNICA

Afinal, Brasil para quem? Gabrielle Mazzetti

Exposição fica até o dia 02 de agosto, no Shopping Iguatemi

Comédia em cartaz no Amil Está aberta, até 07.06, no Sesc Campinas, a exposição Como (...) coisas que não existem..., com obras itinerantes expostas na 31ª Bienal de São Paulo. Com curadoria de Charles Esche, Galit Eilat, Nuria Enguita Mayo, Pablo Lafuente e Oren Sagiv, a exposição apresenta um recorte de 15 projetos que estiveram em exposição na Bienal. A mostra ocorre de terça a sexta das 8h30 às 21h, e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 18h, no Galpão Multiuso do Sesc que fica na  Rua Dom José I, 270/333 - Bonfim - Campinas - SP . A entrada para o evento é de graça.

Expediente: Jornal laboratório produzido por alunos da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas. Centro de Comunicação e Linguagem (CLC): Diretor: Rogério Bazi; Diretora-Adjunta: Cláudia de Cillo; Diretor da Faculdade: Lindolfo Alexandre de Souza. Tiragem: 2 mil. Impressão: Gráfica e Editora Z Professor responsável: Fabiano Ormaneze (Mtb 48.375). Edição e Edição de Capa: Amanda Januzzi e Bettina Pedroso Diagramação: Camila Yano e Juliana Scheridon

08 de junho de 2015 Há três anos, nós, turma 43 de Jornalismo da PUCCampinas, estávamos finalizando as atividades do primeiro semestre da tão sonhada faculdade. Hoje, encerramos nossa última atividade antes do projeto experimental. Carregaremos conosco todos os aprendizados, erros e acertos pelos quais passamos durante o curso e, principalmente, guardaremos essas atividades como boas recordações e bagagem. Nesta nossa última colaboração com o Saiba+, trazemos um conteúdo que aborda especialmente o tema: água. Você sabe de onde vem a água que você toma? E o tratamento que é dado a ela nas estações? Essas e outras perguntas serão

respondidas em um especial sobre esse líquido. Contamos também um pouco sobre Hilda Hilst e os investimentos da Fundação Itaú na revitalização da Casa do Sol, onde a escritora viveu boa parte de sua vida. Montarão em seu quarto um grande acervo! Mostramos ainda a situação dos moradores de rua de Campinas, que diminuíram em número, porém ainda não encontram vagas em abrigos. Como é importante lembrar que essas pessoas precisam de ajuda, um de nossos repórteres acompanhou a trajetória de seu agasalho doado à campanha integrada entre municípios. Confira tudo isso e muito mais nas próximas páginas.

O que realmente vale uma vida hoje em dia? A cada folha de jornal que me pego lendo diariamente, somente notícias ruins, páginas estampadas de desgraças, o verdadeiro “espreme que sai sangue’’. Era quarta-feira, acordei pela manhã como de costume e preparava o meu café: o de sempre, leite quente com torradas. Sento na cama e ligo a TV para ver as notícias, gosto dos jornais matinais. Enquanto vou ao micro -ondas para retirar o leite e acrescentar o Nescau, escuto a manchete: “Ciclista morre após facadas no RJ’’. Quem dera se apenas o meu café fosse rotina nessa manhã. Na minha profissão, ultimamente, o que mais temos feito é noticiar desgraças. Todos os dias é dia de Datena. Não julgo o jornalismo, não atribuo a ele 100% de culpa porque o país não colabora com os editores. Mas, voltando ao Nescau... Separava a colher para mexer o leite e ouvia a jornalista, em tom de tristeza, lamentar a morte do médico Jaime Gold, de 57 anos, cardiologista, esfaqueado enquanto pedalava na Lagoa. Volto à cama. A primeira frase do dia, o primeiro ser humano a se comunicar comigo após horas de sono, me presenteia com uma desgraça. Quanta tristeza. Uma carteira, uma bicicleta, uma história... O que realmente vale uma vida? Jaime não reagiu, mas os assaltantes meteram a faca

ali mesmo, em meio à pista, em meio aos pedestres. Jaime deixa uma família dilacerada e eu deixo meu café de lado, pois as lágrimas tomaram meu rosto naquela quarta-feira fria, tão fria quanto a capacidade do ser humano. Infelizmente, Jaime não é o único a ter um assassinato brutal. Ele teve destaque porque se tratava de um médico, com carreira consolidada, estava num bairro nobre. Um conhecido chegou a citar que, na época em que morava na cidade maravilhosa, em 2012, isso já era fato e precisou alguém de nome morrer para haver mobilização. Chego à sala de aula um pouco atrasada. Em meio aos pensamentos, perdi a hora, o café e a esperança. Olho meus colegas em um exercício, na angústia dos meus pensamentos, queria discutir assuntos diários, jornalismo, a violência, maioridade penal, a vida, sair da bolha. E, em meio a mais e mais reflexões, lembro de uma frase de Gabriel, O Pensador: “A criminalidade toma conta da cidade’’. A polícia que deveria proteger é a que mais mata. O governo que deveria levar educação e qualidade de vida é o que mais rouba e estrangula. Cadê o Amarildo? Cadê os velhos índios? Cadê o respeito, o amor, a paz e a união desse povo? Volto para casa em um puro vazio. Palavras repetidas, perguntas que jamais serão respondidas... Onde foi parar o meu Brasil?


Cidades

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Lei do Pancadão resulta em 151 multas Jardim Planalto de Viracopos é a região com mais ocorrências; penalidade chega a R$ 1,4 mil

Julio Joly

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ca, jogar conversa fora, mas estão criminalizando por causa de alguns indivíduos que não sabem respeitar.” Para a aposentada Maria de Lourdes, moradora da Vila Esmeralda, a lei chegou em boa hora. “Depois que começou, diminuiu bastante, mas antes era um inferno. Nos finais de semana minha casa chegava a vibrar com o

barulho do som.” Fiscalização As autuações são feitas durante o patrulhamento ou por meio de denúncias realizadas pelo número 156 da prefeitura, ou pelo 153 da Guarda Municipal. Desde fevereiro, já houve uma redução no número de multas. No primeiro mês de funcio-

namento da lei, foram aplicados um terço do total de autuações. De acordo com a Secretaria de Cooperação nos Assuntos de Segurança Pública, também existem outras formas de fiscalização que são operações conjuntas realizadas com outros órgãos como Polícias Militar e Civil, Empresa Municipal de

Desenvolvimento de Campinas (Emdec), Serviços Técnicos Gerais (Setec), Secretaria Municipal de Urbanismo (Semurb), Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) e a Vara da Infância e Juventude. Essas operações são feitas em pontos específicos da cidade, onde há maior concentração de pessoas. Infográfico: Julio Joly

m janeiro deste ano, o prefeito Jonas Donizette (PSB) regulamentou a lei de número 14.862, mais conhecida como “Lei do Pancadão”, que proíbe o excesso de volume de som em automóveis. A lei, criada para preservar o sossego público, prevê multa de 500 Unidades Fiscais de Campinas (Ufics) – cerca de R$1.400,00 – e tem o valor dobrado em caso de reincidência. A partir da segunda reincidência, o valor da multa é quadruplicado, chegando a R$ 5.600,00. Desde quando a lei entrou em vigor, em fevereiro, até o mês de maio já foram aplicadas 151 multas, segundo a Secretaria de Cooperação nos Assuntos de Segurança Pública da Prefeitura. Pertencente à região do Ouro Verde, o bairro Jardim Planalto de Viracopos é local com maior incidência, com um total de 16 autuações até o momento. Outras regiões com registro de ocorrências foram o Taquaral, o Campo Grande, o Parque Oziel e o Centro. Além da multa, quem desrespeita a lei com o veículo estacionado terá o carro apreendido e o proprietário arcará com eventuais despesas relacionadas à remoção e estadia do automóvel no pátio municipal. Para aqueles que cometem a infração com o veículo em movimento são aplicadas as normas do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Até então, os postos de gasolina eram os principais pontos de parada de carros com música alta. Esses estabelecimentos seguem as normas determinadas para esse tipo de área. Para o torneiro mecânico Rodrigo Costa, a “Lei do Pancadão” é rigorosa demais. “Sempre vai existir gente que utiliza inadequadamente o aparelho de som, mas de 45 a 60 decibéis é quase o mesmo que duas pessoas conversando na rua. Sem falar que o som original do veículo já chega a isso.” Ele ainda participa de um abaixo-assinado para regulamentação do som automotivo. “A proposta é mostrar que é um lazer e não uma marginalidade. A gente gosta de escutar uma músi-


Especial

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08 de junho de 2015 Foto: Raíssa Zogbi

Água: muito além dos contaminantes

Pesquisa mostra que, além do que está na legislação, água pode ter outras substâncias prejudiciais

Galões de água parecem ser a opção mais indicada para garantir a qualidade, mas há normas a seguir para que o líquido não seja contaminado

Betina Mantoan Raíssa Zogbi

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quisa foi coletado em cinco estações das concessionárias de água e esgoto de Campinas (Sanasa) e São José do Rio Preto (Semae). É essa água que chega às torneiras. Segundo a professora do Instituto de Biologia da Unicamp Regina Maura Bueno Franco, no processo de tratamento convencional da água, ocorre a remoção de partículas suspensas que conferem turbidez e de organismos patogênicos, como as bactérias. “Os vírus e os protozoários de veiculação hídrica, muitos deles causadores de diarreia no ser humano, são mais resistentes à cloração que as bactérias e podem chegar à água final, se houver falhas no processo”, explica a professora. Novos processos de tratamentos vêm sendo discutidos para melhorar a qualidade dessa água, já que os purificadores e filtros instalados nas casas não a tratam, apenas reduzem a quantidade de cloro e retêm partículas e micro-organismos menos resistentes. “Não há informações sobre o índice de remoção de patógenos, por exemplo, que o produto alcança”, diz Regina. Galões Apesar de conter uma série de recomendações para se manter a qualidade, o

uso dos galões de água mineral é visto como boa alternativa para o consumo seguro. Segundo a professora Regina, as pessoas acreditam que a água mineral é mais segura do ponto de vista microbiológico. Em uma distribuidora no distrito de Sousas, por exemplo, a venda subiu no último ano, em média, de 60 para 100 galões por dia, de acordo com a proprietária Roseane Fonseca. O problema é que, tanto as distribuidoras quanto os próprios consumidores, nem sempre seguem o processo adequado de armazenamento e distribuição. “Até na nossa casa devemos ter cuidado em

relação ao local em que dispomos o galão de água, já que a incidência de luz solar pode gerar a proliferação de algas e micro-organismos”, afirma Regina. O baixo capital de investimento contribui para a abertura de pequenas distribuidoras nos bairros, o que pode comprometer a qualidade da água engarrafada. A professora alerta que “os distribuidores, muitas vezes, não garantem condições adequadas de higiene e proteção contra insetos ou roedores. É frequente o armazenamento de galões no chão, sobre papelões e pallets, sem qualquer isolamento”. Os galões têm prazo de validade de três anos após

a data de fabricação. Já a água deve ser consumida entre 10 e 15 dias depois de aberto. Enquanto estiver lacrado, o líquido para ser ingerido em até três meses. Inmetro O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) divulgou em 2005 uma análise de 19 purificadores que funcionam por gravidade e por pressão. Deles, apenas dois apresentaram o desempenho desejado, no caso, a eliminação de bactérias. Além disso, foi constatado que dez dessas marcas continham informações enganosas ao consumidor. Infográfico: Raíssa Zogbi

ocê já parou para pensar a qualidade da água que bebe? Uma pesquisa concluída em abril desse ano no Instituto de Química Ambiental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), constatou que os métodos de tratamento utilizados no sistema de saneamento básico brasileiro não são eficientes para remover contaminantes que não aparecem na legislação, os chamados emergentes. O resultado está na tese de doutorado de Igor Cardoso Pescara (leia entrevista na página ao lado), com a orientação do professor Wilson Jardim. “Os contaminantes emergentes são compostos que recentemente foram detectados no ambiente, pouco se sabe sobre suas rotas e seus efeitos nos seres vivos”, afirma o autor da pesquisa. De acordo com ele, os hormônios testosterona e progesterona são exemplos de contaminantes emergentes. Apesar das várias opções de consumo – torneira, galões, garrafas e purificadores -, a pesquisa de Pescara demonstrou que uma água “completamente livre de contaminantes é improvável de se encontrar”. Sabendo disso, você está preocupado com a água que consome? O líquido analisado na pes-


Especial

08 de junho de 2015 versidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a orientação do professor Dr. Wilson Jardim, em parceria com as concessionárias de água e esgoto de Campinas (Sanasa) e São José do Rio Preto (SeMAE). Para o município de Campinas, foram selecionadas uma estação de tratamento de água (ETA) e quatro estações de tratamento de esgoto (ETE). Já em São José do Rio Preto, foram coletadas amostras nas únicas estações de tratamento do município.

Foto: Raíssa Zogbi

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m entrevista ao Saiba +, o químico Igor Cardoso Pescara falou da conclusão da sua tese de doutorado, que diz que os métodos de tratamento utilizados no sistema de saneamento básico brasileiro são eficientes para remover contaminantes clássicos, mas não para remover os contaminantes emergentes, ou seja, aqueles que ainda não aparecem na legislação. O trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Química Ambiental da Uni-

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Em sua pesquisa, foi constatado que o sistema de saneamento básico brasileiro é capaz de remover os contaminantes clássicos, mas não os emergentes. O que são contaminantes clássicos e emergentes? Contaminantes clássicos são aqueles sobre os quais já se tem informações, tanto sobre seu comportamento no ambiente quanto sobre os efeitos que podem causar à saúde humana e à vida selvagem, podendo então ser legislados. Já os contaminantes emergentes são compostos que recentemente foram detectados no ambiente, pouco se sabe sobre suas rotas e seus efeitos nos seres vivos, além de não serem contemplados pela legislação. Eu avaliei 16 contaminantes emergentes, mas nenhum contaminante clássico. Os resultados que eu obtive apontam que os tratamentos convencionais de água e esgoto podem remover parcialmente os contaminantes que monitorei.

O que significa ser contaminante legislado? Quando um composto apresenta algum efeito nocivo à vida selvagem ou à saúde humana, é necessário que seja estabelecido um valor limite de concentração desse composto, para assegurar a manutenção da vida. Após o estabelecimento de uma dosagem segura do composto, elabora-se um instrumento legal (lei, decreto, portaria, etc.). Para águas superficiais, por exemplo, existe a resolução nº 357 de 2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que define os valores máximos permitidos de uma série de compostos, para cada classe de água superficial de acordo com o seu uso. Para água de abastecimento, existe a portaria nº 2914 de 2011 do ministério da saúde. Esta legislação deve ser respeitada pelas concessionárias de água.

Sim. A água coletada para a pesquisa, no final do tratamento, é aquela enviada para a rede de abastecimento de água, consequentemente chegando às torneiras. Outro ponto importante é que, devido às baixas concentrações dos compostos nas amostras, não se observa um efeito agudo, sendo a maior preocupação a exposição crônica (baixas concentrações dos contaminantes por longos períodos).

Igor Pescara defendeu doutorado na Unicamp

Em sua opinião, qual a água mais segura para a população ingerir? Existem pessoas que possuem sistemas complexos instalados em suas residências para tratar a água fornecida pelas concessionárias de água, na tentativa de minimizar cada vez mais o problema. Outro aspecto a ser considerado é a própria rede doméstica, pois a responsabilidade da concessionária de água é garantir a qualidade até o hidrômetro. Até o presente momento não se chegou a um consenso sobre os limites seguros para os compostos avaliados. Precisamos pressionar o governo para que sejam estabelecidos valores mais restritivos para os contaminantes na

Os contaminantes emergentes podem causar danos à saúde? Quais? Sim. Mas primeiro é necessário entender que o termo “contaminantes emergentes” abrange inúmeras classes de compostos. Com exceção da cafeína, todos os compostos com que trabalhei são classificados como interferentes endócrinos. Isso significa que eles podem ser reconhecidos como hormônios naturais pelos receptores celulares ou até mesmo bloquear esses receptores. Logo, o funcionamento do sistema hormonal é prejudicado. Em peixes, por exemplo, podem provocar a feminilização dos machos. Em seres humanos, contribuir para o desenvolvimento de câncer de ovário, mama, próstata, redução da quantidade de espermatozoides, antecipação da menarca, entre outros problemas relacionados com o ciclo hormonal.

Essa água em que foram encontrados os contaminantes está disponível à população? Ela chega à torneira, aos galões ou garrafas?

Até o armazenamento e o transporte da água podem


Tecnologia

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“Tenho celular, logo existo”

Repórter conta como descobriu pertencer ao grupo diagnosticado com “nomofobia” Gabriela Gimenes

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Foto: Vinicius Oliveira

lá estava eu, deitada debaixo das cobertas, abraçando o travesseiro com a sensação de que não existia mais. Meus olhos estavam inchados devido à crise de choro durante o dia e ouvia a televisão ligada no “Altas Horas”, mas não absorvia nenhuma informação. De repente, a campainha tocou e, em um pulo só, me levantei da cama. Abri a porta e lá estava ele, o verdadeiro amor da minha vida: meu celular! Você provavelmente não entendeu o primeiro parágrafo deste texto,

mim mesma que não poderia ficar sem o celular por conta do trabalho, então o desafio teria que ser no próximo fim de semana, sábado, 23 de maio. Na sexta-feira, antes de sair para uma festa, por volta das 23h, passei na minha vizinha e expliquei o desafio, entregando a ela meu “bebê” e pedindo que só me devolvesse a zero hora do dia seguinte. Cheguei à festa e pensei em mandar um snap com as amigas, mas não pude... Então, foquei meus pensamentos em aproveitar a balada. Entre um copo de vodka e uma dança, passava por minha cabeça se alguém estava tentando falar comigo, ou melhor, se o fulano estaria... “Não, não está. Foca na banda, aproveita a festa, Gabriela”, eu falava para mim mesma. Era o que eu repetia na minha cabeça e precisei repetir muitas e muitas vezes, além de atormentar as pessoas querendo saber que horas eram, já que, sem meu celular, nem essa informação eu tinha. Alguém me avisou que era hora de ir embora. Cheguei em casa tão cansada que só pensava em dormir. Quando abri os olhos, o sol entrava pelas frestas da janela e já iluminava toda a kitnet, devia ser quase tarde. Passei a mão por debaixo do travesseiro e não o encontrei. Por alguns segundos, ainda sonolenta, o desespero tomou conta de mim, até que lembrei que ele estava com a vizinha. Decidi levantar, liguei a televisão em que passava o “Globo Esporte” e, então, decidi que era hora de preparar o almoço. Pensei em ligar para minha mãe e contar as novidades da festa: voltei à cama para procurar o celular até que, novamente, caiu a ficha de que não estava comigo. Não consegui entender qual era o problema da minha memória. Depois do almoço, voltei para a cama e foi aí que tudo ficou mais difí-

cil. Quando percebi, estava no meio de uma crise de choro sem um motivo aparente, só um vazio enorme tomava conta de mim, como se eu estivesse sozinha nesse mundo. Desisti, sai pela porta e toquei a campainha da kitnet ao lado: precisava voltar à vida, mas ninguém atendeu a porta. Voltei, ainda aos prantos, para minha casa e decidi tomar um banho e voltar a dormir. Entre o banho e finalmente conseguir cair no sono, fiquei imaginando tudo que poderia estar acontecendo no mundo conectado. Minhas amigas poderiam ter conseguido nome na lista daquela balada, mas jamais conseguiriam me avisar, ou, com certeza, aquele moço bonito da festa queria me ver. Dormi e, por incrível que pareça, não tive nenhum sonho com meu celular, pelo menos tive paz nessa parte do dia. Quando acordei, já passava a novela das sete e, então, decidi que devia jantar. Comi e voltei para cama, mas ainda tinha muito tempo para que eu pudesse voltar ao mundo. Decidi organizar algumas coisas. Comecei pelo meu

armário e, no meio da arrumação, achei cartas de amigos de quando me mudei para Campinas, há três anos. Onde está o celular quando precisamos dele? Precisava mostrar para as pessoas que ainda guardava com carinho tudo aquilo. Separei para fotografar quando eu estivesse novamente viva. Voltei para frente da TV, assisti ao “JN”, “Babilônia” e queria morrer quando começou “Zorra”. Preferi ficar quietinha de baixo das cobertas pensando na vida em estado de espera até que a campainha tocasse. Finalmente, tocou. Mal falei com a minha vizinha, muito menos a agradeci pelo favor, afinal que maldito favor, só tomei o telefone da mão dela e voltei para dentro da kit. Liguei o celular e esperei ansiosamente tudo se conectar. Quando ele começou a vibrar indicando que as notificações começaram a chegar pude voltar a sorrir. Sim, ficou comprovado: igualaos personagens da reportagem do “Fantástico”, eu também tenho Nomofobia. Podem me entrevistar na próxima! Já que todo mundo quer saber: ele tinha me ligado. Infográfico: Gabriela Gimenes

Gabriela Gimenes ficou 24 horas sem celular: fobia

mas já vou explicar. No dia 10 de maio, no fim do domingo, estava como de costume assistindo ao “Fantástico” quando uma reportagem chamou minha atenção. O assunto era “Nomofobia”, que significa “no mobile fobia”, ou seja, a fobia ou sensação de angústia que surge quando se está impossibilitado de comunicação pelo celular. Brinquei com meus amigos no grupo do Whatsaap que eu tinha esse medo. Mesmo não acreditando muito, alguns riram, outros se identificaram e muitos concordaram comigo, mas o assunto acabou por aí. Na segunda-feira, estava sem pauta na aula de Jornalismo Aplicado e, então, o professor Fabiano Ormaneze me lembrou dessa nova fobia descoberta... Propôs que eu ficasse um dia inteiro sem meu celular e escrevesse sobre a experiência. To p e i . Ficou decidido que a experiência seria no sábado seguinte, 16 de maio. Quando o dia foi se aproximando, uma angústia tomou conta de mim: como poderia ir para a festa e deixar para trás o snapchat, aplicativo usado para enviar fotos? Como iria combinar os detalhes com as minhas amigas? E, principalmente, como poderia ficar o dia todo sem falar com aquele novo paquera que não estaria na festa? Desisti, esse realmente não seria um dia propício para me desconectar. Passei a semana seguinte inteira afirmando para


Lazer

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Câmbio faz crescer viagens pelo Brasil Sem poder de compra no Exterior, férias de julho, para muita gente, terá destinos nacionais

Fernanda Flores

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rior tem ficado muito caro em razão dos custos com compras e com alimentação. Por mais que os preços de produtos como eletrônicos, roupas e perfumes, sejam mais baratos por lá, eles perdem a vantagem quando triplicado pelo alto preço da moeda. Há quem diga que os destinos brasileiros não se equivalem aos estrangeiros. Era o que pensava Maurício Toledo, advogado que tem o sonho de conhecer um cassino e, para isso, escolheu viajar

para Las Vegas. No entanto, desistiu assim que viu o valor da viagem. A solução apareceu quando um amigo sugeriu que Toledo fizesse um cruzeiro. “Assim eu vou poder conhecer um cassino e economizar dinheiro para as apostas”, afirma. Os cruzeiros são uma ótima alternativa para os viajantes que não abrem mão de umas comprinhas, apostas ou de viajar. Os pacotes para passeios desse tipo geralmente são “All

inclusive”, ou seja, tem tudo incluso, como acomodações, alimentação e lazer, o que deixa o passeio bem mais barato, de acordo com Sônia. Outra vantagem é de que cassinos e “free shops” podem funcionar nos navios. Mesmo que seja preciso usar o dólar para desfrutá-los, o valor ainda compensa. “Planejar é fundamental”, é o conselho do agente de viagens Douglas Pereira para as pessoas que não dispensam a viagem

para o Exterior. Para que a viagem saia do papel, é preciso planejar com, pelo menos, um ano e meio de antecedência. Esse tempo pode ser usado para parcelar a viagem e poder aproveitar o melhor momento para se comprarem dólares. Outra dica para quem quer economizar ainda mais nos passeios são os sites de turismo ou de compras coletivas, que fazem promoções inacreditáveis com preços muito abaixo da média. Infográfico: Fernanda Flores

om a desaceleração da economia, inflação e, principalmente, a alta do dólar, mudaram os planos dos brasileiros que pretendiam viajar para o Exterior, diferente do que aconteceu em 2014, quando os preços das viagens para Miami ou a Argentina, dois dos destinos mais procurados, estavam convidativos. A queda no número de turistas que viajam para fora do país foi de 13%, segundo o Ministério do Turismo. Os vendedores sentiram ainda mais essa queda. “Pacotes para o Exterior diminuíram cerca de 30%”, afirma Sônia Maria Braga Rocha, proprietária de uma agência de turismo. Segundo Sônia, os feriados e as férias escolares já estão movimentando o turismo pelo Brasil. A estudante Luisa Pucci, que ano passado fez planos para conhecer os Estados Unidos, mudou seu roteiro para o Sul do País. “Se eu fosse para Orlando, meus gastos seriam triplicados”, diz. Em relação aos preços dos pacotes, não houve aumento significativo. No entanto, viajar para o Exte-

Tática do Exército chega às academias

Crossfit promete resultados rápidos com exercícios de alto impacto, mas exige cuidados Juliana Araujo

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ada de alteres de cinco ou dez quilos, muito menos de sessões de dez flexões, seguidas de alguns segundos de descanso. Numa aula de crossfit, também não tem espaço para esteira ou bicicleta. Para quem tem fôlego, uma forma de treinamento típica do Exército tem sido procurada por quem busca rápidos resultados. O número de academias especializadas ou que oferecem o serviço em Campinas já ultrapassa 20 unidades. Nas aulas, o que tem lugar mesmo são saltos por cima de caixas, agachamentos com pesos, correr e pular. O auxiliar-geral Phelipe Costa, de 23 anos, procu-

rava por algo que pudesse melhorar o condicionamento físico, flexibilidade, agilidade e coordenação, tudo de uma vez e com resultados rápidos. “Em uma aula temos o aquecimento, que foca bastante o aeróbio, seguido de uma série de força, levantamento de peso, agachamento, supino e outros exercícios”, explica. Costa faz crossfit há cinco meses e, sem nunca ter tido qualquer lesão, acredita que tudo depende do instrutor responsável. “Todo tipo de exercício feito sem instrução de um profissional se torna perigoso. Você tem que ir de acordo com a sua resistência, respeitar o seu limite e o descanso. Assim,

o tempo vai passando e sua intensidade vai aumentando sem risco”. O fisioterapeuta Ricardo Carneiro alerta que, por ser uma prática bastante extenuante, pode levar à fadiga e há risco de traumas. “A carga de treinamento é muito excessiva e a pessoa não tem controle tão adequado dessa carga como na musculação. Quem pratica expõe o corpo a um risco maior de lesão”, afirma. Estudo publicado em 2013, no Journal of Strength and Conditioning Research, mostra que mostra que entre 132 adeptos da modalidade – com 70,5% dos entrevistados homens e 29,5% mulheres, de idade média entre 19

e 57 anos – 73,5% sofreram algum tipo de lesão, sete precisaram de algum tipo de cirurgia e as lesões mais comuns entre os praticantes são de ombro e coluna. Carneiro explica que toda lesão tem dois fatores de risco. “O primeiro está no corpo da pessoa: é a força, a flexibilidade, a articulação mais resistente, mais elástica ou não. O segundo se refere à intensidade, ao tipo de exercício, ao tempo de recuperação do corpo entre uma pausa e outra, ao ambiente onde a modalidade é praticada, à temperatura. A lesão aparece da soma desses dois fatores.” Apesar dos riscos e alto impacto que a atividade

gera, as mulheres também passaram a se interessar. A estudante Mona Carolina pratica o crossfit há oito meses com o objetivo de alcançar resultados melhores do que musculação. “No primeiro mês eu já notei diferença tanto no condicionamento, quanto no corpo”. O ortopedista Ronaldo Lopes Cançado afirma que o crossfit não é unanimidade. “Temos correntes distintas que são a favor ou contra da realização do treino, mas não existe consenso. O que ocorre, de fato, é que a modalidade trabalha em altíssima intensidade e exige o máximo do corpo para alcançar uma resposta mais objetiva”, diz.


Mercado editorial

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8 de junho de 2015

Livros de colorir aquecem vendas

Livrarias e papelarias lucram com lápis de cor e exemplares; só em abril foram 230 mil cópias Rafaela Piai

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mos resultados. Livros com imagens de florestas, jardins e mandalas venderam cerca de 230 mil exemplares só no mês de abril, segundo a Publishnews, publicação voltada ao mercado editorial. A mesma instituição informa que, só na terceira semana de maio, as vendas chegaram a 100 mil exemplares. Cada um é comercializado

Foto: Arquivo pessoal

ivrarias e papelarias estão tendo um ano mais colorido graças aos livros de pintar, febre nos últimos meses. Acostumadas a ter picos de vendas entre dezembro e janeiro – período da compra do material escolar – neste ano, esse tipo de comércio enfrentou um primeiro semestre com óti-

Marisa Ortolani : entre um cliente e outro, usa o tempo para pintar

por, em média, R$ 24,90. Para se ter uma ideia do sucesso, a PublishNews divulga semanalmente os 20 títulos mais vendidos pelas grandes livrarias brasileiras. Os títulos “Jardim Secreto” e “Floresta Encantada”, os dois mais vendidos entre os livros de colorir, ambos publicados pela Editora Sextante, venderam, em abril, respectivamente, 122 mil e 109 mil. Enquanto isso, os outros 18 mais vendidos, juntos, contabilizaram 149 mil. Em seis meses, só o “Jardim Secreto” vendeu mais 750 mil cópias no Brasil. Para as papelarias, o grande negócio do semestre está sendo o comércio de lápis de cor. Todos os anos, enquanto os pais se ajeitam para voltar à rotina de levar os filhos às escolas, as livrarias já estão prontas para o pico anual de vendas de dezembro a janeiro. Neste ano, porém, os livros de colorir levaram essas lojas a um novo ápice com direito à falta de estoque e vendas cinco vezes maiores. “Está tendo uma procura bastante grande, principalmente da caixa com 48 cores. Antes,

vendíamos apenas quando começavam as aulas, agora já tive que repor o meu estoque umas três vezes. Quanto mais diferentes os lápis, como os fluorescentes ou metálicos, maior a procura”, relata João Augusto Santos, proprietário de papelaria. Vale lembrar que os lápis de 48 cores chegam a custar até quatro vezes mais do que os de 12. Mesmo com a crise econômica, as vendas maiores devem fechar essa conta e ajudar esses comércios a pintarem de azul o balanço financeiro de 2015. Vendidos como uma “arteterapia”, de fácil acesso e execução, os livros de colorir viraram mania nas redes sociais, se esgotando em diversas livrarias. “A procura por esses livros está enorme. Nós fazemos pilhas com essas obras de manhã, bem cedo, e, na hora do almoço, já está pela metade. No começo da tarde, arrumamos tudo novamente, e, no fim do dia, praticamente todos os exemplares estão vendidos”, conta Joyce Leite, vendedora de uma livraria de Campinas. A podóloga Marisa Ortelani diz ser apaixonada por

livraria, e desde que viu a publicação, ficou “louca” para comprar. Ela então ganhou o livro de presente no Dia das Mães e, na primeira vez que começou a colorir, adormeceu em cima do livro. “Eles relaxam mesmo”. Para a psicóloga Maria Ângela Nogueira, esses livros libertam a capacidade criativa, já que, em geral, a pessoa acaba perdendo o contato com seu lado artístico. Além disso, “eles têm essa capacidade de relaxar as pessoas, proporcionando um desligamento do mundo ao seu redor, para que elas fiquem focadas apenas naquilo”, completa. Quem aderiu à moda tem opinião semelhante: “Os livros de colorir são uma ótima opção de relaxamento e, principalmente, de concentração. Tenho uma vida agitada e muitos déficits de atenção, porque tento fazer mil coisas ao mesmo tempo. Com o livro, tenho um foco, um objetivo, que é terminar a pintura do desenho, colocar o máximo de detalhes. E, assim, treino minha capacidade de concentração”, diz a gerente de banco Viviane Franchi.

Número de e-books cresce 350%

Oferta de títulos disponíveis aumentou lucro do setor de R$ 3,8 mi para R$ 12,7 mi no último ano

O

Juliana Araujo s livros digitais, chamados e-books, ganham espaço aos poucos. Mesmo que as vendas ainda não sejam suficientes para cobrir o investimento, o crescimento do setor é eminente. De acordo com a pesquisa de Produção e Venda do Setor Editorial, feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o faturamento do mercado editorial com os e-books saltou de R$ 3,8 milhões em 2012 para R$ 12,7 milhões em 2013. Os números são uma estimativa feita a partir de dados fornecidos por 217 editoras, que representam 72% do mercado. Já segundo pesquisa da Câmara Brasileira do Livro (CBL), as opções digitais cresceram 350% o último ano.

Um dos sócios fundador da Kolekto, empresa de produção de e-books, Carlos Vicente, acredita que uma expansão significativa dos livros digitais só ocorrerá quando as editoras entenderem que o modelo de negócio digital é diferente do impresso. Ele cita segmentos que já passaram por essa transformação, como as empresas de passagens aéreas e de turismo. “O setor automotivo hoje passa por essa fase, agora com o cliente indo menos à loja. O de televisão enfrenta a mesma coisa, com a popularização das plataformas de conteúdo on demand, como Netflix. O de livros ainda não, mas este dia vai chegar. A venda do livro digital deve ser pensada sempre em um

modelo de venda de causas longas”, afirma Vicente. Com mais de 400 mil títulos em sua loja, Messias Antônio Coelho é proprietário de uma livraria no centro de São Paulo há 53 anos. O empresário, que não se sente intimidado pelas tecnologias, acredita que o mercado de e-books ainda está longe de se estabelecer como principal modelo. “Grande parte da paixão de ler está no ato de procurar o livro pela estante, ter a sensação das folhas nos dedos e poder sentir o peso das palavras em suas mãos”, conta. No Brasil, já estão disponíveis plataformas online da Amazon, Apple, Google e Kobo, que possuem seus próprios leitores digitais (e-readers), acompanhados de um grande catálogo de

obras. As empresas foram responsáveis pela venda de mais de 30 mil e-books no ano passado. A Apple, com sua iBookStore, encabeça as vendas no País: são 18 mil títulos, contra 15,8 mil da Amazon. Uma das reclamações das empresas do segmento é o sistema tributário brasileiro, que recebe a culpa pelos atrasos nos lançamentos locais. Livros são isentos de impostos no Brasil e até agora os e-books têm sido tratados da mesma forma, porém, quando se trata de e-readers, há os impostos de importação, que podem chegar a 60%. Apesar da grande quantidade de pessoas conectadas atualmente, nem todos estão dispostos para fazer a troca do livro impresso

pelo virtual. É o caso do estudante Lucas Macedo, 23 anos. “Com o livro de papel, a gente pode fazer anotações, rabiscar, ir e voltar de uma folha pra outra muito mais facilmente. Sem contar que parece que a vista cansa quando você pega um livro didático para ler no computador”. Já a enfermeira Josiane Garcia, 29 anos, foi influenciada pela comodidade. “Se eu estou no metrô, ônibus, em casa, não preciso carregar peso para ler meus livros”. Ela reconhece também desvantagens: “Já paguei R$40 em um livro, era praticamente o preço dele na livraria normal, não sei como o formato digital pode ter um custo tão grande quanto um livro convencional”.


Cotidiano

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Campinas tem almoço mais caro de SP Pesquisa da Assert mostra que refeição na cidade custa, em média, R$ 28,73; na Capital, R$ 29,57

Bettina Pedroso

C

vado e estão passando por uma mudança de hábito de consumo que é comer em restaurantes. Em São Paulo, essa prática já se consolidou faz tempo. Com isso, há perspectiva de demanda e gera choques que tendem a elevar os preços.” A pesquisa da Assert tem abrangência nacional. Os entrevistadores percorreram 51 municípios, sendo 21 capitais, distribuídos pelas cinco regiões. Ao todo, levantaram mais de 6 mil preços de pratos pagos pelo trabalhador, de segunda a sexta-feira, em estabelecimentos que trabalham com vale ou tíquete-refeição nos sistemas comercial, self-service, executivo e à la carte. A coleta de dados aconteceu no período de 25 de novembro a 18 de dezembro de 2014. Campineiros gastam comendo fora, em média, R$574,60 por mês, quase 75% do salário mínimo. O economista Josmar Cappa diz que há possibilidades para compensar a alta da inflação dos preços alimentícios, procurando res-

taurantes populares para se alimentar. Um exemplo é o Bom Prato, subsidiado pelo Estado de São Paulo. Para fugir do alto preço e administrar o orçamento apertado, a estudante Camila Traunmuller, de 22 anos, recebe o vale-refeição de R$ 240,00, o que representa R$12,00 por dia para almoçar. Assim, ela diz que precisa buscar alternativas

para conseguir administrar o dinheiro até o final do mês. “Quando comecei a estagiar, comia só fastfood. Depois de um tempo, meu colesterol aumentou e tive que adquirir hábitos mais saudáveis. Então, passei a frequentar restaurantes por quilo. Como salada, grelhado e um arrozinho. Levo sempre uma garrafa com suco ou água de casa.

Sobremesa, nunca!” Rafael Ferreira, de 26 anos, trabalha em uma empresa de produtos médicos e recebe apenas o vale-alimentação, no valor de R$ 100,00. Para não comprometer muito seu salário, o engenheiro químico leva marmita da sua casa ou combina com os colegas de trabalho para fazerem um almoço coletivo. Foto: Betiina Pedroso

ampinas lidera o ranking entre as cidades do Estado de São Paulo mais caras para se fazer uma refeição fora de casa. Atualmente, segundo a Associação das Empresas de Refeição e Alimentação – Convênio para o Trabalhador (Assert), são gastos, em média, R$ 28,73 no almoço (com prato principal, bebida não alcoólica, sobremesa e café). No ano passado, esse valor era de R$ 35,33. Mesmo com a redução de 18%, comer fora em Campinas custa, em média, mais R$ 0,84 por dia do que na capital. O economista Vinicius Ferrari, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCampinas), explica que a formação de preços depende das condições que afetam a demanda, quantidade de um bem que os consumidores desejam comprar, e a oferta, ou seja, número de produto disponível. “A questão é que, em Campinas, as pessoas possuem um poder aquisitivo ele-

Alexandre Fernandes em restaurante de Campinas: preço 18% menor que em 2014

Lei para venda de alimentos é desrespeitada De acordo com Setec, cerca de 37% dos ambulantes da cidade devem estar irregulares

A

cia, a mercadoria é doada a entidades. Maria Rosilda Soares, ou a “tia do espetinho”, como é conhecida, próximo ao terminal de ônibus do Shopping Parque D. Pedro, acredita que as retiradassão injustas. No ponto há 8 anos, ela acha que está na hora de a Prefeitura dar um local para os ambulantes e camelôs, já que, só no último mês de maio, ela teve seus materiais apreendidos cinco vezes. Segundo ela, “a Prefeitura precisa dar um ponto para nós. Nosso trabalho é honesto, além daqui ser muito perigoso e não ter nenhuma segurança”. Outra questão em jogo é a saúde. A fiscalização fica por conta da Setec, em parceria com o Departamento de Vigilância Sanitária de Campinas (Devisa), para que seja feita uma inspeção

da qualidade do alimento que está sendo vendido. Patrícia Moriconi, médica veterinária com especialização em dinâmica da segurança-higiênica e tecnológica dos alimentos do Devisa, diz que, em caso de má preparação e conservação, é possível que a pessoa tenha infecções ou intoxicações alimentares, causando vômitos, diarreia, dores abdominais e febre. Mesmo sendo sintomas passageiros, podem existir microrganismos que causem quadros mais graves. Nikolas Capucci, estudante de Design de Games, já passou por isso. "Eu já passei mal várias vezes, mas dependendo muito da situação eu tenho que recorrer a eles, se estou com pressa e fome. Mas não gosto”. Já Rui Alves, porteiro, diz “sou cismado com

esses alimentos de rua. Eu prefiro preparar o que eu vou comer. E ainda a falta de cuidado com as luvas e dinheiro, não me arrisco". Patrícia explica que o ideal seria que houvesse apenas uma pessoa para re-

ceber o dinheiro. Caso não tenha, deve ser feita a higienização das mãos após o manuseio do dinheiro. Nos casos de denúncia de falta de higiene, a Setec e a Devisa também fazem a retirada do ambulante. Foto: Flávia Coelho

Flávia Coelho pesar de, desde 2013, ser proibida a atividade de ambulantes em canteiros e praças públicas, por uma resolução criada pelo Serviços Técnicos Gerais (Setec), uma rápida passagem por esses locais comprova que a legislação não é cumprida e, muitas vezes, pode oferecer até riscos à saúde. Segundo o diretor técnico operacional da Setec, Alexandre do Valle, essa resolução teve que ser criada já que as praças estavam perdendo a característica de encontro familiar, mas, mesmo com a nova resolução, segundo Valle, 37% de todos os ambulantes de Campinas ainda estão irregulares. Nesses casos, são retirados pelos fiscais. Para recuperar os materiais, é preciso pagar 20% do valor apreendido. Em reincidên-

Ambulante vende espetinhos próximo ao ponto de ônibus do D. Pedro


Voluntariado

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O caminho da solidariedade

Reportagem do Saiba+ acompanha trajetória de agasalho da doação à entrega para novo dono Gustavo Lorón nas. A expectativa deste ano é que a campanha, iniciada no dia 09 de maio, atinja montantes maiores, já que agrega outras 18 cidades. Roupas sujas e rasgadas são descartadas. Ferreira separa as infantis, femininas e masculinas em caixas separadas. As doações para o público masculino são menos frequentes. Ele palpita: “Mulher consome mais. Homem não. Usa até o fim, até rasgar.” As roupas selecionadas são encaminhadas para organizações não governamentais (ONGs). O agasalho cinza deixado na caixa do D. Pedro já teve destino: foi para o Centro POP, no Centro de Campinas. A insO agente social Marcos Pereira entrega casaco a Amauri Carneiro da Silva tituição recebe cerca de 90 pessoas em situação de rua inclinaram para o televi- Silva, era o primeiro da rouparia. Poucas palavras. por dia e, além de repassar sor na hora da previsão do lista para ser atendido pelo Apenas esperou a doação e as doações, oferece banho e tempo. Provavelmente, foi assistente social. agradeceu ao posar timidacomida. Após uma consulta, fi- mente para câmera. Apresa preocupação com as temO agasalho foi guarda- peraturas mínimas. cou resolvido que o aga- sou-se para guardar seu do na rouparia. Enquanto Um senhor inquieto cir- salho cinza seria oferecido agasalho junto aos outros esperava por alguém, os culava pelo local. Ia e vinha a ele. Silva, nascido em pertences e logo desapareatendidos pela ONG se com pressa nos pés. Seu Araçatuba há 57 anos, en- ceu. O Inverno não permite ajeitaram nas cadeiras e nome, Amauri Carneiro da trou sem jeito dentro da muito papo.

Abrigos atendem só metade dos sem-teto Campinas tem 563 moradores de rua, mas apenas 220 vagas em entidades assistenciais

Jaíce Cris número de moradores de rua em Campinas diminuiu 12,3% neste ano em relação a 2014 passando de 642 para 563. Desse total, 85% são homens e 15% mulheres, de acordo com a Prefeitura. Para atender a esse contingente, a cidade tem apenas 220 vagas em sete pontos de acolhimento. De acordo com Leonardo Duart Bastos, psicólogo e coordenador do abrigo Antônio Fernando dos Santos, que atende parte dessa poFoto: Jaíce Cris

O

pulação, esse número pode variar, principalmente, pelo fato de que a última contagem foi feita em dia de chuva. A reportagem do Saiba+ entrou em contato com a Secretaria de Assistência Social da cidade para ter acesso ao relatório e a metodologia empregada para a contagem, mas não obteve retorno. Os pontos de acolhimento funcionam 24 horas por dia e se dividem em três tipos: as casas de passagem, que oferecem um abrigo mais curto, de três a seis meses; os que

Para Carlos Rodrigues, a “assistência social é falha”

podem se estender até um ano; e as repúblicas, que oferecem mais independência, com até um ano de estada. A coordenadora do programa de proteção social especial para a população de rua e idosos Cátia Rose Gonçalves diz que “a maioria das pessoas que vai para os abrigos é abordada por assistentes sociais nas ruas”. Esses abrigos, de acordo com Duart Bastos, buscam “oferecer um espaço protegido que potencialize a construção de um novo projeto de vida fora das ruas”. Carlos Roberto Rodrigues, de 50 anos, o Carlão, órfão desde os 5 anos de idade, está na rua há mais de 25 anos e na cadeira de rodas desde 1985, depois de ter levado um tiro. Ele mora em uma casa que foi fechada pela Prefeitura e sobrevive da sua aposentadoria. De acordo com Cátia Rose, entre os locais que atendem moradores de rua, existe uma residência inclusiva, também transitória, para quem possui alguma

deficiência física, que tem capacidade para dez pessoas. Carlão diz que a assistência social é falha, pois “eles falam que existem apenas 500 e poucos moradores de rua na cidade. Eles tão loucos? Existe muito mais!”. Todos os ambientes, contam com 18 a 20 funcionários, entre psicólogo, faxineira, cozinheira e assistentes sociais. Segundo Duart Bastos, na maioria dos casos, essas pessoas começam a trabalhar, “tanto é que durante o dia, poucos ficam por lá”. Além disso, depois que saem conseguem constituir família, ou até mesmo voltam a morar com os parentes. Voluntariado O déficit em abrigos faz com que muita gente ainda passe as noites pelas ruas, principalmente, no Centro. Para auxiliá-las e garantir o mínimo de condições, voluntários se mobilizam para levar comida e cobertores.

Um desses projetos é o Tive Fome, que reúne pessoas que vão às ruas para distribuir pães toda sexta-feira, a partir das 21h30. Além disso, recolhe doações para entregar a famílias carentes durante a semana. David Soares é o criador do projeto. Ele convidou alguns amigos e decidiram que, semanalmente, estariam nas ruas para ajudar. Hoje, 60 pessoas já fazem parte do grupo. Os pães e o leite com achocolatado entregues aos moradores de rua vêm de doações ou, então, os próprios integrantes do grupo rateiam os custos. Numa das sextas-feiras de voluntariado, o grupo de Soares cruzou, no Centro da cidade, com Jacson Souza, de 16 anos, e seus amigos. De bicicleta, os adolescentes doavam agasalhos e cobertores. Para poder ajudar, ele organiza campanhas na escola, no trabalho e no bairro Nova América, região Sul de Campinas, em que ele mora.

Foto: Gustavo Lorón

E

le é cinza, tamanho M, 55% algodão e 45% poliéster. A Campanha do Agasalho de 2015, que uniu pela primeira vez as cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC), foi um convite para esse agasalho deixar o canto do armário. O primeiro passo foi deixá-lo em um dos 120 postos de doação espalhados pela cidade, especificamente numa caixa colocada no Parque D. Pedro Shopping. Quando esses locais ficam cheios de roupas, sapatos e cobertores, são levados para um galpão, no Jardim Leonor, na região Sul. Lá, o agente operacional João Henrique Ferreira é o responsável pela triagem. No galpão da Prefeitura, há muitas caixas empilhadas. “Está assim porque é muita coisa. Não dá tempo de arrumar”, explica Ferreira. Em 2014, foram arrecadadas 15,7 toneladas de peças de vestuário, conforme o site da Prefeitura de Campi-


Cultura

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Se estivesse viva, a autora completaria 85 anos; centro cultural receberá R$ 800 mil

Foto: Victoria Monti

Hilda Hilst terá acervo reorganizado Victoria Monti

Foto: Divulgação

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e dedicado à criação artística desde que foi construída, em 1965. Por lá, passaram grandes nomes da literatura brasileira, como o escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996). Vermelha e retangular, a casa, com amplo quintal, foi transformada na sede do Instituto Hilda Hilst em 2015. Desde então, é coordenado por uma equipe liderada por Daniel Fuentes, produtor cultural presidente do Instituto, e sua mãe, a artista plástica Olga Bilenky. Os dois herdaram a casa e lutam pela sua preservação. Os 800 metros quadrados de área construída representam cerca de 10% da área total da propriedade, que é cercada por um jardim farto, a figueira mística e dez cachorros, que transitam livremente entre caixas de papelão, o portão, pol-

asceu em Jaú, São Paulo, no dia 21 de Abril de 1930. Em 1948, entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco), formando-se em 1952. Em 1966, mudou-se para a Casa do Sol, onde morreu em feverei-

tronas de couro espalhadas ao redor do pátio central e o banco de madeira da cozinha. Atualmente, a equipe do instituto trabalha na organização de todas as peças de Hilda que estavam na exposição “Ocupação Hilda Hilst” no Itaú Cultural, em São Paulo, entre fevereiro e abril deste ano. O objetivo é unificar e catalogar livros, textos, fotos e cartas da autora. A artista plástica Olga Bilenky, amiga de Hilda e moradora da casa desde 1976, realça a importância de reunir o legado da autora: “Os livros da Hilda são tão importantes porque neles você encontra a gênese da obra dela. Todos estão grifados, tem anotações, pensamentos dela. É uma maneira de manter ela viva.” Parte do acervo está na

Foto: Victoria Monti

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o ano em que completaria 85 anos, Hilda Hilst terá seu acervo reorganizado na Casa do Sol, onde a poeta, ficcionista, cronista e dramaturga viveu a maior parte de sua vida, no Parque Xangrilá, em Campinas. Com verba de R$ 800 mil, cedida pelo Banco Itaú, o legado escrito e fotográfico da escritora será catalogado e arquivado em espaço com as condições ideais de preservação. O acervo vai ser disponibilizado online e gratuitamente em um site “gamificado”, com interface interativa. Além da biblioteca, cartas, manuscritos, fotos, vídeos e áudios estarão disponíveis. As visitas serão gratuitas. A casa da escritora, que morreu em 2004, foi um local de efervescência cultural

Biblioteca da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).Entretanto, muitos livros estão espalhados Brasil afora, como afirma Fuentes: “A Hilda era uma pessoa muito acolhedora e que gostava de dar presentes. Então, tem muitos amigos dela que tem um acervo riquíssimo em termos de qualidade, mas não em quantidade. O que nós queremos fazer não é recolher esses

Hilda Hilst ro de 2004. Participou, a partir de 1982, do Programa do Artista Residente, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Seu arquivo pessoal foi comprado pelo Centro de Documentação Alexandre Eulálio, Instituto de Estudos de

livros e trazer pra cá, mas sim catalogá-los e, quem sabe, digitalizar. Assim, os pesquisadores da Hilda podem localizar facilmente as obras”. Com as obras finalizadas, a Casa do Sol voltará a receber vivências artísticas a partir de julho. Dentre os planos, o Instituto planeja retomar as apresentações de teatro e realizar festas e shows no jardim.

linguagem, IEL, UNICAMP, em 1995, estando aberto a pesquisadores do mundo inteiro. Alguns de seus textos foram traduzidos para o francês, inglês, italiano e alemão. Em março de 1997, seus textos “Com os meus olhos de cão” e “A obscena senhora D” foram publicados pela Ed. Gallimard, tradução de Maryvonne Lapouge, que também traduziu “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. LIVROS Nos últimos dois anos, a venda de livros da autora aumentou em 200%, de acordo com Fuentes. “Antes mal dava para pagar a conta de luz, hoje já é um dinheiro que ajuda em outras despesas da casa”. O produtor acredita que o público jovem se identifica com a escrita de Hilda. De acordo com ele, a autora teria antecipado uma leitura não linear. Fuentes afirma que mais obras da autora serão lançadas. “Por baixo, com quantidade de coisas que tem aqui, vamos conseguir publicar mais uns dois livros”.


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Entrevista

08 de junho de 2015

Redução da maioridade: a favor ou contra? Defensora pública e promotor defendem seus pontos de vista

Luana Freire

A

defensora pública Juliana Belloque, que atua no tribunal do júri e integra o Núcleo Especializado de Situação Carcerária, acredita que a redução, ao contrário do que pensam os defensores, só contribuiria para a marginalidade no Brasil.

O

promotor Thales Cezar de Oliveira, da 2ª Vara da Infância e da Juventude, de São Paulo defende a redução da maioridade penal. Para ele, o adolescente tem plena consciência de que está praticando um crime, mas a impunidade não o faz se preocupar com as consequências.

Fotos:Divulgação

Como você vê a redução da lo, é isso que os políticos fazem maioridade penal para 16 anos? atualmente, é falta de seriedade, não tem outro jeito de caracteriEu sou contra. Tirar a pessoa da zar ou explicar isso. A gente tem liberdade não contribui para a usado o Direito Penal no nosso inserção social e sim para sua País como uma desculpa, verdamarginalização. A privação da li- deira escusa, justificativa para o berdade é um paradigma equivo- não desenvolvimento das polícado. Essa situação não melhora ticas públicas e não desenvolvia diminuição da criminalidade, mento da segurança. Você enpelo contrário, só aumenta. É frenta o problema da segurança importante dizer que o que o com política pública, fortaleciadolescente cumpre não é pena e mento da polícia, mais inteligênque esse problema é muito mais cia nas investigações, controle das fronteiras para que não ensocial do que real. trem drogas. Enfim, uma série de A reincidência em presídios é políticas, não estou só falando da muito maior que na Fundação educação. Casa. Reduzir a maioridade penal não incentiva os adolescen- Um dos problemas nas penites a cada vez mais se profissio- tenciárias do estado é a superlotação. Esses presídios estão nalizar no crime? preparados para receber os meSim. Os índices de reincidência nores? dos menores ainda são menores do que os adultos, isso é mui- Lógico que não, os presídios e to importante ressaltar. Colocar Centros de Detenções Provisóesses jovens nas penitenciárias rios (CDPs) estão extremamensignifica aumentar os índices te lotados. A cada dia que pasde reincidência. Se os índices já sa, as prisões se tornam mais estão ruins, com a redução da sistemáticas, mantendo o país maioridade só vai piorar e não como a 4º maior população carcurar. A gente tem que marte- cerária no mundo. “Não é nelar muito nesse dado. Sem dú- cessário prender mais, porém, vida nenhuma, a violência com prender melhor, prender os os jovens também vai acontecer grandes” para a gente começar e continuar crescendo com eles a mexer nos nós da segurança pública do País. A gente só tem nas penitenciárias. prendido pé de chinelo que não A redução da maioridade penal muda nada o número de tráfico, é vista por boa parte dos brasi- não muda em nada o número de leiros e da classe política como tráfico de armas, o número de uma das soluções para a violên- homicídios, latrocínios e roubos. A gente só está prendendo cia. A senhora concorda? aquela pessoa que não está afe O que é a redução da maioridade tando a sociedade em termos penal? É a política do espetácu- de insegurança.

Como você vê a redução da Um levantamento que fizemos, maioridade penal para 16 anos? sem qualquer caráter científico, com um grupo muito pequeno, Sou favorável, não como forma mostrou que, dos jovens de 18 a milagrosa para a solução da crimi- 20 anos, presos pela primeira vez nalidade no Brasil. A solução para na área criminal comum, mais de a criminalidade somente pode 80% tiveram alguma passagem ser dada por meio de um conjun- pelo sistema da justiça da infânto de medidas e investimentos cia e da juventude. Isso nos dá nas políticas públicas primárias um indicativo de que a reincidên(saúde, educação, saneamento cia é muito maior. A chance de se básico, instrumentos urbanísti- profissionalizar no crime é muito cos de cidadania, etc). Defendo maior quando o cidadão ingressa a redução por uma questão de no sistema prisional ou na Fundaabsoluta justiça. O adolescente ção Casa e sai de lá em seis mehoje tem plena consciência de ses. Quando ingressa no sistema que está praticando crime, mas, carcerário e fica uns 10 anos, não ciente de sua impunidade, não se se profissionaliza. Quanto maior preocupa com as consequências. a pena, menor é o índice de reinSe pode matar, roubar, estuprar, cidência. praticar roubos e latrocínios, por que não pode responder por seus A redução da maioridade penal atos? Por que 16 anos? As nossas é vista como prioridade para seestatísticas indicam que o ado- gurança pública e vista por boa lescente ingressa na criminalida- parte dos brasileiros e da classe de violenta a partir dessa idade. política como uma das soluções Antes disso, os atos infracionais para a violência no país. O sesão, como regra, praticados sem nhor concorda? violência à pessoa. Não, mas é efetivamente uma A reincidência em presídios é contribuição. Os adolescentes muito maior que na Fundação têm consciência do ato e da falCasa. Reduzir a maioridade pe- ta de punição e isso os encoraja a nal, não incentiva os adolescen- praticar os crimes. Só para se ter tes a cada vez mais se profissio- uma ideia, recebia adolescentes nalizar no crime? que me perguntavam em qual vara o processo deles estava. Por Não há no Brasil nenhuma pes- quê? Simples: eles já sabiam até quisa séria sobre a reincidência na os posicionamentos dos juízes área dos adolescentes. Os núme- das varas da infância e juventuros da Fundação Casa são menti- de. O adolescente sabendo que rosos, por uma simples razão: o a responsabilidade deles será do adolescente entra aos 16 ou 17 Código Penal e que poderá pegar anos e sai de lá já como maior. Se 12 anos de cadeia e não apenas ele reincidir, não entrará nas uns nove meses de internação, estatísticas da Fundação, mas certamente, pensará melhor ancomo primário na área criminal. tes de tirar a vida de alguém.


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