Saiba+ - Edição Maio de 2014

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40 Anos sem Vlado Jornalista Audálio Dantas faz debate sobre seu livro na PUC-Campinas

Desde 2006

05 de maio de 2014

Divulgação

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Faculdade de Jornalismo - PUC Campinas

Agentes de saúde atribuem epidemia de dengue a descaso da população Foto: Beatrice Costa

Contrariando a ideia de que o risco de dengue é maior nas regiões periféricas da cidade, a região Norte de Campinas, da qual faz parte o distrito de Barão Geraldo, considerado um polo intelectual, chega a 4,5 mil casos da doença de um total de 17 mil (27%). O descaso dos moradores, principalmente de estudantes, é uma das causas do aumento de casos, de acordo com especialistas. Pág. 3 Nebulização contra dengue na Moradia da Unicamp em abril: emergência

Mercado da moda cria nichos para pessoas com deficiência

Foto: Marcella Contrucci

Com a proposta de integrar pessoas e tipos de corpo que a indústria muitas vezes não abrange, estilistas desenvolveram a “moda inclusiva”: uma opção de vestuário prático e confortável para quem tem algum tipo de deficiência. O preço das peças, porém, ainda é muito alto. Pág. 5

Como o brasileiro se comunica com os gringos? Repórter do Saiba+ vive a experiência de ser estrangeira e tenta se comunicar em inglês no shopping ao lado do estádio onde será realizada a abertura da Copa do Mundo. O resultado é falta de preparo dos atendentes e situações embaraçosas.

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Foto: SaferNet Br / Divulgação

Maria Bozzer e a filha Vitória em desfile de moda inclusiva

Denúncias de divulgação de cenas íntimas crescem 110%

Campanha da SaferNet: “A internet não guarda segredos, mantenha sua privacidade offline”

O registro de denúncias da divulgação sem consentimento de conteúdo íntimo sexual aumentou 110% no País em 2013, segundo dados da organização não governamental Safernet, especializada em direitos humanos da rede mundial de computadores. Apesar de situações como essa serem enquadradas como crimes de calúnia e difamação, as vítimas esbarram-se na lentidão da Justiça. O Saiba+ ouviu especialistas nesse tipo de crime e também pessoas que sofreram com a divulgação desse tipo de conteúdo. Pág. 6


Editorial

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RÁPIDAS

CARTA AO LEITOR

Frota de ônibus acessível cresce para 55% Campinas atingiu a marca de 55% de ônibus acessíveis, com elevador para acesso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, botão de parada com indicação em braile, espaço para cadeirante, além de bancos para idosos, obesos e gestantes. Esse número foi conquistado a partir da chegada de 29 novos veículos no início de abril. Os ônibus vão atender as regiões de Barão Geraldo, Centro, Cambuí e Vila Formosa, beneficiando 17,7 mil passageiros. Entre os 29 carros, um deles foi pintado de verde e amarelo, uma maneira diferente encontrada pela Prefeitura para comemorar o milésimo ônibus da empresa e também como forma de torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo. O ônibus colorido irá circular, por períodos determinados, em diversas linhas.

sta edição do Saiba + é produzida pelos alunos de Jornalismo da turma 42 da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e traz na série “Campinas 240 anos” um resgate das obras de ficção que se ambientam no período histórico da cidade. Já quando o assunto são os crimes cometidos na internet, uma reportagem aborda o crescimento de 110% desde 2013 no número de denúncias em casos de revenge porn, em que há o envio sem consentimento de fotos íntimas. O número de casos de dengue na cidade – que até o fechamento dessa edição estava em 17 mil – e o descaso da população no combate ao transmissor Aedes aegypti é outro assunto presente nesta edição. Há pouco mais de um mês da Copa, uma reportagem especial traz a repórter Mariana Andrade mostrando como o comércio está se preparando para receber os turistas durante o período dos jogos. Esta edição também traz a contextualização da moda inclusiva que atua como opção de vestuário para quem possui algum tipo de deficiência, além de mostrar a palestra dada pelo Jornalista Audálio Dantas relembrando a vida do jornalista Vladimir Herzog e o cenário da audiodescrição em Campinas.

Sesi traz mostra “O Olhar do Minotauro” Até o dia 11 de maio, o Sesi Santos Dumont recebe a mostra fotográfica “O Olhar do Minotauro”, que apresenta a visão de mundo do fotógrafo Renan Rosa. Ao todo, dez painéis fazem parte da mostra, que propõe a compreensão da diversidade cultural, para provocar um reflexo sobre a consciência social por meio de imagens de povos ancestrais espalhados pelo mundo. O Sesi fica localizado na Avenida Ary Rodriguez, 300, a visitação é gratuita e pode ser vista às segundas, quartas e sextas-feiras, das 8h às 17h. Foto: Renan Rosa

Coquetéis campineiros em disputa mundial Pela primeira vez, um bartender campineiro passou para a final brasileira do Diageo World Class, maior campeonato de coquetelaria do mundo. Ed Carneiro chamou a atenção por seus drinques inusitados: o Tropicália, que mescla polpa de açaí com bitter de banana caseiro e o Ketel Lompen, preparado com cerveja de trigo e molho de pimenta. Ao todo, dez finalistas de quatro cidades – São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Campinas – disputarão o título de melhor bartender do país na Final Brasil, no dia 19 de maio. Além do título, o vencedor vai concorrer com mais 49 bartenders na etapa mundial, que ocorrerá no Reino Unido. O vencedor da etapa final fará um tour mundial de um ano como embaixador do Diageo World.

Expediente Jornal-laboratório produzido por alunos da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas. Centro de Comunicação e Linguagem (CLC): Diretor: Rogério Bazi; Diretora-Adjunta: Cláudia de Cillo; Diretor da Faculdade: Lindolfo Alexandre de Souza. Tiragem: 2 mil. Impressão: Gráfica e Editora Z Professor responsável: Fabiano Ormaneze (Mtb 48.375). Edição: Larissa Alves Edição de capa: Larissa Alves Diagramação: Luis Fernando Moreira

E

Boa leitura!

CRÔNICA

Daltonismo: vida sem cor? FELIPE CIFARELLI ESTUDANTE DE JORNALISMO

Lá pelos meus 8 anos, enquanto cursava o que costumávamos chamar de segunda série do Ensino Fundamental, a professora Gislene ensinava os alunos a pintar a bandeira do Brasil. Nada mais comum, afinal, era ano de Olimpíada, mais precisamente a de 2000. A professora teceu as cores e as formas na lousa, e pediu que fizéssemos um desenho a partir do dela. Terminei o desenho e esperei que a dona Gislene viesse avaliá-lo. Para surpresa da pedagoga, a parte da bandeira que deveria ser verde, tornou-se bege nas formas que desenhei. “Será que você não prestou atenção? Essa parte da bandeira é verde! Pode fazer tudo de novo!”, disse com veemência. Fiquei constrangido e não entendi, de verdade, qual era o problema. O meu erro era nada mais do que aquilo que chamam de uma “perturbação da percepção visual”. Ser daltônico significa que a pessoa é incapaz de diferenciar todas ou algumas cores. Na maioria das vezes, não se consegue diferenciar vermelho e verde. Desde então, meus erros eram destacados durante toda a infância: o mais comum era quando desenhava uma árvore que ganhava folhas marrons e o tronco verde. Era muito comum desenhar casinhas também. Mas as minhas, especiais, por vezes ganhavam um telhado marrom. Com o tempo, aprendi que, para meus desenhos, precisava que os amigos me indicassem as cores, dando-me os lápis correspondentes aos tons que eu identificava pela bagagem cultural. Passei a saber, por exemplo, que o tronco era marrom, embora eu, sozinho, até hoje, não consiga

diferenciar um lápis dessa cor de um verde. Já mais velho, nada mais comum do que ouvir dos amigos: “Felipe, que cor é aquela?”, apontando para qualquer objeto que eu pudesse responder errado, o que para todos sempre foi engraçado. Alguns até acham fofo. Nunca me importei com as brincadeiras, por vezes até ria. Na faculdade, todo mundo me perguntava como me sairia na prova de Semiótica, em que um dos conteúdos eram os sentidos gerados pelas cores. A resposta é simples: as cores têm sentidos culturais, que independem da minha diferenciação. A vida segue normal para um daltônico. Por vezes, durante aulas de genética, fui citado como exemplo para toda a sala: os cones, células dos olhos sensíveis à cor, nasceram comigo em menor número. Em alguns casos, eles também perdem parte de sua função. Há uma razão genética para isso: meu avô também é daltônico. Lógico que a dona Gislene não soube dar esta explicação e tampouco identificar qual era o meu problema, mas isso nunca foi um incômodo. Exceto pelo exame médico para tirar habilitação: até hoje, quando o médico piscou as cores do semáforo, não sei se foram respondidas corretamente. Hoje, quando estou dirigindo, me oriento pela ordem das luzes que se acendem. Na hora de escolher uma roupa, as cores, decisivas para a maioria, não fazem muita diferença para mim. “Mas o mundo não tem cor para um daltônico?” – perguntaram-me certa vez. Claro que tem. Eu só não sou capaz de diferenciá-las.


Dengue

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Falta senso de responsabilidade, diz biólogo Região Norte da cidade chega a 4,5 mil casos da dengue e é a mais afetada da cidade, segundo Prefeitura Beatrice Costa

Infográficos: Bárbara Mangieri

O responsável pelo programa de dengue da Vigilância em Saúde (Visa) Norte, Ovando Provatti, afirmou que o descaso de moradores da região, com destaque para estudantes residentes do distrito de Barão Geraldo, é a principal causa da epidemia que já tem mais de 17 mil casos confirmados em Campinas. A região Norte, que abriga o principal eixo universitário da cidade, lidera o ranking de casos confirmados, com quase 27% do total, ou seja, 4,5 mil. Segundo o biólogo, até pouco tempo, algumas pessoas acreditavam que a dengue era um problema exclusivo de áreas sem saneamento, mas a atual situação da região, uma das mais desenvolvidas da cidade, comprova o erro desse pensamento. “São piscinas em péssimas condições sanitárias, garrafas e outros recipientes jogados em quintais das repúbli-

peza de locais em que o lixo é jogado de forma clandestina, o número de casos confirmados da doença entre moradores da área aumenta a cada dia. “A dengue não está ligada somente ao lixo abandonado. Muitas vezes, ela se prolifera dentro de casa e a população não tem aquele olhar técnico, que identifica um vasinho de planta ou a água do cachorro enquanto focos da doença”, explica Valdir Terrazan, subprefeito do distrito. O caseiro Wagner Pessoa reconhece o perigo da doença. Morador de Barão Geraldo há dois anos, ele viu sua mulher, o proprietário da casa de que é responsável pelos cuidados e um colega de trabalho terem a doença e percebe o descaso da vizinhança. “A população, principalmente os estudantes que moram aqui na região, precisa ajudar. Muita gente critica os órgãos públicos, mas não faz o que tem que fazer. Informação é o que não

cas em uma das áreas mais nobres e esclarecidas de Campinas, não dá para negar”, defende. A Vila Santa Isabel, bairro localizado próximo à Moradia Estudantil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é a que mais sofre com a proliferação de criadouros do mosquito Aedes aegypti, o principal vetor da doença. Mesmo com a intensificação das ações preventivas por parte da subprefeitura de Barão Geraldo e da Visa Norte, como a constante lim-

falta”, acredita. Todos os anos, a Prefeitura segue a recomendação do Ministério da Saúde para a prevenção e reversão de epidemias da dengue. Inicialmente, uma pesquisa larvária, que identifica focos e criadouros, feita em alguns momentos do ano, guia visitas em massa pelos bairros. Além disso, vistorias de rotina ocorrem a cada mês, mas, segundo a subprefeitura de Barão, é impossível contemplar toda a região. Ações educativas e trabalhos em parceria

Fotos: Beatrice Costa

Biólogo e subprefeito de Barão Geraldo iniciaram as vistorias em casas abandonadas

com comunidades como igrejas e centros de saúde complementam o grupo de principais medidas adotadas. Ainda que sejam constantemente citados nas campanhas de prevenção da dengue, os pneus, caixas d’água e calhas lideram como criadouros em Campinas, por caracterizarem-se como focos de difícil descarte e acesso para limpeza. Para auxiliar no combate ao mosquito, caminhões da Prefeitura buscam pneus velhos em borracharias. Telas são instaladas nas caixas d’água com a ajuda do Exército. Em meio ao surto da doença, ações mais localizadas e específicas acontecem na cidade. No mês de abril, por exemplo, os residentes da Moradia Estudantil se mostraram descontentes com a nebulização, o chamado fumacê, que elimina criadouros, promovida pela Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) a pedido da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

do vetor foram iniciadas, com atraso de 11 dias desde a autorização judicial. Orientações A visita dos agentes de saúde é considerada muito eficaz pelos especialistas para o combate à epidemia. Por esse motivo, a agente comunitária de saúde Ana Rosan faz um apelo para que os moradores da região Norte chequem constantemente possíveis focos de larvas e os recebam em suas casas. “Muitas vezes recebemos denún-

cias de criadouros, mas não tem ninguém para abrir a porta para nós. Isso dificulta imensamente nosso trabalho e aumenta os riscos para todos os moradores daquele local”, afirma. No caso de pessoas que apresentem sintomas da doença, tais como febre alta, dores de cabeça, falta de apetite, moleza e manchas vermelhas na pele, a recomendação de Rosana Capeletti, diretora do Centro de Saúde de Barão Geraldo, é procurar imediatamente atendimento médico, beber muita água e fazer repouso.

Prefeitura Por parte da Prefeitura, vistorias em imóveis desabitados ou abandonados para a eliminação de focos de proliferação

Nebulização (fumacé) da Moradia Estudantil da Unicamp


Copa do Mundo

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Uma ‘gringa’ no shopping Repórter passa-se por estrangeira, para testar nível de inglês nos arredores da abertura do estádio da Copa Mariana Ignacio

Era começo de tarde de um domingo ensolarado. Mês: Abril. Local: Shopping Metrô Itaquera. Mesmo em ano de Copa, ninguém esperava que, às 13h do dia 6, uma “estrangeira” chegasse ao centro de compras causando dúvidas e até um certo desespero. Gringa: eu mesma. Vestida com uma jeans larga, camiseta de Londres, cabelo em rabo de cavalo amarrado de lado e óculos Ray Ban, que não tirei por nada, entrei no shopping com um objetivo: testar como as pessoas estavam se preparando para, em junho, saber lidar e vender aos estrangeiros que irão frequentar o espaço por conta dos jogos no Estádio Itaquerão, onde será realizada a abertura da competição, do outro lado da avenida. Metodologia

utilizada: falar inglês o tempo todo. Se, minutos antes, ainda no metrô, as pessoas olhavam com certa estranheza a presença de alguém conversando em inglês com outras duas garotas, minha irmã Jade e minha amiga Luiza, no shopping as diferenças linguísticas se acenturam. Poucos souberam como responder aos questionamentos feitos por mim sobre os produtos ou serviços. Até por isso, levei mais duas pessoas, que podiam me auxiliar e me tirar de situações vergonhosas... E evitar que eu fosse “enganada”. A recomendação para as meninas era de que entrássemos nas lojas, elas para um lado e eu para o outro. Ou fingissem que estavam conversando e não prestando atenção no que eu tinha dúvidas. O resto era

por minha conta. Fazer perguntas simples como o preço de um produto, pedir por uma outra cor ou tamanho e esperar uma resposta compreensível. Primeiro entramos numa conhecida loja de perfumes e cosméticos. Como sempre acontece, a vendedora veio oferecer ajuda. As meninas responderam que estavam “dando uma olhadinha”. Até aí, tudo muito típico de um dia comum. Distanciei-me e comecei a ver maquiagem. Fui até a vendedora e perguntei se ela tinha um produto de outra cor. A pergunta: Do you have a colored one? Reação dela: espanto. Ela não sabia me responder, mas também não sabia o que eu tinha perguntado. Os segundos de silêncio que se sucederam deram tempo de minha irmã perceber que não sairíamos dali e nos ajudou. Seguimos para a outra loja de maquiagem. A atendente veio oferecer ajuda. Como não podia entender o que ela falava, afinal eu era estrangeira naquele momento, chamei pela Jade, com seu apelido que me daria menos trabalho para enrolar a língua e pareceria bem inglês: “Jay!”. Questionei sobre outra cor

de rímel, da mesma maneira que na primeira loja. Ela foi categórica e correta: “I don’t speak English”. Pelo menos ela soube dizer que não falava... Pedi desculpas. Jade e Luíza me ajudaram. Já era hora de tentar almoçar. Numa famosa rede de fast food apostei que, pelo menos, entenderiam o pedido. Bem simples: “Do you have nuggets?” Todo mundo entende o que são nuggets. Mas, no começo, o rapaz ficou um pouco atordoado. Insisti: “Nuggets?” Agora sim, ele entendeu e respondeu: “Tem de cinco e tem de dez”, referindo-se à quantidade possível de unidades numa caixa. Claro que tive que fazer cara de espantalho. Quem fala o idioma espanhol até poderia entender, mas as palavras “cinco” e “dez” não habitam idiomas anglo-germânicos. Mais uma vez, precisei de ajuda. Um comentário do rapaz ao seu colega, notado avidamente pela Luíza, foi quase que um desabafo: “A moça começou a falar inglês comigo e eu não sabia o que fazer”. Antes de ir embora, precisava tentar mais uma vez, para garantir. Entramos numa loja cara, não

havia preços em algumas peças, o que para mim era uma oportunidade ótima. Enquanto as meninas viam casacos, peguei um sapato e perguntei à vendedora: “How much is it?”, fazendo sinais com as mãos. Ela entendeu e respondeu: “215,00”, curta e grossa. Continuei com cara de paisagem, afinal essas são outras palavras desconhecidas no inglês. Desta vez, Lu me ajudou e Jade me respondeu em números. Saímos do shopping um tanto insatisfeitas. Eu realmente acreditava que as pessoas se esforçariam mais, ainda que não esperava que elas soubessem como responder corretamente, esperava que pelo menos tentassem. A Lu até desistiu da brincadeira, já de saco cheio de falar inglês. Mas tínhamos que manter a identidade até pelo menos a Estação da Sé, onde pegaríamos outro trem para a Zona Norte. Uma pontinha de simpatia e esperança veio entre as 11 estações que estávamos percorrendo no caminho de volta. Bati na mão de uma senhora, sem querer. Ela percebeu que estávamos falando inglês e pediu desculpas num singelo “Sorry”...

5 mil estrangeiros são esperados em Campinas Campinas espera receber 5 mil turistas entre os meses de junho e julho deste ano por ocasião da Copa do Mundo. A Diretoria de Turismo da Prefeitura afirma que, mesmo não sendo cidade-sede da competição, é possível que Campinas acolha jornalistas e pessoas que queiram acompanhar as seleções de Portugal e Nigéria, que estarão por aqui. Segundo a diretoria, são 40 hotéis na cidade que tem capacidade para hospedar turistas. O retorno financeiro desses turistas seria de R$3 milhões, vin-

dos de gasto com hospedagem, alimentação, passeios e compras. Além disso, as delegações de Portugal e Nigéria também estarão na cidade, o que pela conta da Prefeitura irá gerar um retorno econômico de mais R$ 2 milhões. A Federação Internacional de Futebol (Fifa) já se mostrou preocupada em relação ao turismo estrangeiro no Brasil. A cartilha publicada pela entidade em sua revista semanal FIFA Weekly, em março, alerta os viajantes para dez práticas comuns ao brasileiro, revelando alguns aspectos

culturais como o atraso e o “jeitinho brasileiro” de se fazer as coisas. Em pauta, o item 8 chamou atenção: “A língua espanhola não vale”. Entendida como uma crítica pelos brasileiros, a publicação atentava para o fato de que os turistas não devem tentar se comunicar em outro idioma a não ser o “brasileiro”, que segundo a entidade máxima do futebol mundial é uma variável do português. Para a Diretoria de Turismo de Campinas isso não é um problema. A Prefeitura afirma que tem se preparado para receber

os estrangeiros oferecendo um serviço de Disk Turismo, atendimento telefônico disponível em vários idiomas com orientações e informações básicas como transporte, hotéis, gastronomia e emergências de saúde. Além disso, haverá um City Tour gratuito aos pontos turísticos da cidade e um site com informações gerais da programação cultural e gastronômica para a época. Os serviços do Aeroporto de Viracopos também estão sendo melhorados. A Prefeitura e a empresa que administra Viracopos es-

tão com um projeto de ensino da língua inglesa para cerca de 300 pessoas, desde o semestre passado. Mas a realidade no comércio não é a mesma. O vendedor Leonardo Valente, de 24 anos, trabalha numa loja de calçados e artigos esportivos no Parque D. Pedro Shopping. Segundo ele, embora ao estabelecimento esteja ciente da presença de turistas, apenas dois dos 28 vendedores da loja falam outro idioma. “Muitas vezes o gringo faz gestos, mostra camisa, faz gesto de bola e a gente ‘se vira’ com eles”, afirma.


Inclusão

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Crescem iniciativas culturais com audiodescrição

Acompanhamento sonoro auxilia cerca de 18,8% que têm níveis graves de dificuldade visual no País

Layane Fonseca

Imagine ir ao cinema e não poder entender o que se passa entre o silêncio que marca a sequência entre duas cenas ou ir a uma exposição e apenas tatear as reproduções em busca de alguma compreensão. Essa é a sensação que cerca de 3% da população de Campinas, que tem deficiência visual, vivencia quando vai em busca de atividades culturais. No Brasil, de acordo com dados do Censo Demográfico 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 18,8% da população que tem algum grau grave de deficiência visual. O recurso da audiodescrição, ainda em implantação no País, tornaria possível a inclusão dessas pessoas nas atividades culturais. A técnica consiste em produzir explicações em áudio ou voz que acompanhe filmes, exposições, peças de teatro ou até cenas de televisão. Jean Braz Costa, de 30 anos, é cego e conta que, em exposições ou apresentações culturais às quais esteve presente, a audiodescrição seria o fator fundamental para o total entendimento. “Esse recurso complementa uma informação que apenas pelo

Foto: Layane Fonseca

toque eu não consegui perceber. Uma pessoa que não está acostumada a frequentar exposições tem dificuldades para compreender as obras por parte, até formar um todo. Com a audiodescrição há orientação, uma complementação”, afirma. De acordo com a audiodescritora da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, Bell Machado, é “esse recurso que permite a verdadeira inclusão cultural e social. Ela permite que, por meio do audiodescritor, recebam informações sobre imagens, paisagens, cenários, a arquitetura da cidade, as ruas, figurinos, expressões faciais, linguagem, entre outros”. A audiodescrição ainda é um sonho para a maioria. Até este ano, não existiam cursos em especialização para o recurso. O primeiro, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em parceria com a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, teve início no dia 20 de março. No Brasil, alguns trabalhos culturais voltados para a inclusão são feitos por meio da audiodescrição. Até o mês de março, o Memorial da Inclusão de São Paulo, recebeu a expo-

sição "Sentir prá Ver: Gênios da Pintura na Pinacoteca de São Paulo", com 14 reproduções fotográficas. Voltada para pessoas com e sem deficiência, a exposição acontece em um ambiente 100% acessível, com piso tátil e com recursos de acessibilidade para ampliar o conhecimento e a apreciação da arte por meio de todos os sentidos. As obras eram feitas em relevo e em maquetes, além de extratos sonoros, poemas e textos investigativos disponibilizados em dupla leitura, a tinta com letras ampliadas e o braile. A pintura em óleo sobre tela de Berthe Worms, por exemplo, nomeada como Saudades de Nápoles, de 1895, foi reproduzida em uma maquete tátil. Em Campinas, a escultora Simone Kestelman retratou algo semelhante na exposição multissensorial “Maravilhas”, que esteve em cartaz no Parque D. Pedro Shopping em fevereiro. Esculturas tridimensionais feitas de vidro para serem tocadas contavam com a audiodescrição em gravações em áudio, acessadas por meio de fones de ouvido. Elas são representações de importantes monumentos e símbolos nacionais, como o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, e os Lençóis Mara-

Oficinas de acessibilidade realizadas no MIS de Campinas

nhenses. Costa ressalta a importância de incentivar projetos como este nos quais não há separação de público. "As obras da Simone, por exemplo, são pensadas para todos os públicos, afinal todo mundo quer ter acesso à cultura, o que falta são oportunidades e recursos”, diz. A partir de abril, em Campinas, serão promovidas oficinas no Museu de Imagem e Som (MIS) voltadas para o público com deficiência visual. São 20 vagas para o programa que inclui 16 encontros, todas as terças e quintas, das 14h às 16h, no mu-

seu. Ao longo de três meses, os participantes farão uma imersão pelo acervo de músicas, fotografias e vídeos do MIS, além de produzir, coletivamente, uma exposição itinerante. Para a secretária de Direito das Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida de Campinas, Emmanuelle Garrido Alkmin, que tem deficiência visual, não basta ter eventos culturais acessíveis sem antes conscientizar as famílias. “A secretaria trabalha pela autonomia da pessoa de uma forma geral, dando oportunidade de se relacionar sozinha com o mundo", afirma.

Educação

Moda inclusiva aumenta a autoestima Elaboração de peças com características adequadas às deficiências ainda é pequena no Brasil

Marcella Contrucci

Para muitas pessoas, a dificuldade na hora de comprar uma peça de roupa é decidir o modelo. Já para quem tem uma deficiência física, motora ou visual, a dificuldade é outra: a falta de opção. Para isso, surgiu a moda inclusiva. Esta é uma proposta que pretende integrar pessoas e tipos de corpos que a indústria, muitas vezes, não abrange. De acordo com a Assessora Técnica de Gabinete na Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Daniela Auler, a prática gera autonomia às pessoas com deficiência, além de proporcionar modelos com aspec-

tos ergonômicos, mobilidade e funcionalidade, sem esquecer as tendências. A importância da moda inclusiva para Daniela é grande: “Modelagens pensadas democraticamente geram a autoestima da pessoa com deficiência. Quanto mais pessoas forem incluídas no sistema da moda, mais o mercado cresce e mais pessoas conseguem se sentir bem no dia a dia.” Com o objetivo de valorizar essa iniciativa, foram criados dois projetos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência: o concurso de Moda Inclusiva e o Fórum Internacional de Moda Inclusiva

e Sustentabilidade, sediado na capital paulista. A fisioterapeuta e desenvolvedora da marca Lado B Moda Inclusiva, Dariene Rodrigues, acredita que “a inclusão total depende de um conjunto de ações que permita às pessoas com deficiência se sentirem integradas à sociedade”. As peças inclusivas têm alguns diferenciais como fechamentos com velcro, elásticos, aberturas na região frontal para facilitar o cateterismo, entre outros. A simples posição de um bolso pode mudar não só a aparência, mas também a funcionalidade e conforto. Para quem usa cadeira de rodas, por exemplo, os bolsos precisam estar na

parte da frente. Apesar de ser um mercado crescente, a moda inclusiva não está acessível para todas as pessoas, pela dificuldade de encontrá-las nas lojas e pelo preço. Uma calça, por exemplo, não sai por menos de R$ 180,00 na loja vitual de Dariene. Maria Bozzer, mãe de Vitória, que tem síndrome Crie-du-chat, que causa mau desenvolvimento físico e mental, tem dificuldade para encontrar roupas para a filha. “A moda inclusiva é importante porque no caso dela, que tem baixo peso e tamanho de uma criança de 9 anos, sempre tenho que mandar consertar.”

OS NÚMEROS DA DEFICIÊNCIA NO BRASIL:

18,8% têm dificuldade para enxergar,

mesmo com óculos ou lentes de contato;

2,5% da população brasileira é cega; 7% dos brasileiros têm algum tipo de

deficiência motora;

5,1% têm algum

tipo de deficiência

auditiva.


Internet

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Denúncias de revenge porn aumentam 110% Vingança contra ex-parceiros usando fotos e vídeos íntimos já é preocupação para ONG que defende os jovens na rede “Não me arrependo porque fiz por amor, com uma pessoa que eu amava e em quem confiava. Só que isso não deveria ter sido mostrado para ninguém”. A confissão - feita à TV Anhanguera, de Goiás, e publicada em outubro do ano passado - é de Francyelle dos Santos Pires, de 19 anos, que ficou mais conhecida como “Fran” quando seu caso ganhou repercussão na mídia. A goiana teve quatro vídeos de conteúdo sexual espalhados pelo ex-parceiro Sérgio Henrique de Almeida Alves, de 22 anos, por meio do aplicativo móvel WhatsApp. Além dos filmes, o link do perfil do Facebook e o telefone da vítima também foram expostos. A psicóloga Juliana Cunha, da SaferNet Brasil – ONG que atua em defesa dos direitos humanos na rede -, diz que os jovens encontraram nos smartphones uma nova maneira de expressar sua sexualidade. “É prazeroso e, para muitos, também é uma prova de cumplicidade e intimidade com o parceiro”, avalia. A McAfee, empresa de segurança online, divulgou em fevereiro pesquisa realizada com 500 brasileiros de 18 a 54 anos com idade, gênero e localidade distribuídas de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os resultados revelam, entre outras coisas, que 54% dos jovens de 18 a 24 anos compartilham o conteúdo que recebem. Para Juliana, coordenadora da linha de atendimento psicológico da ONG, esse comportamento traz graves consequências para a vítima. “Isso pode incitar um verdadeiro apedrejamento moral dessas pessoas e faz com que elas se sintam envergonhadas e culpadas, invertendo sua posição

de vítima para responsável”, avalia. Assim aconteceu com Francyelle. Em pouco tempo, seu vídeo foi espalhado pela internet, seu nome ficou na lista de assuntos mais comentados do Twitter e milhares de internautas postaram fotos próprias e montagens com referência a Fran para zomba-la. Na reportagem exibida pela TV Anhanguera, Francyelle contou sobre o preconceito que sofreu: “Eu não cometi nenhum crime, mas pessoas me ofendem virtualmente e moralmente. Muita gente me chamou de vadia, prostituta”. A vítima, que foi afastada do trabalho e da faculdade, recebeu mais de 4 mil mensagens de desconhecidos do país inteiro no celular. Em entrevista ao Saiba+, Francyelle, agora com visual diferente para não ser reconhecida, diz que continua sem sair de casa e desempregada, mesmo passados seis meses desde que o caso ganhou repercussão na mídia. Ela faz parte de um contingente cada vez maior de mulheres que tem seus momentos íntimos expostos para julgamentos e humilhações públicas. De acordo com outra pesquisa, divulgada em abril e realizada pela SaferNet, os casos de vítimas de revenge porn (conteúdo pornográfico divulgado por motivos de vingança) dobraram em 2013. A instituição, que oferece desde 2012 um serviço de atendimento psicológico por chat ou email, revelou que, no total, 170 pessoas já pediram ajuda à ONG por terem seu conteúdo íntimo divulgado online. Entre 2012 e 2013, as denúncias aumentaram em 110%. Entre os atendidos, 77% das vítimas eram mulheres e quase 36% tinham entre

13 e 15 anos. A porcentagem de jovens de 18 a 25 anos que tiveram conteúdo íntimo compartilhado também é grande: 32,14%. Em relação à diferença de gênero, Juliana afirmou que as meninas sofrem mais por uma questão cultural. “As mudanças comportamentais são lentas e envolvem aspectos profundos da cultura e sociedade, mas é preciso que escola e família discutam mais abertamente sobre sexualidade e direitos sexuais”. Em curto prazo, existem mecanismos legais que podem contribuir para desestimular atitudes como essas. Quando descobriu, por meio de uma amiga, que os vídeos estavam sendo espalhados, Francyelle fez um Boletim de Ocorrência na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) de Goiânia, no dia 4 de outubro. Segundo a advogada Giselle Truzzi, especialista em direito digital, procurar a Delegacia da Mulher ou numa Delegacia Especializada em Crimes Virtuais é o primeiro passo a se tomar por quem tem seu conteúdo íntimo compartilhado na internet. “Tire prints de tela das publicações e liste todos os usuários e sites que publicaram o conteúdo, registrando os links e datas de acesso”, recomenda. Dependendo da gravidade do caso, é importante preservar essas provas registrando uma Ata Notarial em qualquer Cartório ou Tabelionato de Notas. O Tabelião deverá detalhar o ocorrido e inserir as imagens levadas pela vítima no documento, além de armazenar o conteúdo em um CD. “Como o Tabelião tem fé pública, qualquer documento lavrado por ele tem plena validade jurídica, ou seja, ninguém poderá contestar isso em um processo, nem mesmo o

Infográficos: Bárbara Mangieri

Bárbara Mangieri

Juiz”, explica a advogada. Por fim, Gisele recomenda que a vítima procure um advogado especialista em direito digital, que poderá identificar o autor responsável pelo vazamento do material. “Para provar quem fez a divulgação, é necessário um trabalho jurídico e de perícia. Isso inclui verificação da sequência de compartilhamentos e até a propositura de uma ação judicial”. Se a vítima já tem provas contra alguém, é possível iniciar uma demanda judicial pelo Juizado Especial Criminal (JECrim), localizado nos Fóruns de cada cidade. Casos como o da Francyelle podem ser enquadrados como crimes de difamação ou injúria, segundo os artigos 139 e 140 do Código Penal, apenados com detenção e/ou multa. Se o conteúdo mostrar menores de 18 anos, pode se enquadrar no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê reclusão de 3 a 6 anos e multa. Além disso, a Lei Maria da Penha permite que essa atitude seja considerada uma forma de violência psicológica contra a mulher, quando o ofensor é parceiro ou teve relação de intimidade com a vítima. “Normalmente, o crime é julgado com pena de detenção, cai no juizado espe-

cial criminal e pode ser punido com cesta básica e serviço comunitário. A Maria da Penha retira esse benefício e impõe pena de restrição à liberdade”, explica a especialista. Sérgio, ex-parceiro e principal suspeito de ter divulgado as imagens da moça, continua sem punição. Os vídeos ainda podem ser facilmente encontrados na internet também. “A justiça no Brasil para casos como o meu é lenta e não há punição justa. Estamos fazendo o possivel para tirar o vídeo de circulação, mas não conseguimos”, reclama a vítima. O Marco Civil da Internet - sancionado pela presidente Dilma Rousseff em 23 de abril promete facilitar a localização e punição dos responsáveis e acelerar o processo de retirada do conteúdo. A chamada “constituição da internet”, que entra em vigor em 60 dias, obriga os provedores de conteúdo a guardar os registros de acesso dos usuários por seis meses. Assim, fica mais fácil para a autoridade policial checar a cadeia de divulgação da foto ou vídeo e chegar ao ofensor. Além disso, o artigo 19 do texto também estende a punição ao site ou provedor de conteúdo que mantém no ar esse tipo de material, a partir do momento que ele for notificado pela pessoa exposta.


Memória

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Jornalismo e resistência 50 anos depois do golpe Em palestra na PUC-Campinas, jornalista e escritor Audálio Dantas aborda a produção de livro sobre Vlado Herzog Beatriz Pusso

ção do Sindicato dos Jornalistas, do qual foi presidente na década de 1970, além do apoio de muitos jornais e emissoras de televisão do País ao regime militar. “Hoje todo mundo fala em liberdade de imprensa, mas não exerceu liberdade durante o regime militar, não apenas porque a censura não permitia, mas também porque se omitia e se concordava com a violência dos militares”. Dantas, que atualmente dirige a revista Negócios da Comunicação (Editora Segmento) foi convidado em 2011 para ser presiden-

te da Comissão Nacional da Verdade dos Jornalistas, que busca esclarecer desaparecimentos e mortes de pessoas ligadas à imprensa durante os anos de chumbo. “Creio que é uma dívida que o País tem com o povo. Apontar os culpados dos sumiços e mortes naquela época é uma forma de memorar as vítimas e seguir em frente”, explicou o jornalista. E completou: “Não é possível mensurar, mas perdemos anos e anos do nosso desenvolvimento social e cultural”. O escritor, que era presidente do Sindicato dos Jor-

nalistas à época da ditadura militar, falou também sobre a importância das lutas populares atuais e da organização política, traçando um paralelo entre as manifestações de junho do ano passado com o culto ecumênico realizado em memória a Vladimir Herzog, dias após sua morte em 1975: “Este acontecimento marcou a luta pela liberdade de imprensa ao reunir jornalistas e, principalmente, estudantes na Catedral da Sé (em São Paulo). Quem faz essas coisas é o povo! A luta começa de baixo pra cima”, afirmou. Foto: Lucas Jeronimo

Em palestra na PUCCampinas, o jornalista e escritor Audálio Dantas abordou a produção de livro sobre Vlado Herzog e debateu sobre o período da ditadura militar O jornalista e escritor Audálio Dantas esteve presente na Jornada de Jornalismo 2014 da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC- Campinas), cujo tema foi “50 anos do Golpe Militar: memória, jornalismo e resistência”. Autor do livro “As Duas Guerras de Vlado Herzog - da Perseguição Nazistana Europa à Morte sob Tortura no Brasil”, editado pela Editora Civilização Brasileira, ele recebeu o prêmio Jabuti na categoria melhor livro de não ficção em 2012. Dantas falou sobre o processo de produção do que considera uma contribuição histórica: “Eu não tive coragem de enfrentar o assunto quando

estávamos no olho do furacão. Passados 30 anos da restituição da democracia no Brasil, as pessoas me cobravam e eu pensei – tenho que contar essa história”. O jornalista afirmou que teve dificuldade para acessar as informações sobre o período da ditadura e da prisão o sequestro do jornalista Vlado Herzog, assassinado pelos militares em 1975. “O Brasil ainda vive resquícios da ditadura. Quando fui ao Arquivo Nacional, me pediram o atestado de óbito do Vlado. Como eu iria ter um documento desses em mãos? É uma grande burocracia para um cidadão acessar as informações num país teoricamente democrático.” Além de socializar a história de luta de Vlado Herzog, tanto na Europa nazista, quanto no Brasil amordaçado pela censura, Dantas apresenta no livro informações sobre a forma-

Resenha

Vida e morte nos anos de Ditadura Militar Audálio Dantas, autor de “As Duas Guerras de Vlado”, participa da Jornada de Jornalismo 2014

Editora: Civilização Brasileira Edição: 1 Ano: 2012

Vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura na categoria melhor livro de não ficção em 2012, “As Duas Guerras de Vlado Herzog”

se destaca no ano em que o golpe militar de 1964 completa 50 anos. À primeira vista, a impressão que se tem é de es-

tar lendo uma grande reportagem, mas segundo o autor Audálio Dantas, o livro é uma biografia, embora traga traços de outros gêneros em vários momentos da narrativa. Dantas, que testemunhou a maioria dos fatos narrados, traz ao leitor a oportunidade de conhecer detalhes sobre a infância de Vladimir Herzog na Iugoslávia, país natal do jornalista, do qual ele Vlado e sua família de origem judia fugiram da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, no Brasil não teria tanta sorte: o jornalista é levado pelos militares e torturado até a morte, em 1975. O autor descreve os momentos de suplício vivenciados não só por Herzog, mas por todas as pessoas consideradas “subversivas”, que sofreram nos porões do DOI-CODI. O leitor encontrará tam-

bém explicações sobre como a luta armada do Partido Comunista, que era clandestino, começou, e como os movimentos de esquerda se organizaram para se oporem aos torturadores. Vlado carregava consigo os ideais de esquerda e um senso de justiça muito forte, e, à frente da direção da TV Cultura, buscava reportar as notícias baseadas nos fundamentos da profissão, nos valores-notícia e, principalmente, no interesse público, recusando-se a acobertar os fatos pertinentes à população, como no episódio do surto de meningite. Além de cenas carregadas de emoção, as informações sobre a resistência e a organização dos jornalistas que não compactuavam com a censura imposta nas redações também estão presentes, tornando a obra cada vez mais envolvente.

Chama atenção a apuração minuciosa das informações contidas nos relatos de Audálio Dantas, que descrevem com riqueza e precisão o cenário da época: a quantidade de jornalistas perseguidos, como era a formação do sindicato dos jornalistas antes da ditadura militar, como foi modificada, de que maneira se deu a luta contra a censura, entre outros tópicos. A recuperação deste trecho da história brasileira é fundamental para o entendimento da realidade do país nos dias atuais, considerando que até hoje muitas histórias não foram desvendadas. A Comissão Nacional da Verdade, implantada pela presidente Dilma Roussef, atua para investigar estas lacunas que ainda existem na história de muitas famílias que perderam seus entes devido aos anos de chumbo.


Cultura

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05 de maio de 2014

Romances resgatam períodos históricos Obras de ficção têm como pano de fundo acontecimentos de décadas passadas de Campinas

A passagem da Tropa do exército por Campinas durante a Guerra do Paraguai, a longa luta da Associação Atlética Ponte Preta para sair da segunda divisão, o devastador episódio da febre amarela pela cidade: todos esses tópicos podem ser estudados por meio de diversos títulos e documentos encontrados nas prateleiras das bibliotecas. Mas, nas mãos de escritores, também podem se tornar tema para romances. Pensando nessa possibilidade o jornalista e professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCampinas), Luiz Roberto Saviani Rey, sentiu-se estimulado a escrever o romance “O Retiro Antes da Laguna: Taunay em Campinas” (Pontes, 2013, R$ 30,00, 138 páginas), por acreditar que uma história baseada em fatos reais, mas contada no formato de um romance poderia gerar mais interesse dos leitores do que um relato histórico ou acadêmico. Foi escrevendo curtos roteiros para televisão sobre a história de Campinas que Saviani Rey se deparou com um objeto que chamou sua atenção: um monumento que continha a frase “Aqui estacionaram os heroes de Laguna em marcha para o norte do Paraguai tendo partido de São Paulo em 10-4-1865 sob o comando do cel. Drago – Homenagem da cidade de Campinas -

Eustáquio Gomes O também jornalista Eustáquio Gomes, que morreu em 31 de janeiro de 2014, aos 61 anos, também se inspirou na história real da cidade para escrever romances. É o caso de “A Febre Amorosa” (1984, Geração, R$ 29,90, 126 páginas). Uma sátira política e moralista, fundada em meio ao fantasma da

febre amarela que assombrou Campinas em 1889, e na instabilidade social do período da República, mostrando o evidente conflito entre republicanos e monarquistas sintetizados na história de amor entre uma baronesa e um médico sanitarista ao mesmo tempo em que ressalta as peculiaridades da cidade. O escritor, filósofo e professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Goto, amigo de Eustáquio Gomes, resgata em sua memória que Eustáquio teve como ponto de partida o romance “A Peste”, de Albert Camus (1913-1960). Goto também ressalta a afeição do amigo pela história de Campinas, interesse do qual resultaram também outros trabalhos como “Os Rapazes d’a Onda e Outros Rapazes” (ensaio, 1992) e “O mandarim: história da infância da Unicamp” (biografia, 2006). Além do fato de um dos personagens ter sido inspirado em uma figura campineira: tratase do personagem J.B Canastra, calcado na figura do jornalista e historiador Benedito Barbosa Pupo (1906-2001). Literatura Segundo o professor Roberto Goto, a rigor não existe nenhuma diferença essencial que separe um romance composto integralmente por elementos fantasiosos de um romance que contém um personagem, um evento ou um local que realmente tenha existido. Mas, o senso comum parece definir um romance histórico àqueles que se voltam à fic-

cionalização de algum passado, incluindo assim no gênero tanto as obras que a tradição já consagrou como típicos romances históricos, como os títulos de Walter Scott (1771- 1832), quanto alguma biografia romanceada de alguma personalidade histórica. A imaginação do autor de uma criação que pode se considerar como sendo um romance histórico, em seu sentido mais amplo, tem a liberdade de traduzir na obra o tom ou tonalidade que preferir, podendo também explorar a fundo a chamada licença poética, inventando ou exagerando situações que caricaturam o personagem. Mas o limite dessa imaginação, segundo o filósofo e professor da Unicamp, parece ser o da verossimilhança: “Se o autor não tomar cuidado pode desfigurar o retrato até o ponto de não ser mais possível reconhecer o personagem histórico. Mas ocorre que o critério da v e ro s s i m i l h a n ç a também é elástico, dependendo da predisposição do leitor em aderir ou não o que a obra oferece em termos de enredo e caracterização dos personagens”. Podemos perceber essa questão da verossimilhança na outra narrativa do jornalista e professor da PUC-Campinas, Luiz Roberto Saviani Rey. Em “A maldição dos eternos domingos sem derby” (2010, Komedi, esgotado, 80 páginas) o autor retrata a partir de suas próprias memórias do final da década de 1950 e início da década de 1960 a rivalidade entre as torcidas dos clubes Campineiros Associação Atlética Ponte Preta e Guarani Futebol Clube sempre pautado pela figura do seu Tio Lula.

Foto: Antoninho Perri

Fernanda Martins

1940”, no Largo de Santa Cruz, na Rua Major Sólon, no Cambuí. A partir disso, iniciou suas pesquisas para a realização do roteiro e percebeu a possibilidade de aprofundar mais essa história: “Eu descobri que a passagem da tropa por Campinas foi uma grande festa. A cidade era muito rica e poderosa, era a época da monocultura do café. Os barões quando viram os soldados, ricos, filhos de famílias nobres das cortes do Rio de Janeiro, ofereceram bailes e muitas festas. Esse foi o momento em que a ideia eclodiu como livro”. “O Retiro Antes da Laguna” retrata no ano de 1865 a parada de 66 dias da tropa imperial por Campinas, que ficou acampada no Largo Santa Cruz, hoje bairro Cambuí, destacando um personagem: O Visconde de Taunay. As memórias, as cartas de Taunay para o pai e o livro “A retirada da Laguna” foram consultados para a realização dessa obra, mas como se trata de um romance, vários fatos são frutos da imaginação do autor, como os diálogos.

Jornalista e escritor Eustáquio Gomes (1952 - 2014)

AS OBRAS


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